quinta-feira, 6 de abril de 2017

Montepio Geral e a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa casam?

À margem do evento que marcou, em Lisboa, o 40.º aniversário do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, José António Vieira da Silva, Ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, declarou aos jornalistas que o Governo e ele próprio veem “de forma positiva uma cooperação reforçada entre instituições que têm uma missão social relevante”.
Questionado pelos jornalistas sobre a hipótese noticiada de a SCML (Santa Casa da Misericórdia de Lisboa) ser acionista da Caixa Económica Montepio Geral e sobre os problemas que tal poderá levantar, tendo considerado que em causa não está uma “instituição financeira qualquer”, mas com origem no setor da economia social, o governante sublinhou:
“Estamos a falar de uma [instituição] que tem por base uma organização da chamada economia social, de matriz mutualista, e a integração com outras organizações que também têm essa origem de instituição de natureza social vejo-a como positiva”.
Tudo isto surge na pantalha das discussões dada a situação que o Montepio Geral enquanto caixa económica está a atravessar, bem como a associação mutualista que detém a propriedade do Banco, no quadro do panorama geral do sistema financeiro português e, em especial, do setor bancário.
Na verdade, como refere Santana Lopes, em artigo de opinião publicado hoje, 6 de abril, no Jornal de Negócios, “o tema do setor bancário em Portugal nos tempos que correm, e por razões bem compreensíveis, é um assunto muito sensível”. É verdade que “as pessoas estão fustigadas por tanta notícia de tanta má gestão, de tanto dano causado no valor das empresas e no bolso dos contribuintes”. De facto, “notícias sobre o BPN, sobre o BPP, sobre o BES, sobre o Banif, entre outros, abalaram, em grande medida, o sentimento positivo que os portugueses tinham em relação à banca, aos seus bancos”, a ponto de vivermos “num tempo em que, nomeadamente no on line, todos os dias se escreve sobre tudo e, às vezes, mesmo sobre aquilo que ainda não existe”.
É de recordar que o BPP entrou em liquidação; o BPN foi nacionalizado, embora não a sociedade que era sua acionista, a SLN, e vendido ao BIC pela astronómica soma de 44 milhões (?); o BES entrou em resolução, ficando com os ativos tóxicos e dando origem ao Novo Banco (NB), que está sujeito a um programa de venda, ainda não consumado, embora já com luz e neblina, à mistura, ao fundo do túnel; e o Banif foi integrado no Santander. Tudo com os prejuízos sociais e económicos por demais conhecidos e que já custaram aos contribuintes, direta ou indiretamente, 13 mil milhões.
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No atinente ao Montepio, para lá de situações concretas que indiciam gestão de eficácia duvidosa e até ruinosa, o panorama geral é bastante crítico. E tanto o Governo como o Banco de Portugal parecem advogar a separação da associação mutualista da operadora bancária, sendo que esta deveria mudar de designação. Pela experiência de anos, parece que a mudança de nome pouco interessa. Que diferença fez a mudança de PIDE para DGS, de UN para ANP, de EN para RDP ou de JAE para IEP?
Neste contexto, se o Ministro das Finanças, em entrevista à Rádio Renascença, no passado dia 30 de março, se louvava apenas no trabalho que ele próprio fazia em relação ao Montepio, ou se o Primeiro-Ministro reconhece que o sistema financeiro, que estava caótico, agora está um pouquinho melhor, é natural que o Ministro da Solidariedade tenha a peito solucionar um setor do sistema financeiro que emergiu de uma estrutura de solidariedade e que está sob a sua tutela.
Por isso, Vieira da Silva disse que tem o “maior prazer” em responder às questões sobre este tema no Parlamento, tal como pediu o CDS-PP. E, ao ser interrogado sobre as alterações que estão a ser estudadas quanto à tutela da Associação Mutualista Montepio Geral, atualmente da responsabilidade do Ministério que tutela, não adiantou pormenores do que está em discussão, assegurando apenas que está a ser “estudado que algumas funções de instituições mutualistas de maior dimensão sejam supervisionadas por instituições de outra natureza”. No entanto, recusou confirmar se em causa está passar parte da supervisão para a ASF (Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões), respondendo um tanto laconicamente: “Eventualmente, mas não queria avançar”. E, quanto à revisão do Código Mutualista, o Ministro referiu que o assunto está ligado ao da supervisão das instituições mutualistas e que eventuais mexidas serão anunciadas ao mesmo tempo.
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A esta problemática a SCML vem dizer que “analisa escrupulosamente todos os eventuais projetos ou investimentos de potencial interesse”, já que tem “a obrigação de estudar e ponderar parcerias”, mas “nunca assume riscos indevidos, porque não é essa a sua vocação nem é essa a sua natureza”. Esta é a sua posição relativa a contactos havidos com o Governo para a entrada no capital da Caixa Económica Montepio Geral e que foi assumida pela instituição liderada por Pedro Santana Lopes em comunicado sobre os resultados de 2016, oportunamente divulgado – documento em que se pode ler:
“Sempre consciente da sua missão e valores, a SCML ‘não entra em aventuras’ e analisa escrupulosamente todos os eventuais projetos ou investimentos de potencial interesse, nomeadamente propostas apresentadas pela Tutela ou pelo Governo, sempre com vista à defesa dos interesses da Instituição e daqueles que dela beneficiam diariamente”.
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No aludido artigo de opinião, Santana Lopes, pedindo que “não se invente”, afirma “dever aproveitar este espaço para frisar bem que a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) não tem intenção rigorosamente nenhuma em relação ao Montepio”. E refere a mudança de postura quanto a parcerias financeiras desde que chegou à SCML, promovendo a diversificação:
“Quando cheguei à SCML há quase seis anos, o Montepio era talvez o principal parceiro financeiro da Santa Casa. Entendeu a Mesa de então, de que eu era primeiro responsável, diversificar esses laços, mas isso em nada diminuiu o propósito de trabalhar em conjunto com aquela também antiga instituição, nomeadamente na área do empreendedorismo social – projetos com potencial ainda por explorar. Em conjunto com o Montepio e com a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo, desenvolvemos projetos comuns, que com o Montepio já vinham de antes da minha chegada a estas funções.
Recorda o que se passou há cerca de um ano, a propósito, mas não só por causa do NB:
“Estive num almoço em que me falaram da possibilidade de várias instituições, incluindo a União das Misericórdias Portuguesas e as que acima referi, se unirem num projeto de instituição financeira mais virada para a economia social”.
E esclarece os que “sabem menos destas matérias ou fingem estar distraídos”:
“Os bancos da economia social não trabalham só com entidades dessa área, trabalham muito, também, com o setor privado e com o próprio Estado. Só desse modo, em diferentes países da Europa, desenvolveram os seus projetos e se afirmaram como instituições de significativa relevância. Repito: em diferentes países da Europa, portanto, essa ideia que me foi falada não nasceu cá.”.
Num segundo ponto, porfia que “a SCML nada tem que ver com o Montepio, seja com a Associação Mutualista, seja com a Caixa Económica” e que, para lá das conversas que referiu do ano passado, “não houve nenhuma reunião com mais ninguém”. Entende que agora, quando o assunto está na agenda duma eventual entrada de organizações do setor social no capital da Caixa Económica, “o único dado a acrescentar é o facto de o ministro Vieira da Silva ter admitido que poderia ser interessante a participação de organizações desse setor económico no capital da Caixa Económica do Montepio”.
Assegurando que, da sua parte, “não houve uma única conversa, reunião ou sequer leitura de documentos depois de se ter conhecido essa posição ministerial”, afirmou e mantém que “a partir do momento em que o Ministro que tem a tutela da SCML exprime ou admite essa possibilidade, a Santa Casa tem a obrigação, não de a rejeitar “in limine”, mas de a estudar.
E, sobre a personalidade deste Ministro, diz:
“Tenho o ministro Vieira da Silva na conta de uma pessoa muito responsável e que, certamente, nunca pediria à Santa Casa para entrar numa aventura. Por isso mesmo, também a obrigação acrescida de estudar uma possibilidade por ele aventada. Tudo o que vá além disto é pura especulação e, por isso, não se tentem criar títulos de facto consumado, do género ‘Negócio Santa Casa/Montepio’, a propósito de uma ida de Vieira da Silva à Assembleia da República.”.  
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Também o ex-Ministro da Finanças Bagão Félix se pronunciou em entrevista de hoje ao “Público” e à Renascença, dizendo que a entrada da SCML no Montepio “é um disparate”, “uma ideia um pouco peregrina” e que espera que “não venha a acontecer”, pois, “além do mais, seria uma nacionalização parcial de um banco, neste caso da Caixa Económica, por via da Santa Casa, que tem o exclusivo dos jogos sociais”. Com efeito, a SCML é única das Misericórdias cuja provedoria é de nomeação estatal.
Afirma-se preocupado com o que se passa no Montepio, sustentando:
“No princípio é uma situação que não preocupa ninguém, mas o que temos verificado em todos os casos do sistema bancário e financeiro é que aquilo que começa apenas por ser o verbo, no fim, é uma grande verba. E as notícias recentes sobre a Caixa Económica Montepio Geral (CEMG) – que é detida na totalidade pela Associação Mutualista Montepio Geral –, sobre a possibilidade de outras entidades, como a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, poderem vir a fazer parte do capital da CEMG é um absoluto contrassenso, um disparate.”.
e, pronunciando-se sobre o caso do NB, assegura que Passos Coelho mentiu quando disse que a resolução do BES não teria custos para os contribuintes e que António Costa está a fazer o mesmo com a venda do NB. Segundo ele, a afirmação do Primeiro-Ministro de “que não haveria, nem agora, nem no futuro, custos diretos ou indiretos para o contribuinte e, portanto, não afetaria, entre outras coisas, o défice” não corresponde à realidade. E explicita:
“Era bom, é um desejo, mas de desejos desses estamos todos fartos. Recordo-me de que o anterior Governo, em agosto de 2014 [aquando da resolução do Banco Espírito Santo], também referiu que o Tesouro tinha emprestado 3900 milhões de euros ao Fundo de Resolução e que não haveria qualquer problema para os contribuintes. Como se vê e já era expectável, até por experiência de casos anteriores, isso não iria corresponder à realidade.”.
Bagão Félix diz que haverá custos para os contribuintes “por várias razões”:
“Em primeiro lugar a operação não é grátis. Nunca o seria, mas não é grátis porque o dinheiro que o Estado emprestou ao Fundo de Resolução é dinheiro que o Estado teve de pedir emprestado. Portanto, o primeiro custo é o custo do empréstimo ao Fundo de Resolução. Depois, há um segundo custo: quase 20% do Fundo de Resolução é constituído pela CGD, logo, se a garantia dada de 3890 milhões de euros tiver de entrar em funcionamento, recai [sobre a CGD] por via de menor distribuição de dividendos ao único acionista que é o Estado e pela possibilidade de ser necessário um aumento de capital.”.
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Será que o Montepio vai adicionar custos financeiros aos contribuintes como os outros bancos acima referidos? Quem é que disse que Portugal não tem dinheiro?

2017.04.06 – Louro de Carvalho

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