domingo, 9 de abril de 2017

Domingo de Ramos inaugura a Semana Santa, a Semana Maior

“Antes da Páscoa vêm os Ramos” é um provérbio português que revela a sabedoria de quem não atrapalha o tempo e sabe esperar colocando cada coisa no seu tempo e no seu lugar.
Porém, em termos teológicos e espirituais, deve ter-se em conta que a Páscoa da Ressurreição não seria possível sem o domingo que celebra a entrada triunfal de Jesus na sua cidade de Jerusalém, aclamado com hossanas Àquele que vem em nome do Senhor, o Messias, o Rei de Israel. Eram as multidões ruidosas e as vozes inocentes das crianças que O aclamavam. Na verdade, como canto o Salmo 8, “da boca das crianças e dos pequeninos” o Senhor fez uma fortaleza contra os seus inimigos, para fazer calar os adversários rebeldes.
E, quando Jesus percebeu que os inimigos desta manifestação teofânica pretendiam calar este arruído popular, sentenciou: “se eles se calarem, gritarão as pedras” (Lc 19,40).   
Era preciso que se cumprisse o que foi dito pelo profeta: “Dizei à filha de Sião: Aí vem o teu Rei, ao teu encontro, manso e montado num jumentinho, filho de uma jumenta” (Mt 21,4-5).
Por isso, ao aproximarem-se de Jerusalém e chegados a Betfagé, junto ao monte das Oliveiras, Jesus mandou dois discípulos à aldeia que estava em frente deles para trazerem uma jumenta presa e, com ela, um jumentinho; e que, se alguém os questionasse, respondessem: ‘O Senhor precisa deles, mas logo os devolverá’ (cf Mt 21,1-3).
Os discípulos fizeram como Jesus lhes ordenara: trouxeram a jumenta e o jumentinho, puseram as capas sobre eles e Jesus sentou-Se em cima. Grande multidão estendia as capas no caminho; outros cortavam ramos das árvores e espalhavam-nos pelo chão e aclamavam-No (cf Mt 21,6-9).
Quando Jesus entrou em Jerusalém, toda a cidade ficou em alvoroço. E perguntavam quem era ele. E a multidão respondia: “É Jesus, o profeta de Nazaré, da Galileia” (cf Mt 21,10-11).
Assim, na procissão dos ramos, a anteceder a Missa, uma das sugestões de cânticos – a par dos salmos processionais 24 (23), pertencente ao género literário dos salmos do reino, próximos dos salmos reais, mas relativos à entronização simbólica de Javé como rei (com os temas da procissão, das portas do santuário e da chegada da glória de Deus), e 47 (46), em honra da realeza de Javé e em que se afirma a soberania universal do Deus de Israel e se convidam todos os povos a um louvor unânime – pode entoar-se o hino a Cristo Rei, cujo refrão é:
Glória, honra e louvor a Jesus Cristo, 
Que é nosso Rei e nosso Redentor. 
Como as crianças de Jerusalém, 
     Cantemos ao que vem 
     Em nome do Senhor.
E as estrofes:
1. Louvam os Anjos no alto dos Céus, 
Os homens cantam com ramos e palmas: 
Bendito seja o Filho de David, 
Senhor do mundo e Rei das nossas almas. 
2. Exulta o universo de alegria, 
Aclamando a vitória do Deus forte: 
O Cordeiro votado ao sacrifício 
É o Senhor que vai vencer a morte. 
3. A alegria do povo resgatado, 
Que celebra o triunfo de Jesus, 
Seja um dia perfeita e gloriosa 
Na claridade da eterna luz. 
***
A aclamação na entrada triunfal de Jesus em Jerusalém é efémera, mas é um sinal revelador do que há de ser no fim dos tempos e traduz o significado profundo da Morte, Sepultura, Descida à Mansão dos Mortos e Ressurreição do Senhor. Uma réplica para a multidão da cena da transfiguração operada apenas perante Pedro e os dois filhos de Zebedeu entre Moisés, o da Lei e Elias, o da Profecia (vd Mt 17,1-9; Mc 9,2-10; Lc 9,28-36; 2 Pe 1,16-18). Trata-se de cenas que antecedem no discurso e na ação a Ressurreição de Jesus. Só que a entrada de Jesus em Jerusalém já era para se efetuar a sua entrega pelos homens na obediência à vontade do Pai: “por nós, homens e por nossa salvação…”.
Disse hoje, na sua homilia, o Papa Francisco que “este Jesus, cuja entrada na Cidade Santa estava prevista nas Escrituras nos termos em que aconteceu, não é um iludido que apregoa ilusões, um profeta ‘new age’, um vendedor de fumaça – Longe disso! – mas é um Messias bem definido, com a fisionomia concreta do servo, o servo de Deus e do homem que caminha para a paixão; é o grande Padecente da dor humana”.
Por isso, o domingo de Ramos, como porta de passagem para a Semana Santa, é também o domingo da Paixão. E, neste ano A, pôde ser proclamado e escutado em assembleia litúrgica o relato da Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus (Mt 26,14 – 27,66).
Com efeito, após a leitura do Livro de Isaías (Is 50,4-7), em que se contemplou o Servo que, feito discípulo, Se entregou para dar alento aos abatidos, e da Carta de São Paulo aos Filipenses, que nos ensina que Jesus Cristo, não Se valeu da sua igualdade com Deus, mas Se aniquilou e Se tornou semelhante aos homens, vimos como São Mateus vê em Cristo o cumprimento das profecias veterotestamentária sobre o Messias.
E, como dizia o sacerdote que presidiu à celebração eucarística em que participei, não vamos fixar-nos na traição de Judas nem na postura da tríplice negação de Pedro – temos é de as esconjurar da nossa vida –, mas devemos fixar-nos na confissão do centurião e daqueles que com ele guardavam Jesus no Calvário: “Este era verdadeiramente o Filho de Deus”. Ora, como sabemos, o centurião e os subalternos pensavam que este momento era o fim de Jesus. Porém, nós estamos seguros de que Ele não só era, mas é o Filho de Deus, o Senhor. De facto, como prega a Carta aos Filipenses, “porque Se rebaixou a Si mesmo, tornando-Se obediente até à morte e morte de cruz, é que Deus O elevou acima de tudo e Lhe concedeu o nome que está acima de todo o nome, para que, ao nome de Jesus, se dobrem todos os joelhos, os dos seres que estão no céu, na terra e debaixo da terra; e toda a língua proclame que Jesus Cristo é o Senhor, para glória de Deus Pai” (Fl 2,8-11).
Da leitura da Paixão, devo destacar aqui e agora, não só a postura do traidor, que tantas vezes assumimos, quando nos afastamos da vida cristã ou atraiçoamos o próximo, ou a negação de Cristo, como fez Pedro, por vergonha ou respeito humano, com o receio de que nos critiquem, mas a atitude de achincalhamento ao Senhor.
Na verdade, os soldados do Governador levaram Jesus para o pretório, reuniram à sua volta toda a coorte, tiraram-Lhe a roupa e envolveram-No num manto vermelho, teceram uma coroa de espinhos, puseram-Lha na cabeça e colocaram uma cana na sua mão direita. Depois, ajoelhando escarneciam-No, dizendo: “Salve, Rei dos judeus!” (Mt 27,27-30).
Ora, nós fazemos isto a cada passo. Quantas vezes não apoucamos a figura de Jesus! Desencantam-me as procissões do Senhor dos Passos ou do Senhor da Aflição ou do Senhor da Cana Verde – rodeadas de foguetório, disputas, intrigas, bailaricos e gastos desnecessários. Torna-se obscena a atitude que tantas vezes tomamos contra a dignidade das pessoas: violência doméstica, violência no namoro, maus tratos a crianças, mulheres e idosos, tráfico de seres humanos ou de seus órgãos, exploração de trabalhadores, especialmente mulheres e crianças, criação de meninos-soldados, prostituição, abuso sexual de menores, piropos achincalhantes. Não estamos a apresentar assim tantas vezes um Cristo desnudo ou com o manto de escárnio? Não pomos em cima da cabeça do rei da criação, que tiritando chora, como dizia Alexandre Herculano, a coroa de espinhos?
A escuta do relato da Paixão de Jesus terá de nos interpelar também hoje a nós, mesmo que o terrorismo nos esteja a assustar e a condicionar a vida e as atitudes. Aliás, quem sabe se os atos terroristas não vêm na sequência do apagão do Evangelho por parte dos que se dizem cristãos!
***
Talvez seja oportuno refletir nas palavras que Francisco dirigiu aos participantes na celebração da Eucaristia de hoje, no quadro da sua homilia:
“Enquanto festejamos o nosso Rei, pensemos nos sofrimentos que Ele deverá padecer nesta Semana. Pensemos nas calúnias, nos ultrajes, nas ciladas, nas traições, no abandono, no julgamento iníquo, nas bastonadas, na flagelação, na coroa de espinhos... e, por fim, no caminho da cruz até à crucifixão.”.
Mas o Papa não esquece o desafio claro previamente lançado aos discípulos:
Se alguém quer vir comigo, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-Me (Mt 16,24). Nunca prometeu honras nem sucessos. Os Evangelhos são claros. Sempre avisou os seus amigos de que a sua estrada era aquela: a vitória final passaria sempre pela paixão e pela cruz. E, para nós, vale o mesmo. Para seguir fielmente a Jesus, peçamos a graça de o fazer não por palavras, mas com as obras e de ter a paciência de suportar a nossa cruz: não a recusar nem jogar fora, mas, com os olhos fixos n’Ele, aceitá-la e carregá-la dia após dia.”.
Depois, “este Jesus, que aceita ser aclamado, mesmo sabendo que O espera o ‘crucifica-o!’, não nos pede que O contemplemos apenas nos quadros, nas fotografias, ou nos vídeos que circulam na rede”. Insiste o Pontífice:
“Está presente em muitos dos nossos irmãos e irmãs que hoje, sim hoje, padecem tribulações como Ele: sofrem com um trabalho de escravos, sofrem com os dramas familiares, as doenças... Sofrem por causa das guerras e do terrorismo, por causa dos interesses que se movem por detrás das armas que não cessam de matar. Homens e mulheres enganados, violados na sua dignidade, descartados.... Jesus está neles, em cada um deles, e com aquele rosto desfigurado, com aquela voz rouca, pede para ser enxergado, reconhecido, amado.”.
E o Papa avisa, para que ninguém se confunda ou distraia:
“Não há outro Jesus: é o mesmo que entrou em Jerusalém por entre o acenar de ramos de palmeira e oliveira. É o mesmo que foi pregado na cruz e morreu entre dois malfeitores. Não temos outro Senhor além d’Ele: Jesus, humilde Rei de justiça, misericórdia e paz.”.
***
Boa Semana Santa!

2017.04.09 – Louro de Carvalho

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