quarta-feira, 25 de outubro de 2017

Em Fátima peregrinou-se e celebrou-se a missa votiva de São João Paulo II

Em 27 de abril de 2014, II domingo de Páscoa e da Divina Misericórdia, numa celebração inédita presidida pelo Papa Francisco e com a presença do Papa Emérito Bento XVI, João Paulo II, que fora beatificado pelo Papa Ratzinger a 1 de maio de 2011, foi declarado Santo juntamente com o Papa João XXIII. E a sua festa litúrgica, com a categoria de memória facultativa, celebra-se no dia 22 de outubro, data que marca o dia de início do pontificado de Karol Wojtyla, em 1978, ao passo que a do santo Papa Roncalli ficou para o dia 11 de outubro, dia em que, antes da reforma do calendário litúrgico, se celebrava a festa da Maternidade de Maria e que marcou o ano de 1962 com a abertura do Concílio Vaticano II, anunciado, convocado e inaugurado por João XXIII, para o qual invocou a intercessão de Maria, auxílio dos Cristãos e auxílio dos Bispos (vd Discurso de abertura do Concílio, 1962).
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Missa votiva em memória de São João Paulo II
Assim, o Santuário de Fátima – tendo em conta que São João Paulo II visitou Fátima por três vezes, incluindo o 13 de maio do no jubilar do milénio para a beatificação dos pastorinhos Francisco e Jacinta, e mostrou de muitos modos a sua predileção por Maria sob o título de Nossa Senhora de Fátima, em quem viu uma poderosa mão protetora – vem celebrando a memória litúrgica do santo Pontífice polaco no dia 22 de outubro de cada ano.
Porém, como este ano, o dia 22 caiu em domingo, nas celebrações oficiais prevaleceu a Missa do XXIX domingo do Tempo Comum, Ano A, a que, a seguir, se fará referência.
Entretanto, como é compreensível, o Santuário tem os seus privilégios litúrgicos e quase sempre se pode celebrar missa votiva de Nossa Senhora do Rosário de Fátima na Capelinha das Aparições, a menos que ocorra uma solenidade ou a pertinência evangelizadora recomende de outro modo. Desta vez, deu-se o caso de o Santuário ter recebido uma relíquia de Karol Wojtyla, nome de Batismo do Papa São João Paulo II. Por isso, era conveniente, mesmo do ponto de vista litúrgico, marcar o dia 22 com a celebração da missa votiva em memória de São João Paulo II, que decorreu na Basílica de Nossa Senhora do Rosário de Fátima onde esteve presente a aludida relíquia, bem como onde se registou a presença de alguns dos acólitos que serviram o altar aquando das visitas do Papa polaco a Fátima, em 1982, 1991 e 2000.
Presidiu a esta concelebração Dom Antonio Carlos Cruz, bispo de Caicó, no Brasil. E o Padre Sérgio Henriques lembrou aos peregrinos que encheram a Basílica de Nossa Senhora do Rosário a “dimensão especial” do acolhimento às relíquias de São João Paulo II, fazendo uma “ligação” a esse “dom que este Papa foi para a história e para o mundo”, frisando que “recordando as suas três visitas a Fátima, louvamos o Senhor pelo seu Ministério”.
O capelão do Santuário, memorando a liturgia dominical, afirmou que o Senhor nos convida “a respeitar as estruturas da sociedade em que vivemos”, o que significa que “tudo o que é humano e legítimo deve ser apreciado e respeitado pelos cristãos”, na ótica da Constituição Pastoral Gaudium et Spes (GS), do Vaticano II, sobre a Igreja no mundo atual, cujo n.º 1 refere:
As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo; e não há realidade alguma verdadeiramente humana que não encontre eco no seu coração (sublinho). Porque a sua comunidade é formada por homens, que, reunidos em Cristo, são guiados pelo Espírito Santo na sua peregrinação em demanda do reino do Pai, e receberam a mensagem da salvação para a comunicar a todos. Por este motivo, a Igreja sente-se real e intimamente ligada ao género humano e à sua história.”.
E frisou que “a ciência, a tecnologia, os grandiosos do mundo não são Deus; só Deus é Deus”.
O Padre Sérgio disse que todo o ser humano deve “participar na vida da Humanidade, ser Homem entre os Homens, apreciar a beleza do mundo”, uma vez que é possível “conciliar a prática política com o evangelho, como nos disse São João Paulo II”.
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A relíquia foi acolhida no Santuário de Fátima ao início da manhã do dia 21 de outubro. Durante a celebração, em que participaram vários peregrinos que encheram por completo a Capela da Ressurreição de Jesus, no piso inferior da Basílica da Santíssima Trindade, foi lida a 3.ª parte do segredo, a partir das memórias da Irmã Lúcia; refletiu-se sobre o significado da relíquia, que é sangue; e rezou-se a oração que o Papa São João Paulo II rezou em Fátima, em maio de 1982, quando visitou pela primeira vez o Santuário e consagrou a humanidade ao Imaculado Coração de Maria.
Segundo o Padre José Nuno Silva, capelão do Santuário, que presidiu à celebração que acolheu a relíquia na Capela da Ressurreição de Jesus, onde ficou exposta para veneração, “esta relíquia simboliza a condição da Igreja no mundo, sempre sujeita à provação e ao martírio”.
A relíquia é um pedaço de tecido da batina ensanguentada, usada no momento do atentado que o atingiu, quase mortalmente, a 13 de maio de 1981, na Praça de São Pedro e foi cedida ao Santuário pela Postulação da Causa de Canonização do Papa polaco.
A presença da relíquia em Fátima deve-se essencialmente à ligação profunda existente entre São João Paulo II e Fátima, que o Santuário procura também sublinhar neste ano do Centenário. De facto, Karol Wojtyla foi o Papa que mais vezes visitou Fátima, três vezes no total, embora tenha estado também no ano de 1983, em Portugal, no aeroporto de Lisboa, onde discursou perante a multidão, no âmbito duma escala técnica de viagem à América Latina.
Desde tenra idade, Karol Wojtyla criou forte devoção a Nossa Senhora. Quando morreu a sua mãe, ainda criança, passou a visitar frequentemente a igreja paroquial e habituou-se a confiar todas as suas preocupações e anseios à Virgem. Mais tarde, quando foi nomeado bispo, escolheu para as suas armas episcopais, a letra M junto à cruz e o lema Totus Tuus (Todo Teu), como sinal de total entrega a Maria. E, com frequência, era visto o então bispo e cardeal de Cracóvia no Santuário da Virgem Negra de Czestochowa, ajoelhado aos pés da Rainha da Polónia. A devoção de João Paulo II a Nossa Senhora foi sempre evidente. Aliás, todo o seu pontificado está intimamente ligado à mensagem de Fátima. Os esforços do Papa em cumprir todas as indicações que a Virgem deixou aos pastorinhos tiveram o seu ponto alto no ato de consagração celebrado em Roma, a 25 de março de 1984, Solenidade da Anunciação do Senhor, em união com todos os bispos do mundo. Para presidir àquela celebração, o Santo Padre fez-se acompanhar da imagem original da Virgem, que se venera na Capelinha das Aparições.
No dia seguinte, João Paulo II entregou ao Bispo de Leiria, Dom Alberto Cosme do Amaral, uma pequena caixa com “um presente para Nossa Senhora”. Comovido, o Bispo abriu a caixa e constatou que se tratava da bala que tinha atravessado o corpo do Papa aquando do atentado acima referido. E agora está encastoada no interior da coroa preciosa que se coloca na Imagem de Nossa Senhora nos dias 13, de maio a outubro, e noutras solenidades especiais, como a Imaculada Conceição e a Assunção de Nossa Senhora. Esta coroa de ouro tem 1,2 quilos, 313 pérolas e 2 679 pedras preciosas.
Dez anos após o atentado, João Paulo II voltou a Fátima. Desta vez, para lá do aspeto pessoal, o Papa teve outros motivos para agradecer à Virgem. O muro de Berlim já tinha ruído e os países de Leste abriam as portas à estabilização da democracia. Neste contexto, o Papa veio a Fátima
A fim de agradecer a Nossa Senhora a proteção dada à Igreja nestes anos, que registaram rápidas e profundas transformações sociais, permitindo abrirem-se novas esperanças para vários povos oprimidos por ideologias ateias que impediram a prática da sua fé”.
Mas também quis advertir que “as novas situações dos povos e da Igreja são ainda precárias e instáveis” e que “existe o perigo de substituir o marxismo por uma outra forma de ateísmo, que adulando a liberdade tende a destruir as raízes da moral humana e cristã”. Por outro lado, pediu a Maria que mostrasse que é “Mãe dos pobres, de quem morre de fome e sem assistência na doença, de quem sofre injustiças e afrontas, de quem não encontra trabalho, casa nem abrigo, de quem é oprimido e explorado, de quem desespera ou em vão procura o repouso longe de Deus” e que, enquanto Mãe da esperança, velasse “sobre a estrada que ainda nos espera”, sobre “os homens e sobre as novas situações dos povos ainda ameaçados por riscos de guerra”, sobre “os responsáveis das Nações e sobre todos os que regem os destinos da humanidade”; sobre “a Igreja sempre tentada pelo espírito do mundo”; e, em particular, pela Assembleia especial do Sínodo dos Bispos, “importante etapa no caminho da nova evangelização na Europa” e sobre o ministério petrino, “ao serviço do Evangelho e do homem rumo às novas metas da ação missionária da Igreja” (vd Ato de Entrega, Fátima,13.05.1991). 
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Mas a forte ligação do Papa polaco a Fátima é, sobretudo, pessoal e João Paulo II refere-se, por diversas vezes, ao “milagre de 13 de maio”.  Na audiência de 15 de maio de 1991, logo após a visita a Portugal afirmou:
Considero todo este decénio como dom gratuito que, de modo especial, devo à Providência Divina. Foi-me concedido particularmente como um dever, para que ainda pudesse servir a Igreja, exercendo o ministério de Pedro.”.
Mas na mesma audiência geral, as palavras mais significativas são as que dirigiu aos polacos:
Há dez anos fui introduzido na experiência de Fátima vivida pela Igreja. Isto aconteceu na tarde do dia 13 de maio: o atentado à vida do Papa. [...] Sei que a vida, a mim concedida de novo há dez anos, me foi dada pela misericordiosa Providência de Deus. Não esqueçamos as grandes obras de Deus.”.
Em 13 de maio 2000, ano em que é revelada publicamente a terceira parte do segredo de Fátima, João Paulo II voltou ao santuário da Cova da Iria e beatificou os irmãos pastorinhos Francisco Marto e Jacinta Marto.
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Peregrinações nacionais da Lituânia e da Bulgária
O Centenário foi, a 21 e 22, marcado pelas peregrinações nacionais da Lituânia e da Bulgária, acorrendo a Fátima centenas de peregrinos leigos, acompanhados de bispos e sacerdotes.
A Peregrinação Nacional da Lituânia teve início na manhã do dia 20 com uma celebração na Capela da Morte de Jesus,  que reuniu mais de 600 peregrinos, 100 sacerdotes e 8 bispos e o Arcebispo Gintaras Grusas, daquele país. A peregrinação é o resultado de mais de 340 pequenos grupos oriundos da Lituânia e de alguns grupos de Lituanos residentes em Portugal. O elemento mais velho desta peregrinação tem mais de 90 anos; e o mais jovem, cerca de dois anos e meio.
Após aquela celebração, o grupo visitou em Aljustrel as casas dos pastorinhos e os lugares das aparições do Anjo. Na noite de 20 para 21, tiveram a participação no rosário e procissão das velas, onde foi rezado um mistério do terço na língua nativa daquele país. No dia 21, o grupo visitou alguns monumentos da Região Centro. Ao fim da tarde, a Capela da Morte de Jesus recebeu mais uma celebração particular desta peregrinação, que antecede a participação no rosário e procissão das velas.
O domingo, dia 22, foi o dia mais importante para os mais de 600 peregrinos lituanos. O dia iniciou-se com uma celebração na Basílica da Santíssima Trindade, para depois rumarem a Santiago de Compostela onde esta viagem terminou.
Em 2013, por ocasião do Ano da Fé, do Jubileu de 600 anos do Batismo dos Samogitianos e do aniversário de 20 anos da visita à Lituânia do Papa São João Paulo II, um grupo de peregrinos percorreu 4.400km, carregando uma cruz com cerca de 65 quilos, para participar na Peregrinação Internacional de outubro daquele ano.
Por seu turno, a Peregrinação Nacional da Bulgária – constituída por um grupo de cerca de 210 peregrinos, acompanhado por 10 sacerdotes e pelo Bispo Christo Proykov – começou no dia 21 pelas 17,30 horas com saudação a Nossa Senhora na Capelinha das Aparições, seguida duma celebração, pelas 18,30 horas, na Capela dos Santos Anjos.
Também esta peregrinação participou no rosário e procissão das velas, de sábado, dia 21. No domingo, o programa teve início às 11 horas com a celebração no Recinto de Oração. À noite, o grupo rezou um mistério no rosário internacional e transportou o andor de Nossa Senhora na procissão das velas. Na segunda-feira, dia 23 de outubro e último dia da peregrinação, os 210 peregrinos reuniram-se na Capelinha das Aparições para a celebração da Eucaristia.  
Já no passado dia 1 de julho, a Paróquia de Fátima em Pleven, cidade do norte da Bulgária, recebeu o Cardeal Leonardo Sandri, Prefeito da Congregação das Igrejas Orientais, para com os católicos búlgaros, celebrar o Centenário das Aparições de Fátima, no Santuário de Fátima de Pleven, que nasceu em resposta ao Bispo Dom Petko Christov de Nicopoli, por ocasião duma peregrinação junto com os outros bispos católicos búlgaros ao Santuário de Fátima, em 1996. 
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Celebração da Liturgia dominical
Como acima foi dito, decorreram, no Santuário, as celebrações habituais referentes ao XIX domingo do Tempo Comum, tendo o Recinto de Oração acolhido, na manhã do dia 22, a eucaristia dominical, sob a presidência de Dom Leo Cushley, Arcebispo de St. Andrew e Edimburgo, na Escócia. Na homilia que, a propósito proferiu, o Padre Vítor Coutinho, vice-reitor do Santuário, afirmou que “podemos e devemos comprometer-nos com tudo aquilo que ajuda a construir o bem comum”, visto que “somos responsáveis pelo rumo da nossa sociedade e do nosso país”. E advertiu que “não podemos ser indiferentes ao que se passa nas nossas comunidades e não podemos descurar as relações humanas”.
Ante milhares de peregrinos, o Padre Coutinho sustentou que, na condição de cristãos, “podemos e devemos estar de coração inteiro, sem divisão interior, na política, nos projetos sociais, nas ações comunitárias”, pois “Deus não é uma alternativa a outros compromissos”, mas “é a razão dos nossos compromissos”, sendo que “Deus não está algures na nossa escala de prioridades”, porque “Ele é o critério das nossas prioridades”. Frisou que “Deus não tira o lugar de nada nem de ninguém, mas ajuda-nos a ver o lugar certo de cada pessoa e de cada compromisso na nossa vida”. E concluiu que “precisamos de nos empenhar nas necessidades da sociedade, porque sem esse compromisso sentimos que algo de nós não dá fruto”.
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À laia de conclusão
Tomando em consideração estas palavras do Padre Coutinho, bem como as acima referidas do Padre Henriques, bem pode aquilatar-se da preocupação, não advertida por todos, do Santuário pela causa explícita da Evangelização e da animação da fé dos crentes, sabendo orientar o sentido da peregrinação como condição da Igreja, marcada pelo martírio (apontado pelo Padre Nuno Silva) em nome da fé viva e do Evangelho eloquente. 
Foi este compromisso de dar a César o que é de César (vd Mt 22,15-21), pelo empenho nas realidades temporais na luta ao lado dos mais frágeis, e de colocar Deus acima de tudo e em tudo, que todos os peregrinos puderam aprender, nomeadamente os que integram os 61 grupos que se fizeram anunciar no Serviço de Peregrinos do Santuário de Fátima, provenientes de Portugal, Alemanha, Áustria, Brasil, Bulgária, Croácia, Equador, Espanha, Estados Unidos, França, Irlanda, Itália, Nova Zelândia, Polónia e Reino Unido (15 países). 
Assim se vive em Fátima: acarinhando os Papas e servindo, sob a proteção de Maria, a causa evangelizadora pelo acolhimento e orientação dos peregrinos, partindo-lhes em pedacinhos o pão da Palavra e o pão da Eucaristia, bem como ajudando-os a irrigar a alma com a humidade fresca da oração e a sustentar e animar o coração com o calor da caridade na justiça e na esperança jubilosa da última vinda de Cristo Salvador. Na verdade, Deus “é o critério das nossas prioridades”.

2017.10.25 – Louro de Carvalho

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