Em 27 de abril de 2014, II domingo de Páscoa
e da Divina Misericórdia, numa celebração inédita presidida pelo Papa
Francisco e com a presença do Papa Emérito Bento XVI, João Paulo II, que fora
beatificado pelo Papa Ratzinger a 1 de maio de 2011,
foi declarado Santo juntamente com o Papa João XXIII. E a sua festa
litúrgica, com a categoria de memória
facultativa, celebra-se no dia 22 de outubro, data que marca o dia de início
do pontificado de Karol Wojtyla, em 1978, ao passo que a do santo Papa Roncalli
ficou para o dia 11 de outubro, dia em que, antes da reforma do calendário
litúrgico, se celebrava a festa da Maternidade de Maria e que marcou o ano de
1962 com a abertura do Concílio Vaticano II, anunciado, convocado e inaugurado
por João XXIII, para o qual invocou a intercessão de Maria, auxílio dos
Cristãos e auxílio dos Bispos (vd Discurso de
abertura do Concílio, 1962).
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Missa votiva em memória de São João Paulo II
Assim, o Santuário de Fátima – tendo em
conta que São João Paulo II visitou Fátima por três vezes, incluindo o 13 de
maio do no jubilar do milénio para a beatificação dos pastorinhos Francisco e
Jacinta, e mostrou de muitos modos a sua predileção por Maria sob o título de
Nossa Senhora de Fátima, em quem viu uma poderosa mão protetora – vem celebrando
a memória litúrgica do santo Pontífice polaco no dia 22 de outubro de cada ano.
Porém, como este ano, o dia 22 caiu em
domingo, nas celebrações oficiais prevaleceu a Missa do XXIX domingo do Tempo
Comum, Ano A, a que, a seguir, se fará referência.
Entretanto, como é compreensível, o
Santuário tem os seus privilégios litúrgicos e quase sempre se pode celebrar
missa votiva de Nossa Senhora do Rosário de Fátima na Capelinha das Aparições,
a menos que ocorra uma solenidade ou a pertinência evangelizadora recomende de
outro modo. Desta vez, deu-se o caso de o Santuário ter recebido uma relíquia de Karol Wojtyla, nome
de Batismo do Papa São João Paulo II. Por isso, era conveniente, mesmo do ponto
de vista litúrgico, marcar o dia 22 com
a celebração da missa votiva em memória de São João Paulo II, que decorreu
na Basílica de Nossa Senhora do Rosário de Fátima onde esteve presente a
aludida relíquia, bem como onde se registou a presença de alguns dos acólitos que serviram o altar aquando das visitas do
Papa polaco a Fátima, em 1982, 1991 e 2000.
Presidiu a
esta concelebração Dom Antonio Carlos Cruz, bispo de Caicó, no Brasil. E o
Padre Sérgio Henriques lembrou aos peregrinos que encheram a Basílica de Nossa
Senhora do Rosário a “dimensão especial”
do acolhimento às relíquias de São João Paulo II, fazendo uma “ligação” a esse
“dom que este Papa foi para a história e
para o mundo”, frisando que “recordando
as suas três visitas a Fátima, louvamos o Senhor pelo seu Ministério”.
O capelão do
Santuário, memorando a liturgia dominical, afirmou que o Senhor nos convida “a respeitar as estruturas da sociedade em
que vivemos”, o que significa que “tudo
o que é humano e legítimo deve ser apreciado e respeitado pelos cristãos”,
na ótica da Constituição Pastoral Gaudium
et Spes (GS), do Vaticano II, sobre a Igreja no
mundo atual, cujo n.º 1 refere:
“As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de
hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as
alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo;
e não há realidade alguma verdadeiramente
humana que não encontre eco no seu coração (sublinho). Porque a sua
comunidade é formada por homens, que, reunidos em Cristo, são guiados pelo
Espírito Santo na sua peregrinação em demanda do reino do Pai, e receberam a
mensagem da salvação para a comunicar a todos. Por este motivo, a Igreja
sente-se real e intimamente ligada ao género humano e à sua história.”.
E frisou que
“a ciência, a tecnologia, os grandiosos
do mundo não são Deus; só Deus é Deus”.
O Padre
Sérgio disse que todo o ser humano deve “participar
na vida da Humanidade, ser Homem entre os Homens, apreciar a beleza do mundo”,
uma vez que é possível “conciliar a
prática política com o evangelho, como nos disse São João Paulo II”.
***
A relíquia
foi acolhida no Santuário de Fátima ao início da manhã do dia 21 de outubro.
Durante a celebração, em que participaram vários peregrinos que encheram por
completo a Capela da Ressurreição de Jesus, no piso inferior da Basílica da
Santíssima Trindade, foi lida a 3.ª parte do segredo, a partir das memórias da
Irmã Lúcia; refletiu-se sobre o significado da relíquia, que é sangue; e
rezou-se a oração que o Papa São João Paulo II rezou em Fátima, em maio de
1982, quando visitou pela primeira vez o Santuário e consagrou a humanidade ao
Imaculado Coração de Maria.
Segundo o Padre José Nuno Silva, capelão do Santuário, que
presidiu à celebração que acolheu a relíquia na Capela da Ressurreição de Jesus,
onde ficou exposta para veneração, “esta relíquia simboliza a condição da
Igreja no mundo, sempre sujeita à provação e ao martírio”.
A relíquia é
um pedaço de tecido da batina ensanguentada, usada no momento do atentado que o
atingiu, quase mortalmente, a 13 de maio de 1981, na Praça de São Pedro e foi
cedida ao Santuário pela Postulação da Causa de Canonização do Papa polaco.
A presença da
relíquia em Fátima deve-se essencialmente à ligação profunda existente entre
São João Paulo II e Fátima, que o Santuário procura também sublinhar neste ano
do Centenário. De facto, Karol Wojtyla foi o Papa
que mais vezes visitou Fátima, três vezes no total, embora tenha estado também
no ano de 1983, em Portugal, no aeroporto de Lisboa, onde discursou perante a
multidão, no âmbito duma escala técnica de viagem à América Latina.
Desde tenra
idade, Karol Wojtyla criou forte devoção a Nossa Senhora. Quando morreu a sua
mãe, ainda criança, passou a visitar frequentemente a igreja paroquial e
habituou-se a confiar todas as suas preocupações e anseios à Virgem. Mais
tarde, quando foi nomeado bispo, escolheu para as suas armas episcopais, a
letra M junto à cruz e o lema Totus Tuus
(Todo Teu), como sinal de total entrega a Maria. E, com
frequência, era visto o então bispo e cardeal de Cracóvia no Santuário da
Virgem Negra de Czestochowa, ajoelhado aos pés da Rainha da Polónia. A devoção
de João Paulo II a Nossa Senhora foi sempre evidente. Aliás, todo o seu
pontificado está intimamente ligado à mensagem de Fátima. Os esforços do Papa
em cumprir todas as indicações que a Virgem deixou aos pastorinhos tiveram o
seu ponto alto no ato de consagração celebrado em Roma, a 25 de março de 1984,
Solenidade da Anunciação do Senhor, em união com todos os bispos do mundo. Para
presidir àquela celebração, o Santo Padre fez-se acompanhar da imagem original
da Virgem, que se venera na Capelinha das Aparições.
No dia
seguinte, João Paulo II entregou ao Bispo de Leiria, Dom Alberto Cosme do
Amaral, uma pequena caixa com “um
presente para Nossa Senhora”. Comovido, o Bispo abriu a caixa e constatou
que se tratava da bala que tinha atravessado o corpo do Papa aquando do
atentado acima referido. E agora está encastoada no interior da coroa preciosa
que se coloca na Imagem de Nossa Senhora nos dias 13, de maio a outubro, e
noutras solenidades especiais, como a Imaculada Conceição e a Assunção de Nossa
Senhora. Esta coroa de ouro tem 1,2 quilos, 313 pérolas e 2 679 pedras
preciosas.
Dez anos
após o atentado, João Paulo II voltou a Fátima. Desta vez, para lá do aspeto
pessoal, o Papa teve outros motivos para agradecer à Virgem. O muro de Berlim
já tinha ruído e os países de Leste abriam as portas à estabilização da
democracia. Neste contexto, o Papa veio a Fátima
“A fim de agradecer a Nossa Senhora
a proteção dada à Igreja nestes anos, que registaram rápidas e profundas
transformações sociais, permitindo abrirem-se novas esperanças para vários
povos oprimidos por ideologias ateias que impediram a prática da sua fé”.
Mas também
quis advertir que “as novas situações dos povos e da Igreja são ainda
precárias e instáveis” e que “existe
o perigo de substituir o marxismo por uma outra forma de ateísmo, que
adulando a liberdade tende a destruir as raízes da moral humana e cristã”. Por
outro lado, pediu a Maria que mostrasse que é “Mãe
dos pobres, de quem morre de
fome e sem assistência na doença, de quem sofre injustiças e
afrontas, de quem não encontra trabalho, casa nem abrigo, de quem é
oprimido e explorado, de quem desespera ou em vão procura o repouso longe de
Deus” e que, enquanto Mãe da esperança, velasse “sobre a estrada que ainda nos espera”, sobre “os homens
e sobre as novas situações dos povos ainda ameaçados por riscos de guerra”,
sobre “os responsáveis das Nações e sobre
todos os que regem os destinos da humanidade”; sobre “a Igreja sempre tentada pelo espírito do mundo”; e, em particular,
pela Assembleia especial do Sínodo dos Bispos, “importante etapa no caminho da nova evangelização na Europa” e sobre o ministério petrino, “ao serviço do Evangelho e do homem rumo às novas metas da ação
missionária da Igreja” (vd Ato de Entrega, Fátima,13.05.1991).
***
Mas a forte
ligação do Papa polaco a Fátima é, sobretudo, pessoal e João Paulo II
refere-se, por diversas vezes, ao “milagre
de 13 de maio”. Na audiência de 15 de maio de 1991, logo após a
visita a Portugal afirmou:
“Considero todo este decénio como
dom gratuito que, de modo especial, devo à Providência Divina. Foi-me concedido
particularmente como um dever, para que ainda pudesse servir a Igreja,
exercendo o ministério de Pedro.”.
Mas na mesma
audiência geral, as palavras mais significativas são as que dirigiu aos
polacos:
“Há dez anos fui introduzido na
experiência de Fátima vivida pela Igreja. Isto aconteceu na tarde do dia 13 de
maio: o atentado à vida do Papa. [...] Sei que a vida, a mim concedida de novo
há dez anos, me foi dada pela misericordiosa Providência de Deus. Não
esqueçamos as grandes obras de Deus.”.
Em 13 de
maio 2000, ano em que é revelada publicamente a terceira parte do segredo de
Fátima, João Paulo II voltou ao santuário da Cova da Iria e beatificou os irmãos
pastorinhos Francisco Marto e Jacinta Marto.
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Peregrinações nacionais da Lituânia
e da Bulgária
O Centenário foi, a 21 e 22, marcado pelas peregrinações nacionais da
Lituânia e da Bulgária, acorrendo a Fátima centenas de peregrinos leigos, acompanhados de bispos e sacerdotes.
A Peregrinação
Nacional da Lituânia teve início na manhã do dia 20 com uma celebração
na Capela da Morte de Jesus, que reuniu mais de 600 peregrinos, 100
sacerdotes e 8 bispos e o Arcebispo Gintaras Grusas, daquele país. A
peregrinação é o resultado de mais de 340 pequenos grupos oriundos da Lituânia
e de alguns grupos de Lituanos residentes em Portugal. O elemento mais velho
desta peregrinação tem mais de 90 anos; e o mais jovem, cerca de dois anos e
meio.
Após aquela
celebração, o grupo visitou em Aljustrel as casas dos pastorinhos e os lugares
das aparições do Anjo. Na noite de 20 para 21, tiveram a participação no
rosário e procissão das velas, onde foi rezado um mistério do terço na língua
nativa daquele país. No dia 21, o grupo visitou alguns monumentos da Região Centro.
Ao fim da tarde, a Capela da Morte de Jesus recebeu mais uma celebração
particular desta peregrinação, que antecede a participação no rosário e
procissão das velas.
O domingo,
dia 22, foi o dia mais importante para os mais de 600 peregrinos lituanos. O
dia iniciou-se com uma celebração na Basílica da Santíssima Trindade, para
depois rumarem a Santiago de Compostela onde esta viagem terminou.
Em 2013, por
ocasião do Ano da Fé, do Jubileu de 600 anos do Batismo dos Samogitianos e do
aniversário de 20 anos da visita à Lituânia do Papa São João Paulo II, um grupo
de peregrinos percorreu 4.400km, carregando uma cruz com cerca de 65 quilos,
para participar na Peregrinação Internacional de outubro daquele ano.
Por seu
turno, a Peregrinação Nacional da Bulgária – constituída por um grupo de
cerca de 210 peregrinos, acompanhado por 10 sacerdotes e pelo Bispo Christo
Proykov – começou no dia 21 pelas 17,30 horas com saudação a Nossa Senhora na
Capelinha das Aparições, seguida duma celebração, pelas 18,30 horas, na Capela
dos Santos Anjos.
Também esta
peregrinação participou no rosário e procissão das velas, de sábado, dia 21. No
domingo, o programa teve início às 11 horas com a celebração no Recinto de
Oração. À noite, o grupo rezou um mistério no rosário internacional e
transportou o andor de Nossa Senhora na procissão das velas. Na segunda-feira,
dia 23 de outubro e último dia da peregrinação, os 210 peregrinos reuniram-se
na Capelinha das Aparições para a celebração da Eucaristia.
Já no
passado dia 1 de julho, a Paróquia de Fátima em Pleven, cidade do norte da
Bulgária, recebeu o Cardeal Leonardo Sandri, Prefeito da Congregação das Igrejas
Orientais, para com os católicos búlgaros, celebrar o Centenário das Aparições
de Fátima, no Santuário de Fátima de Pleven, que nasceu em resposta ao Bispo Dom
Petko Christov de Nicopoli, por ocasião duma peregrinação junto com os outros
bispos católicos búlgaros ao Santuário de Fátima, em 1996.
***
Celebração da Liturgia dominical
Como acima foi dito, decorreram, no Santuário, as celebrações
habituais referentes ao XIX domingo do Tempo Comum, tendo o Recinto de Oração acolhido, na manhã do dia 22, a
eucaristia dominical, sob a presidência de Dom Leo Cushley, Arcebispo de St.
Andrew e Edimburgo, na Escócia. Na homilia que, a propósito proferiu, o Padre
Vítor Coutinho, vice-reitor do Santuário, afirmou que “podemos e devemos comprometer-nos com tudo aquilo que ajuda a construir
o bem comum”, visto que “somos
responsáveis pelo rumo da nossa sociedade e do nosso país”. E advertiu que
“não podemos ser indiferentes ao que se
passa nas nossas comunidades e não podemos descurar as relações humanas”.
Ante
milhares de peregrinos, o Padre Coutinho sustentou que, na condição de cristãos,
“podemos e devemos estar de coração
inteiro, sem divisão interior, na política, nos projetos sociais, nas ações
comunitárias”, pois “Deus não é uma
alternativa a outros compromissos”, mas “é a razão dos nossos compromissos”, sendo que “Deus não está algures na nossa escala de prioridades”, porque “Ele é o critério das nossas prioridades”.
Frisou que “Deus não tira o lugar de nada
nem de ninguém, mas ajuda-nos a ver o lugar certo de cada pessoa e de cada
compromisso na nossa vida”. E concluiu que “precisamos de nos empenhar nas necessidades da sociedade, porque sem
esse compromisso sentimos que algo de nós não dá fruto”.
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À laia de
conclusão
Tomando em
consideração estas palavras do Padre Coutinho, bem como as acima referidas do
Padre Henriques, bem pode aquilatar-se da preocupação, não advertida por todos,
do Santuário pela causa explícita da Evangelização e da animação da fé dos
crentes, sabendo orientar o sentido da peregrinação como condição da Igreja,
marcada pelo martírio (apontado pelo Padre Nuno Silva) em nome da fé viva e do Evangelho eloquente.
Foi este
compromisso de dar a César o que é de
César (vd Mt 22,15-21), pelo
empenho nas realidades temporais na luta ao lado dos mais frágeis, e de colocar
Deus acima de tudo e em tudo, que todos os peregrinos puderam aprender,
nomeadamente os que integram os 61 grupos que se fizeram anunciar no Serviço de
Peregrinos do Santuário de Fátima, provenientes de Portugal, Alemanha, Áustria,
Brasil, Bulgária, Croácia, Equador, Espanha, Estados Unidos, França, Irlanda,
Itália, Nova Zelândia, Polónia e Reino Unido (15 países).
Assim se
vive em Fátima: acarinhando os Papas e servindo, sob a proteção de Maria, a
causa evangelizadora pelo acolhimento e orientação dos peregrinos,
partindo-lhes em pedacinhos o pão da Palavra e o pão da Eucaristia, bem como
ajudando-os a irrigar a alma com a humidade fresca da oração e a sustentar e
animar o coração com o calor da caridade na justiça e na esperança jubilosa da
última vinda de Cristo Salvador. Na verdade, Deus “é o critério das nossas prioridades”.
2017.10.25 – Louro de Carvalho
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