terça-feira, 3 de outubro de 2017

Tirar consequências políticas dum desaire eleitoral

Rui Rio, ex-autarca do Porto e ex-secretário-geral do PSD, sob a presidência de Marcelo Rebelo de Sousa, adiantou-se na manifestação da leitura política dos resultados das eleições autárquicas do passado dia 1 de outubro, vindo fontes socialdemocratas a garantir que o político vai mesmo avançar com uma candidatura à liderança do PSD, dizendo que “não há margem de recuo”.
O pré-candidato convidou, a 2 de outubro, para um jantar, numa quinta em Azeitão, algumas figuras importantes do partido, entre os quais se incluem Nuno Morais Sarmento, Ângelo Correia, Feliciano Barreiras Duarte e José Eduardo Martins, para discutir a estratégia a seguir.
Já em novembro de 2016, o militante anunciou tal intenção numa entrevista ao Diário de Notícias; e, nas últimas semanas, ao verificar a evolução do partido para o desaire, intensificou os contactos políticos dentro do partido, processo que a hecatombe nas eleições autárquicas pôs em aceleração irreversível.
Tendo Rui Rio confirmado que já há algum tempo tem vindo a falar com as principais figuras do PSD, disse que vai continuar a fazê-lo nos próximos dias, pois, segundo diz, “o que era notícia” é que “não falasse com ninguém nesta altura”. E uma fonte do partido comentou:
As coisas mudaram na noite de 1 de outubro, com anunciada saída de cena de Pedro Passos Coelho. Uma coisa era dizer que era diferente de Passos, com o Passos na corrida à liderança, outra é não haver Passos e ter de avançar com um programa à presidência do partido.”.
Com efeito, Passos, assumindo os péssimos resultados eleitorais (os piores de sempre em eleições autárquicas) disse da sua intenção de anunciar hoje, na reunião da Comissão Política, das 16 horas, e no Conselho Nacional (o órgão máximo entre congressos), das 21 horas, que não será recandidato à liderança partidária nas próximas eleições diretas. Um destacado socialdemocrata ontem advertiu:
Passos vai dizer amanhã: não me recandidato. E abre-se o processo eleitoral e ele fica até vir o próximo líder no início de janeiro, não haverá uma demissão.”.
Passos assim o verbalizou na noite eleitoral:
Não vou apresentar a minha demissão do PSD por causa de umas eleições locais. O que vou avaliar é se, politicamente, faz sentido recandidatar-me a um novo mandato.”.
Segundo alguns observadores, até os críticos internos ficaram surpreendidos com a catástrofe eleitoral, sobretudo em Lisboa, Porto e Aveiro; e, não a esperando nas proporções que teve, estarão a preparar-se para o desgaste da liderança de Passos Coelho. Terá sido também por esta razão que o presidente socialdemocrata se apressou a anunciar em plena campanha eleitoral que prometia uma profunda reflexão sobre a matéria.
Se, como dizem alguns, há uma semana um conjunto de críticos – em que se contam Manuela Ferreira Leite, Silva Peneda e João de Deus Pinheiro (todos próximos de Rui Rio) – estavam a preparar uma carta aberta com o balanço crítico do consulado de Passos após a saída do governo e em defesa de novo rumo partidário, agora parece acreditarem que o líder está de saída, pelo que a suposta carta poderá nunca ser tornada pública.
Ferreira Leite, em declarações à TSF, não precisou de texto de suporte para pedir contas a Passos, ao dizer que “a estratégia de um partido é sempre da responsabilidade do presidente”.
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Porém, as movimentações têm contornos diversos. A noite eleitoral e o dia seguinte acusaram já a intensidade da ebulição no interior do PSD, com as estruturas a movimentarem-se para contar espingardas. Um dos mais movimentados terá sido o inefável, mas habitualmente eficaz Miguel Relvas, que veria com bons olhos o ex-líder parlamentar do PSD Luís Montenegro entrar no combate pela liderança. Não obstante, “o timing de Montenegro seria outro”: jogar num confronto Rio/Passos, com um deles a ir às legislativas de 2019, e avançar só depois. Agora será inevitável que Montenegro avance se não quer desbaratar a máquina partidária de Passos.
Mauro Xavier demitiu-se em abril da concelhia de Lisboa em protesto contra a forma como decorreu a escolha autárquica do PSD na capital. E, se o processo não augurava bom desfecho, “a campanha correu pior do que qualquer pessoa poderia esperar” e o resultado foi o que se viu. E frisou que, nos resultados finais, a lista que “teve menos votos foi a da Câmara”, quando a da Assembleia Municipal “esteve praticamente empatada” durante boa parte da noite [terminou cerca de 4000 votos atrás do CDS] e nas juntas de freguesia o PSD ficou “largamente à frente” do CDS, perdendo uma junta [Avenidas Novas], em que o partido de Passos preferiu não recandidatar o atual presidente. Por isso, as responsabilidades pelo desaire vão diretamente para Teresa Leal Coelho e para o líder, apesar de a candidata ainda haver tentado abusivamente capitalizar um pretenso apoio do Presidente da República, prontamente desmentido pela Presidência.
O ex-dirigente concelhio espera que o líder não transforme a prometida reflexão num tabu, mas que venha clarificar o que vai fazer nos próximos tempos. Quanto à decisão a tomar por Passos, não tem dúvidas: o ciclo do atual líder “terminou”. Aliás, segundo Mauro Xavier, terminou nas legislativas ou, melhor, no dia em que caiu o XX Governo. E o crítico sublinha que Passos é um “ativo importante” do PSD, mas agora o melhor “é afastar-se”. Com efeito, isto não sucedeu apenas em Lisboa e no Porto. Passos Coelho recebeu um partido com 150 câmaras e entrega-o com menos de 75. Pagou caro a famosa imprecação “que se lixem as eleições”.
Ângelo Correia, confessando que esperava maus resultados, que foram piores que os esperados, sustenta que esta “não é uma reação conjuntural”, mas uma situação que tem de levar o partido a uma profunda reflexão, pois este enfrenta hoje “problemas de identidade”, tem de definir qual é o seu eleitorado e “tem de repensar a sua estratégia política”. Trata-se de três indefinições a que se adicionam “demasiados erros e inconsistências” dum partido “ausente” e cuja ausência se transmite ao eleitorado. Sobre Passos Coelho, Ângelo Correia defende a não demonização de ninguém, mas confessa “achar bem”, se as suas declarações na noite eleitoral significarem uma não recandidatura à presidência do partido. E, quanto ao futuro, diz-se convicto de que Rui Rio se candidatará à liderança do partido, mas não revela se o apoiará.
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Entretanto, é corrente na comunicação social de hoje, dia 3 de outubro, a convicção de que “é desta”. Na Visão on line pode ler-se: “Rui Rio vai anunciar, dentro de dias, a candidatura à liderança do PSD”. Conforme afirmou à revista, “as próximas eleições internas têm de refletir a vontade de mudança dos portugueses”.
No máximo, segundo a revista, “a decisão deverá ser comunicada publicamente até ao final da próxima semana, embora ainda esteja a ser trabalhado o formato e o contexto em que o anúncio será feito”, sendo certo, para já, que “Rio não deverá falar ao País a partir do Porto”.
Estas asserções sustentam-se em dados fornecidos pelo ex-presidente de câmara que, no dia 2, logo pela manhã, recebeu a VISÃO no seu escritório “após uma noite mal dormida e ainda abalado com o fosso entre o partido e o País revelado pela derrocada eleitoral, mas recusando-se a adiantar mais pormenores sobre o que vai fazer em breve”.
Sabe-se também que a decisão estava tomada há meses, não dependendo, como alguns poderiam pensar, da dimensão da derrota socialdemocrata nem da eventual saída de Passos Coelho ou da disponibilidade de outros potenciais candidatos. Nesta fase, só a vitória partidária teria feito recuar Rui Rio, que tem exposto um conjunto de ideias “em dezenas de conferências e palestras, algumas das quais constituem uma espécie de ‘cartilha’, da qual sairão propostas a apresentar aos militantes”.
A decisão de Rui Rio é conhecida no rescaldo das eleições autárquicas, que deram ao PSD os piores resultados de sempre e que resultaram em duras críticas ao líder Passos Coelho, proferidas inclusivamente por elementos do partido. A confirmação surge no dia em que a comissão permanente (núcleo duro da direção do PSD) reuniu a comissão política e o conselho nacional, num hotel em Lisboa, e depois de, no domingo, Passos Coelho ter reiterado que não se iria demitir na sequência de resultados de eleições autárquicas, mas prometendo uma “reflexão ponderada” sobre se irá ou não recandidatar-se ao cargo nas diretas previstas para o início do próximo ano – reflexão em que, segundo Paulo Rangel, todos os militantes ativos devem participar. Já ontem, dia 2, após uma delegação do PSD ter sido recebida em Belém, Passos foi questionado pelos jornalistas sobre as conclusões dessa reflexão, mas considerou a questão “prematura em termos de resposta”, apontando que hoje, dia 3, seria feita “uma avaliação com mais detalhe dos resultados das eleições autárquicas”, nos órgãos de direção política do PSD e em Conselho Nacional – que resultou no anúncio da não recandidatura.
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Em conformidade com os resultados finais divulgados pela Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna, o PSD vai liderar 98 câmaras (79 conquistadas sozinho, 19 em coligação), uma perda de 8 autarquias em relação a 2013 – resultado que já tinha sido o pior de sempre deste partido em autárquicas. Há 4 anos, o PSD tinha conseguido a presidência de 86 câmaras, sozinho, e mais 20, em coligação, num total de 106. Em número de votos, o PSD sozinho conseguiu cerca de 831 mil votos, menos três mil do que há 4 anos, apesar de a abstenção ter sido menor desta vez. Somando as coligações lideradas pelos socialdemocratas, o PSD conquistou cerca de 737 mil votos, número da mesma ordem dos de 2013.
Entre os dirigentes e os notáveis do partido o silêncio foi até há pouco a regra, com a maioria dos socialdemocratas a remeter qualquer declaração para depois das reuniões do dia 3.
Em declarações à Rádio Renascença, o líder parlamentar Hugo Soares considerou que os resultados “não honram o partido” e que deve ser feita “uma reflexão”, mas defendia que Passos Coelho deveria manter-se na liderança. À mesma RR, o deputado socialdemocrata e dirigente José Matos Correia defendeu que “é evidente que o doutor Pedro Passos Coelho tem todas as condições para permanecer na liderança do PSD” e rejeitou a ideia de que haja “uma estratégia política global errada” por parte do partido. Porém, Ângelo Correia disse à Antena Um que o partido precisa de “consistência ideológica” e considerou que Passos não tem condições para se manter na liderança, pois “já passou o seu tempo”.
Das distritais do PSD que aceitaram responder à Lusa, a mais contundente foi a de Vila Real, que defendeu que os resultados eleitorais exigem sempre avaliação e o partido não pode “continuar um caminho de insucesso”. Por seu turno, a distrital da Guarda disse respeitar a decisão “prudente” e “sensata” de Passos, posição semelhante à de Coimbra, que sustenta que o líder revelou “grande dignidade”, mas com o seu presidente, Maurício Marques, a admitir que foi “uma derrota demasiado pesada para que não se reflita sobre a estratégia do partido”. E o PSD de Castelo Branco respeitará a reflexão de Pedro Passos Coelho, tendo o presidente da estrutura, Manuel Frexes, defendido que deve ser o líder do PSD a decidir “o que acha melhor para ele e para o partido”, remetendo mais análise para a reunião do Conselho Nacional.
Também no Facebook vêm tomadas de posição de alguns críticos. Assim, Rodrigo Gonçalves, conselheiro nacional e líder interino da concelhia de Lisboa, salientou que o PSD “teve a maior derrota da sua história”, sendo necessário retirar “as devidas consequências”. E acrescentou:
O eleitorado deu um cartão vermelho à linha política e estratégica de Pedro Passos Coelho”.
Também Pedro Rodrigues, que lidera o movimento “Portugal não pode esperar”, considerou, no Facebook, que os resultados do partido, sendo “verdadeiramente aterradores”, obrigarão a uma “refundação do partido”.
Acresce que, ainda na noite eleitoral, a antiga líder do PSD Manuela Ferreira Leite defendeu que Passos Coelho “não tem condições” para continuar à frente do PSD, enquanto outro antigo líder socialdemocrata, Marques Mendes, considerou que, se se mantiver em funções, a vida do líder socialdemocrata “vai ser um inferno”.
No entanto, o leque de candidatos pode alargar-se. Além de Montenegro, também Paulo Rangel(o único nome que Passos mencionou no discurso de despedida no Conselho Nacional para lá do líder parlamentar, que agora tem um papel especial), Santana Lopes (que já declarou estar a ponderar uma candidatura), Pedro Duarte e Miguel Pinto Luz fazem contas para desafiar Rui Rio.
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Não se pode acolher a objeção de alguns no sentido de que Rui Rio não pertence ao Conselho Nacional e que a solução não deve ser encontrada entre barões do partido, mas nos órgãos próprios. Isso valeria se se tratasse dum caso de emergência e houvesse necessidade de encontrar já um candidato a legislativas iminentes ou de substituir o primeiro-ministro em exercício, se fosse do partido. Então dificilmente os órgãos partidários encontrariam uma solução fora. No caso de eleições diretas, qualquer militante pode candidatar-se, como qualquer um pode apresentar o seu projeto de liderança ao congresso.
Quanto a Rio, se quer ser líder eficaz, tem de saber ler os sinais, ouvira as pessoas e abster-se dos tiques e ideias fixas que mostrou enquanto secretário-geral. Santana Lopes deixou, não por culpa exclusivamente sua, uma imagem de ineficácia, pode ser eleito pelos militantes, mas não traz agora mais-valia à liderança. Paulo Rangel ora se revela simpático e atilado, ora apresenta discurso demasiado demolidor ou semelhante ao de Passos.
Porém, o PSD tem de encontrar o seu rumo, de preferência que o afaste da lógica neoliberal dos últimos 8 anos. De facto, um partido democrático com vocação de poder central e/ou autárquico faz falta ao país e à democracia, mas sem alguma vez ficar refém do aparelhismo partidário e dos interesses particulares. Estaremos perante uma luta de galos ou poderemos ter esperança?

2017.10.01 – Louro de Carvalho 

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