sexta-feira, 6 de outubro de 2017

O poder financeiro e económico esfrangalha as opções políticas

Ainda no dia 1 de outubro o Papa Francisco denunciava a política que se verga a outros poderes como o financeiro e o mediático e agora se constata já a reação febril do poder económico-financeiro em relação à suposta iminência da política declaração unilateral da independência da Catalunha, em resultado do referendo do mesmo dia de outubro, o domingo passado.
Entendo que o Governo espanhol tenha querido acionar todos os mecanismos de dissuasão da iniciativa catalã, exceto os atingentes aos atos de força e violência levados a cabo pelas polícias centrais a mando de Madrid, bem como a selagem de mesas de voto. E bem entendo que o Tribunal Constitucional tenha, no âmbito das suas funções, declarado ilegal e inconstitucional o referendo promovido pela Generalitat de Barcelona. É função das autoridades do Estado central preservar até ao limite do razoável a unidade e a coesão. Resta saber se as mesmas autoridades têm feito, sempre, em todas as circunstâncias, os esforços necessários e suficientes para incrementar a unidade, a solidariedade e a coesão, seja no aspeto político e económico, seja no aspeto cultural – respeitando a unidade de nação, se é que ela existe de facto, e a identidade regional e corrigindo as assimetrias sociais e económicas criadas pelo desenvolvimento a velocidades diferentes.    
Tudo isso não deveria significar a negação do direito duma região autónoma a discutir a liderança do seu destino comum no quadro da liberdade de expressão, debate e opção. Não digo com isto que a iniciativa do Governo regional, a par de motivações legítimas, não tenha cometido exageros e, em parte, forçado a tendência para a autodeterminação e independência, levando a uma espécie de secessão arrancada a ferros, mas alegadamente sem conflito, muito menos sem guerra civil. Fosse como fosse, tanto o Governo Central como o Governo regional deveriam, pela mediação de entidade com mérito reconhecido por ambas as partes, entrar numa plataforma de discussão e, no limite, o referendo deveria ser autorizado.
O referendo tendencialmente independentista é um risco, mas também um sinal de respeito. E havia que promover esse respeito pelos poderes central e regional e correr o risco. O Reino Unido correu o risco e a Escócia mantém-se no Estado e no Reino. A Generalitat prometeu a independência estabelecendo um regime de natureza republicana. O rei Felipe VI, de quem se esperava uma palavra de moderação em tempo de crise, limitou-se a repetir as teses da governação. Foi pouco, porque da palavra régia dirigida à população não resultou uma plataforma de diálogo e negociação. Provavelmente, se tivesse sido reconhecida a liberdade do referendo, o “não” poderia ter vencido, como aconteceu no caso da Escócia. Posições estremadas levam a conflito e a adiamento de soluções, quiçá inevitáveis.  
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Entretanto, para ajudar à confusão os interesses económicos e financeiros e a entidade política transnacional, que deveria ser política, mas que só pensa e age economicamente – a União Europeia – vieram advertir que é perigosa uma Catalunha independente e a Comissão Europeia, alegando que não trabalha com ficções (e a independência catalã seria uma delas), veio assegurar que a UE só reconhecerá como seu membro a Espanha.
E o FMI (Fundo Monetário Internacional) já se apressou a zelar pelo seu direito/dever de intervir em matéria política. Assim, apesar de reconhecer que as perspetivas para o crescimento económico espanhol sejam “boas” ou que a Espanha tem “fortes perspetivas” de crescimento robusto na sua economia, já alertou para riscos que podem minar a confiança e o investimento. Com efeito, uma “incerteza prolongada” na Catalunha “poderia pesar sobre a confiança e as decisões de investimento” na Espanha.
Nesse sentido, a economista Andrea Schaechter, chefe da missão do FMI para a Espanha, numa teleconferência para apresentar o relatório anual sobre a economia espanhola, justificou:
“Já que as nossas perspetivas para a economia espanhola são boas, prolongadas tensões e incerteza em relação à Catalunha poderiam pesar sobre a confiança e as decisões de investimento”.
Na ocasião, o FMI apresentou o relatório anual sobre a economia espanhola, conhecido como “Artigo IV”, onde destacou as boas perspetivas, que permitiram três anos de crescimento sustentado e acima dos 3%. No entanto, há que esperar pela próxima semana, mais propriamente pelo dia 10 de outubro, dia em que a diretora-geral do FMI, Christine Lagarde apresentará as novas previsões para o crescimento da economia global, para ver se a incerteza política na Catalunha afetou as perspetivas para Espanha.
Em julho, o FMI avançou com a previsão de que a economia espanhola cresceria 3,1%, em 2017, e 2,4%, em 2018. Por seu turno, Andrea Schaechter apontou o “sucesso da recuperação” da economia espanhola, depois da profunda recessão e indicou que o produto interno bruto (PIB) regressou “na primeira metade de 2017” aos níveis anteriores à crise.
Levado por este aviso do FMI e pelas solicitações de grandes grupos empresariais sediados na Catalunha, o Governo espanhol ultimou um decreto-lei com caráter de urgência, que permita às administrações das empresas com sede em Barcelona a decisão de mudança de sede sem a obrigação de consulta dos acionistas. Como adianta o El Confidencial, já tinha existido uma alteração à lei que permitia uma decisão mais expedita das administrações das empresas na mudança de sede. À data, em 2015, as mudanças legislativas foram entendidas como à medida do caso catalão. Ainda assim, a lei continuou a determinar que a mudança poderia ser feita apenas pelo conselho de administração, “salvo se os estatutos da empresa dispusessem o contrário”. É o que sucede hoje com o CaixaBank. Por isso, como revelou o El Confidencial, o conselho de administração do grupo financeiro terá pedido ao Governo que mudasse a lei como medida de urgência. É que o governo catalão – a Generalitat – fez saber que vai promover a declaração unilateral da independência da Catalunha no próximo dia 9.
Assim, sabe-se que o dono do BPI confirmou que vai mudar a sede da Catalunha para Valência. E não é o único.
Na verdade, com a independência da Catalunha a avistar-se, as empresas com sede social na região estão a repensar a sua posição. É o caso dos bancos Sabadell e e CaixaBank ou da biofarmacêutica Oryzon, mas poderá ser o de muitas outras.
A biofarmacêutica Oryzon foi a primeira a anunciar a transferência de sede. No passado dia 4, afirmou que ia sair de Cornellà de Llobregat, cidade nos arredores de Barcelona, para a capital espanhola, Madrid. Não tendo ligado expressamente a decisão ao desfecho do referendo ou à declaração unilateral de independência, apenas avançou como justificação com a otimização das operações e a relação com os investidores.
O Sabadell anunciou, no dia 5, que, embora tivesse sido discutida a mudança da sede de Barcelona para Madrid, a escolha acabou por recair na cidade de Alicante, norte do país. Na base da decisão está a proteção dos interesses dos clientes, investidores e trabalhadores. 
O CaixaBank já decidiu. Após a reunião de emergência de hoje, dia 6, para retirar a sede social da Catalunha, Valência foi a cidade escolhida. A decisão justifica-se de politicamente, já que a escolha de Madrid poderia ser interpretada como uma mensagem muito dura.
O Banco Mediolanum segue as pisadas dos pares, anunciando que se vai mudar para Valência. Ainda assim, não vai de malas de bagagens, pois manterá os centros operativos em Barcelona. Com esta operação, um dos responsáveis do banco afirmou conseguir “manter os níveis de proteção” dos créditos e depósitos.
Os administradores da energética Gas Natural Fenosa estão reunidos para decidir o futuro da empresa, tal como avançam vários meios de comunicação social espanhóis. Trata-se de uma das maiores empresas com sede na Catalunha e também um dos pesos pesados do IBEX.
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Há já quem faça o paralelo entre o que se passa na Catalunha com o Brexit, ousando falar em Catalexit dado que muitas empresas decidiram abandonar Londres antes de serem conhecidos os trâmites finais da saída do Reino Unido da UE. A desvalorização da libra, as quedas dos índices bolsistas britânicos e as dúvidas sobre as regras comerciais levaram várias empresas, desde a banca aos fundos de investimento, a abandonar Londres.
Após serem conhecidos os resultados do referendo separatista catalão, que decorreu com muitos percalços no dia 1, o principal índice espanhol, o IBEX, tocou mínimos de março de 2015 e os juros da dívida subiram a pique. Embora as consecutivas decisões de mudança das sedes da cidade tenham feito abrandar as perdas do índice, este continua a negociar em terreno negativo.
As empresas de Portugal veem estes acontecimentos com “alguma inquietude e alguma angústia”, segundo António Saraiva, presidente da Confederação Empresarial de Portugal, que afirmou, em declarações aos jornalistas citadas pela agência Lusa, que o mercado espanhol é um dos nossos “mercados preferenciais”, admitindo:
“Obviamente que tudo aquilo que perturbe o mercado espanhol terá reflexos, positivos ou negativos, na economia portuguesa”.
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Quando o maior banco da Catalunha, o CaixaBank, admite publicamente que está a avaliar uma mudança de sede, hoje em Barcelona, percebe-se a gravidade do que está em causa e a aceleração do calendário. Foi por isso, que o Governo espanhol ultimou, como se disse já, um decreto-lei com caráter de urgência, que permita às administrações das empresas com sede em Barcelona uma decisão de mudança de sede sem a obrigação de consulta dos acionistas.
Fontes do CaixaBank citadas pela agência Efe revelavam que o banco adotaria as “decisões necessárias no momento oportuno, sempre com o objetivo de fazer prevalecer os interesses dos clientes, acionistas e empregados”. É esta a posição do CaixaBank, que em Portugal controla o BPI, após ter sido tornado público que o Sabadell realizaria uma reunião extraordinária do conselho de administração para decidir se mudaria a sede social para Madrid ou Alicante, face à possibilidade de o governo catalão declarar unilateralmente a independência da Catalunha.
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Enfim, se há dias, afirmava que não vale a pena verberar cegamente os acontecimentos com a ilegalidade ou a inconstitucionalidade sem mais – pois assim nunca teríamos revolução, golpe de Estado ou descolonização –, hoje desejaria que os grupos económicos e financeiros esperassem pelas decisões políticas sem as tentarem forçar ou condicionar. É o bem comum que a economia e a finança devem servir. Mas desgraçadamente tentam jugulá-lo a seu bel-prazer!
E não venham dizer que é a realidade que faz cessar a ideologia. São os interesses.

2017.10.06 – Louro de Carvalho  

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