Ainda no dia 1 de outubro o Papa Francisco
denunciava a política que se verga a outros poderes como o financeiro e o
mediático e agora se constata já a reação febril do poder económico-financeiro
em relação à suposta iminência da política declaração unilateral da
independência da Catalunha, em resultado do referendo do mesmo dia de outubro,
o domingo passado.
Entendo que o Governo espanhol tenha querido
acionar todos os mecanismos de dissuasão da iniciativa catalã, exceto os
atingentes aos atos de força e violência levados a cabo pelas polícias centrais
a mando de Madrid, bem como a selagem de mesas de voto. E bem entendo que o
Tribunal Constitucional tenha, no âmbito das suas funções, declarado ilegal e
inconstitucional o referendo promovido pela Generalitat de Barcelona. É função
das autoridades do Estado central preservar até ao limite do razoável a unidade
e a coesão. Resta saber se as mesmas autoridades têm feito, sempre, em todas as
circunstâncias, os esforços necessários e suficientes para incrementar a
unidade, a solidariedade e a coesão, seja no aspeto político e económico, seja
no aspeto cultural – respeitando a unidade de nação, se é que ela existe de
facto, e a identidade regional e corrigindo as assimetrias sociais e económicas
criadas pelo desenvolvimento a velocidades diferentes.
Tudo isso não deveria significar a negação do
direito duma região autónoma a discutir a liderança do seu destino comum no
quadro da liberdade de expressão, debate e opção. Não digo com isto que a
iniciativa do Governo regional, a par de motivações legítimas, não tenha
cometido exageros e, em parte, forçado a tendência para a autodeterminação e
independência, levando a uma espécie de secessão arrancada a ferros, mas
alegadamente sem conflito, muito menos sem guerra civil. Fosse como fosse,
tanto o Governo Central como o Governo regional deveriam, pela mediação de
entidade com mérito reconhecido por ambas as partes, entrar numa plataforma de
discussão e, no limite, o referendo deveria ser autorizado.
O referendo tendencialmente independentista é
um risco, mas também um sinal de respeito. E havia que promover esse respeito pelos
poderes central e regional e correr o risco. O Reino Unido correu o risco e a Escócia
mantém-se no Estado e no Reino. A Generalitat prometeu a independência
estabelecendo um regime de natureza republicana. O rei Felipe VI, de quem se
esperava uma palavra de moderação em tempo de crise, limitou-se a repetir as
teses da governação. Foi pouco, porque da palavra régia dirigida à população não
resultou uma plataforma de diálogo e negociação. Provavelmente, se tivesse sido
reconhecida a liberdade do referendo, o “não” poderia ter vencido, como
aconteceu no caso da Escócia. Posições estremadas levam a conflito e a
adiamento de soluções, quiçá inevitáveis.
***
Entretanto, para ajudar à confusão os
interesses económicos e financeiros e a entidade política transnacional, que
deveria ser política, mas que só pensa e age economicamente – a União Europeia –
vieram advertir que é perigosa uma Catalunha independente e a Comissão
Europeia, alegando que não trabalha com ficções (e a
independência catalã seria uma delas), veio assegurar que a UE só reconhecerá como seu membro a Espanha.
E o FMI (Fundo Monetário
Internacional) já se apressou a zelar pelo seu direito/dever de intervir em matéria
política. Assim, apesar de reconhecer que as perspetivas para o crescimento económico espanhol
sejam “boas” ou que a Espanha tem “fortes perspetivas” de crescimento robusto na
sua economia, já alertou para riscos que podem minar a confiança e o
investimento. Com efeito, uma “incerteza prolongada” na Catalunha “poderia
pesar sobre a confiança e as decisões de investimento” na Espanha.
Nesse sentido, a economista Andrea Schaechter, chefe
da missão do FMI para a Espanha, numa teleconferência para apresentar o
relatório anual sobre a economia espanhola, justificou:
“Já
que as nossas perspetivas para a economia espanhola são boas, prolongadas
tensões e incerteza em relação à Catalunha poderiam pesar sobre a confiança e
as decisões de investimento”.
Na ocasião, o FMI apresentou o relatório anual sobre a economia
espanhola, conhecido como “Artigo IV”, onde destacou as boas
perspetivas, que permitiram três anos de crescimento sustentado e acima dos 3%.
No entanto, há que esperar pela próxima semana, mais propriamente pelo dia 10 de outubro, dia em que a diretora-geral do FMI, Christine
Lagarde apresentará as novas previsões para o crescimento da economia global,
para ver se a incerteza política na Catalunha afetou as perspetivas para
Espanha.
Em
julho, o FMI avançou com a previsão de que a economia espanhola cresceria 3,1%,
em 2017, e 2,4%, em 2018. Por seu turno, Andrea
Schaechter apontou o “sucesso da recuperação” da economia
espanhola, depois da profunda recessão e indicou que o produto
interno bruto (PIB) regressou “na primeira metade de
2017” aos níveis anteriores à crise.
Levado por este aviso do FMI e pelas solicitações de
grandes grupos empresariais sediados na Catalunha, o Governo espanhol ultimou um
decreto-lei com caráter de urgência, que permita às administrações das empresas
com sede em Barcelona a decisão de mudança de sede sem a obrigação de consulta
dos acionistas. Como adianta o El
Confidencial, já tinha existido uma alteração à lei que permitia uma
decisão mais expedita das administrações das empresas na mudança de sede. À
data, em 2015, as mudanças legislativas foram entendidas como à medida do caso
catalão. Ainda assim, a lei continuou a determinar que a mudança poderia ser
feita apenas pelo conselho de administração, “salvo se os estatutos da empresa
dispusessem o contrário”. É o que sucede hoje com o CaixaBank. Por isso, como revelou
o El Confidencial, o conselho de
administração do grupo financeiro terá pedido ao Governo que mudasse a lei como
medida de urgência. É que o governo catalão – a Generalitat – fez saber que vai
promover a declaração unilateral da independência da Catalunha no próximo dia 9.
Assim, sabe-se que o dono do BPI confirmou que
vai mudar a sede da Catalunha para Valência. E não é o único.
Na verdade, com a independência da Catalunha a avistar-se, as empresas com sede social
na região estão a repensar a sua posição. É o caso dos bancos Sabadell e e
CaixaBank ou da biofarmacêutica Oryzon, mas poderá ser o de muitas outras.
A biofarmacêutica Oryzon foi a primeira a anunciar a transferência de sede. No
passado dia 4, afirmou que ia sair de Cornellà de Llobregat, cidade nos
arredores de Barcelona, para a capital espanhola, Madrid. Não tendo ligado
expressamente a decisão ao desfecho do referendo ou à declaração unilateral de
independência, apenas avançou como justificação com a otimização das
operações e a relação com os investidores.
O Sabadell anunciou, no dia 5,
que, embora tivesse sido discutida a mudança da sede de Barcelona para Madrid,
a escolha acabou por recair na cidade de Alicante, norte do país. Na base da decisão
está a proteção dos interesses dos clientes, investidores e
trabalhadores.
O CaixaBank já decidiu. Após a
reunião de emergência de hoje, dia 6, para retirar a sede social da Catalunha,
Valência foi a cidade escolhida. A decisão justifica-se de politicamente, já que a escolha de Madrid poderia
ser interpretada como uma mensagem muito dura.
O Banco Mediolanum segue as
pisadas dos pares, anunciando que se vai mudar para Valência. Ainda assim, não
vai de malas de bagagens, pois manterá os centros operativos em Barcelona. Com
esta operação, um dos responsáveis do banco afirmou conseguir “manter os níveis
de proteção” dos créditos e depósitos.
Os administradores da energética Gas
Natural Fenosa estão reunidos para decidir o futuro da empresa, tal como
avançam vários meios de comunicação social espanhóis. Trata-se de uma das
maiores empresas com sede na Catalunha e também um dos pesos pesados do IBEX.
***
Há já quem faça o paralelo entre o que se passa na
Catalunha com o Brexit, ousando falar
em Catalexit
dado que muitas empresas decidiram abandonar
Londres antes de serem conhecidos os trâmites finais da saída do Reino Unido da
UE. A desvalorização da libra, as quedas dos índices bolsistas britânicos e as
dúvidas sobre as regras comerciais levaram várias empresas, desde a banca aos
fundos de investimento, a abandonar Londres.
Após serem conhecidos os resultados do referendo separatista catalão, que
decorreu com muitos percalços no dia 1, o principal índice espanhol, o
IBEX, tocou mínimos de março de 2015 e os juros da dívida subiram a
pique. Embora as consecutivas decisões de mudança das sedes da cidade tenham
feito abrandar as perdas do índice, este continua a negociar em terreno
negativo.
As empresas de Portugal veem estes acontecimentos com
“alguma inquietude e alguma angústia”, segundo
António Saraiva, presidente da Confederação Empresarial de Portugal, que
afirmou, em declarações aos jornalistas citadas pela agência Lusa, que o mercado espanhol é um dos nossos “mercados
preferenciais”, admitindo:
“Obviamente que tudo aquilo que perturbe o mercado
espanhol terá reflexos, positivos ou negativos, na economia portuguesa”.
***
Quando
o maior banco da Catalunha, o CaixaBank,
admite publicamente que está a avaliar uma mudança de sede, hoje em Barcelona,
percebe-se a gravidade do que está em causa e a aceleração do calendário. Foi
por isso, que o Governo espanhol ultimou, como se disse já, um decreto-lei com
caráter de urgência, que permita às administrações das empresas com sede em
Barcelona uma decisão de mudança de sede sem a obrigação de consulta dos
acionistas.
Fontes
do CaixaBank citadas pela agência Efe revelavam que o banco adotaria as
“decisões necessárias no momento oportuno, sempre com o objetivo de fazer
prevalecer os interesses dos clientes, acionistas e empregados”. É esta a posição
do CaixaBank, que em Portugal
controla o BPI, após ter sido tornado público que o Sabadell realizaria uma reunião extraordinária do conselho de
administração para decidir se mudaria a sede social para Madrid ou Alicante,
face à possibilidade de o governo catalão declarar unilateralmente a
independência da Catalunha.
***
Enfim,
se há dias, afirmava que não vale a pena verberar cegamente os acontecimentos
com a ilegalidade ou a inconstitucionalidade sem mais – pois assim nunca teríamos
revolução, golpe de Estado ou descolonização –, hoje desejaria que os grupos
económicos e financeiros esperassem pelas decisões políticas sem as tentarem
forçar ou condicionar. É o bem comum que a economia e a finança devem servir. Mas
desgraçadamente tentam jugulá-lo a seu bel-prazer!
2017.10.06 – Louro de Carvalho
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