Em clima de tensão político-social, o Parlamento Catalão declarou a
independência da Catalunha no passado dia 27 de outubro, na sequência do
referendo considerado ilegal por Madrid em que participaram mais de 40% dos
eleitores e cujo “sim” obteve 90% dos votos expressos, apesar das terríficas
constrições criadas pelas polícias nacionais, às ordens do Governo de Sua
Majestade. A decisão foi tomada por instâncias do Presidente do Governo Regional,
que prometera, após o referendo, solicitar ao órgão legislativo a declaração da
independência da região para assumir o estatuto de Estado Soberano sob a forma
de República.
Tal decisão ocorreu agora, depois de várias empresas, mormente
multinacionais, haverem retirado (ou terem feito saber que retirariam) do território daquela região autónoma a sua sede
social, com tudo o que isso acarreta, e sob ameaça da aplicação do art.º 155.º
da Constituição espanhola, que em caso de ilegalidade situacional ou de permanente
perturbação da ordem constitucional, o Governo central de Madrid suprimirá a
autonomia da respetiva região, destitui o governo regional e marca eleições
regionais. Também, apesar de o Chefe do Governo da Catalunha ter mostrado
abertura para o diálogo com Madrid através de mediação duma entidade idónea, Madrid
propôs-se aceitar eventualmente o diálogo, mas sem qualquer mediação, para a
qual a União Europeia (UE) se mostrou
não disponível. E, quando declarações do Chefe do Governo catalão pareciam
abrir para a declaração unilateral de independência, Rajoy instou-o a
clarificar as suas palavras a fim de poder solicitar ao Senado a efetiva
aplicação do mencionado art.º 155.º. E a UE, por seu turno, através do
Presidente da Comissão e de outras entidades declarou reiteradamente que para
já só dialogava com Estados-Membros, sendo que, neste caso, só reconhecia como
Estado-Membro da UE a Espanha na sua totalidade.
A declaração da independência da Catalunha foi tomada sob a forma de
resolução parlamentar com a presença de metade dos deputados e com base na
discussão e aprovação de proposta apresentada pelo JxSí e pela CUP para se
avançar no sentido de uma proclamação da República Catalã, não sem antes terem
sido votadas as propostas dos partidos contra a independência, que foram
reprovadas pela maioria. A votação decorreu após o abandono do plenário por
parte dos deputados do Ciudadanos (25), do PSC (16) e do PP (11), que deixaram bandeiras
espanholas nos lugares que ocupavam. E a resolução foi aprovada pelos
deputados presentes no plenário do Parlamento, por 70 votos a favor, dez contra
(deputados
do Catalunya Sí Que es Pot, que
inclui o Podemos) e dois em branco (servem para
impedir que os deputados possam ser acusados de rebelião).
Em reação a este ato declarativo independentista unilateral, Mariano Rajoy,
que viu o Senado aprovar a sua pretensão de aplicar à região catalã o art.º
155.º, pede “tranquilidade a todos os espanhóis, pois o Estado de direito
restaurará a legalidade na Catalunha”, enquanto Oriol Junqueras fala de
“liberdade para construir um novo país”.
***
Porém, Rajoy e o Senado não travaram a festa
independentista. É certo que o
Primeiro-Ministro espanhol anunciou a demissão do presidente da Generalitat,
Carles Puigdemont, e de todo o governo catalão, assim como a dissolução do
Parlamento da Catalunha e a convocação de eleições autonómicas para 21 de
dezembro. Não obstante, o Governo catalão, que estava reunido para começar a
aplicar a resolução de independência, não reagiu e deixou a Generalitat sem
fazer comentários. Também não houve reação do Juntos pelo Sí ou dos partidos
que compõem esta aliança. Mas os independentistas radicais da Candidatura de
Unidade Popular (CUP)
tomaram posição clara, escrevendo no Twitter:
“Não
nos submeteremos nem ao autoritarismo de Rajoy nem ao 155.º”.
A deputada Mireia Boya sugeriu uma “paella massiva insubmissa” no dia 21 de
dezembro. E os membros da associação independentista Assembleia Nacional Catalã
também:
“Perguntam-nos
sobre as medidas de Rajoy, mas na ANC temos por hábito não comentar a política
de governos estrangeiros”.
Entretanto,
Rajoy diz uma coisa e seu contrário, pois, destituiu o Governo regional e o
Parlamento e marcou eleições. Todavia, após o Conselho de Ministros
extraordinário, disse que “não se trata de suspender o autogoverno, trata-se de
o devolver à normalidade o mais rapidamente possível”, pois quer eleições “livres,
limpas e legais para restaurar a democracia”, já que o objetivo do artigo 155.º
era convocar autonómicas no espaço máximo de 6 meses, defendendo primeiro o
regresso à legalidade democrática. Depois, esteve em contacto com os líderes
nacionais do PSOE, Pedro Sánchez, e do Ciudadanos, Albert Rivera, para lhes
comunicar que iria convocar as eleições. Além da dissolução do Parlamento e da
demissão de todo o governo e dos “embaixadores” da Catalunha no estrangeiro,
ocorreu a destituição do diretor-geral dos Mossos d’Esquadra (polícia catalã), Pere Soler (141 cargos). A vice-primeira-ministra, Soraya
Sáenz de Santamaría, reuniu-se, dia 28, com os secretários de Estado para
estudar como vão os diferentes departamentos ministeriais assumir as pastas do
governo catalão
Enquanto
Miquel Iceta, no Twitter, referia este como o “dia mais triste para a Catalunha”
e 21 de dezembro como “um raio de luz”, a líder da oposição na Catalunha, Inés
Arrimadas, do Ciudadanos, disse que, nesse dia “começará uma nova etapa para todos os catalães”.
Ora,
tudo isto não parou, em Barcelona, na praça de Sant Jaume, a festa de milhares de
pessoas que celebravam a declaração da independência e exigiam a retirada da
bandeira espanhola da Generalitat, enquanto noutro ponto de Barcelona, centenas
de manifestantes defendiam a unidade de Espanha, envolvendo-se em confrontos
com os Mossos depois de partirem os vidros da entrada da rádio pública catalã. Enquanto
isso, serão alvos da procuradoria-geral os líderes do Parlamento catalão, desde
logo a presidente Carme Forcadell, assim como Puigdemont e os membros do
governo, entretanto demitidos. A acusação de crimes de rebelião e de sedição
deverá ser entregue no dia. Tais crimes, se provados, implicam uma pena de até
30 anos de prisão. Segundo a imprensa espanhola, a gravidade do crime torna
complicado que, uma vez ouvidos pelos juízes, possam sair em liberdade. A este
respeito, disse Puigdemont diante dos autarcas independentistas que estiveram
no Parlamento no dia 27:
“Cidadãos da Catalunha, vêm horas em que a todos corresponderá manter o
pulso deste país, de mantê-lo no terreno da paz, do civismo e da dignidade”.
A
nível internacional, ninguém reconheceu a declaração de independência,
incluindo o governo português e o Presidente Marcelo. Entretanto, hoje 300 mil
pessoas desfilaram em Barcelona, capital catalã, pela unidade da Espanha.
Veremos o que darão as eleições de 21 de dezembro.
***
Segundo os dados da primeira sondagem, publicada
no diário El Mundo, os partidos
separatistas que suportavam o executivo regional terão 65 dos 135 deputados,
menos 3 que os necessários para governar, ou seja, os independentistas não conseguirão a maioria necessária para formar
Governo na Catalunha nas próximas eleições. Segundo este estudo de
opinião, os partidos separatistas terão 65 deputados (42,5%) num total de 135 deputados. O partido mais votado será a ERC (Esquerda Republicana da Catalunha), com 26,4% das intenções de voto; o PDeCAT (Partido Democrático Europeu Catalão), de direita, de Carles Puigdemont, teria 9,8%; e a CUP (Candidatura de Unidade Popular), de extrema-esquerda, teria 6,3%. E os constitucionalistas (não independentistas) somarão 43,4%, sendo o mais votado o Ciudadanos (de centro), com 19,6%, seguido pelo PSC (Partido dos
Socialistas da Catalunha), socialistas agregados ao PSOE, com 15,1% e o PP (Partido Popular), de direita, com 8,7%. O CSQP (Catalunha Sim Se Pode), de extrema-esquerda, próxima do Podemos, obteria 11 % dos votos. Atualmente,
o partido de Puidgemont é o que tem mais deputados no
parlamento catalão.
A empresa responsável pelo estudo realizou 1.000
entrevistas entre 23 e 26 de outubro, antes de o parlamento regional ter
aprovado a declaração de independência e de o Governo central aplicar as
medidas para repor a legalidade constitucional na Catalunha.
Em resposta à letra a Rajoy no dia 28, o presidente do
governo regional destituído, Puigdemont, disse, numa declaração oficial gravada
previamente e transmitida em direto pelas televisões não aceitar o seu
afastamento e pediu aos catalães para fazerem uma “oposição democrática”,
***
Marta Santos Silva, no Eco on line, equaciona “quatro
mitos sobre a independência catalã”, como se discrimina a seguir,
juntamente com as
portas que se abrirão (ou fecharão) caso venha a acontecer efetivamente a independência
da Catalunha.
- Dizem que pode a Catalunha ser membro da UE. Mas a UE não se tem mostrado disponível,
pois tem dito com firme clareza que o
interlocutor principal para já é a Espanha e, embora os tratados sejam omissos
quanto à matéria de novas independências, a Catalunha independente ficaria de
fora da UE, pelo menos até terminar um processo de candidatura e ajustamento
das suas finanças públicas. Mas nem toda a gente pensa assim. Oriel Junqueras, um dos demitidos a 27 por Rajoy e ex-vice-presidente
do Governo da Catalunha, escreveu no Twitter que “a Catalunha é uma economia
competitiva e aberta ao mundo e essa situação não vai mudar”. E, no documento “A situação da economia num Estado catalão,
citado pelo El País”,
acrescentava:
“Os
interesses económicos e políticos da União tornam claro que haverá plena
vontade para que a Catalunha permaneça membro da União Europeia e da Zona Euro”.
Esta declaração é destituída de credibilidade, pois nunca
sucedeu que uma região dum Estado-membro da UE tenha obtido a independência,
mas Romano Prodi, em 2004, que então presidia a Comissão Europeia, afirmou:
“Se
um território deixa de ser parte de um Estado ao converter-se num Estado
independente, os tratados não podem continuar a aplicar-se a esse território, e
a nova região converte-se num país terceiro”.
O mesmo foi dito, por exemplo, sobre a Escócia aquando
do referendo pela independência do Reino Unido. Apesar de tudo, é sempre
possível que venha algum reconhecimento à Catalunha. As regras não estão
escritas. Um deputado finlandês, Mikko Kärnä, já anunciou no Twitter que vai
apresentar na semana que vem uma moção para reconhecer já a independência da
Catalunha.
- Dizem que a maioria dos catalães quer a independência. Porém, os partidos nacionalistas e
independentistas não ganham votos desde de 1999, mantendo-se sempre mais ou
menos no mesmo percentil aquém dos 50%. E, se atendermos à abstenção, que, no
caso de a maioria dos eleitores querer a independência, deveria diminuir até
perto do grau zero, não se pode afiançar que a maioria do povo catalão queira a
independência. Por outro lado, a repressão policial no referendo torna difícil
aferir da fiabilidade do “sim”. Tanto se pode inferir que a repressão acicatou
o “sim” como induziu a abstenção da maioria. O analista Kiko Llaneras explica porque
se fala cada vez mais da independência quando não cresce o apoio aos partidos
que a defendem:
“Não é tanto que os catalães tenham mudado o voto, mas sim que a sua
opinião sobre o tema e a posição do partido se movimentou”.
Com efeito, “em 2006, menos de 20% dos eleitores da
CiU queriam a independência”, ao passo que “agora são 75%”. Assim, é difícil decidir com base nos
resultados eleitorais e referendários se uma maioria dos catalães quer ser
independente de Espanha.
- Supõe-se que a economia da Catalunha é do tamanho da dinamarquesa. Na
verdade, o independentista catalão Artur Mas, ex-presidente do Governo regional, confessou
em Harvard que imaginava “a Catalunha
como a Dinamarca do Mediterrâneo”, supondo que a região tinha capacidade “para
ter um desemprego com nível muito baixo, uma economia muito aberta, um Estado
social robusto e uma democracia de qualidade, até porque a sua produção de
riqueza era semelhante”. E o documento produzido
por Oriel, acima referido, veicula a ideia parecida em termos de riqueza
produzida: “O PIB da Catalunha
assemelha-se ao da Finlândia, da Dinamarca e da Irlanda”. Todavia, como
sublinhou o El País, o Eurostat via em 2015 o PIB catalão nos 204 mil milhões de euros
– mais perto dos 179 mil milhões de Portugal no mesmo ano do que do PIB da
Dinamarca de 271 mil milhões. E o PIB per capita, que para Vasqueras “supera a média europeia
por 14,5%”, segundo o Eurostat supera o da UE por 7%.
- Novas
eleições vão ajudar a resolver o impasse. Mas, como dados da sondagem
mencionada mostram, tal solução tem poucas possibilidades de acontecer.
Dificilmente os independentistas ganharão as eleições e os uniatas terão
dificuldade em conseguir um governo que bata o pé a Madrid e que faça progredir
a economia repondo a situação anterior ao referendo. O presidente do Ciudadanos, um dos
partidos que apoiou o PP para lhe permitir agir desta forma na Catalunha, explicou
à CNBC que era impossível
progredir com o Governo atual, dizendo:
“Para
mim, a questão mais importante é como mudar o governo da Catalunha. O
presidente é contra a lei. […]. Precisamos de um presidente que
decida voltar à democracia, voltar à Constituição”.
E várias sondagens mostram que tudo vai ficar igual na
Catalunha em termos de distribuição dos partidos no Parlamento. Kiko Llaneras
não se mostra surpreendido, pois:
“a
percentagem de voto nacionalista (e portanto independentista) não se move há 18
anos: nas últimas seis eleições esteve sempre entre os 47% e os 49% dos votos”.
Apesar dos altos e baixos dos governos, que foram de
diferentes partidos de tendência nacionalista, os números mantiveram-se.
***
É
pena que a aplicação do art.º 155.º (ora utilizado pela 1.ª
vez) tenha sido a
única forma de olhar a questão catalã, tendo sido recusada a mediação do
conflito político, quer por Madrid quer pela UE. Talvez o diálogo político induzisse
uma revisão da Constituição, à luz duma releitura das realidades (releitura
que as elites económicas não podem impedir nem condicionar) fazendo evoluir a Espanha para um
Estado de Estados (sem a pretensão hegemónica e imperial de
Castela) e induzir a
UE a organizar-se como Confederação de Estados Federados (pelo
menos alguns, podendo
outros continuar unitários).
De resto, a UE, que deveria garantir a estabilidade dentro dos Estados-Membros,
pode estar a aninhar a génese da fragmentação europeia gerando a proliferação
de novos Estados pela via da afirmação pseudonacionalista. Se, no Reino Unido,
França, Alemanha, Itália, …, a moda pega, o movimento será imparável. Madrid e
Barcelona podem constituir um precedente de mau exemplo. E não havia
necessidade de beliscar a causa da paz e do progresso!
2017.10.29 – Louro de Carvalho
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