sábado, 14 de outubro de 2017

OE eleitoralista, de continuidade, aquém das expectativas ou só de 2018?

Foi entregue na Assembleia da República (AR), a 13 de outubro, dentro do prazo estipulado pelo Governo, a proposta do Orçamento do Estado (OE) para 2018, embora o Governo pudesse ter feito essa entrega até ao próximo dia 15.
Obviamente, os partidos, as associações patronais e os sindicatos ainda não tiveram tempo de proceder à sua leitura. E, antes da aprovação final, ainda muita água correrá por baixo das pontes – desde a apresentação ao Plenário da AR pelo Primeiro-Ministro, esclarecimentos pelos ministros em plenário, votação na generalidade, e audições em sede de comissão parlamentar para a aprovação na especialidade. No entanto, pelas informações que têm vindo lume, já várias reações são conhecidas.
Os partidos mais à esquerda no espectro parlamentar fazem questão de assinalar as conquistas que obtiveram na introdução de melhorias; os partidos mais à direita criticam as medidas ou pela sua insustentabilidade ou porque resultam em pouco, dado o esforço feito pelo Governo anterior em reformas estruturais e início de reposição dos rendimentos das pessoas. Acusa-se o excesso de cativação de verbas por parte do Governo, agora mais controlada pelos deputados; critica-se o aumento da carga fiscal, a insuficiência ou temeridade dos decréscimos dos encargos para os contribuintes; e até se aponta ao Governo o desrespeito pelo Parlamento. Por seu turno, a UGT rotula a proposta orçamental de orçamento de continuidades, enquanto a CGPT diz que o instrumento de planeamento e gestão do Estado fica bastante aquém das expectativas. E o Governo, como é do seu mister, lá vai aguentando no equilíbrio, ora sustentável ora precário, da balança orçamental no esforço de não se desviar muito nem para um lado nem para o outro.
Fazem bem os partidos, antes de se pronunciarem, ao invés do acontece a maior parte das vezes, e reservarem a publicação do sentido de voto para depois da leitura atenta do documento e das eventuais propostas de alteração em sede de discussão parlamentar, quer em plenário quer em sede da respetiva comissão.  
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Ora, o Presidente da República é a pedra fundamental no regular funcionamento das instituições democráticas, as quais, para funcionarem, têm de gozar de liberdade institucional de ação e movimentação sem que alguém lhes faça surpreendentes avisos à navegação, no respeito pela separação e interdependência dos poderes, atuando cada um deles no seu tempo e na sua vez. Porém, Marcelo Rebelo de Sousa, cujas qualidades pessoais e políticas são indesmentíveis, não se contém nas declarações públicas e, a cada passo, opina e condiciona.
Considero certo que o Presidente queira ouvir os partidos com assento parlamentar para efeitos do acompanhamento presidencial da atividade política do país; e que ouça regularmente ou extraordinariamente o Primeiro-Ministro ou quem as suas vezes fizer (neste caso, o n.º 2, o Ministro dos Negócios Estrangeiros), para que o Governo cumpra a sua função constitucional de informar o Chefe de Estado. Entendo que nessas audiências deixe expresso o seu ponto de vista, mas que este fique entre si e as entidades ouvidas. Não lhe cabe condicionar os trabalhos parlamentares ou a ação do Governo através de discursos a propósitos de iniciativas da chamada sociedade civil ou através da comunicação social.
Ora, no dia 13, Marcelo, pediu ao Governo e partidos que o apoiam “bom senso e realismo” na gestão orçamental, alertando contra eventual “Orçamento eleitoralista” para 2019. Disse ele:
É preciso olhar para o ano que vem e, sobretudo, quando se conceber o Orçamento para 2019, resistir à tentação de ele ser um Orçamento eleitoralista”.
E fez tal admonição no encerramento do 7.º Congresso Nacional dos Economistas na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, em torno do tema “Globalização, Protecionismo e o Futuro da Europa”. Em sua intervenção de cerca de 5 minutos, o Chefe de Estado referiu-se ao Orçamento do Estado para 2018, considerando que terá de se conseguir “um equilíbrio complexo” entre incentivos ao investimento, proteção social e controlo do défice. E declarou:
Eu desejaria que ele permitisse a confluência entre o convite à vitalidade económica e, portanto, ao investimento e às exportações, com proteção social – mas sempre com a preocupação do equilíbrio financeiro e uma preocupação que olhasse para o médio prazo”.
Segundo o Presidente, é preciso ter em conta “a eventualidade de nem sempre a evolução do crescimento, a evolução do emprego – no caso português, como no caso europeu, como no contexto internacional – ser tão propícia”. Trata-se de “um equilíbrio complexo” que – há que admiti-lo – “não passa apenas pela economia e os economistas, passa muito pelo sistema político e o seu funcionamento. Mais no final do discurso, o Chefe de Estado falou do Orçamento para 2019, defendendo que não pode ser construído “na base de uma pressão excessiva no domínio das prestações sociais, sobretudo com pensamento eleitoralista, que não seja comportável no quadro de uma trajetória que é ambiciosa em termos de défice nominal e de défice estrutural”. E à hipotética objeção de que não será um problema para este ano contrapôs:
Dir-me-ão: mas não é o problema deste ano já, nem sobretudo. É-o, na medida em que uma parte do que vai ser pensado para os próximos anos está a ser pensado hoje..
Segundo o Presidente, o que se pede à governação é que manifeste de modo sistemático um bom senso e um realismo, à medida da surpresa que introduziu no pensamento de muitos pensadores financeiros e económicos, internos e externos”, há cerca de ano e meio, “que esperavam, ou desejavam, ou temiam (depende de cada qual) que a evolução fosse outra”. E insistiu: “Mas que haja esse bom senso e esse realismo, no ano crucial de 2018”.
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Já antes das eleições autárquicas, o Presidente da República prometeu querer “apalpar terreno” logo no dia seguinte, em altura em que o PSD prometia agitar-se. Além disso, Marcelo ajustou a estratégia de audição dos partidos sobre OE. Reuniu-se nos dias 2, 3 e 4 com os partidos políticos, encontros tidos como habituais, entre as eleições autárquicas e a data da entrega do OE no Parlamento. A nota do site da Presidência era do teor seguinte:
Terminado que estará o período eleitoral e antes da apresentação da proposta de Orçamento do Estado para 2018, o Presidente da República retoma no início da próxima semana, dias 2 e 3 de Outubro, as habituais reuniões com os partidos políticos representados na Assembleia da República”. 
A última vez que Marcelo reuniu com os partidos com assento parlamentar foi a 17 de 18 de abril, aquando do envio da parte do Governo do Programa de Estabilidade para Bruxelas. 
À saída dos encontros de outubro, vários líderes partidários fizeram declarações relacionadas com o OE para 2018. Catarina Martins, do Bloco de Esquerda, admitiu fasear a revisão dos escalões do IRS, mas assinalou que a promessa tem de ser cumprida até 2019, termo da legislatura. Já o secretário-geral do PCP considerou que a revisão faseada do IRS é um “objetivo pouco ambicioso”. E este é um dos temas que mais tem dominado as negociações do OE para 2018 e onde foi difícil chegar a acordo.
Ora, Marcelo, em vez de observações públicas sobre matérias candentes da legislatura e da governação, bem poderia, além das legítimas e previstas intervenções em privado, recorrer ao constitucional envio de mensagens à AR. Por um lado, desempenhava o seu papel de aviso e moderação; por outro lado, não dava a impressão de se intrometer a torto e a direito na discussão das matérias enquanto elas estão a ser objeto de abordagem em sede própria.  
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Neste quadro de reações, incluindo a presidencial, o Ministro das Finanças teve de vir a terreiro garantir que o OE para 2018, que já apresentou ao início da madrugada de sábado, dia 14, não é “eleitoralista”. Assim, questionado pelos jornalistas sobre os pedidos do Presidente, respondeu e aproveitou para comparar os resultados do Governo com os do anterior PSD/CDS-PP. E disse:
É o Orçamento de 2018, não é eleitoralista, é de uma continuidade face a Orçamentos anteriores, de rigor – já repeti várias vezes esta palavra hoje –, de redução do défice publico, de forte redução da dívida”.
Mário Centeno assegurou que este “é um orçamento que tem dimensão de crescimento, de abrangência das prestações sociais muito significativa”. E sublinhou que o debate parlamentar tem sido “bastante rico”, prometendo que todas as propostas de alteração que os partidos vierem a apresentar na discussão na especialidade “terão a maior atenção do Governo”, mas que a última palavra é dos partidos da AR, pois são eles que votam as propostas.
Do crescimento estrutural, reformas estruturais e perspetivas de futuro neste OE, disse:
Uma reforma do Estado passa – vou ser totalmente claro – necessariamente por uma valorização das carreiras daqueles que prestam serviço no Estado. Esta é uma reforma no Estado. Aumenta de certeza absoluta a produtividade na administração pública. Esta é uma reforma. Se não entendermos o conceito, não vamos encontrar nada de estrutural. Está lá muita coisa de estrutural.”.
Não obstante, Centeno reconheceu que “há um abrandamento do crescimento projetado no OE2018 que tem a ver com uma ligeira desaceleração das exportações”, justificando com o facto de o Governo querer ser mais prudente nas suas projeções e não querer projetar ganhos de quota. Todavia, ao mesmo tempo, fez questão de lembrar que a previsão – 2,2% em 2018 – é do terceiro maior crescimento económico do país em 17 anos. E garantiu:
Apenas o crescimento estrutural pode transformar as condições de vida dos portugueses. O futuro é projetado aqui: políticas de capitalização de empresas são um exemplo; as políticas de habitação, não há futuro sem jovens.”.
E também criticou:
Habituámo-nos erradamente a associar reformas a cortes, a sofrimento e a retirar coisas às pessoas, mas isso é o contrário de reforma. Estamos a implementar reforma do sistema financeiro com a credibilização da política orçamental. Pôr o país à beira de sanções não são reformas. Dirigir o investimento público para infraestruturas, mobilidade, ferrovia, isso são reformas. Há reformas e há apostas muito, muito claras.”.
Centeno, que aproveitara para comparar os resultados do Governo atual com os do anterior liderado pelo PSD/CDS-PP, acabou por dizer que “os portugueses não querem orçamentos retificativos e nós não apresentámos nenhum”. Mais disse que os portugueses não gostam de ouvir derrapagem orçamental e ninguém ouviu nos últimos anos essa palavra, afiançando:
“Temos a certeza de que os portugueses não querem ouvir a palavra sanções. A execução orçamental apresentada em 2016 conseguiu evitar as sanções.”.
Eram sanções do Procedimento por Défice Excessivo (Portugal não cumpria os limites entre 2013 e 2015, anos de Passos e Portas). Em novembro de 2015 é que o Governo de Costa entrou em funções.
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Ora, se efetivamente houver um desagravamento fiscal em sede de IRS e IVA (nalguns casos, poucos) – com aumentos nas áreas da Defesa, Justiça, Ciência e Ensino Superior, Saúde, Ambiente, Investimento, Pensões… – e se houver reposição de carreiras e horas extra na administração pública (embora em fases) e mais vinculações de precários já não é pouco.
A ver vamos: Vade retro, civitatis intemperatio!

2017.10.14 – Louro de Carvalho 

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