quarta-feira, 4 de outubro de 2017

As trilogias propostas por Francisco em Bolonha a 1 de outubro

No encontro com os migrantes assistidos no Centro Regional da Via Enrico Mattei, o Papa teve um acolhimento foi muito caloroso. E, após saudar demoradamente, um por um, os hóspedes da estrutura, ouviu o apelo de muitos migrantes que apresentavam em suas mãos cartazes com as palavras: “Precisamos de documentos. Ajude-nos.”.
No discurso, assegurou a sua proximidade, porque muitos não os conhecem “e têm medo”. E o medo faz sentir o direito de julgar e de o fazer com dureza  e frieza, acreditando estar a ver bem. Todavia só se vê bem com a proximidade que a misericórdia dá. Sem esta, o outro é um estranho e até um inimigo, que não se pode tornar “meu próximo”. De longe podemos dizer e pensar qualquer coisa, como acontece quando se escrevem frases terríveis e insultos através da Internet. Se olharmos o próximo sem misericórdia, não sentimos o seu sofrimento e problemas.
Três ideias: sofrimento, misericórdia e proximidade. Se o sofrimento for caldeado pela proximidade que a misericórdia dá, não haverá lugar a medo, julgamento e dureza
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Na Praça Maior de Bolonha, onde era aguardado por uma grande multidão de trabalhadores para a oração mariana do Angelus, falou de crise, discussão/diálogo e futuro:
Vós representais diversas partes sociais, muitas vezes em discussões, até ásperas, mas aprendestes que, somente juntos, se pode superar a crise e construir o futuro. Só o diálogo permite encontrar respostas eficazes e inovadoras, sobretudo no que se refere à qualidade do trabalho e o indispensável bem-estar de todos.”.
Frisando a necessidade de encontrar soluções estáveis, capazes de ajudar pessoas e famílias a encarar o futuro, Francisco pediu que nunca rebaixem a solidariedade ao nível da lógica do lucro financeiro, porque, desta forma, a arrancamos ou, melhor, a roubamos dos mais frágeis, que têm tanta necessidade. Frisou que tornar a sociedade mais justa não é um sonho do passado, mas um compromisso, um trabalho que precisa de todos nós. E, tocando a chaga dolorosa do desemprego, sobretudo juvenil, e de tantos que perderam o trabalho e não conseguem inserir-se na sociedade, disse:
O acolhimento e a luta contra a pobreza passam, em grande parte, através do trabalho. Não se pode oferecer ajuda aos pobres sem dar-lhes trabalho e dignidade.”.
Referindo que a crise económica tem uma dimensão europeia e global, o Pontífice recordou que a crise é também uma crise ética, espiritual e humana, pois, “na sua raiz, há traição do bem comum, por parte de indivíduos e de grupos no poder”. Por conseguinte, é preciso eliminar a centralidade da lei do lucro e transferi-la para a pessoa e para o bem comum. Para isso requer-se a discussão/diálogo, a solidariedade e o compromisso com a justiça.
Os três pontos de referência da visita papal à Emília-România compendiam-se em três “P” sobre como ir em frente no caminho da Igreja: a Palavra, o Pão, os Pobres. A Palavra “é a bússola para caminharmos humildes, para não perdermos a estrada de Deus e cairmos na mundanidade”. O Pão tem de ser “o Pão Eucarístico”, porque tudo começa pela Eucaristia e nela se encontra a Igreja: não nas conversas e nas crónicas, mas no Corpo de Cristo partilhado por pessoas pecadoras e necessitadas, mas que se sentem amadas e desejam amar, sendo este “o início irrenunciável do nosso ser Igreja”. Por fim, sobre os Pobres, o Papa carateriza o mundo atual da pobreza e dos diversos tipos de pobres:
Ainda hoje, infelizmente, para tantas pessoas falta o necessário. Mas existem também tantos pobres de afeto, pessoas sozinhas, os pobres de Deus. Em todos eles encontramos Jesus, porque Jesus no mundo seguiu o caminho da pobreza, do aniquilamento.”.
Recordando a interrogação do cardeal Lercaro Se partilhamos o pão do céu, como não partilhar o terrestre?”, que o purpurado gostava de ver escritas no altar, o Papa disse que “da Eucaristia aos pobres vamos encontrar Jesus” e exortou a pedir a graça de nunca esquecermos “estes alimentos-base, que sustentam o nosso caminho”: a Palavra, o Pão, os Pobres.
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No encontro com os estudantes na cidade internacionalmente conhecida pela sua milenária Universidade, o Papa começou por afirmar:
Há quase mil anos, a Universidade de Bolonha é laboratório de humanismo: aqui o diálogo com as ciências inaugurou uma época e plasmou a cidade. Por isso, Bolonha é chamada ‘a douta’.”.
Lembrando que o primeiro curso da Universidade foi o de Direito, propôs aos estudantes três direitos que julga atuais. O primeiro deles é  o “direito à cultura”. E explicou:
Não me refiro somente ao sacrossanto direito de todos de ter acesso ao estudo, mas também ao facto de que, especialmente hoje, o direito à cultura significa tutelar a sabedoria, isto é, um saber humano e humanizador. (...). O estudo serve para se fazerem perguntas, não para se deixar anestesiar pela banalidade, a buscar o sentido da vida.”.
Cultura é o que cultiva, que faz crescer o humano. Face a tanto clamor que nos circunda, frisou que “hoje não precisamos de quem desabafa gritando, mas de quem promove boa cultura”.
O segundo é o “direito à esperança”, o direito a não ser quotidianamente invadidos pela retórica do medo e do ódio. E desenvolveu, exortando os jovens a serem artesãos de esperança:
É o direito a não ser submersos pelas frases feitas dos populismos. É o direito a acreditar que o amor verdadeiro não é descartável e que o trabalho não é uma miragem a alcançar, mas uma promessa que deve ser mantida. Que belo seria se as salas das universidades fossem canteiros de esperança, oficinas onde se trabalha por um futuro melhor, onde se aprende a ser responsáveis por si e pelo mundo!”.
Por último, o “direito à paz” que, além de direito, é dever inscrito no coração da humanidade. A este respeito, Francisco evocou o Papa Bento XV, que foi Bispo justamente de Bolonha, e que, há 100 anos, elevou o seu clamor definindo a guerra um “inútil massacre”. E apelou:
Invoquemos o ius pacis como direito a todos de resolver os conflitos sem violência.  Por isso, vamos repetir: nunca mais a guerra, nunca mais contra os outros, nunca mais sem os outros! Que venham à luz os interesses e as tramas, muitas vezes obscuras, de quem fabrica violência, alimentando a corrida às armas e espezinhando a paz com os negócios.”.
E recomendou e testemunhou:
Não vos contenteis com sonhos pequenos, mas sonhai grande. […]. Eu também sonho, e não só quando durmo, porque os verdadeiros sonhos fazem-se de olhos abertos e levam-se avante à luz do sol.”.
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Com a celebração eucarística no Estádio de Ara, o Papa concluiu a visita pastoral iniciada na manhã do dia 1 de outubro, recordando que a Palavra de Deus, que é Palavra viva, “penetra a alma e traz à luz os segredos e as contradições do coração” e que nunca devemos esquecer os alimentos-base que sustentam o nosso caminho acima apontados:  “a Palavra, o Pão, os Pobres”.
Desenvolveu a homilia inspirado na parábola dos dois filhos que, ao pedido do pai para irem para a sua vinha, um responde ‘não’, mas depois vai, enquanto o segundo diz ‘sim’, mas não vai. Cá está mais uma trilogia: Pai, filhos e vinha (Pai roga, filhos obedecem e vinha será cuidada).
E o Papa sublinha a grande diferença entre o primeiro filho, preguiçoso, e o segundo, hipócrita”. No coração do primeiro, “ainda ressoava o convite do pai”, enquanto no do segundo, “não obstante o ‘sim’, a voz do pai estava sepultada”:
A recordação do pai despertou o primeiro filho da preguiça, enquanto o segundo, mesmo conhecendo o bem, negou o dizer com o fazer. De facto, tornou-se impermeável à voz de Deus e da consciência e assim havia abraçado sem problemas a duplicidade de vida.”.
Com a parábola, segundo o Papa, Jesus coloca duas vias diante de nós, “que nem sempre estamos prontos para dizer ‘sim’ com as palavras e as obras, porque somos pecadores”. Mas, sendo pecadores, temos também dois caminhos em alternativa, como explicita o Pontífice:
Mas podemos escolher ser pecadores em caminho, que  permanecem na escuta do Senhor e, quando caem, se arrependem e se reerguem, como o primeiro filho; ou pecadores sentados, prontos a justificar-se sempre e somente em palavras, segundo o que convém.
Jesus aplica esta parábola a chefes religiosos da  época “que se assemelhavam ao filho de vida dupla, enquanto as pessoas comuns se comportavam frequentemente como o outro filho”:
Estes chefes sabiam e explicavam tudo, em modo formalmente irrepreensível, como verdadeiros intelectuais da religião. Mas não tinham a humildade de escutar, a coragem de interrogar-se, a força de arrepender-se.”.
Repreendendo-os de forma severa, Jesus diz, para confusão dos ouvintes, que até os publicanos – que eram corruptos traidores da pátria – os precederiam no reino de Deus. O problema destes chefes religiosos é que erravam no modo de viver e pensar diante de Deus:
Eram, em palavras e com os outros, inflexíveis custódios das tradições humanas, incapazes de compreender que a vida segundo Deus é ‘em caminho’, que pede a humildade de abrir-se, arrepender-se e recomeçar”.
Isto diz-nos que não há vida cristã decidida em conversa ao redor duma mesa, cientificamente construída, onde basta cumprir alguns ditames para aquietar a consciência:
A vida cristã é um caminho humilde de uma consciência nunca rígida e sempre em relação com Deus, que sabe arrepender-se e entregar-se a Ele nas suas pobrezas, sem nunca presumir bastar-se a si mesma. Assim, são superadas as edições revistas e atualizadas daquele antigo mal, denunciado por Jesus na parábola: a hipocrisia, a duplicidade de vida, o clericalismo que acompanha o legalismo, a separação das pessoas.”.
Neste sentido, na ótica papal, a palavra-chave é “arrepender-se”:
É o arrependimento que permite não enrijecer-se, de transformar os “nãos” a Deus em “sim”, e os “sim” ao pecado, em “não”, por amor ao Senhor. A vontade do Pai, que a cada dia delicadamente fala à nossa consciência, realiza-se somente na forma de arrependimento e da conversão contínua. Definitivamente no caminho de cada um existem duas estradas: ser pecadores arrependidos ou pecadores hipócritas.”.
O que realmente conta “não são os raciocínios que justificam e tentam salvar as aparências, mas um coração que avança com o Senhor, luta a cada dia, se arrepende e retorna para Ele”, porque o Senhor busca puros de coração, não puros “por fora’”.
Também a parábola é atual no atinente às relações, “nem sempre fáceis, entre pais e filhos”:
Hoje, na velocidade das transformações uma geração e outra, constata-se mais forte a necessidade de autonomia do passado, às vezes até mesmo com a rebelião. Mas após os fechamentos e os longos silêncios de um lado ou de outro, é bom recuperar o encontro, mesmo se ainda habitado por conflitos, que podem tornar-se um estímulo de um novo equilíbrio.”.
E tal como na família, “também na Igreja e na sociedade nunca se deve renunciar ao encontro, ao diálogo, em buscar novas vias para caminhar juntos”.
A palavra-chave para “superar a hipocrisia, a duplicidade de vida, o clericalismo (outra trilogia) que acompanha o legalismo” é, pois, o arrependimento, “que permite não enrijecer-se, de transformar os “nãos” a Deus em “sim”, e os “sim” ao pecado em “não” por amor do Senhor". 
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Na tarde de domingo, dia 1, Francisco falou aos sacerdotes, religiosos e religiosas, seminaristas do Seminário regional e aos diáconos permanentes na Catedral de São Pedro, em Bolonha.
Quanto à oportunidade de alimentar a exigência evangélica da fraternidade, centrou-se na importância para cada religioso de viver a diocesanidade, carisma próprio e imprescindível do sacerdote diocesano, dizendo dela:
É uma experiência de pertença. Quer dizer que não és livre, mas és um homem que pertence a um corpo. Acredito que esquecemos isto tantas vezes, porque sem cultivar este espírito de diocesanidade, nos tornamos muito ‘únicos’, muito sozinhos com o perigo de sermos também infecundos, nervosos...”.
E acrescentou que a diocesanidade tem também uma dimensão de sinodalidade com o bispo:
O corpo tem uma força especial e o corpo deve ir em frente sempre com a transparência. O compromisso da transparência, mas também a virtude da transparência cristã como a vive Paulo, isto é: a coragem de falar, de dizer tudo. Paulo sempre ia em frente com esta coragem.”.
Depois, considerou essencial que os sacerdotes sejam pastores do povo que cuidam do rebanho:
 “Não quer dizer ser um populista, não! Pastor do povo, isto é, próximo do povo, porque foi convidado para estar ali e fazer crescer o povo, para ensinar o povo, santificar o povo, ajudá-lo a encontrar Jesus Cristo. Pelo contrário, o Pastor que é muito clerical assemelha-se àqueles fariseus, àqueles doutores da lei, àqueles saduceus do tempo de Jesus: ‘Somente a minha teologia, o meu pensamento, o que se deve fazer, o que não se deve fazer!’, fechado ali e o povo lá, nunca interferindo na realidade de um povo.”.
O Pastor deve ter uma tríplice relação – e isto é sinodalidade – com o povo de Deus:
Na frente, para ver o caminho; digamos o pastor catequista, o pastor que ensina o caminho. No meio, para conhecê-los, proximidade; o pastor é próximo, em meio ao povo de Deus. E também atrás, para ajudar os retardatários e também, às vezes, para deixar o povo ver porque, sabe – tem bom faro o povo, eh! – para ver qual caminho escolher. Mover-se nas três direções: na frente, no meio e atrás. E um bom pastor deve ir neste movimento.”.
No dizer do Papa, o clericalismo é um dos pecados mais fortes, mas tem como antídoto a diocesanidade, ou seja, a relação entre os sacerdotes, a relação com o bispo, com a coragem de falar de tudo e de suportar tudo. Por isso, lamenta:
É triste quando um Pastor não tem o horizonte do povo. É muito triste quando as igrejas permanecem fechadas  - algumas devem permanecer fechadas – mas quando se vê um aviso na porta: de tal a tal hora, depois não tem ninguém. Confissões somente em tal dia, de tal hora a tal hora. Mas tu...não é um escritório do sindicato, eh! É o lugar onde tu vais adorar o Senhor. Mas, se um fiel quer adorar o Senhor e encontra a porta fechada, onde irá fazê-lo? Pastores com horizonte de povo: isto quer dizer “como eu faço para estar próximo de meu povo.”.
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No atinente à vida consagrada, o Papa centrou-se em dois vícios que a afetam: o mais frequente é a tagarelice, que suja a fama do/a irmão/ã; o outro “é o pensar o serviço presbiteral como carreira eclesiástica. E explica:
Refiro-me a um verdadeiro comportamento galgador. Mas isto é uma peste, num presbítero. Existem duas pestes fortes: esta é uma. Os galgadores. Que buscam fazer carreira e sempre têm as unhas sujas, porque querem subir. Um galgador é capaz de criar tantas discórdias no seio de um corpo presbiteral. Os galgadores fazem tanto mal para a união do presbitério, tanto mal, porque vivem em comunidade, mas fazendo, mas agindo assim para eles irem em frente.”.
Na resposta a uma pergunta sobre os passos a dar para se colocar na perspetiva de Cristo, sendo testemunhas de alegria e esperança, capazes de tocar as chagas dos irmãos, abstendo-se da psicologia da sobrevivência, sustentou:
Cair na psicologia da sobrevivência é como ‘esperar a carruagem’, o carro fúnebre. Esperamos que chegue a carruagem e leve o nosso Instituto. É um pessimismo desesperançado, isto não é de homens e mulheres de fé. Na vida religiosa, esperar a carruagem não é uma atitude evangélica, é uma atitude de derrota. Esta psicologia da sobrevivência leva à falta de pobreza. É buscar a segurança no dinheiro. E este é o caminho mais adaptado para nos levar à morte.”.
Posto isto, o Papa convidou os religiosos a um exame de consciência sobre como vivem a pobreza, recordando que “a segurança na vida consagrada não é dada nem pelas vocações, nem pela abundância do dinheiro; a segurança vem de outro lugar”. E disse:
Tantas Congregações que diminuem, diminuem, e os bens aumentam. Tu vê aqueles religiosos ou religiosas, apegados ao dinheiro como segurança. Esta é a medula da psicologia da sobrevivência: isto é, sobrevivo, estou seguro porque tenho dinheiro. E o problema não está tanto na castidade ou na obediência, não! Está na pobreza. A psicologia da sobrevivência leva a viver mundanamente, com esperanças mundanas, não a colocar-se na estrada da esperança divina, a esperança de Deus. Mas o dinheiro é realmente uma ruína para a vida consagrada.”.
Por tudo e pela necessidade de tocar as chagas de Jesus nas chagas do mundo, propôs a via do rebaixamento, rebaixar-se com o povo, os que sofrem, os que não podem dar nada. E concluiu:
Terás somente a força da oração: esta, ao contrário da psicologia da sobrevivência que se alimenta de pessimismo, é o caminho que conduz ao Reino de Deus. Não é fechada, sem horizontes, sem povo, mas é aberta, com horizontes fecundos.”.
Em suma: Palavra, pão, pobres! Cultura, esperança, paz! Diocesanidade, sinodalidade, rebaixamento! Sofrimento, proximidade, misericórdia!
Aos religiosos, a exortação final foi: “que a vida consagrada seja um tampão na mundanidade”.

2017.10.04 – Louro de Carvalho

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