No encontro com os migrantes assistidos no Centro Regional da
Via Enrico Mattei, o Papa teve um acolhimento foi muito caloroso. E, após
saudar demoradamente, um por um, os hóspedes da estrutura, ouviu o apelo de muitos
migrantes que apresentavam em suas mãos cartazes com as palavras: “Precisamos de documentos. Ajude-nos.”.
No discurso, assegurou a sua proximidade, porque
muitos não os conhecem “e têm medo”. E o medo faz sentir o direito de julgar e de
o fazer com dureza e frieza, acreditando estar a ver bem. Todavia só se
vê bem com a proximidade que a misericórdia dá. Sem esta, o outro é
um estranho e até um inimigo, que não se pode tornar “meu próximo”. De longe
podemos dizer e pensar qualquer coisa, como acontece quando se escrevem frases
terríveis e insultos através da Internet. Se olharmos o próximo sem misericórdia,
não sentimos o seu sofrimento e problemas.
Três ideias: sofrimento,
misericórdia e proximidade. Se o sofrimento for caldeado pela proximidade que a
misericórdia dá, não haverá lugar a medo,
julgamento e dureza.
***
Na Praça Maior de Bolonha, onde era aguardado por uma grande
multidão de trabalhadores para a oração mariana do Angelus, falou de crise,
discussão/diálogo e futuro:
“Vós representais diversas partes sociais,
muitas vezes em discussões, até ásperas, mas aprendestes que, somente juntos,
se pode superar a crise e construir o futuro. Só o diálogo permite encontrar
respostas eficazes e inovadoras, sobretudo no que se refere à qualidade do
trabalho e o indispensável bem-estar de todos.”.
Frisando a necessidade de encontrar soluções estáveis,
capazes de ajudar pessoas e famílias a encarar o futuro, Francisco pediu que
nunca rebaixem a solidariedade ao nível da lógica do lucro financeiro, porque,
desta forma, a arrancamos ou, melhor, a roubamos dos mais frágeis, que têm
tanta necessidade. Frisou que tornar a sociedade mais justa não é um sonho do
passado, mas um compromisso, um trabalho que precisa de todos nós. E, tocando a
chaga dolorosa do desemprego, sobretudo juvenil, e de tantos que perderam o
trabalho e não conseguem inserir-se na sociedade, disse:
“O acolhimento e a luta contra a pobreza
passam, em grande parte, através do trabalho. Não se pode oferecer ajuda aos
pobres sem dar-lhes trabalho e dignidade.”.
Referindo que a crise económica tem uma dimensão
europeia e global, o Pontífice recordou que a crise é também uma crise ética,
espiritual
e humana,
pois, “na sua raiz, há traição do bem comum, por parte de indivíduos e de
grupos no poder”. Por conseguinte, é preciso eliminar a centralidade da lei do
lucro e transferi-la para a pessoa e para o bem comum. Para isso requer-se a discussão/diálogo, a solidariedade e o compromisso
com a justiça.
Os três pontos de referência da visita papal à Emília-România
compendiam-se em três “P” sobre como
ir em frente no caminho da Igreja: a Palavra, o Pão, os Pobres.
A Palavra
“é a bússola para caminharmos humildes, para não perdermos a estrada de Deus e
cairmos na mundanidade”. O Pão tem de ser “o Pão Eucarístico”,
porque tudo começa pela Eucaristia e nela se encontra a Igreja: não nas
conversas e nas crónicas, mas no Corpo de Cristo partilhado por pessoas
pecadoras e necessitadas, mas que se sentem amadas e desejam amar, sendo este “o
início irrenunciável do nosso ser Igreja”. Por fim, sobre os Pobres,
o Papa carateriza o mundo atual da pobreza e dos diversos tipos de pobres:
“Ainda hoje, infelizmente, para tantas pessoas falta o necessário.
Mas existem também tantos pobres de afeto, pessoas sozinhas, os pobres de Deus.
Em todos eles encontramos Jesus, porque Jesus no mundo seguiu o caminho da
pobreza, do aniquilamento.”.
Recordando a interrogação do cardeal Lercaro “Se
partilhamos o pão do céu, como não partilhar o terrestre?”, que o purpurado
gostava de ver escritas no altar, o Papa disse que “da Eucaristia aos pobres
vamos encontrar Jesus” e exortou a pedir a graça de nunca esquecermos “estes
alimentos-base, que sustentam o nosso caminho”: a Palavra, o Pão, os Pobres.
***
No encontro com os estudantes na cidade
internacionalmente conhecida pela sua milenária Universidade, o Papa
começou por afirmar:
“Há quase mil anos, a Universidade de Bolonha é laboratório de humanismo:
aqui o diálogo com as ciências inaugurou uma época e plasmou a cidade. Por
isso, Bolonha é chamada ‘a douta’.”.
Lembrando que o primeiro curso da Universidade foi o de
Direito, propôs aos estudantes três direitos que julga atuais. O primeiro deles
é o “direito à cultura”. E explicou:
“Não me refiro somente ao sacrossanto
direito de todos de ter acesso ao estudo, mas também ao facto de que,
especialmente hoje, o direito à cultura significa tutelar a sabedoria, isto é,
um saber humano e humanizador. (...). O estudo serve para se fazerem perguntas,
não para se deixar anestesiar pela banalidade, a buscar o sentido da vida.”.
Cultura é o que cultiva, que faz crescer o humano. Face a
tanto clamor que nos circunda, frisou que “hoje não precisamos de quem desabafa
gritando, mas de quem promove boa cultura”.
O segundo é o “direito à esperança”, o direito a não ser quotidianamente
invadidos pela retórica do medo e do ódio. E desenvolveu, exortando os jovens a
serem artesãos de esperança:
“É o direito a não ser submersos pelas
frases feitas dos populismos. É o direito a acreditar que o amor verdadeiro não
é descartável e que o trabalho não é uma miragem a alcançar, mas uma promessa
que deve ser mantida. Que belo seria se as salas das universidades fossem
canteiros de esperança, oficinas onde se trabalha por um futuro melhor, onde se
aprende a ser responsáveis por si e pelo mundo!”.
Por último, o “direito à paz”
que, além de direito, é dever inscrito no coração da humanidade. A este
respeito, Francisco evocou o Papa Bento XV, que foi Bispo justamente de
Bolonha, e que, há 100 anos, elevou o seu clamor definindo a guerra um “inútil massacre”. E apelou:
“Invoquemos o ius pacis como direito a todos de resolver os
conflitos sem violência. Por isso, vamos repetir: nunca mais a guerra, nunca mais contra os outros, nunca mais sem os
outros! Que venham à luz os interesses e as tramas, muitas vezes obscuras,
de quem fabrica violência, alimentando a corrida às armas e espezinhando a paz
com os negócios.”.
E recomendou e testemunhou:
“Não vos contenteis com sonhos pequenos, mas
sonhai grande. […]. Eu também sonho, e não só
quando durmo, porque os verdadeiros sonhos fazem-se de olhos abertos e levam-se
avante à luz do sol.”.
***
Com a celebração eucarística no Estádio de Ara, o Papa
concluiu a visita pastoral iniciada na manhã do dia 1 de outubro, recordando que
a Palavra de Deus, que é Palavra viva, “penetra a alma e traz à luz os
segredos e as contradições do coração” e que nunca devemos esquecer os
alimentos-base que sustentam o nosso caminho acima apontados: “a Palavra,
o Pão, os Pobres”.
Desenvolveu a homilia inspirado na parábola dos dois filhos
que, ao pedido do pai para irem para a sua vinha, um responde ‘não’, mas depois vai, enquanto o segundo
diz ‘sim’, mas não vai. Cá está mais
uma trilogia: Pai, filhos e vinha (Pai roga, filhos obedecem e vinha será
cuidada).
E o Papa sublinha a grande diferença entre o primeiro filho,
preguiçoso, e o segundo, hipócrita”. No coração do primeiro, “ainda ressoava o
convite do pai”, enquanto no do segundo, “não obstante o ‘sim’, a voz do pai estava sepultada”:
“A recordação do pai despertou o
primeiro filho da preguiça, enquanto o segundo, mesmo conhecendo o bem, negou o
dizer com o fazer. De facto, tornou-se impermeável à voz de Deus e da
consciência e assim havia abraçado sem problemas a duplicidade de vida.”.
Com a parábola, segundo o Papa, Jesus coloca duas vias diante
de nós, “que nem sempre estamos prontos para dizer ‘sim’ com as palavras e as obras, porque somos pecadores”. Mas,
sendo pecadores, temos também dois caminhos em alternativa, como explicita o
Pontífice:
“Mas podemos escolher ser pecadores
em caminho, que permanecem na escuta do Senhor e, quando caem, se
arrependem e se reerguem, como o primeiro filho; ou pecadores sentados,
prontos a justificar-se sempre e somente em palavras, segundo o que convém”.
Jesus aplica esta parábola a chefes religiosos da época
“que se assemelhavam ao filho de vida dupla, enquanto as pessoas comuns se
comportavam frequentemente como o outro filho”:
“Estes chefes sabiam e
explicavam tudo, em modo formalmente irrepreensível, como verdadeiros
intelectuais da religião. Mas não tinham a humildade de escutar, a coragem de
interrogar-se, a força de arrepender-se.”.
Repreendendo-os de forma severa, Jesus diz, para confusão dos
ouvintes, que até os publicanos – que eram corruptos traidores da pátria – os
precederiam no reino de Deus. O problema destes chefes religiosos é que erravam
no modo de viver e pensar diante de Deus:
“Eram, em palavras e com os outros,
inflexíveis custódios das tradições humanas, incapazes de compreender que a
vida segundo Deus é ‘em caminho’, que pede a humildade de abrir-se,
arrepender-se e recomeçar”.
Isto diz-nos que não há vida cristã decidida em conversa ao
redor duma mesa, cientificamente construída, onde basta cumprir alguns ditames
para aquietar a consciência:
“A vida cristã é um caminho
humilde de uma consciência nunca rígida e sempre em relação com Deus, que sabe
arrepender-se e entregar-se a Ele nas suas pobrezas, sem nunca presumir
bastar-se a si mesma. Assim, são superadas as edições revistas e atualizadas
daquele antigo mal, denunciado por Jesus na parábola: a hipocrisia, a duplicidade de vida, o clericalismo que acompanha o legalismo, a
separação das pessoas.”.
Neste sentido, na ótica papal, a palavra-chave é
“arrepender-se”:
“É o arrependimento que permite não
enrijecer-se, de transformar os “nãos” a Deus em “sim”, e os “sim” ao pecado,
em “não”, por amor ao Senhor. A vontade do Pai, que a cada dia delicadamente
fala à nossa consciência, realiza-se somente na forma de arrependimento e da conversão
contínua. Definitivamente no caminho de cada um existem duas estradas: ser
pecadores arrependidos ou pecadores hipócritas.”.
O que realmente conta “não são os raciocínios que justificam
e tentam salvar as aparências, mas um coração que avança com o Senhor, luta a
cada dia, se arrepende e retorna para Ele”, porque o Senhor busca puros de
coração, não puros “por fora’”.
Também a parábola é
atual no atinente às relações, “nem sempre fáceis, entre pais e filhos”:
“Hoje, na velocidade das transformações uma
geração e outra, constata-se mais forte a necessidade de autonomia do passado,
às vezes até mesmo com a rebelião. Mas após os fechamentos e os longos
silêncios de um lado ou de outro, é bom recuperar o encontro, mesmo se ainda
habitado por conflitos, que podem tornar-se um estímulo de um novo equilíbrio.”.
E tal como na família, “também na Igreja e na sociedade nunca
se deve renunciar ao encontro, ao diálogo, em buscar novas vias para caminhar
juntos”.
A palavra-chave para “superar a hipocrisia, a duplicidade
de
vida, o clericalismo (outra trilogia) que
acompanha o legalismo” é, pois, o arrependimento, “que permite não
enrijecer-se, de transformar os “nãos” a Deus em “sim”, e os “sim” ao pecado em
“não” por amor do Senhor".
***
Na tarde de domingo, dia 1, Francisco falou aos sacerdotes,
religiosos e religiosas, seminaristas do Seminário regional e aos diáconos
permanentes na Catedral de São Pedro, em Bolonha.
Quanto à oportunidade de alimentar a
exigência evangélica da fraternidade, centrou-se na importância para cada
religioso de viver a diocesanidade, carisma próprio e
imprescindível do sacerdote diocesano, dizendo dela:
“É uma experiência de pertença. Quer dizer
que não és livre, mas és um homem que pertence a um corpo. Acredito que
esquecemos isto tantas vezes, porque sem cultivar este espírito de diocesanidade,
nos tornamos muito ‘únicos’, muito sozinhos com o perigo de sermos também
infecundos, nervosos...”.
E acrescentou que a diocesanidade tem também uma dimensão de sinodalidade
com o bispo:
“O corpo tem uma força especial e o corpo
deve ir em frente sempre com a transparência. O compromisso da transparência,
mas também a virtude da transparência cristã como a vive Paulo, isto é: a
coragem de falar, de dizer tudo. Paulo sempre ia em frente com esta coragem.”.
Depois, considerou
essencial que os sacerdotes sejam pastores do povo que cuidam do rebanho:
“Não
quer dizer ser um populista, não! Pastor do povo, isto é, próximo do povo,
porque foi convidado para estar ali e fazer crescer o povo, para ensinar o
povo, santificar o povo, ajudá-lo a encontrar Jesus Cristo. Pelo contrário, o
Pastor que é muito clerical assemelha-se àqueles fariseus, àqueles doutores da
lei, àqueles saduceus do tempo de Jesus: ‘Somente a minha teologia, o meu
pensamento, o que se deve fazer, o que não se deve fazer!’, fechado ali e o
povo lá, nunca interferindo na realidade de um povo.”.
O Pastor deve ter uma tríplice relação – e isto é sinodalidade
– com o povo de Deus:
“Na frente, para ver o caminho; digamos o
pastor catequista, o pastor que ensina o caminho. No meio, para conhecê-los,
proximidade; o pastor é próximo, em meio ao povo de Deus. E também atrás, para
ajudar os retardatários e também, às vezes, para deixar o povo ver porque, sabe
– tem bom faro o povo, eh! – para ver qual caminho escolher. Mover-se nas três
direções: na frente, no meio e atrás. E um bom pastor deve ir neste movimento.”.
No dizer do Papa, o clericalismo
é um dos pecados mais fortes, mas tem como antídoto a diocesanidade, ou seja, a relação entre os sacerdotes, a
relação com o bispo, com a coragem de falar de tudo e de suportar tudo. Por
isso, lamenta:
“É triste quando um Pastor não tem o
horizonte do povo. É muito triste quando as igrejas permanecem fechadas -
algumas devem permanecer fechadas – mas quando se vê um aviso na porta: de tal
a tal hora, depois não tem ninguém. Confissões somente em tal dia, de tal hora
a tal hora. Mas tu...não é um escritório do sindicato, eh! É o lugar onde tu
vais adorar o Senhor. Mas, se um fiel quer adorar o Senhor e encontra a porta
fechada, onde irá fazê-lo? Pastores com horizonte de povo: isto quer dizer
“como eu faço para estar próximo de meu povo.”.
***
No atinente à vida
consagrada, o Papa centrou-se em dois vícios que a afetam: o mais frequente é a tagarelice,
que suja a fama do/a irmão/ã; o outro “é o pensar o serviço presbiteral como
carreira eclesiástica. E explica:
“Refiro-me a um verdadeiro comportamento galgador.
Mas isto é uma peste, num presbítero. Existem duas pestes fortes: esta é uma.
Os galgadores. Que buscam fazer carreira e sempre têm as unhas sujas, porque
querem subir. Um galgador é capaz de criar tantas discórdias no seio de um
corpo presbiteral. Os galgadores fazem tanto mal para a união do presbitério,
tanto mal, porque vivem em comunidade, mas fazendo, mas agindo assim para eles
irem em frente.”.
Na resposta a uma pergunta sobre os passos a dar para se
colocar na perspetiva de Cristo, sendo testemunhas de alegria e esperança,
capazes de tocar as chagas dos irmãos, abstendo-se da psicologia da sobrevivência,
sustentou:
“Cair na psicologia da sobrevivência é como ‘esperar
a carruagem’, o carro fúnebre. Esperamos que chegue a carruagem e leve o nosso
Instituto. É um pessimismo desesperançado, isto não é de homens e mulheres de
fé. Na vida religiosa, esperar a carruagem não é uma atitude evangélica, é uma
atitude de derrota. Esta psicologia da sobrevivência leva à falta de pobreza. É
buscar a segurança no dinheiro. E este é o caminho mais adaptado para nos levar
à morte.”.
Posto isto, o Papa convidou os religiosos a um exame de
consciência sobre como vivem a pobreza, recordando que “a segurança na vida
consagrada não é dada nem pelas vocações, nem pela abundância do dinheiro; a
segurança vem de outro lugar”. E disse:
“Tantas Congregações que diminuem, diminuem,
e os bens aumentam. Tu vê aqueles religiosos ou religiosas, apegados ao
dinheiro como segurança. Esta é a medula da psicologia da sobrevivência: isto
é, sobrevivo, estou seguro porque tenho dinheiro. E o problema não está tanto
na castidade ou na obediência, não! Está na pobreza.
A psicologia da sobrevivência leva a viver mundanamente, com esperanças
mundanas, não a colocar-se na estrada da esperança divina, a esperança de Deus.
Mas o dinheiro é realmente uma ruína para a vida consagrada.”.
Por tudo e pela
necessidade de
tocar as chagas de Jesus nas chagas do mundo, propôs a via do rebaixamento,
rebaixar-se com o povo, os que sofrem, os que não podem dar nada. E concluiu:
“Terás somente a força da oração: esta, ao
contrário da psicologia da sobrevivência que se alimenta de pessimismo, é o
caminho que conduz ao Reino de Deus. Não é fechada, sem horizontes, sem povo,
mas é aberta, com horizontes fecundos.”.
Em suma: Palavra, pão,
pobres! Cultura, esperança, paz! Diocesanidade, sinodalidade, rebaixamento!
Sofrimento, proximidade, misericórdia!
Aos religiosos, a exortação final foi: “que a vida consagrada seja um tampão na mundanidade”.
2017.10.04
– Louro de Carvalho
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