segunda-feira, 1 de julho de 2019

Redes de compadrio e corrupção nas áreas da contratação pública


O que refere a ex-procuradora-geral da República
Joana Marques Vidal disse à Rádio Renascença (RR) que o “Estado está capturado” e que estão disseminadas pelos vários organismos do Estado redes de “corrupção e compadrio”.
Na verdade, aos microfones da Emissora Católica, no programa “Em Nome da Lei”, a ex-procuradora-geral da República afirmou, no dia 21, que há em Portugal redes de compadrio e corrupção nas áreas da contratação pública ou, dito de outro modo, há uma disseminação de práticas de corrupção “em vários organismos de vários ministérios, autarquias e serviços diretos ou indiretos do Estado”. E há “algumas redes que capturaram o Estado” e “utilizam o aparelho do Estado para a prática de atos ilícitos”, sendo que, felizmente, algumas estão a ser combatidas, embora haja outras que persistem nisso e outras que estão a começar.
Já em 2015, numa entrevista ao Público e à RR, a então procuradora-geral da República recém-empossada falava na existência de “uma rede que utiliza o aparelho de Estado” para corrupção. Agora diz que, se fosse hoje, só mudaria uma parte da afirmação: punha no plural e não no singular. Ou seja, “há redes que utilizam o aparelho do Estado para corrupção”. E sustenta:
Se pensarmos um pouco naquilo que são as redes de corrupção e de compadrio, nas áreas da contratação pública, que se espalham às vezes por vários organismos de vários ministérios, autarquias e serviços diretos ou indiretos do Estado, infelizmente estamos sempre a verificar isso”.
Não obstante, Joana Marques Vidal, que terminou recentemente o mandato, tendo-lhe sucedido Lucília Gago, nega ter uma visão catastrófica sobre a corrupção em Portugal, dizendo:
Eu não tenho essa ideia de que toda a gente é corrupta e que todas as autarquias são corruptas e que todos os políticos são corruptos. Não tenho nada essa ideia. Sou, aliás, uma defensora de que os partidos são um elemento essencial da democracia. Poderemos, depois, discutir se deviam estar mais abertos ou menos abertos, autorregenerarem-se, não serem tão complacentes com certos tipos de atividades, mas isso é outro tipo de discussão.”.
Entretanto, no dia 26, congratulou-se com o facto de não terem sido aprovadas as propostas parlamentares de alteração do EMP (Estatuto do Ministério Público), pois, caso contrário, o PGR seria transformado na “Rainha de Inglaterra” – referência irónica à imagem utilizada por Pinto Monteiro (seu antecessor) para justificar a alegada falta de poderes do PGR. 
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As indicações das instâncias internacionais sobre a situação portuguesa
Na semana passada, o Conselho da Europa deu público conhecimento do seu relatório de 2018, em que o nosso país fica entre os países que implementaram menos recomendações das emitidas por Estrasburgo contra a corrupção, sendo que os juízes e deputados são quem mais está em falta neste capítulo.
A falta de meios no combate à corrupção em Portugal não é um tema novo, mas o papel dos deputados, procuradores e juízes na sua prevenção não tem sido o mais eficiente, dado que o país é o que tem menos recomendações do GRECO (Grupo de Estados Contra a Corrupção) implementadas. E, na classe dos juízes, não foi implementada nenhuma das recomendações.
Segundo o último relatório do GRECO, o órgão do Conselho da Europa que monitoriza medidas anticorrupção entre Estados europeus e os Estados Unidos, relativo a 2018, Portugal foi o país com a proporção mais elevada de recomendações de anticorrupção não implementadas (73%), e ficou entre os 9 países com maior número de sugestões que não foram seguidas: 11 no total. Acima de Portugal só a Turquia, que totalizou 26 recomendações não implementadas em 2018 (70% em proporção). Seguem-se a Grécia e a Sérvia, que totalizaram dez recomendações em falta. Ao nível das medidas só parcialmente implementadas, como aponta o relatório, Portugal também não cumpriu, já que registou apenas 93%, ainda que a vizinha Espanha, a Sérvia e a Bósnia Herzegovina tenham obtido 100% na percentagem de medidas só parcialmente implementadas. E o Conselho da Europa destaca ainda as medidas de prevenção e combate à corrupção que foram implementadas entre deputados, juízes e procuradores. A este nível, Portugal ficou destacado no grupo de países que não adotou por completo as recomendações do GRECO no que diz respeito às duas primeiras classes.
Como foi dito, a classe dos juízes não implementou nenhuma das recomendações deste grupo do Conselho da Europa em 2018. Os deputados adotaram parcialmente 60% de recomendações, mas 40% ficaram pelo caminho. Já entre a classe dos procuradores, 25% das recomendações feitas foram já implementadas, mas os restantes 75% ainda estão por cimentar.
Portugal acabou a registar uma posição muito abaixo da média, já que esta ficou, no total entre os 35 Estados membros deste órgão que foram avaliados, nos 33,9% no caso das medidas que foram implementadas, nos 36,6% nas que foram implementadas parcialmente, e as que não foram de todo adotadas registaram uma média de apenas 29,5%.
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Em fevereiro deste ano, a Comissão Europeia avisava que faltava a Portugal uma estratégia coordenada no combate à corrupção e referia a necessidade de melhorar a capacidade dos tribunais e a cooperação entre instituições, embora considerasse que o nosso sistema judicial está a tornar-se cada vez mais eficiente. Isto nos termos do respetivo relatório, que avalia os avanços económicos e sociais feitos pelos estados-membros da UE (União Europeia), segundo o qual o combate à corrupção tem sido mais eficiente, mas a falta de meios no MP (Ministério Público) continua a ser um problema – dados consonantes com o último Estudo da OCDE sobre a Economia Portuguesa.
Para a Comissão, o combate à corrupção continua a ser problema mercê da falta duma estratégia coordenada e das responsabilidades fragmentadas. pouca transparência em torno do trabalho da comissão parlamentar criada para simplificar a legislação anticorrupção e muitas das promessas anticorrupção introduzidas no programa governamental de 2015 estão ainda pendentes. Bruxelas diz que “não é claro se Portugal vai adotar uma legislação anticorrupção e que não existe uma estratégia clara de orientação para este importante processo legislativo”.
Tem tido o DCIAP (Departamento Central de Investigação e Ação Penal) um “histórico positivo” e, com a nova lei de branqueamento de capitais, espera-se que o DCIAP se torne mais eficaz, pois tem acesso direto a uma série de bases de dados. Também o trabalho da Polícia Judiciária tem melhorado, mas os departamentos regionais continuam mal equipados. Já o Conselho para a Prevenção da Corrupção tem um “mandato limitado e poucos recursos, concentrando-se principalmente no fornecimento orientação para riscos de corrupção e realização de campanhas de sensibilização nas escolas”.
Para melhorar a eficiência do combate a este tipo de crime, o relatório conclui que Portugal precisa de melhorar a capacidade dos tribunais e a cooperação entre instituições. Com efeito, a celeridade dos processos em tribunal continua a ser um dos maiores desafios, com o tempo de pendência a registar algumas melhorias. E a Comissão salienta o conjunto de medidas que têm sido introduzidas em Portugal para reduzir os casos em atraso, como as novas equipas de “reação rápida” de juízes e o acelerar da resolução de processos pendentes em matéria administrativa e judicial. Por outro lado, referindo que um maior recurso ao mecanismo de arbitragem foi uma das apostas do Governo, salienta a possível ‘migração’, sem custos associados, dos casos que entraram nos tribunais antes de 2016 para o Centro de Arbitragem Administrativa, sendo que este centro leva, “em média, 4,5 meses para resolver um caso”, sistema muito mais célere comparativamente com a média de 10 anos dos tribunais comuns.
Depois, a promoção de uma “justiça mais eletrónica e a especialização dos tribunais” têm sido uma das bandeiras do Governo e foi, recentemente, introduzida a apresentação eletrónica obrigatória dos processos judiciais nos tribunais administrativos e fiscais.
Contudo, para a Comissão, há melhorias a fazer tanto no sistema de Justiça como na prevenção da corrupção em Portugal. Apesar de reconhecer melhorias no sistema de Justiça, a instituição europeia reforça que ainda não existe um plano definido para resolver a situação, explicitando:
O sistema de justiça está a tornar-se mais eficiente, mas continua a enfrentar desafios críticos com processos demorados e um grande volume de processos, em particular nos tribunais administrativos e fiscais”.
Entretanto, “enquanto os esforços para reprimir a corrupção continuam”, prevenir a corrupção é problema devido à falta de uma estratégia coordenada e responsabilidades fragmentadas”.
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Também, como foi badalado na altura, o polémico estudo da OCDE sobre a Economia Portuguesa, conhecido em fevereiro, debruçou-se sobre a corrupção e deixou recomendações nesta área, nomeadamente a criação dum tribunal exclusivo para casos de corrupção e o registo eletrónico da declaração de interesses para os membros do Governo e funcionários públicos.
O relatório foi preparado pela equipa de Álvaro Santos Pereira, diretor do departamento de Economia da OCDE, que não marcou presença na apresentação do documento e revelou que houve incómodo por parte da delegação portuguesa sobre a utilização do termo corrupção. Porém, o Secretário de Estado das Finanças, Mourinho Félix, líder da delegação, defendeu que apenas tinha problemas com a utilização de indicadores de perceção, mas admitiu que “em Portugal, existe um problema de corrupção, como existe em todos os países desenvolvidos”.
Santos Pereira frisava que tiveram papel significativo na bancarrota do país a corrupção e o compadrio, mas admitiu que a Justiça tem feito melhorias nesse sentido. Contudo, ainda são necessárias reformas.
Outro dos temas abordados foi a CReSAP (Comissão de Recrutamento e Seleção para a Administração Pública), o organismo que garante a adequação das qualificações dos candidatos às exigências dos respetivos cargos públicos. O ex-primeiro-ministro de Passos Coelho – que criou a CReSAP – referiu que “ainda há demasiada interferência política nos cargos da Administração Pública”.
Atualmente estão em curso vários processos que se debruçam sobre corrupção. Um dos mais mediáticos é a Operação Marquês, com início há mais de 5 anos, que culminou na acusação a 28 arguidos, 19 pessoas e 9 empresas, e investiga a alegada prática de quase duas centenas de crimes de natureza económico-financeira. O processo tem como uma das figuras principais o antigo primeiro-ministro José Sócrates, acusado de 3 crimes de corrupção passiva de titular de cargo político, 16 de branqueamento de capitais, 9 de falsificação de documentos e 3 de fraude fiscal qualificada. E, mais recentemente surgiu o caso dos autarcas de Santo Tirso e de Barcelos, que foram detidos juntamente com o presidente do IPO (Instituto Português de Oncologia) do Porto, acusados de corrupção, tráfico de influência e participação económica em negócio.
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Em abril, o FMI (Fundo Monetário Internacional) pedia maior vontade política para combater a corrupção, uma cooperação internacional mais estreita, mais transparência e escrutínio externo independente. Anotava que “grandes mudanças políticas podem ser, por vezes, boas oportunidades para fazer reformas ambiciosas e melhorias rápidas” na prevenção da corrupção, mas, na maioria dos casos, “o progresso no combate à corrupção será provavelmente gradual e requer vontade política, perseverança e compromisso de melhorar continuamente as instituições por muitos anos”. E dizia que reduzir a corrupção é ainda um desafio, mas que pode trazer benefícios, nomeadamente ao nível fiscal, pois “menos corrupção significa menos perda de receita e menos despesas, além de se traduzir numa maior qualidade da educação pública”, sendo, para isso, vital o compromisso político, além de cooperação internacional mais estreita.
A organização sugeria maior transparência e escrutínio externo independente, “pela sociedade civil e pelos media”, bem como a digitalização como ferramenta cada vez mais “fundamental para combater os desafios de corrupção”. Por exemplo, como aponta, a contratação pública por via eletrónica (e-procurement) pode ser ferramenta eficaz para promover maior transparência, aumentar a concorrência e reduzir o número de decisões livre de condições. Com efeito, um sistema fiscal “claro, estável e não excessivamente complexo” será mais fácil de administrar e mais resistente à evasão fiscal – alertava ainda o FMI.
A propósito desse ponto, corrupção no setor público, o FMI não deixava de referir que Portugal, juntamente com a Grécia, Itália e Espanha, tem ainda uma “pontuação não satisfatória em muitos dos indicadores que avaliam o desempenho de contratos adjudicados, no âmbito de concursos públicos”, por parte da Comissão Europeia. E este é um dos pontos recorrentemente apontados pelo Tribunal Europeu de Justiça, que censura Portugal por não utilizar este tipo de contratos todas as vezes que se impõe.
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A leitura que faz a Ministra da Justiça
A isto, a Ministra da Justiça, que faz outra leitura, diz acreditar, depois de o relatório revelar uma evolução positiva no cumprimento das recomendações contra a corrupção, que estas serão cumpridas em breve. Com efeito, Portugal cumpriu uma recomendação de forma satisfatória, 8 estão “parcialmente cumpridas” e 6 não estão cumpridas quanto à aplicação de medidas de prevenção da corrupção a deputados, juízes e procuradores. Em relação aos juízes, regista-se o cumprimento de 66% de recomendações parcialmente cumpridas e 34% de não cumpridas, “o que significa evolução favorável face aos 100% de incumprimento registados no ano anterior”.
A Ministra considera que algumas das medidas consideradas parcialmente cumpridas poderiam ter sido dadas como cumpridas por estarem relacionadas com os estatutos dos Juízes e dos magistrados do MP e cujo processo legislativo está praticamente concluído.
Recomenda o GRECO, entre outras questões, que Portugal adote para os deputados princípios públicos e normas de conduta claras, obrigatórias e que sejam adotados em conjunto com um mecanismo de monitorização eficaz, através de orientações e formação questões como as da interação com terceiros, a aceitação de ofertas, de hospitalidade e de outros benefícios e vantagens e conflitos de interesse. E recomenda o sancionamento de conflitos de interesses dos deputados, incluindo a adequação dum sistema de incompatibilidades e impedimentos que assegure que a declaração de interesses dos deputados (de forma prévia ou periódica) seja sujeita a controlo regular e de fundo por órgão de fiscalização imparcial (aguarda aprovação legislativa).
Quanto aos juízes, recomenda o reforço do papel dos conselhos judiciais e a publicação com brevidade dos resultados dos processos disciplinares (medida não implementada, aguardando-se o novo Estatuto dos Magistrados Judiciais). Refere que a grande preocupação é a ausência duma avaliação abrangente da dimensão ética do comportamento do juiz e a insuficiência dos critérios que sustentam as avaliações (que dependem de indicadores quantitativos e não qualitativos). E aconselha que as sentenças de 1.ª instância sejam “facilmente acessíveis e pesquisáveis pelo público”.
Ao MP é aconselhado que a informação sobre o resultado dos procedimentos disciplinares sejam publicados com brevidade e que a inspeção periódica dos procuradores nos tribunais de 1.ª instância e as inspeções/avaliação junto dos tribunais de 2.ª instância verifiquem de “forma justa, objetiva e oportuna a sua integridade e o cumprimento das normas de conduta profissional”, medida que não está implementada. Em resumo, o GRECO mostra-se preocupado com a ausência duma “avaliação abrangente da dimensão ética do comportamento de um procurador e a insuficiência dos critérios que sustentam as avaliações, que dependem de indicadores quantitativos e não qualitativos”, considerando “insuficiente a enumeração de princípios gerais no Estatuto do MP e a proibição de comportamentos incompatíveis com o decoro e a dignidade da profissão”.
Porém, há uma medida – diz a Ministra – que Portugal não poderá cumprir sem que haja uma revisão constitucional que é a alteração da composição do Conselho Superior da Magistratura que o GRECO defende que seja maioritariamente composto por juízes.
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Concluindo
Falar de corrupção em Portugal é problema. Todos a veem, mas pouco se faz para a prevenir e o combate é mais propaganda e espetáculo que trabalho eficaz.
Marcelo esgrime atoardas contra a corrupção e Costa reconhece que este combate é uma prioridade, mas políticos encartados, quando se lhes aponta o dedo apostam em que nada de ilegal aconteceu e dizem que não recebem lições de ética da parte de ninguém.
Entretanto, há vozes autorizadas como a do general Ramalho Eanes, antigo Chefe de Estado, que, na sua atenta observação, referiu que Portugal enfrenta uma “crise” transversal a todo o país e que a corrupção é uma “epidemia que grassa pela sociedade”, mas rejeitando que haja, como disse recentemente Marcelo de Sousa ou Rui Rio, uma crise do regime, dizendo que existe sim uma “crise da democracia”.
Durante uma conferência organizada pela SEDES (Associação para o Desenvolvimento Económico), citado pelo jornal Expresso, o 16.º Presidente da República, aduziu: “Quando a moral pública se fragiliza, abre-se porta à demagogia, corrupção e justicialismo”. E acrescentou que “é isso que ameaça acontecer, pela culpa das instituições políticas, mas também da sociedade civil”, pois não há uma crise da democracia, nem do regime, mas há uma crise de representação política”, já que “muitos dos eleitores não se sentem representados pelos partidos políticos”.
E, criticando a politização da Administração Pública, que tem sido “colonizada partidariamente” através do sistema de afastamento dos “mais competentes”, apontou que “os critérios do saber, da competência e do mérito foram”, em certas circunstâncias, substituídos “pela fidelidade partidária”, sendo que o país enfrentou anos de “delapidação de recursos públicos” na sequência do processo de integração europeia – situação que “pode não ser drasticamente crítica, mas merece enorme preocupação”.
2019.07.01 – Louro de Carvalho

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