O que refere a ex-procuradora-geral da República
Joana
Marques Vidal disse à Rádio Renascença
(RR) que o “Estado está capturado” e que estão disseminadas pelos vários
organismos do Estado redes de “corrupção e compadrio”.
Na verdade,
aos microfones da Emissora Católica, no programa “Em Nome da Lei”, a ex-procuradora-geral da República afirmou, no
dia 21, que há em Portugal redes de compadrio e corrupção nas áreas da
contratação pública ou, dito de outro modo, há uma disseminação de práticas de
corrupção “em vários organismos de vários ministérios, autarquias e serviços
diretos ou indiretos do Estado”. E há “algumas redes que capturaram o Estado” e
“utilizam o aparelho do Estado para a prática de atos ilícitos”, sendo que, felizmente,
algumas estão a ser combatidas, embora haja outras que persistem nisso e outras
que estão a começar.
Já em 2015,
numa entrevista ao Público e à RR, a então procuradora-geral da República
recém-empossada falava na existência de “uma rede que utiliza o aparelho de
Estado” para corrupção. Agora diz que, se fosse hoje, só mudaria uma parte da
afirmação: punha no plural e não no singular. Ou seja, “há redes que utilizam o aparelho do Estado para corrupção”. E
sustenta:
“Se
pensarmos um pouco naquilo que são as redes de corrupção e de compadrio, nas áreas da contratação pública, que se
espalham às vezes por vários organismos de vários ministérios, autarquias e
serviços diretos ou indiretos do Estado, infelizmente estamos sempre a
verificar isso”.
Não obstante,
Joana Marques Vidal, que terminou recentemente o mandato, tendo-lhe sucedido
Lucília Gago, nega ter uma visão catastrófica sobre a corrupção em Portugal,
dizendo:
“Eu não tenho essa ideia de que toda a gente
é corrupta e que todas as autarquias são corruptas e que todos os políticos são
corruptos. Não tenho nada essa ideia. Sou, aliás, uma defensora de que os
partidos são um elemento essencial da democracia. Poderemos, depois, discutir
se deviam estar mais abertos ou menos abertos, autorregenerarem-se, não serem
tão complacentes com certos tipos de atividades, mas isso é outro tipo de
discussão.”.
Entretanto,
no dia 26, congratulou-se
com o facto de não terem sido aprovadas as propostas parlamentares de alteração
do EMP (Estatuto
do Ministério Público),
pois, caso contrário, o PGR seria transformado na “Rainha de Inglaterra” – referência
irónica à imagem utilizada por Pinto Monteiro (seu antecessor) para justificar a alegada falta
de poderes do PGR.
***
As indicações das instâncias internacionais sobre a situação portuguesa
Na semana
passada, o Conselho da Europa deu público conhecimento do seu
relatório de 2018, em que o nosso país fica entre os países que implementaram
menos recomendações das emitidas por Estrasburgo contra a corrupção, sendo que
os juízes e deputados são quem mais está em falta neste capítulo.
A
falta de meios no combate à corrupção em Portugal não é um tema novo, mas
o papel dos deputados, procuradores e juízes na sua prevenção não tem sido o
mais eficiente, dado que o país é o que tem menos
recomendações do GRECO (Grupo de Estados Contra a Corrupção)
implementadas.
E, na classe dos juízes, não foi implementada nenhuma das recomendações.
Segundo
o último relatório do GRECO, o órgão do Conselho da Europa que monitoriza
medidas anticorrupção entre Estados europeus e os Estados Unidos, relativo a
2018, Portugal foi o país com a proporção mais
elevada de recomendações de anticorrupção não implementadas (73%), e ficou entre os 9 países
com maior número de sugestões que não foram seguidas: 11 no total. Acima de Portugal só a Turquia, que totalizou 26
recomendações não implementadas em 2018 (70% em proporção). Seguem-se a Grécia e a Sérvia, que totalizaram dez
recomendações em falta. Ao nível das medidas só parcialmente
implementadas, como aponta o relatório, Portugal também não cumpriu, já que registou apenas 93%, ainda
que a vizinha Espanha, a Sérvia e a Bósnia Herzegovina tenham obtido
100% na percentagem de medidas só parcialmente implementadas. E o
Conselho da Europa destaca ainda as medidas de prevenção e combate à corrupção
que foram implementadas entre deputados, juízes e procuradores. A este nível,
Portugal ficou destacado no grupo de países que não adotou por completo as
recomendações do GRECO no que diz respeito às duas primeiras classes.
Como foi dito, a classe dos juízes não implementou nenhuma das
recomendações deste grupo do Conselho da Europa em 2018. Os deputados adotaram parcialmente
60% de recomendações, mas 40% ficaram pelo caminho. Já entre a classe dos
procuradores, 25% das recomendações feitas foram já implementadas, mas os
restantes 75% ainda estão por cimentar.
Portugal
acabou a registar uma posição muito abaixo da média, já que esta ficou, no
total entre os 35 Estados membros deste órgão que foram avaliados, nos 33,9% no
caso das medidas que foram implementadas, nos 36,6% nas que foram implementadas
parcialmente, e as que não foram de todo adotadas registaram uma média de
apenas 29,5%.
***
Em fevereiro deste ano, a Comissão Europeia avisava que
faltava a Portugal uma estratégia coordenada no combate à corrupção e referia a
necessidade de melhorar a capacidade dos tribunais e a cooperação entre
instituições, embora considerasse que o nosso
sistema judicial está a tornar-se cada vez mais eficiente. Isto nos termos do
respetivo relatório, que avalia os avanços económicos e sociais feitos pelos estados-membros
da UE (União Europeia), segundo o
qual o combate à corrupção tem sido mais eficiente, mas a falta de meios no MP
(Ministério Público) continua a
ser um problema – dados consonantes com o último Estudo da OCDE
sobre a Economia Portuguesa.
Para a Comissão, o combate à corrupção continua a ser problema mercê da falta duma
estratégia coordenada e das responsabilidades fragmentadas. Há pouca transparência em torno do
trabalho da comissão parlamentar criada para simplificar a legislação
anticorrupção e muitas das promessas
anticorrupção introduzidas no programa governamental de 2015 estão ainda pendentes.
Bruxelas diz que “não é claro se Portugal vai adotar uma legislação
anticorrupção e que não existe uma estratégia clara de orientação para este
importante processo legislativo”.
Tem
tido o DCIAP (Departamento
Central de Investigação e Ação Penal) um “histórico positivo” e, com a nova lei de branqueamento
de capitais, espera-se que o DCIAP se torne mais eficaz, pois tem acesso direto
a uma série de bases de dados. Também o trabalho da Polícia Judiciária tem
melhorado, mas os departamentos regionais continuam mal equipados. Já o
Conselho para a Prevenção da Corrupção tem um “mandato limitado e poucos
recursos, concentrando-se principalmente no fornecimento orientação para riscos
de corrupção e realização de campanhas de sensibilização nas escolas”.
Para
melhorar a eficiência do combate a este tipo de crime, o relatório conclui que
Portugal precisa de melhorar a capacidade dos tribunais e a cooperação entre
instituições. Com efeito, a celeridade dos processos em
tribunal continua a ser um dos maiores desafios, com o tempo de pendência a
registar algumas melhorias. E a Comissão salienta o conjunto de
medidas que têm sido introduzidas em Portugal para reduzir os casos em atraso,
como as novas equipas de “reação rápida” de juízes e o acelerar da resolução de
processos pendentes em matéria administrativa e judicial. Por outro lado,
referindo que um maior recurso ao mecanismo de arbitragem foi uma das apostas
do Governo, salienta a possível ‘migração’, sem custos associados, dos casos
que entraram nos tribunais antes de 2016 para o Centro de Arbitragem
Administrativa, sendo que este centro leva, “em média, 4,5 meses para resolver
um caso”, sistema muito mais célere comparativamente com a média de 10 anos dos
tribunais comuns.
Depois,
a promoção de uma “justiça mais eletrónica e a especialização dos tribunais” têm
sido uma das bandeiras do Governo e foi, recentemente, introduzida a
apresentação eletrónica obrigatória dos processos judiciais nos tribunais
administrativos e fiscais.
Contudo, para a Comissão,
há melhorias a fazer tanto no sistema de Justiça como na prevenção da corrupção
em Portugal. Apesar de reconhecer melhorias no sistema de Justiça, a
instituição europeia reforça que ainda não existe um plano definido para
resolver a situação, explicitando:
“O
sistema de justiça está a tornar-se mais eficiente, mas continua a
enfrentar desafios
críticos com processos demorados e um grande volume de processos, em particular nos tribunais administrativos e fiscais”.
Entretanto,
“enquanto os esforços para reprimir a corrupção continuam”, prevenir a corrupção é problema “devido à falta de uma estratégia coordenada e
responsabilidades fragmentadas”.
***
Também,
como foi badalado na altura, o polémico estudo da OCDE sobre
a Economia Portuguesa, conhecido em fevereiro, debruçou-se sobre a corrupção e
deixou recomendações nesta área, nomeadamente a criação dum tribunal exclusivo
para casos de corrupção e o registo eletrónico da declaração de interesses
para os membros do Governo e funcionários públicos.
O
relatório foi preparado pela equipa de Álvaro Santos Pereira, diretor do
departamento de Economia da OCDE, que não marcou presença na apresentação do
documento e revelou que houve incómodo por parte da delegação portuguesa sobre
a utilização do termo corrupção. Porém, o Secretário de Estado das Finanças,
Mourinho Félix, líder da delegação, defendeu que apenas tinha problemas com a
utilização de indicadores de perceção, mas admitiu que “em Portugal, existe um
problema de corrupção, como existe em todos os países desenvolvidos”.
Santos
Pereira frisava que tiveram papel significativo na
bancarrota do país a corrupção e o compadrio, mas
admitiu que a Justiça tem feito melhorias nesse sentido. Contudo, ainda são
necessárias reformas.
Outro
dos temas abordados foi a CReSAP (Comissão de Recrutamento e Seleção para a Administração
Pública), o organismo
que garante a adequação das qualificações dos candidatos às exigências dos
respetivos cargos públicos. O ex-primeiro-ministro de Passos Coelho – que criou
a CReSAP – referiu que “ainda há demasiada
interferência política nos cargos da Administração Pública”.
Atualmente
estão em curso vários processos que se debruçam sobre corrupção. Um dos mais
mediáticos é a Operação Marquês, com início há mais de 5 anos, que culminou na acusação a 28 arguidos, 19 pessoas
e 9 empresas, e
investiga a alegada prática de quase duas centenas de crimes de natureza
económico-financeira. O processo tem como uma das figuras principais o antigo
primeiro-ministro José Sócrates, acusado de 3 crimes de corrupção passiva de
titular de cargo político, 16 de branqueamento de capitais, 9 de falsificação
de documentos e 3 de fraude fiscal qualificada. E, mais recentemente surgiu o
caso dos autarcas de Santo Tirso e de Barcelos, que foram detidos juntamente
com o presidente do IPO (Instituto
Português de Oncologia)
do Porto, acusados de corrupção, tráfico de influência e participação económica
em negócio.
***
Em
abril, o FMI (Fundo Monetário Internacional) pedia maior vontade política
para combater a corrupção, uma cooperação internacional mais estreita, mais
transparência e escrutínio externo independente. Anotava que “grandes mudanças
políticas podem ser, por vezes, boas oportunidades para fazer reformas
ambiciosas e melhorias rápidas” na prevenção da corrupção, mas, na maioria dos casos, “o progresso no combate à corrupção será
provavelmente gradual” e requer vontade política, perseverança e compromisso de melhorar continuamente as instituições por muitos
anos”. E dizia que reduzir a corrupção é ainda um desafio, mas
que pode trazer benefícios, nomeadamente ao nível fiscal, pois “menos corrupção
significa menos perda de receita e menos despesas, além de se traduzir numa
maior qualidade da educação pública”, sendo, para isso, vital o compromisso
político, além de cooperação internacional mais estreita.
A
organização sugeria maior transparência e escrutínio externo independente,
“pela sociedade civil e pelos media”,
bem como a digitalização como ferramenta cada vez mais “fundamental para
combater os desafios de corrupção”. Por exemplo, como aponta, a contratação pública por via
eletrónica (e-procurement) pode ser ferramenta eficaz para promover maior transparência,
aumentar a concorrência e reduzir o número de decisões
livre de condições. Com efeito, um sistema fiscal “claro, estável e
não excessivamente complexo” será mais fácil de administrar e mais resistente à
evasão fiscal – alertava ainda o FMI.
A
propósito desse ponto, corrupção no setor público, o FMI não deixava de referir que Portugal, juntamente com a Grécia, Itália e
Espanha, tem ainda uma “pontuação não satisfatória em muitos dos indicadores
que avaliam o desempenho de contratos adjudicados, no âmbito de concursos
públicos”, por parte da Comissão Europeia. E este é um dos
pontos recorrentemente apontados pelo Tribunal Europeu de Justiça, que censura
Portugal por não utilizar este tipo de contratos todas as vezes que se impõe.
***
A leitura
que faz a Ministra da Justiça
A isto, a Ministra da Justiça, que
faz outra leitura, diz acreditar, depois de o relatório revelar uma evolução
positiva no cumprimento das recomendações contra a corrupção, que estas serão
cumpridas em breve. Com efeito, Portugal cumpriu uma recomendação de forma satisfatória, 8
estão “parcialmente cumpridas” e 6 não estão cumpridas quanto à aplicação de
medidas de prevenção da corrupção a deputados, juízes e procuradores. Em
relação aos juízes, regista-se o cumprimento de 66% de recomendações
parcialmente cumpridas e 34% de não cumpridas, “o que significa evolução
favorável face aos 100% de incumprimento registados no ano anterior”.
A Ministra
considera que algumas das medidas consideradas parcialmente cumpridas poderiam ter
sido dadas como cumpridas por estarem relacionadas com os estatutos dos Juízes
e dos magistrados do MP e cujo processo legislativo está praticamente
concluído.
Recomenda o
GRECO, entre outras questões, que Portugal adote para os deputados princípios
públicos e normas de conduta claras, obrigatórias e que sejam adotados em
conjunto com um mecanismo de monitorização eficaz, através de orientações e
formação questões como as da interação com terceiros, a aceitação de ofertas,
de hospitalidade e de outros benefícios e vantagens e conflitos de interesse. E
recomenda o sancionamento de conflitos de interesses dos deputados, incluindo a
adequação dum sistema de incompatibilidades e impedimentos que assegure que a
declaração de interesses dos deputados (de forma prévia ou periódica) seja sujeita a controlo regular e de fundo por órgão
de fiscalização imparcial (aguarda aprovação legislativa).
Quanto aos
juízes, recomenda o reforço do papel dos conselhos judiciais e a publicação com
brevidade dos resultados dos processos disciplinares (medida não
implementada, aguardando-se o novo Estatuto dos Magistrados Judiciais). Refere que a grande preocupação é a ausência duma
avaliação abrangente da dimensão ética do comportamento do juiz e a
insuficiência dos critérios que sustentam as avaliações (que dependem
de indicadores quantitativos e não qualitativos). E aconselha que as sentenças de 1.ª instância sejam “facilmente acessíveis e pesquisáveis pelo
público”.
Ao MP é
aconselhado que a informação sobre o resultado dos procedimentos disciplinares
sejam publicados com brevidade e que a inspeção periódica dos procuradores nos
tribunais de 1.ª instância e as inspeções/avaliação junto dos tribunais de 2.ª
instância verifiquem de “forma justa, objetiva e oportuna a sua integridade e o
cumprimento das normas de conduta profissional”, medida que não está
implementada. Em resumo, o GRECO mostra-se preocupado com a ausência duma “avaliação
abrangente da dimensão ética do comportamento de um procurador e a
insuficiência dos critérios que sustentam as avaliações, que dependem de
indicadores quantitativos e não qualitativos”, considerando
“insuficiente a enumeração de princípios gerais no Estatuto do MP e a
proibição de comportamentos incompatíveis com o decoro e a dignidade da
profissão”.
Porém, há uma medida – diz a Ministra – que Portugal não
poderá cumprir sem que haja uma revisão constitucional que é a alteração da
composição do Conselho Superior da Magistratura que o GRECO defende que seja
maioritariamente composto por juízes.
***
Concluindo
Falar
de corrupção em Portugal é problema. Todos a veem, mas pouco se faz para a
prevenir e o combate é mais propaganda e espetáculo que trabalho eficaz.
Marcelo
esgrime atoardas contra a corrupção e Costa reconhece que este combate é uma prioridade,
mas políticos encartados, quando se lhes aponta o dedo apostam em que nada de ilegal
aconteceu e dizem que não recebem lições de ética da parte de ninguém.
Entretanto,
há vozes autorizadas como a do general Ramalho Eanes, antigo Chefe de Estado,
que, na sua atenta observação, referiu que
Portugal enfrenta uma “crise” transversal a todo o país e que a corrupção
é uma “epidemia que grassa pela sociedade”, mas rejeitando que haja, como
disse recentemente Marcelo de Sousa ou Rui Rio, uma crise do regime, dizendo
que existe sim uma “crise da democracia”.
Durante uma conferência organizada pela SEDES (Associação para o
Desenvolvimento Económico), citado pelo jornal Expresso, o 16.º Presidente
da República, aduziu: “Quando a
moral pública se fragiliza, abre-se porta à demagogia, corrupção e
justicialismo”. E acrescentou que “é isso que ameaça acontecer, pela culpa
das instituições políticas, mas também da sociedade civil”, pois não há uma
crise da democracia, nem do regime, mas há uma crise de representação política”,
já que “muitos dos eleitores não se sentem representados pelos partidos
políticos”.
E, criticando a politização da Administração Pública,
que tem sido “colonizada partidariamente” através do sistema de afastamento
dos “mais competentes”, apontou que “os critérios do saber, da competência
e do mérito foram”, em certas circunstâncias, substituídos “pela fidelidade
partidária”, sendo que o país enfrentou anos de “delapidação de recursos
públicos” na sequência do processo de integração europeia – situação que “pode
não ser drasticamente crítica, mas merece enorme preocupação”.
2019.07.01 – Louro de
Carvalho
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