quinta-feira, 25 de julho de 2019

Novo pacote de estímulos à economia da Zona Euro


A Zona Euro ainda não está livre da crise que dura há mais de uma década. Por isso, na reta final do mandato de Mario Draghi, prestes a ser sucedido por Christine Lagarde (a 1 de novembro pf), o BCE (Banco Central Europeu) avançará com um novo pacote de estímulos, não estando absolutamente excluído “nenhum instrumento”, como diz o seu presidente.
Entre esses estímulos, que deverão ser conhecidos em setembro, inclui-se o corte de juros e o sistema de mitigação ou compra de dívida. Mas Draghi deixou em aberto opções nunca usadas.
Ainda há poucos pormenores sobre o assunto, mas ficou claro que será grande e diversificado. O BCE abriu a porta a um novo pacote de estímulos à economia da Zona Euro e o presidente, que garantiu que todas as possibilidades estão em cima da mesa, disse, em conferência de imprensa, que “o outlook económico está cada vez pior” e explicitou que o Conselho de Governadores concordou, de forma unânime, em que há mais riscos e que “é cada vez menos provável” uma recuperação económica no 2.º semestre do ano. Neste cenário, “se o outlook de inflação a médio prazo continuar a falhar o objetivo, o Conselho de Governadores está determinado a agir”.
O ainda presidente do BCE declarou por várias vezes que a instituição está pronta a lançar estímulos adicionais à economia, reafirmando o que tinha dito no Fórum BCE, em Sintra, no passado mês de junho. As primeiras linhas gerais foram conhecidas há dias, após uma reunião do Conselho de Governadores em que os decisores estiveram a debater qual o mix que será lançado, possivelmente já em setembro. E Draghi explicou:
Sempre que há um pacote tão complexo como este, é expectável que as pessoas tenham diferentes perspetivas sobre diferentes partes do pacote. Mas o importante é que foi aprovado um pacote, após uma ampla discussão.”.
Reiteradamente questionado, não especificou os instrumentos a usar, atirando para setembro os pormenores, mas sublinhou: “Nenhum instrumento está absolutamente excluído”. Disse-o numa altura em que, além do corte de juros e da compra de dívida, também tem sido apontada a compra de ações como possível arma por parte do BCE.
Em comunicado difundido antes da conferência de imprensa, o BCE já dera alguns sinais sobre o que poderão ser tais instrumentos, a começar pelos juros. Ainda não houve alterações, pois a taxa de juro aplicável às operações principais de refinanciamento ficou em 0%, a taxa aplicável à facilidade permanente de cedência de liquidez em 0,25% e de facilidade permanente de depósito em -0,40%. Contudo, mas o BCE introduziu a possibilidade de corte nos próximos 12 meses. O corte poderá ser apenas na taxa de depósitos, o que penaliza a rentabilidade da banca e deverá levar o BCE a lançar um sistema que reduza o impacto. A este respeito explicou o BCE:
O Conselho de Governadores deu instruções aos comités relevantes do Eurossistema para avaliarem opções, incluindo formas de reforçar a forward guidance em relação à política de taxas de juro, medidas de mitigação como um sistema escalonado para as remunerações das reservas e opções para o tamanho e composição de potenciais novas compras líquidas de ativos”.
Após três anos de compra líquida de dívida pública e privada da Zona Euro, o BCE passou o programa de aquisição de ativos para nova fase no final de 2018. Desde o início deste ano têm decorrido apenas reinvestimentos dos montantes que atingem as maturidades, mas agora poderá tornar à fase de compra líquida de dívida. E Draghi vincou:
A prolongada presença de incertezas relacionadas com fatores geopolíticos, a crescente ameaça de protecionismo e as vulnerabilidades nos mercados emergentes está a comprometer o sentimento económico (…). Continua a ser necessário um grau significativo de estímulos monetários.”.
Como foi referido, os detalhes do pacote deverão ser conhecidos a 12 de setembro, data da próxima reunião de política monetária do BCE e a última liderada por Mario Draghi. Após 8 anos à frente do BCE, o gestor italiano terminará o mandato a 31 de outubro e suceder-lhe-á Christine Lagarde, que até aqui dirigia o FMI (Fundo Monetário Internacional), mas cuja escolha já foi validada pelo BCE. E acerca da sucessora, o ainda presidente disse:
Será uma excecional presidente do BCE. Digo-o com conhecimento dela que vem de há mais tempo do que ambos gostaríamos de reconhecer.”.
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O Banco Central Europeu propõe-se centralizar a venda de dívida pública e privada da Zona Euro, mas há dúvidas sobre a proposta devido a eventual conflito de interesses. Com efeito, o BCE pretende criar a plataforma EDDI [European distribution of debt instruments] para modernizar e centralizar a emissão de dívida por países da Zona Euro. Após consulta pública, o projeto recebeu já o apoio do maior fundo soberano do mundo, mas a associação que representa o mercado levantou dúvidas sobre potenciais conflitos de interesse tendo em conta que o BCE é o maior comprador de dívida da Zona Euro.
A instituição liderada por Mario Draghi justifica o projeto nos seguintes termos:
Num mercado financeiro verdadeiramente integrado, a emissão, negociação, reembolso e liquidação de um instrumento financeiro não deveria ser afetado nem pela localização do instrumento nem pela localização da contraparte envolvida na transação do instrumento”.
O BCE também refere que, ao invés do que sucede noutras regiões monetárias, os emitentes na Zona Euro têm de usar uma série de canais e procedimentos que não estão harmonizados na UE (União Europeia) enquanto mercado único. Por isso, como clarifica o documento colocado à consulta pública de emitentes, investidores e intermediários financeiros, o Eurossistema está a explorar a possibilidade de apoiar a emissão e distribuição harmonizada de instrumentos de dívida em euros na UE”. E o projeto há de estar em curso até 2021.
Como se entredisse, o prazo para se pronunciarem sobre o mecanismo pan-europeu de emissão de dívida terminou e já são conhecidos os primeiros pareceres.
O Fundo Soberano da Noruega, em carta enviada ao banco central, disse acreditar “que a proposta de novo serviço do BCE, que visa criar um processo único, centralizado, neutro e pan-europeu para a emissão de títulos de dívida, irá ajudar a impulsionar o atual ecossistema”.
No final do primeiro trimestre, 28% dos ativos detidos pelo fundo eram obrigações, incluindo 67 mil milhões de títulos denominados em euros. Como grande comprador de dívida, o fundo vê, no entanto, ineficiências na atual configuração descentralizada da emissão pelo que “há potencial para melhorar o funcionamento do mercado de dívida na UE”.
Por seu turno, a ICMA (sigla inglesa de “Associação Internacional do Mercado de Capitais”), que agrega 570 membros (entre emitentes públicos e privados, intermediários financeiros, gestores de ativos e outros investidores) em 60 países, também vê potencial para a criação de benefícios, nomeadamente menores custos e avanços na UMC (União dos Mercados de Capitais), mas deixou alertas. Assim, questionando o BCE sobre como pretende resolver este problema, frisou:
O BCE é globalmente o maior detentor de obrigações da Zona Euro, bem como o maior investidor em títulos soberanos, supranacionais e empresariais. Se também oferecer a plataforma para os emitentes, a vantagem de informação poderá constituir um significativo conflito de interesses.”.
Por ouro lado a ICMA entende que “será importante assegurar que o uso da plataforma EDDI é aberto, opcional e não obrigatório nem monopolista”. E acrescenta querer ver garantias de como “será conseguida proteção contra riscos sistémicos” em caso de crise num dos países do Euro.
Em Portugal, não foi tornado público qualquer opinião relativa à proposta do BCE. Com efeito, a Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública – IGCP não entregou qualquer parecer.
Na verdade, o historial do BCE nesta cruzada começou em 2015, quando Draghi lançou um programa de compra de ativos para estimular a economia da Zona Euro em crise. Desde então, acumulou 2,17 biliões de euros em dívida pública na folha de balanço, dos quais 36,85 mil milhões são obrigações do Tesouro português.
Este programa chegou ao fim em dezembro de 2018, sendo que, desde janeiro último, o BCE tem apenas reinvestido os montantes de juros e que atingem as maturidades. No entanto, Draghi já veio dizer que, se o outlook económico não melhorar, a instituição a que preside está pronta a lançar estímulos adicionais.
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A instituição liderada por Draghi lançou as fundações para os estímulos à economia da Zona Euro, abrindo a porta a cortar juros, implementar um sistema para mitigar efeitos e relançar compra de dívida.
As taxas de juro de referência na zona Euro vão manter-se em mínimos históricos. O BCE decidiu não fazer alterações na última reunião de política monetária em Frankfurt. No entanto, sinalizou que poderá vir a fazê-lo nos próximos 12 meses e que preparará o relançamento da compra de dívida.
Atualmente, a taxa de juro aplicável às operações principais de refinanciamento continua em 0%, enquanto as taxas de juro aplicáveis à facilidade permanente de cedência de liquidez e à facilidade permanente de depósito permanecerão em 0,25% e -0,40%, respetivamente.
O Conselho de Governadores espera que as taxas de juro do BCE se mantenham nos níveis atuais ou mais baixos, pelo menos, até à 1.ª metade de 2020 e mais ainda se e enquanto isso for necessário para assegurar a contínua convergência da inflação para o objetivo, a médio prazo.
Foram as tensões comerciais, o risco do Brexit, a inflação anémica e a desaceleração económica que levaram o BCE a mudar de discurso, garantindo que está pronto para aplicar estímulos adicionais, se necessário. E a instituição presidida por Draghi sinalizou que poderá fazê-lo.
A nova declaração que substituiu a anterior, em que o BCE dizia apenas esperar que as taxas de juro diretoras se mantivessem “nos níveis atuais”, confirma as expectativas. Antes da reunião, o mercado estava a apostar num corte de juros, atribuindo alguma probabilidade a que Draghi a fizesse já, mas com maior certeza de que acabará por fazê-lo ainda este ano. Se o fizer em setembro, será no último encontro dirigido pelo italiano, antes de ser substituído pela francesa Christine Lagarde. Apesar de esperado, o corte poderá penalizar a rentabilidade da banca, o que já tinha levado alguns analistas a anteciparem que será anunciado um sistema que amorteça o impacto e o BCE confirmou agora estar a estudar a hipótese.
Mas estas não são as únicas opções em que está a pensar o regulador e supervisor europeu. Na verdade, como foi referido, “o Conselho de Governadores deu instruções aos comités relevantes do Eurossistema para avaliarem opções, incluindo formas de reforçar a forward guidance.
Ora, isto não agrada a alguns importantes bancos. Os lucros da banca deverão sofrer um novo golpe, caso o BCE corte ainda mais o juro dos depósitos. O Goldman Sachs antecipa que esse passo seja dado em setembro, retirando, em média, 6% aos lucros de 32 bancos na Zona Euro. Segundo o ECO on line, o Deustche Bank e o Monte dei Paschi di Siena serão os bancos mais penalizados com quebras de 42% e 37% nos lucros, respetivamente.
Em Portugal, o BCP, liderado por Miguel Maya, que não só é incluído neste grupo como o impacto deverá ser superior ao da média (6%), não se aproxima daqueles níveis, mas pode perder 8% dos resultados com taxas mais baixas.
O Goldman Sachs, numa nota de research, adverte que “a perspetiva de um corte nas taxas de juro para terreno ainda mais negativo representa uma grande adversidade para os bancos da Zona Euro”. O banco de investimento norte-americano antecipa um corte de 20 pontos base na taxa de juro de depósitos, face aos atuais -0,40%. Ou seja, poderá passar para -0,60%.
Ora, se os bancos já têm de pagar pelo dinheiro que têm depositado junto do BCE, poderão passar a pagar ainda mais. O objetivo é estimular a liquidez na economia, mas os juros têm penalizado fortemente as contas dos bancos e o problema não parece próximo do fim.
Caso a taxa de juro de depósito caia para o novo mínimo histórico de -0,60%, “o impacto para os bancos cobertos pelo Goldman Sachs – que estima uma perda de 3% na margem líquida de juros, 6% nos lucros e 0,6 pontos percentuais no rácio de capital próprio – situar-se-ia em 5,6 mil milhões de euros“.
Quanto ao BCP, um corte de 20 pontos base na taxa de depósito poderia limpar 8% dos lucros. Face à expectativa média dos analistas que seguem a ação, de um lucro de 448,3 milhões de euros no final de dezembro, poderia significar uma quebra de 35,8 milhões.
Se o BCE decidir aplicar um sistema por níveis (para minimizar o impacto para os bancos), então a redução pode ser de apenas 7%. No caso de o juro afundar até -1,4%, então o lucro do BCP poderá reduzir-se em 39%.
O Goldman Sachs explicita:
Caso o corte na taxa seja de 100 pontos base (para -1,4%), quatro dos 32 bancos europeus que cobrimos iriam registar perdas, outros quatro iriam atingir o break-even e apenas um quarto do setor estaria em posição de cobrir o seu custo de capital (com rácios de capital próprios acima de 10%).”.
E acrescenta que os bancos cuja rentabilidade está mais em risco agregam dois elementos: um número elevado de clientes de retalho e baixos níveis de rentabilidade. Face a este risco, o Goldman Sachs reviu em baixa o preço-alvo das ações de quase três dezenas de bancos na Zona Euro, em média em 6%. No caso do BCP, o preço-alvo atual situa-se em 0,30 euros (face ao anterior 0,31 euros), o que representa, ainda assim, um potencial de valorização de 6% em relação à cotação de fecho da última sessão (0,28 euros) na bolsa de Lisboa.
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Será que a nova Presidente do BCE, face a esta perspetiva de insuficiência bancária, prosseguirá a política monetária preconizada por Draghi enquanto isso for necessário para estimular a economia da Zona Euro? Ela deu mostras de alguma lucidez e equilíbrio enquanto esteve à frente do FMI. Veremos.
2019.07.25 – Louro de Carvalho

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