Foi aprovado no Plenário da Assembleia da
República, hoje, dia 3 de julho, como previsto, com os votos do PS, PCP, PEV e
BE, o relatório final da CPI (Comissão
Parlamentar de Inquérito) ao furto de material
de guerra dos paiolins de Tancos, com a esquerda, pela mão do PS, a assacar
responsabilidades ao Exército e à PJM, sem que tais falhas signifiquem a
desvalorização global do Exercito, instituição multissecular, e atestando que
as Forças Armadas estão efetivamente empenhadas em garantir um país totalmente
seguro. Por outro lado, é genericamente apontado o crónico desinvestimento nos
assuntos das Forças Armadas por parte dos sucessivos governos, sendo que este
foi aquele que respondeu positivamente às solicitações do Exército para
colmatar os problemas de segurança, como se pôde ouvir da boca do deputado Diogo
Leão.
Ao mesmo tempo, também como era de esperar, os partidos
da direita PSD e CDS votaram contra, acusando de parcialidade e “branqueamento”
das
responsabilidades políticas do Governo o documento assinado pelo relator, o deputado socialista Ricardo
Bexiga, e que já tinha sido aprovado na CPI. Uma “encenação” que ignora o “elefante no meio da sala” –
disseram.
À
esquerda, garantiu-se que não foi possível comprovar que haja responsabilidades
políticas a imputar ao Governo. Mas, à direita, essas conclusões, chumbadas por
CDS-PP e PSD, foram arrasadas e o relatório foi descrito como um documento que
“esconde a verdade” e “branqueia” as ações de Azeredo Lopes e de António Costa.
O PS e o PCP
saíram em defesa das conclusões e do Executivo, enquanto o BE optou, passando
ao lado do assunto, preferiu analisar o destino das suas propostas de alteração.
A deputada socialdemocrata
Berta Cabral dissecou o relatório, arrasando as conclusões e acusando o PS de ter dado ao documento “uma visão incompleta e parcial”, procurando
atribuir as culpas ao Exército e à PJM (Polícia Judiciária Militar) e “branqueando o desempenho dos responsáveis
políticos” – crítica que o centrista Telmo Correia recuperaria mais tarde,
referindo que “este não é um relatório do
Parlamento ou da CPI, são as alegações de defesa do PS”, pois “tem uma orientação claríssima: atribuir responsabilidades à PJM e branquear
e diluir, branquear, lavar todas as responsabilidades políticas”.
Para o CDS,
pode resumir-se todo o processo do furto dos paióis de Tancos “num roubo e três
encenações – a da PJM, a do Governo, que omitiu o facto, e a deste relatório,
que escondeu a verdade”. Telmo Correia, do
partido que propôs a constituição da CPI, atirou: “Vamos ver se não será com um inquérito que
vamos ficar a saber o que não soubemos”. E acusou duramente o PS de querer “encerrar” o
assunto e, “se possível, não falar mais sobre Tancos”; rejeitou o documento,
recusando que a versão final – onde muitas das propostas da direita não tiveram
lugar –, seja “do Parlamento ou da comissão”, e disse: “A ‘geringonça’ é a maior branqueadora que este país conhece”.
Quanto
ao conteúdo, vários ataques: da parte do PS “só faltou um louvor” ao ex-Chefe
do Estado-Maior do Exército, Rovisco Duarte, em funções aquando do furto, o
que, para o CDS, é “lamentável” e “uma vergonha”. Mas, sobretudo, a crítica ao
tratamento dado no documento ao problema principal: a forma como a PJM recuperou as armas, através duma encenação e dum
acordo com os ladrões. “Dois dias depois, esta operação foi relatada ao
Governo”, lembrou Telmo Correia, atacando a inação do Executivo, e rematou:
“É
a história de um roubo de três encenações: a da PJM, a do Governo e a do
relatório, que esconde a verdade”.
No
PSD, Berta Cabral, afirmando que o relatório tem a ver com uma “manifesta opção
política da esquerda”, observou:
“É
absolutamente incompreensível que uma comissão que tinha por objeto encontrar
as responsabilidades políticas acabe por concluir que as mesmas não existiram,
quando um ministro da Defesa e um CEME se demitiram exatamente na sequência
deste processo. Se isto não são consequências políticas, é o quê? É o elefante
no meio do processo.”.
O balanço
do PSD sobre a CPI não é positivo: “Com
este relatório subsistem mais dúvidas do que certezas sobre a atuação dos
nossos governantes neste caso”.
Porém,
Diogo Leão, do PS, acusou a direita de “deixar de estar interessada no furto ao
perceber que por aí não conseguia implicar o Governo” e mostrar a “vertigem
para a política de casos”.
Ricardo
Bexiga, o relator, veio à defesa do documento garantindo:
“É certo que não respondemos às perguntas
que pairam em muitos de nós, sobre quem, quando, porquê e como foi executado o
furto de Tancos (…) Mas, analisando as conclusões do documento, ficamos com
ideias muito claras dos factos e circunstâncias que permitiram que ocorresse
aquele furto.”.
Apontando
falhas a várias entidades – “hierarquias militares”, “a PJM” e “a
comunicação” – o deputado do PS afirmou que, ao longo da CPI, ficou
esclarecido que “o Governo, através do
então Ministro da Defesa e do Primeiro-Ministro, só tiveram conhecimento dos
factos a posteriori”; e negou ter havido responsabilidades
políticas do atual Executivo no “furto e no achamento do material” roubado dos
paióis.
Por seu
turno, Jorge Machado, do PCP, antes de responder diretamente aos ataques vindos
da direita, notou que o relatório faz
uma “análise rigorosa e corajosa” dos
factos e “só não é consensual pelas agendas políticas [do PSD e do
CDS]” e disse que, “ao contrário do que dizem o PSD e o CDS, não
há nenhuma tentativa de ilibar o Governo da sua responsabilidade”, até
porque “o relatório aponta de forma clara
o erro do Ministro, que desvalorizou o documento que lhe foi entregue [sobre a
encenação]”, assim como “responsabiliza os sucessivos governos, o atual incluído, pela falta de
condições operacionais do Exército e das suas estruturas”. E esclareceu: “A CPI não apurou responsabilidades políticas
do furto propriamente dito, mas apurou
as responsabilidades políticas e militares pela degradação do Exército”.
Quanto
ao facto de Azeredo ter tido conhecimento da encenação para recuperar as armas,
“e depois? O Governo tinha obrigação de deixar a Justiça funcionar”.
E o BE, pela
voz de João Vasconcelos, concentrou-se sobretudo na atuação do partido ao longo
da CPI mais do que no conteúdo do relatório ou dos factos relativos ao furto
propriamente dito, fazendo o balanço das propostas de alteração que o partido
conseguiu incluir na versão final do documento, lamentando-se pelas que ficaram
de fora e assegurando:
“O relatório e as suas conclusões ficaram
notoriamente enriquecidas pelas propostas do BE”.
Não
obstante, o BE reconhece que houve “falha grave numa das funções centrais do
Estado” – embora da responsabilidade de vários Governos – e que o Ministro
“nada fez para esclarecer” a situação do achamento. Mas sobressaíram os
comentários sobre a extinção da PJM, que o BE defende e quis incluir no
relatório, e sobre a atuação do Governo no caso do Colégio Militar. E conclusões
sobre os argumentos da direita? “Queriam
conclusões que se adequassem à tese da cabala política, já que o diabo nunca
mais chegava”.
***
Já a 19
de junho, na CPI, a esquerda aprovara este relatório final. Nas declarações
políticas, os deputados Diogo Leão, do PS, e os do BE e do PCP, respetivamente
João Vasconcelos e Jorge Machado, sustentaram que o trabalho do relator, o
socialista Ricardo Bexiga, foi sólido, independente e rigoroso, respeitando a
factualidade das audições e da documentação analisada.
E, sobre
o documento, Diogo Leão explicou:
“Não
é o relatório do CDS-PP que, como se viu na exposição de motivos para a
constituição desta comissão parlamentar de inquérito, mantém a mesma retórica
política. Seis meses depois esta comissão de inquérito não serviu para nada.”.
“Não é a verdade dos factos que sustenta essa
retórica política, entrou no campo da ficção, todos os ouvidos negaram
responsabilidades ou interferências políticas”, insistiu, concluindo:
“Ao
contrário do PSD não subscrevemos que apurar responsabilidades é assumir culpas”.
João
Vasconcelos sustentava que PSD e CDS queriam que o relatório desse cobertura à
cabala política”. Relevou uma das conclusões que não iliba Azeredo (então Ministro da Defesa Nacional) aquando do furto, em junho de 2017,
e achamento do material furtado, ocorrido em outubro seguinte, considerando, referindo-se
aos entraves da PJM à atuação da PJ na investigação e na montagem de operação
paralela à margem das indicações do MP (Ministério Público):
“O
ex-Ministro da Defesa nada fez para evitar a situação, apesar de a
ex-procuradora-geral da República o ter alertado”.
E Jorge
Machado observava:
“No
capítulo mais controverso, o das responsabilidades políticas, o relatório não
iliba o Governo das suas responsabilidades. O relator faz uma análise do
problema e como o Governo geriu o processo.”.
O deputado
elencou vários pontos das conclusões em que é reconhecida a pertinência do
documento entregue ao chefe de gabinete do então Ministro da Defesa, em 20 de
outubro de 2017, dois dias após o achamento, pelo coronel Luís Vieira,
diretor-geral da PJM, e pelo major Vasco Brazão, no qual se referia a
negociação e condições de entrega do material com os autores do roubo de
Tancos. Este facto levou a comissão a concluir que “não obstante o Ministro da
Defesa Nacional ter conhecimento dos factos descritos não tomou qualquer medida
para um cabal esclarecimento da situação” e que, só após a Operação Hýbris, que levou, entre outros, às detenções de Vieira e
Brazão, determinou uma auditoria à PJM. Ou seja, em outubro de 2018, um ano
depois de ter tido conhecimento da confissão descrita no denominado memorando.
E Jorge Machado sustentou:
“As
consequências políticas ocorreram com a demissão do ex-Ministro da Defesa, o
que esvaziou o conteúdo da comissão parlamentar de inquérito”.
Na altura,
Berta Cabral, do PSD, evocando a data em que o memorando chegou às mãos de Costa,
após diligência do seu assessor militar junto do chefe de gabinete de Azeredo, vincou:
“Não
se pode afirmar com total certeza que o Primeiro-Ministro apenas teve
conhecimento da atuação da PJM no dia 12 de outubro de 2018. Se é certo que
isso não ficou provado, também não se pode afirmar com certeza que isso não
aconteceu.”.
A deputada
e ex-secretária de Estado da Defesa de José Pedro Aguiar-Branco acusou que
tudo foi feito, ao longo de todo o processo, culminando na aprovação deste
relatório, para proteger a imagem do Governo, do ex-Ministro da Defesa e do
Primeiro-Ministro”. E disse:
“Traduz
uma visão incompleta e parcial daquilo que se passou durante as audições da
comissão de inquérito, assacando responsabilidades ao Exército pelas falhas de
segurança e à PJM pelo modo como conduziu as investigações posteriores ao
furto, procurando ilibar completamente os responsáveis políticos”.
Idêntica
postura foi a do CDS-PP, pela voz e Telmo Correia, que atacou:
“Foi
branqueada a responsabilidade política, o Bloco de Esquerda chegou a insinuar o
seu argumentário clássico de que a culpa era do Governo anterior. (…) O busílis
está na encenação do achamento. O memorando revela um processo ilegal, um
acordo com os ladrões, e é neste momento que o Governo toma conhecimento. (…) Quando
lhe entregaram o memorando, o Governo não secundarizou, escondeu, foi
cúmplice da ação ilegal da PJM. O Governo soube da encenação e não agiu.”.
***
Ainda antes,
a 31 de maio, já se sabia da ilibação do Governo no encobrimento da recuperação do material, numa
orquestração da PJM, ainda em investigação pelo MP. Sustentava o relator:
“Do
ponto de vista de responsabilidades governativas, quer o Ministro da Defesa Nacional, quer o
Primeiro-Ministro cumpriram as obrigações que lhes estão legal e
constitucionalmente veiculadas e que, nesta matéria, não será ao Governo
que devem ser atribuídas responsabilidades, seja dos factos relacionados com o
furto propriamente dito do material de Tancos, [seja] relativamente ao seu
achamento”.
Por outro
lado, apurava-se que “a PJM tentara (informalmente) implicar o chefe de gabinete do ex-Ministro da Defesa e o chefe da
Casa Militar do Presidente da República “num conhecimento nebuloso sobre a
forma de investigação no sentido da recuperação do material de guerra”.
Outro ponto
sensível da CPI foi o conhecimento (ou não)
do poder político, através de Azeredo e de Costa, do teor do memorando que os
responsáveis da PJM entregaram, a 20 de outubro de 2017, chefe de gabinete do Ministro
da Defesa Nacional. Ora, esse oficial general fez chegar o documento ao
gabinete de Costa só um ano depois (a 12 de outubro de 2018), no dia em que Azeredo apresentou a demissão. Contudo, a
demora na circulação desta informação, não suscita qualquer reparo ou ponderação,
embora o documento contivesse informação pertinente.
E, embora
se observe o comportamento irregular da PJM que, à revelia da PGR, montou uma
operação paralela e criou obstáculos à PJ, não é abordado o conhecimento que o
Governo terá tido da situação, através de telefonema de Joana Marques
Vidal ao Ministro da Defesa, nem que medidas tal situação implicou e, se não,
porquê.
Sobressaem
as críticas condições de segurança dos paióis nacionais de Tancos e,
pós-assalto, a cadeia de incomunicabilidades dos militares com os serviços e
estruturas de segurança (incluindo
as secretas). Daí que as
recomendações considerem a necessidade de articulação entre estes serviços e de
um modelo diferente de formação dos oficiais das Forças Armadas, além do
princípio de “obedecer para cima e mandar
para baixo”, cuja inobservância nos diferentes escalões da hierarquia levou
a absurdos como o cumprimento de normas de execução permanentes alheadas da
realidade ao exigirem, por exemplo, substituição de cassetes-vídeo que não
gravavam – episódios que provocaram surpresa na sociedade e descrédito no
Exército.
Ascenso
Simões, do PS, disse que o relatório “não limpa mais branco como o Omo”; João
Vasconcelos, do BE, referiu que, à primeira vista, o relatório lhe parece “um
trabalho sério e digno”; Telmo Correia, do CDS-PP, sintetizou que “são as
alegações de defesa do Governo e do PS”; e Berta Cabral, do PSD, advertiu que
as conclusões ainda não estavam sujeitas “a contraditório”. Os partidos haviam
de apresentar as propostas de alteração até ao princípio da manhã de 11 de
junho, sendo certo não haver unanimidade em alguns pontos como: o desconhecimento
da hierarquia militar das práticas ilícitas da PJM e desvalorização das queixas
de Marques Vidal; normalização da ação do chefe de gabinete de Azeredo. Mais:
até então, estas duas questões não permitiam aflorar responsabilidades
políticas, até por que o Ministro apresentou a demissão e o CEME (chefe do Estado-Maior do Exército) seguiu-lhe o exemplo.
***
Enfim,
ninguém mudou de posição. Seria muito difícil a CPI assacar responsabilidades,
mesmo políticas, a titulares dos órgãos de soberania, a menos que supinamente
ignorassem os alertas concretos que as chefias militares lhes reportassem, o
que dificilmente fazem, pelo brio e pela tentativa de agradar – e em
responsabilidades técnicas nem pensar; aliás, o CME, acompanhado do CEMGFA (Chefe do Estado-Maior general das
Forças Armadas) de
então, foi prestes a confessar o fracasso militar perante Marcelo e Costa (a meu ver, de forma antecipada e
vergonhosa). Subordinação não é sujeição! Deveriam
ser punidos os infratores. Marcelo bem pode querer resultados!
2019.07.03 – Louro de
Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário