domingo, 28 de julho de 2019

Está lançada oficialmente a corrida à cadeira deixada por Lagarde


Estará aberto, desde o dia 29 de julho, o período de candidaturas a diretor-geral do FMI (Fundo Monetário Internacional), que irá até 6 de setembro. Esta instituição internacional espera ter o novo líder escolhido a 4 de outubro.
Na prática, a corrida à liderança do FMI já estava em ação desde o anúncio de que Christine Lagarde iria abandonar, a 12 de setembro, o cargo de diretora-geral para assumir a presidência do BCE (Banco Central Europeu), sendo a primeira mulher, e não economista, a ocupar este cargo europeu, mas só esta sexta-feira o fundo oficializou a demanda por um novo líder.
Na verdade, especificando que “os candidatos podem ser nomeados por um governador do fundo ou diretor executivo”, o FMI comunicou:
O Conselho Executivo anunciou hoje [da 26 de julho] que adotou um processo aberto, com base no mérito, e transparente para a seleção do próximo diretor-geral, semelhante ao usado nas últimas rondas”.
Para ser considerada a candidatura, cada candidato deve possuir um histórico de funções de decisor de política económica a nível sénior, background profissional de excelência, já ter demonstrado as capacidades tanto de gestão como de diplomacia necessárias para liderar uma instituição global e ser nacional de um dos países membros do fundo.
O período de nomeações vai decorrer, com se disse, entre 29 de julho e 6 de setembro, sendo que os nomes serão apenas comunicados ao secretário do fundo. Após este tempo, será criada uma shortlist com base no apoio dado pelos governadores ou diretores aos candidatos e o processo de seleção estará finalizado a 4 de outubro.
A lista de candidatos, que será tornada pública, incluirá um português. Mário Centeno,  Ministro das Finanças e presidente do Eurogrupo, é um dos nomes que está em cima da mesa para suceder a Christine Lagarde. O Primeiro-Ministro, que terá dito que este não era nosso objetivo, já admitiu a hipótese, ao passo que Centeno se tem mantido em silêncio sobre o assunto.
Uma fonte oficial do Governo francês, a quem incumbe a liderança do processo de seleção do candidato europeu, confirmou que o Ministro das Finanças português é um dos nomes apontados para liderar o FMI. A confirmação partiu de uma fonte oficial do Governo francês, citada pela agência de notícias Reuters (conteúdo em inglês), que diz que o atual ministro das Finanças de Portugal e presidente do Eurogrupo é um dos cinco nomes possíveis.
O governo francês ficou responsável por coordenar os trabalhos no seio dos países da UE (União Europeia) para que seja apresentado um único candidato da União à sucessão de Lagarde. De acordo com declarações de Bruno Le Maire, Ministro das Finanças francês, no final de uma reunião do G7 em França, há acordo sobre o processo de seleção, que passa por encontrar “uma candidatura europeia de consenso, que seja sólida, credível e que permita à Europa continuar a liderar o FMI”. Em cima da mesa estão também os nomes da búlgara Kristalina Georgieva,  atual diretora executiva do Banco Mundial, o holandês e ex-presidente do Eurogrupo Jeroen Dijsselbloem, a Ministra da Economia espanhola, Nadia Calviño, o governador do Banco de Inglaterra, Mark Carney, e o Governador do Banco Central da Finlândia, Olli Rehn. Todavia, os Governos da UE estão divididos: os países do norte da Europa preferem Dijsselbloem ou Rehn, enquanto os do sul preferem Nadia Calvino ou Mário Centeno.
Entretanto, soube-se que a falta de apoio dos governos europeus às candidaturas de Jeroen Dijsselbloem e Mark Carney ao cargo de topo do FMI levou à exclusão desses dois nomes das listas de potenciais candidatos, que agora fica reduzida a três hipóteses, incluindo Mário Centeno, ministro das Finanças português e líder do Eurogrupo.
Segundo avança o Político (conteúdo em inglês), o holandês Dijsselbloem, desconhecido até ser desencantado pelos governos da Zona Euro para liderar o Eurogrupo, não convenceu nem italianos, nem ingleses, que se juntaram aos países do Sul da Europa, os que Dijsselbloem apontou como tendo populações que só gastam dinheiro em “álcool e mulheres”.
O apuramento das posições de cada governo em relação aos candidatos ao FMI aconteceu nos últimos dias, durante encontros informais tidos à margem do encontro de ministros das finanças e de governadores de bancos centrais do G7, em Chantilly, França, como adianta o Político.
Além de ter sido riscado nome do holandês, também o nome de Mark Carney não sobreviveu a este encontro informal. A falta de apoio ao inglês está intimamente ligada ao Brexit, que nesta altura desmotiva muitos executivos europeus a apoiar algo vindo da Grã-Bretanha. E deixou de se falar de Kristalina Georgieva por já ter 65 anos (França não obteve consenso para superar este óbice).
A saída destes nomes da lista de potenciais líderes do FMI acaba por reforçar as hipóteses dos restantes candidatos, com a lista agora reduzida a três nomes: Mário Centeno, Nadia Calviño, ministra da Economia de Espanha, e o líder do banco central finlandês, Olli Rehn.
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O processo de seleção do sucessor de Lagarde arranca no dia 29 e as candidaturas podem chegar até 6 de setembro. Mas pode não ser fácil preencher todos os requisitos. Leonor Mateus Ferreira explica no ECO on line como é escolhido o diretor do FMI e elenca as 6 caraterísticas do sucessor de Lagarde, a qual do não inicial aceitou a escolha feita pelo Conselho Europeu, suspendeu funções e acabou opor apresentar a sua demissão (com efeitos a partir de 12 de setembro).
É um processo “aberto, com base no mérito, e transparente”. Mas não é muito simples. Da nacionalidade ao apoio, passando pela experiência ou pela idade, são várias as caraterísticas do candidato. Com efeito, o próximo diretor-geral do FMI terá uma função de destaque no trabalho do fundo, nomeadamente de liderança do conselho executivo, gestão de cooperação com entidades exteriores e comunicação. Tem de ser imparcial, objetivo e empenhado. Para chegar a esta pessoa, o fundo lançou uma lista de 6 requisitos (semelhantes aos de 2011 e 2016), que os candidatos têm de preencher: um histórico de distinção em decisão de política económica a nível sénior; um background profissional de excelência; demonstradas capacidades de gestão e diplomacia; nacionalidade de um dos países membros do fundo; nomeação por um governador do fundo ou diretor executivo; menos de 65 anos (requisito de poderão ser dispensados por voto da maioria dos governadores, que o não foi conseguido).
No período de candidaturas – entre 29 de julho e 6 de setembro – os nomes propostos serão comunicados ao secretário do fundo e mantidos em segredo. Após aquele tempo, o secretário divulgará, ao Conselho Executivo, os nomes dos nomeados que tenham mostrado interesse em ocupar o cargo. Caso haja 4 ou mais candidatos, os 24 membros do conselho limitarão a lista a apenas 3 com base no perfil dos nomeados e sem preferências geográficas. O objetivo é que nos 7 dias seguintes seja criada e divulgada uma shortlist com três nomes. E o fundo clarifica:
O processo de shortlisting será implementado consoante os candidatos que receberam maior apoio dos diretores, tendo em consideração o seu peso no sistema de voto do FMI. Apesar de o Conselho Executivo poder adotar uma shortlist por maioria, o objetivo é que o faça por consenso.”.
Quanto a Centeno (terá de ser nomeado e escolhido para a shortlist), se tal suceder, reunir-se-á, depois, em Washington D.C. com o Conselho Executivo, que analisará os pontos fortes de cada candidato e tomará a decisão final. O FMI espera completar o processo de seleção a 4 de outubro, dia em que deverá ser escolhido o candidato. Nessa altura, já Christine Lagarde estará fora da instituição. Até outubro, David Lipton desempenhará funções de diretor-geral interino.
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Se Centeno conquistar a liderança do FMI, juntar-se-á a uma já longa lista de portugueses em lugares de topo.
Após 8 anos à testa do FMI, Lagarde está de malas aviadas para suceder a Mario Draghi no topo do BCE, pelo que deixa a liderança do fundo à disposição do senhor ou da senhora que se segue. Centeno, o denominado “Ronaldo da Finanças”, está na corrida ao cargo, podendo vir a juntar-se aos muitos portugueses que ocupam cargos de topo internacionais. A questão que alguns levantam é se Portugal é um caso raro ou é normal tanta exportação deste tipo de talento.
Os especialistas dividem-se em relação à tese de Portugal ser um caso raro na exportação deste tipo de talento ou à de estarem em questão casos singulares que pouco ficam a dever ao país.
A 17 de julho, um dia depois de Lagarde ter apresentado oficialmente a sua carta de demissão do cargo de diretora administrativa do FMI, o Político indicou Centeno como um dos possíveis sucessores da francesa. E, em entrevista à Rádio Observador, o Primeiro-Ministro, questionado sobre tal possibilidade, admitiu que é “uma hipótese”, mas não um objetivo, defendendo que ainda é prematuro “fazer juízos de probabilidade”. Porém, no encerramento da convenção dos socialistas, António Costa foi mais longe, dizendo que Centeno poderá vir a exercer funções de “grande dimensão internacional”, uma alusão ao FMI.
A concretizar-se essa eleição, Mário Centeno juntar-se-á a um rol significativo de nomes portugueses que já ocupam cargos internacionais de topo. Na ONU (Organização das Nações Unidas), está António Guterres como secretário-geral, mas também António Vitorino e Mónica Ferro em duas das agências dessa organização. Na OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico), está Álvaro Santos Pereira. Na UNICEF, Catarina Albuquerque. Na liderança da maior organização de astronomia do mundo, Teresa Lago. E já “à espera” de Centeno no FMI, está Vítor Gaspar, que tem as rédeas do Departamento de Assuntos Orçamentais. O ex-ministro das Finanças do “enorme aumento de impostos” poderá ficar, deste modo, a trabalhar sob a asa do atual Ministro das Finanças, ao qual a direita deu o cognome de “o cativador”. É ainda de notar que, embora o Executivo de Costa tenha ficado marcado por uma redução dos impostos (com o desdobramento dos escalões do IRS e a abolição da sobretaxa, por exemplo), a carga fiscal atingiu máximos históricos nesta legislatura.
Entre os nomes que chegaram ao topo de cargos internacionais, está o de Guterres, antigo primeiro-ministro português (entre 1995 e 2002) e secretário-geral da ONU, desde 2017. Guterres foi escolhido em detrimento da candidata búlgara Kristalina Georgieva (que era apoiada pela Alemanha), pelo seu trabalho enquanto líder do ACNUR (Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados). Enquanto ocupou esse cargo, o português teve mesmo de lidar com uma das mais graves crises de refugiados das últimas décadas e com o agudizar dos conflitos na Síria e Iraque.
Também António Vitorino, antigo ministro do Executivo de Guterres, assumiu um lugar de relevo numa das agências da ONU: desde 2018 é diretor-geral da OIM (Organização Internacional para as Migrações). Esta é apenas a segunda vez em quase 50 anos que esta agência não é liderada por um norte-americano (o candidato dessa nacionalidade ficou pelo caminho, depois de mensagens suas com conteúdo racista terem vindo a público). Ainda na ONU, a antiga Secretária de Estado da Defesa Mónica Ferro é, desde abril de 2017, diretora do UNFPA (Fundo Populacional das Nações Unidas para a População). Antes de assumir esse cargo, Ferro chegou a ser deputada, vice-presidente do grupo parlamentar do PSD e coordenadora do grupo parlamentar para a população e desenvolvimento. A estes nomes, somam-se o de Vítor Gaspar, que é diretor do Departamento de Assuntos Orçamentais do FMI, e o de Álvaro Santos Pereira, que é diretor do Departamento de Estudo sobre Países da OCDE. Além destes, destaca-se Teresa Lago, que é, desde 2018, secretária-geral da UAI (União Astronómica Internacional), a maior organização de astronomia do mundo, sendo a autoridade internacional responsável pela atribuição dos nomes oficiais de todos os corpos celestiais e das suas superfícies. E, nesta lista de portugueses a ocupar cargos relevantes internacionais, aparece ainda Catarina Albuquerque, jurista lusa e atual CEO da agência da UNICEF Sanitation and Water for All. Este é o cargo mais elevado ocupado por um português na UNICEF nos últimos 20 anos. O processo de seleção durou cinco meses, tendo Albuquerque ultrapassado quase duas centenas de candidatos.
Mas, além de todos estes nomes, Portugal já teve outros em destaque. Recordem-se, a título de exemplo, os casos de Durão Barroso, que foi presidente da Comissão Europeia; Vítor Constâncio, que foi vice-presidente do BCE Banco Central Europeu; Diogo Freitas do Amaral, que foi presidente da Assembleia Geral da ONU; Ramiro Lopes, que foi presidente do PAM (Programa Alimentar Mundial); Mário Soares, que esteve à testa do MEI (Movimento Europeu Internacional), da CMISO (Comissão Mundial Independente Sobre os Oceanos), do Comité Promotor do Contrato Mundial da Água e da Fundação Portugal África; Jorge Sampaio, que foi Enviado Especial da ONU para a Luta contra a Tuberculose e Alto Representante da ONU para a Aliança das Civilizações pelo Secretário-Geral das Nações Unidas; Cardeal Saraiva Martins, que foi Prefeito da Congregação par as Causas dos Santos; e Cardeal Manuel Monteiro de Castro, que foi Penitenciário-Mor do Supremo Tribunal da Penitenciaria Apostólica.
Carlos Gaspar, investigador do IPRI (Instituto Português de Relações Internacionais) considera “raro em termos comparativos” que um país de pequena dimensão consiga uma lista tão considerável de cargos relevantes, enquanto António Costa Pinto, politólogo e coordenador do ICS (Instituto de Ciências Sociais) da Universidade de Lisboa, anota que estão em referência casos concretos, cujo percurso não pode ser explicado pelo “país como um todo”.
Carlos Gaspar entende que “Portugal tem uma elite política com grandes qualidades”, explicando que tal fica a dever-se sobretudo à Revolução dos Cravos, já que, sem essa viragem política, os “melhores” não teriam entrado na vida política nacional e seguido, a partir daí, o seu caminho até à ribalta internacional. O especialista lembra que, “antes [do 25 de Abril], não havia portugueses em cargos internacionais, a não ser representantes oficiais”. Segundo Gaspar, a revolução trouxe “o prestígio de uma nova democracia” o que impulsionou essa projeção internacional. Por outro lado, “há personalidade políticas portuguesas com grandes qualidades” quando comparadas com os seus pares, o que explica a relevância que acabaram por assumir e a raridade da projeção portuguesa nesse universo. Costa Pinto explica que, no caso de Guterres, a escolha ficou ligada essencialmente ao trabalho de diplomacia portuguesa e aos seus esforços no Alto Comissariado. E no caso de Centeno, a possível eleição para o FMI seria resultado do “modelo de seleção”, de “competirem europeus” e do facto de ser o atual líder do Eurogrupo. Aliás, como aponta o politólogo, esse último ponto seria mesmo “o fator decisivo”. Portanto, Costa Pinto salienta que estão em causa casos concretos, “não são justificados pelo país como um todo”. Não obstante, admite que a “imagem pacífica” de Portugal ajuda, à semelhança do que acontece com a Suíça, cuja neutralidade tem levado os seus cidadãos a cargos de topo.
Costa Pinto discorda, no entanto, de Carlos Gaspar e salienta que Portugal não é “excecional” na exportação deste tipo de talento, já que outros países pequenos europeus, como a Suíça e a Holanda, têm projeções semelhantes. E, sobre os benefícios trazidos ao país por tantos portugueses ocuparem cargos de topo a nível internacional, frisa que, embora Portugal ganhe “mais saliência internacional”, assumir esses lugares não é necessariamente vantajoso, porque alguns desses organismos não dão azo a esse destaque e, do meu ponto de vista, não raro põem os titulares entre as exigências do cargo e as necessidades e apetências do país.
Ao invés, Carlos Gaspar sublinha que “há uma confiança acrescida em Portugal” vincando que a leitura é sempre ambivalente e que, por exemplo, os espanhóis acham mesmo que os portugueses ocupam cargos a mais.
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Veremos o que espera Centeno e, se for diretor-geral do FMI, quem lhe sucederá à testa do Eurogrupo e quem se seguirá na pasta das Finanças se o PS ganhar as eleições legislativas: se a dor de cabeça de Costa e a vitória pessoal de Centeno, como referiu Marques Mendes, ditarão Mourinho Félix, Secretário de Estado-adjunto das Finanças, Elisa Ferreira, atual vice-governadora do Banco de Portugal ou outros. O FMI, que até foi um espinho para Portugal não resolve tudo.
2019.07.27 – Louro de Carvalho  

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