A 3 meses das legislativas, os partidos da
esquerda dão pistas para os próximos 4 anos, enquanto PSD e CDS disputam eleitorado
empresarial com anúncio de alívio no IRC. Assim, com as atenções voltadas para
os serviços públicos,
impostos e maioria absoluta, inaugurou informalmente a campanha eleitoral na
Casa da Democracia.
O debate era sobre o Estado da Nação, era de balanço, mas houve momentos em
que se anteviu PS, BE, PCP e Verdes a posicionarem-se para o período
subsequente às eleições legislativas de 6 de outubro. Não houve juras de amor
como outrora, pois esta relação passou por várias fricções e até desavenças,
mas as portas mantêm-se abertas para nova edição de entendimento. O PS não sabe
de quem precisará para formar governo e os partidos à sua esquerda fazem valer
o seu peso num cenário em que as sondagens dão a vitória aos socialistas, mas
sem maioria.
O tom foi dado logo no arranque do debate, que durou um pouco mais de 4
horas. António Costa, sabendo que os
resultados de outubro podem ditar a necessidade de novos acordos, começou
por “saudar” elogiosamente o Bloco de Esquerda, o PCP e os Verdes “por terem
ousado derrubar um muro anacrónico” que até
2015 impediu acordos à esquerda. Foram, pois, estes que ajudaram o PS a
fazer “outro caminho”, que não agradou sempre, mas do qual ninguém quis
sair. BE aponta baterias à maioria
absoluta dos socialistas e PCP diz que se podia ter ido mais longe, enquanto a
direita faz retrato negro do país e põe propostas em cima da mesa.
Dum extremo parlamentar ao outro já se limpam
armas para a campanha eleitoral que se avizinha e sobressaiu o duelo em que se
destacou Bloco de Esquerda versus PS.
Catarina Martins, Jerónimo de Sousa e Heloísa Apolónia
também elogiaram a solução governativa que alimentaram nestes 4 anos e que
permitiu afastar do poder os partidos da direita. Catarina Martins, com quem António Costa tem travado os diálogos mais
azedos, disse que, nas condições de 2015, faria tudo na mesma, ou seja, “voltaria a assinar os acordos” de convergência que em 2015
possibilitaram esta solução. E António Costa disse que assume “todo o ativo e
todo o passivo da governação”; respondeu ao PCP de Jerónimo de Sousa que,
“enquanto há caminho, devemos caminhar”; e, no frente a frente com os Verdes, tentou convencer Heloísa Apolónia de que o “bem inestimável” que
chamou à boa governação financeira, e que já não é um trunfo da direita, “está
creditado à senhora deputada”.
As portas ficaram abertas, mas o debate do Estado da Nação foi aproveitado
pelos partidos para deixar alguns recados. E o Primeiro-Ministro, que não
abandona o slogan das contas certas,
disse ao líder comunista que, se houver caminho para fazer, tem de ser o
caminho certo, “sem atalhos que metam Portugal em trabalhos”.
Carlos César, líder parlamentar do PS, sintetizou dizendo que “o PS não se
deixou levar por facilitismos que deitariam tudo a perder”. E, nesta matéria, enviou
uma indireta a Rui Rio, o líder do PSD que, por não ser deputado, não estava
presente na sala do plenário, dizendo ao também deputado do PS João Paulo
Correia “Convém agora não lhes dar ouvidos”,
a comentar o facto de, há 5 dias, o presidente do PSD ter apresentado as suas
primeiras ideias para as legislativas: descida de impostos no valor de 3,7 mil
milhões de euros no que toca ao IRC, ao IRS, ao IVA no gás e eletricidade; e eliminação
do “imposto Mortágua”.
Costa admitira à Renascença que
o PS, se vencer a ida às urnas, continuará a baixa de impostos, mas sem
especificar. Cedeu à tentação, pois aduziu que, afinal, foi a redução do
défice, o aumento do saldo primário e a diminuição do rácio da dívida pública
que permitiram “poupar 2.000 milhões de euros”, que serviram para baixar o IRS
e investir mais.
***
Catarina Martins, em termos de debate, assestou
baterias ao PS, assacando ao Executivo a responsabilidade pelo que correu mal:
“O Programa do Governo não foi só do
PS. O PS queria congelar pensões e prestações sociais. O acordo com o BE ditou
o fim de corte de ordenados e subida de salário mínimo nacional (…) O Governo falhou nas áreas em que os acordos
foram menos concretos, no investimento do Estado, no empobrecimento nas
áreas, da Saúde e da Educação.”.
Porem, a líder bloquista não ficou sem resposta
do Primeiro-Ministro, que adensou o tom:
“A pior coisa que podíamos fazer era entender
que tudo o que é bom dependeu de cada um de nós, e tudo o que é mau ficou a
dever-se aos outros. (…) Isso é muito injusto para o PEV, para o PCP, é muito injusto até para o PS. (…) Temos que assumir por inteiro o
passivo e o ativo desta legislatura (…) Fomos mais longe do que tínhamos
previsto e mais longe do que os nossos parceiros queriam porque gerimos bem.”.
Como era expectável, as respostas de Costa ao BE tiveram o respaldo
da bancada socialista, que fazia questão de aplaudir os remoques do líder do
Executivo ao BE.
Catarina Martins, que apontou a seta à ambicionada
maioria absoluta do PS, não podia ser mais clara: “Não podemos voltar à política das
maiorias absolutas que nos perderam”. E questionou, numa referência
às declarações de Carlos César, líder parlamentar do PS, que recentemente pediu
mais força para o PS, para prosseguir um caminho “sem bloqueios, constantes
dificuldades, sem inércias”: “Que
bloqueios incomodam o PS”?
A líder bloquista, que elegeu os serviços públicos como “o maior desafio da
próxima legislatura”, sinalizou que, se houver necessidade de fazer um novo
acordo com o PS, não se esquecerá de detalhar tudo o que quer ver feito, pois,
dando como exemplo o investimento público, disse que “o Governo falhou nas áreas onde os acordos foram menos concretos”. E foi com o BE que aconteceu à esquerda o ambiente mais
tenso, por exemplo, quando o seu líder parlamentar disse que “os anseios de uma maioria
absoluta são apenas para regressar ao programa do PS”, ao que António
Costa retorquiu que esta solução não existia sem o PS.
O PCP corporizou uma discussão mais cordial e
menos centrada em despiques eleitorais. Jerónimo de Sousa não se afastou do discurso
habitual dos comunistas: nos últimos 4 anos foram dados passos positivos,
suscitados ou com o contributo decisivo do PCP, mas muito mais poderia ter sido
feito. E, se tal não sucedeu, foi porque o Governo foi mais “papista que o Papa” no défice. O líder,
por duas vezes, e, mais tarde, a deputada Rita Rato, não deixaram em branco a
questão das leis laborais, numa altura em que está ainda a votos a proposta de
lei do Governo que traduz o acordo firmado, o ano passado, na Concertação
Social. “Era
possível ir mais longe, ficaram problemas por resolver e expectativas por
concretizar”, sublinhou Jerónimo de Sousa, destacando que o PS “insiste
em manter um quadro degradado de direitos laborais”.
Jerónimo de Sousa quer o desvio do excedente orçamental para o investimento
público, nomeadamente na saúde e transportes. E propôs um aumento do salário mínimo para os 850 euros (face
aos atuais 600 euros) e
aumento de 40 euros nas reformas na próxima legislatura.
Heloísa Apolónia insistiu na ideia de que o Governo tem estado demasiado concentrado
nas finanças públicas, assegurando que “os
portugueses trocariam certamente umas décimas no défice por medidas que
melhorassem as suas vidas”.
O Primeiro-Ministro, que nem se aproximou do
tom ríspido que usou com o BE, considerou:
“Enquanto há caminho continuemos a caminhar. Quem
se mete por atalhos mete-se em trabalhos.”.
E, no atinente às leis laborais, a resposta
ficou bem longe da visão e pretensões de PCP e PEV:
“É a primeira desde 1976, que
aprovamos uma legislação que não comprime os direitos dos trabalhadores”.
À direita, o PSD foi o mais contundente nas
críticas ao Governo. “Não houve uma reforma digna desse nome”
nesta legislatura, acusou Fernando Negrão, apontando “o estado calamitoso em que o Governo deixou os serviços públicos”,
a par de uma “carga fiscal absolutamente asfixiante”.
Afirmando que o Executivo “governa
em permanente modo de reality show”, o líder parlamentar
socialdemocrata diria que “há excesso de
confiança” nas hostes socialistas e adiantou que pode haver “uma surpresa”
nas próximas legislativas: “O PSD ganhará as eleições”.
Além das críticas ao Governo, Negrão içou a
bandeira da redução dos impostos, prometida pelo líder do seu partido, bem como
a recuperação dos serviços públicos mediante o aumento do investimento público.
Da bancada do PS, o ex-Secretário de Estado dos
Assuntos Fiscais, Fernando Rocha Andrade, contrapôs aos sociais-democratas:
“Nunca sabemos que PSD vai aparecer:
O que critica os aumentos na despesa corrente do Estado ou o que critica os
cortes na despesa corrente do Estado?”.
Muito longe dos ataques ferozes à política da
maioria de esquerda, embora ainda com críticas à governação, a líder do CDS
centrou quase toda a sua intervenção nas propostas que o seu partido fez
durante a legislatura e as que promoverá no programa eleitoral. Assunção Cristas fez mesmo o anúncio em plenário
de que se vai bater pela descida do IRS, mas sobretudo para que o IRC, o
imposto aplicado às empresas, desça em 6 anos para os 12,5%.
A medida de descida
da taxa do IRC para 12,5%,
que Assunção Cristas anunciou incluir no programa eleitoral dos centristas, é
uma medida bem mais audaz e apetitosa para as empresas do que anunciada pelo
líder do PSD, Rui Rio, há cinco dias.
Assunção quis ainda lançar uma farpa ao PSD,
assumindo que o CDS fez durante
quatro anos, “quase sozinho” as despesas de oposição ao governo. Ou
seja, indiretamente lembrava que Rui Rio, o líder do PSD, esteve sempre mais
disposto a entender-se com os socialistas, em particular nos acordos que
celebrou para a descentralização e fundos europeus.
Em comum, PSD e CDS centraram as críticas ao Governo na situação dos
serviços públicos. “Não cumpriu”,
disse o socialdemocrata Leitão Amaro. “É
excelente a anunciar, mas “é péssimo a fazer”, atirou o centrista Nuno
Magalhães. Porém, o líder parlamentar laranja chegou a prometer que o PSD vencerá as legislativas marcadas para daqui a menos de três
meses.
Entretanto e para já, a guerra parece aquecer entre PSD e CDS. O CDS tem
andado a anunciar quase semanalmente medidas a incluir no programa eleitoral.
Já anunciou 5 medidas. Na última semana foi a vez do PSD. Agora Assunção
Cristas quis ultrapassar Rio e, se este prometeu uma redução da taxa de IRC
para 17%, Assunção prometeu a redução para 12,5%, o mesmo nível a que chegaria
no acordo assinado entre Passos e Seguro e que foi travado por António Costa. O CDS avança com a proposta de pôr o IRC a 12,5% em 6 anos, o
nível de taxa de IRC praticado na Irlanda, quando em Portugal as empresas pagam
uma taxa de 21%.
***
Costa abriu o debate com a exposição das
medidas tomadas na legislatura, mas assinalou:
“Não quero ser mal entendido. Não
vivemos num oásis, num país cor-de-rosa. O balanço positivo destes quatro anos
não nos permite esquecer os problemas que existem.”.
Mas foi muito mais de balanço positivo que de
problemas que foi feito todo o discurso do Governo e do PS, o que viria também
a ser notório no discurso do líder parlamentar socialista.
Assim, Carlos César, na sua intervenção de
fundo, deixou claro que não haverá cedências dos socialistas quanto às
parcerias público-privadas na Saúde, ao destacar a importância da “colaboração da iniciativa privada” e com
“prioridade em áreas cuja exaustão é mais
notória, seja na Saúde, seja noutros setores”. Ou seja, no subtexto pode ler-se que as PPP não vão ser proibidas
na Saúde ou que a Lei de Bases da Saúde vai ficar pelo caminho.
O Governo também aproveitou o debate do Estado
da Nação para fazer um anúncio, com o Ministro do Trabalho, José Vieira da
Silva, a garantir um reforço do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança
Social, de 1,3 mil milhões de euros, até final do ano.
Já o Ministro das Finanças encerrou o debate também
com uma saudação à maioria de esquerda, mas imputando ao Governo o que diz serem
os méritos desta legislatura: melhores serviços públicos, mais investimento e
descida dos números do desemprego.
Mário Centeno, a olhar para os próximos tempos, resumiu a mensagem do
Governo e deixou avisos aos partidos, à direita e à esquerda, para que não se entre agora em “leilões de promessas eleitorais”.
Advertindo que daqui em diante é preciso continuar vigilante, assegurou:
“Esta foi a legislatura da confiança, do
emprego e das contas certas. (…) As alternativas têm de ser claras para serem
credíveis. Não entremos em leilões eleitorais. Isso foi a
política do passado.”.
É um recado que serve para o PSD e para o CDS, que têm estado muito ativos
na última semana em promessas com impacto orçamental, mas que não exclui PS,
BE, PCP e Verdes, que estão a ultimar os programas que levam às urnas em
outubro.
Centeno acabou a citar o histórico socialista
Manuel Alegre, recebendo no final a maior ovação da tarde da bancada
socialista. E, ao contrário da habitual
contenção dos membros do Governo face aos aplausos, Centeno manteve-se em pé durante
uns momentos a agradecer e até fez uma ligeira vénia aos deputados socialistas.
***
“Confiança” foi a palavra que António Costa
disse a cada dois minutos no discurso inicial do debate Estado da Nação
repetiu-a 14 vezes,
se tivermos em conta o texto escrito do discurso.
Costa tinha 40 minutos para falar, mas só usou 25. Ou seja, em média, o
Primeiro-Ministro puxou da “confiança” a cada dois minutos. Numa das ocasiões,
disse que “a previsibilidade nas
políticas foi, durante os últimos quatro anos, um dos fatores centrais de
confiança”. Minutos depois, afirmava que a legislatura possibilitou “a recuperação da confiança” do país.
Mais tarde, rematou: “A
confiança no futuro da economia é o melhor antídoto contra a precariedade”.
Apesar de “confiança” ser a palavra mais comum entre as 2.382 que o chefe
do Governo proferiu, nem só de “confiança” se fez este discurso. “Emprego” apareceu uma dezena de vezes no arranque do Estado da
Nação, assim como “crescimento” ou “investimento” – o que não
surpreende, tendo em conta que o crescimento económico e o investimento público
são dois dos temas políticos mais quentes com presença marcada na edição deste
ano do debate sobre o Estado da Nação. E António Costa considerou que este é o
debate do balanço da legislatura e defendeu que “a maioria provou ser
estável ao longo da legislatura”, cumprindo “integralmente” os compromissos
assumidos.
***
Veremos se o PS convencerá o eleitorado da verdade e probidade das teses
que defendeu no debate no atinente à legislatura que está prestes a findar, bem
como da sustentabilidade das suas projeções para o futuro ou se o PSD,
fraturado e anaguado como está, e o CDS com as suas ambições, convencerão os eleitores
a mudar o atual estado da República.
O povo é soberano e tem nas mãos como trunfo o boletim de voto!
2019.07.10 –
Louro de Carvalho
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