quinta-feira, 11 de julho de 2019

No debate do Estado da Nação, a atual maioria está aberta à renovação


A 3 meses das legislativas, os partidos da esquerda dão pistas para os próximos 4 anos, enquanto PSD e CDS disputam eleitorado empresarial com anúncio de alívio no IRC. Assim, com as atenções voltadas para os serviços públicos, impostos e maioria absoluta, inaugurou informalmente a campanha eleitoral na Casa da Democracia.
O debate era sobre o Estado da Nação, era de balanço, mas houve momentos em que se anteviu PS, BE, PCP e Verdes a posicionarem-se para o período subsequente às eleições legislativas de 6 de outubro. Não houve juras de amor como outrora, pois esta relação passou por várias fricções e até desavenças, mas as portas mantêm-se abertas para nova edição de entendimento. O PS não sabe de quem precisará para formar governo e os partidos à sua esquerda fazem valer o seu peso num cenário em que as sondagens dão a vitória aos socialistas, mas sem maioria.
O tom foi dado logo no arranque do debate, que durou um pouco mais de 4 horas. António Costa, sabendo que os resultados de outubro podem ditar a necessidade de novos acordos, começou por “saudar” elogiosamente o Bloco de Esquerda, o PCP e os Verdes “por terem ousado derrubar um muro anacrónico” que até 2015 impediu acordos à esquerda. Foram, pois, estes que ajudaram o PS a fazer “outro caminho”, que não agradou sempre, mas do qual ninguém quis sair. BE aponta baterias à maioria absoluta dos socialistas e PCP diz que se podia ter ido mais longe, enquanto a direita faz retrato negro do país e põe propostas em cima da mesa.
Dum extremo parlamentar ao outro já se limpam armas para a campanha eleitoral que se avizinha e sobressaiu o duelo em que se destacou Bloco de Esquerda versus PS.
Catarina Martins, Jerónimo de Sousa e Heloísa Apolónia também elogiaram a solução governativa que alimentaram nestes 4 anos e que permitiu afastar do poder os partidos da direita. Catarina Martins, com quem António Costa tem travado os diálogos mais azedos, disse que, nas condições de 2015, faria tudo na mesma, ou seja, “voltaria a assinar os acordos” de convergência que em 2015 possibilitaram esta solução. E António Costa disse que assume “todo o ativo e todo o passivo da governação”; respondeu ao PCP de Jerónimo de Sousa que, “enquanto há caminho, devemos caminhar”; e, no frente a frente com os Verdes, tentou convencer Heloísa Apolónia de que o “bem inestimável” que chamou à boa governação financeira, e que já não é um trunfo da direita, “está creditado à senhora deputada”.
As portas ficaram abertas, mas o debate do Estado da Nação foi aproveitado pelos partidos para deixar alguns recados. E o Primeiro-Ministro, que não abandona o slogan das contas certas, disse ao líder comunista que, se houver caminho para fazer, tem de ser o caminho certo, “sem atalhos que metam Portugal em trabalhos”.
Carlos César, líder parlamentar do PS, sintetizou dizendo que “o PS não se deixou levar por facilitismos que deitariam tudo a perder”. E, nesta matéria, enviou uma indireta a Rui Rio, o líder do PSD que, por não ser deputado, não estava presente na sala do plenário, dizendo ao também deputado do PS João Paulo Correia “Convém agora não lhes dar ouvidos”, a comentar o facto de, há 5 dias, o presidente do PSD ter apresentado as suas primeiras ideias para as legislativas: descida de impostos no valor de 3,7 mil milhões de euros no que toca ao IRC, ao IRS, ao IVA no gás e eletricidade; e eliminação do “imposto Mortágua”.
Costa admitira à Renascença que o PS, se vencer a ida às urnas, continuará a baixa de impostos, mas sem especificar. Cedeu à tentação, pois aduziu que, afinal, foi a redução do défice, o aumento do saldo primário e a diminuição do rácio da dívida pública que permitiram “poupar 2.000 milhões de euros”, que serviram para baixar o IRS e investir mais.
***
Catarina Martins, em termos de debate, assestou baterias ao PS, assacando ao Executivo a responsabilidade pelo que correu mal:
O Programa do Governo não foi só do PS. O PS queria congelar pensões e prestações sociais. O acordo com o BE ditou o fim de corte de ordenados e subida de salário mínimo nacional (…) O Governo falhou nas áreas em que os acordos foram menos concretos, no investimento do Estado, no empobrecimento nas áreas, da Saúde e da Educação.”.
Porem, a líder bloquista não ficou sem resposta do Primeiro-Ministro, que adensou o tom:
A pior coisa que podíamos fazer era entender que tudo o que é bom dependeu de cada um de nós, e tudo o que é mau ficou a dever-se aos outros. (…) Isso é muito injusto para o PEV, para o PCP, é muito injusto até para o PS. (…) Temos que assumir por inteiro o passivo e o ativo desta legislatura (…) Fomos mais longe do que tínhamos previsto e mais longe do que os nossos parceiros queriam porque gerimos bem.”.
Como era expectável, as respostas de Costa ao BE tiveram o respaldo da bancada socialista, que fazia questão de aplaudir os remoques do líder do Executivo ao BE.
Catarina Martins, que apontou a seta à ambicionada maioria absoluta do PS, não podia ser mais clara: Não podemos voltar à política das maiorias absolutas que nos perderam. E questionou, numa referência às declarações de Carlos César, líder parlamentar do PS, que recentemente pediu mais força para o PS, para prosseguir um caminho “sem bloqueios, constantes dificuldades, sem inércias”: “Que bloqueios incomodam o PS”?
A líder bloquista, que elegeu os serviços públicos como “o maior desafio da próxima legislatura”, sinalizou que, se houver necessidade de fazer um novo acordo com o PS, não se esquecerá de detalhar tudo o que quer ver feito, pois, dando como exemplo o investimento público, disse que “o Governo falhou nas áreas onde os acordos foram menos concretos”. E foi com o BE que aconteceu à esquerda o ambiente mais tenso, por exemplo, quando o seu líder parlamentar disse que os anseios de uma maioria absoluta são apenas para regressar ao programa do PS, ao que António Costa retorquiu que esta solução não existia sem o PS.
O PCP corporizou uma discussão mais cordial e menos centrada em despiques eleitorais. Jerónimo de Sousa não se afastou do discurso habitual dos comunistas: nos últimos 4 anos foram dados passos positivos, suscitados ou com o contributo decisivo do PCP, mas muito mais poderia ter sido feito. E, se tal não sucedeu, foi porque o Governo foi mais “papista que o Papa” no défice. O líder, por duas vezes, e, mais tarde, a deputada Rita Rato, não deixaram em branco a questão das leis laborais, numa altura em que está ainda a votos a proposta de lei do Governo que traduz o acordo firmado, o ano passado, na Concertação Social.Era possível ir mais longe, ficaram problemas por resolver e expectativas por concretizar”, sublinhou Jerónimo de Sousa, destacando que o PS insiste em manter um quadro degradado de direitos laborais”.
Jerónimo de Sousa quer o desvio do excedente orçamental para o investimento público, nomeadamente na saúde e transportes. E propôs um aumento do salário mínimo para os 850 euros (face aos atuais 600 euros) e aumento de 40 euros nas reformas na próxima legislatura.
Heloísa Apolónia insistiu na ideia de que o Governo tem estado demasiado concentrado nas finanças públicas, assegurando que “os portugueses trocariam certamente umas décimas no défice por medidas que melhorassem as suas vidas”.
O Primeiro-Ministro, que nem se aproximou do tom ríspido que usou com o BE, considerou: 
Enquanto há caminho continuemos a caminhar. Quem se mete por atalhos mete-se em trabalhos.”. 
E, no atinente às leis laborais, a resposta ficou bem longe da visão e pretensões de PCP e PEV:
É a primeira desde 1976, que aprovamos uma legislação que não comprime os direitos dos trabalhadores”.
À direita, o PSD foi o mais contundente nas críticas ao Governo. Não houve uma reforma digna desse nome” nesta legislatura, acusou Fernando Negrão, apontando “o estado calamitoso em que o Governo deixou os serviços públicos”, a par de uma “carga fiscal absolutamente asfixiante”.
Afirmando que o Executivo “governa em permanente modo de reality show”, o líder parlamentar socialdemocrata diria que “há excesso de confiança” nas hostes socialistas e adiantou que pode haver “uma surpresa” nas próximas legislativas: “O PSD ganhará as eleições”.
Além das críticas ao Governo, Negrão içou a bandeira da redução dos impostos, prometida pelo líder do seu partido, bem como a recuperação dos serviços públicos mediante o aumento do investimento público.
Da bancada do PS, o ex-Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Fernando Rocha Andrade, contrapôs aos sociais-democratas:
Nunca sabemos que PSD vai aparecer: O que critica os aumentos na despesa corrente do Estado ou o que critica os cortes na despesa corrente do Estado?”.
Muito longe dos ataques ferozes à política da maioria de esquerda, embora ainda com críticas à governação, a líder do CDS centrou quase toda a sua intervenção nas propostas que o seu partido fez durante a legislatura e as que promoverá no programa eleitoral. Assunção Cristas fez mesmo o anúncio em plenário de que se vai bater pela descida do IRS, mas sobretudo para que o IRC, o imposto aplicado às empresas, desça em 6 anos para os 12,5%.
A medida de descida da taxa do IRC para 12,5%, que Assunção Cristas anunciou incluir no programa eleitoral dos centristas, é uma medida bem mais audaz e apetitosa para as empresas do que anunciada pelo líder do PSD, Rui Rio, há cinco dias.
Assunção quis ainda lançar uma farpa ao PSD, assumindo que o CDS fez durante quatro anos, “quase sozinho” as despesas de oposição ao governo. Ou seja, indiretamente lembrava que Rui Rio, o líder do PSD, esteve sempre mais disposto a entender-se com os socialistas, em particular nos acordos que celebrou para a descentralização e fundos europeus.
Em comum, PSD e CDS centraram as críticas ao Governo na situação dos serviços públicos. “Não cumpriu”, disse o socialdemocrata Leitão Amaro. “É excelente a anunciar, mas “é péssimo a fazer”, atirou o centrista Nuno Magalhães. Porém, o líder parlamentar laranja chegou a prometer que o PSD vencerá as legislativas marcadas para daqui a menos de três meses.
Entretanto e para já, a guerra parece aquecer entre PSD e CDS. O CDS tem andado a anunciar quase semanalmente medidas a incluir no programa eleitoral. Já anunciou 5 medidas. Na última semana foi a vez do PSD. Agora Assunção Cristas quis ultrapassar Rio e, se este prometeu uma redução da taxa de IRC para 17%, Assunção prometeu a redução para 12,5%, o mesmo nível a que chegaria no acordo assinado entre Passos e Seguro e que foi travado por António Costa. O CDS avança com a proposta de pôr o IRC a 12,5% em 6 anos, o nível de taxa de IRC praticado na Irlanda, quando em Portugal as empresas pagam uma taxa de 21%.
***
Costa abriu o debate com a exposição das medidas tomadas na legislatura, mas assinalou:
Não quero ser mal entendido. Não vivemos num oásis, num país cor-de-rosa. O balanço positivo destes quatro anos não nos permite esquecer os problemas que existem.”.
Mas foi muito mais de balanço positivo que de problemas que foi feito todo o discurso do Governo e do PS, o que viria também a ser notório no discurso do líder parlamentar socialista.
Assim, Carlos César, na sua intervenção de fundo, deixou claro que não haverá cedências dos socialistas quanto às parcerias público-privadas na Saúde, ao destacar a importância da “colaboração da iniciativa privada” e com “prioridade em áreas cuja exaustão é mais notória, seja na Saúde, seja noutros setores”. Ou seja, no subtexto pode ler-se que as PPP não vão ser proibidas na Saúde ou que a Lei de Bases da Saúde vai ficar pelo caminho.
O Governo também aproveitou o debate do Estado da Nação para fazer um anúncio, com o Ministro do Trabalho, José Vieira da Silva, a garantir um reforço do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, de 1,3 mil milhões de euros, até final do ano.
Já o Ministro das Finanças encerrou o debate também com uma saudação à maioria de esquerda, mas imputando ao Governo o que diz serem os méritos desta legislatura: melhores serviços públicos, mais investimento e descida dos números do desemprego. 
Mário Centeno, a olhar para os próximos tempos, resumiu a mensagem do Governo e deixou avisos aos partidos, à direita e à esquerda, para que não se entre agora em “leilões de promessas eleitorais. Advertindo que daqui em diante é preciso continuar vigilante, assegurou:
Esta foi a legislatura da confiança, do emprego e das contas certas. (…) As alternativas têm de ser claras para serem credíveis. Não entremos em leilões eleitorais. Isso foi a política do passado.”.
É um recado que serve para o PSD e para o CDS, que têm estado muito ativos na última semana em promessas com impacto orçamental, mas que não exclui PS, BE, PCP e Verdes, que estão a ultimar os programas que levam às urnas em outubro.
Centeno acabou a citar o histórico socialista Manuel Alegre, recebendo no final a maior ovação da tarde da bancada socialista. E, ao contrário da habitual contenção dos membros do Governo face aos aplausos, Centeno manteve-se em pé durante uns momentos a agradecer e até fez uma ligeira vénia aos deputados socialistas.
***
“Confiança” foi a palavra que António Costa disse a cada dois minutos no discurso inicial do debate Estado da Nação repetiu-a 14 vezes, se tivermos em conta o texto escrito do discurso.
Costa tinha 40 minutos para falar, mas só usou 25. Ou seja, em média, o Primeiro-Ministro puxou da “confiança” a cada dois minutos. Numa das ocasiões, disse que “a previsibilidade nas políticas foi, durante os últimos quatro anos, um dos fatores centrais de confiança”. Minutos depois, afirmava que a legislatura possibilitou “a recuperação da confiança” do país. Mais tarde, rematou: A confiança no futuro da economia é o melhor antídoto contra a precariedade”.
Apesar de “confiança” ser a palavra mais comum entre as 2.382 que o chefe do Governo proferiu, nem só de “confiança” se fez este discurso. “Emprego” apareceu uma dezena de vezes no arranque do Estado da Nação, assim como “crescimento” ou “investimento” – o que não surpreende, tendo em conta que o crescimento económico e o investimento público são dois dos temas políticos mais quentes com presença marcada na edição deste ano do debate sobre o Estado da Nação. E António Costa considerou que este é o debate do balanço da legislatura e defendeu que “a maioria provou ser estável ao longo da legislatura”, cumprindo “integralmente” os compromissos assumidos.
***
Veremos se o PS convencerá o eleitorado da verdade e probidade das teses que defendeu no debate no atinente à legislatura que está prestes a findar, bem como da sustentabilidade das suas projeções para o futuro ou se o PSD, fraturado e anaguado como está, e o CDS com as suas ambições, convencerão os eleitores a mudar o atual estado da República.
O povo é soberano e tem nas mãos como trunfo o boletim de voto!
2019.07.10 – Louro de Carvalho

Sem comentários:

Enviar um comentário