quarta-feira, 17 de julho de 2019

Ensinam também quando estão em greve e quando morrem em serviço


Nas “palavras cruzadas” da revista do Expresso do passado dia 13 de julho, o primeiro tópico na horizontal é Ensinam quando não estão em greve”, cuja chave é obviamente “professores”.
Convenhamos que, após os ataques aos professores surgidos de tantos setores da nossa sociedade, à cabeça dos quais vêm os sucessivos governos desde o de Durão Barroso, sendo que o atual até encontrou neles pretexto para desferir uma crise política vergonhosamente anulada pelos partidos que pontificaram no Governo anterior, a alfinetada do autor do passatempo acima referenciado passaria supostamente despercebida. Ou melhor, só as pessoas muito inteligentes se aperceberiam de que a luta contra os professores – que alegadamente ganham bem e saem cedo, até porque muitos dizem saber como funciona a escola porque também deram aulas (Sabe Deus como e porque não sabiam fazer mais nada: e a escola não era o que é hoje, mas disto não sabem) – se mantém, embora em banho-maria, já que eles não podem sugar a sociedade e arrastar consigo as outras classes profissionais. Porém, os professores, que também são inteligentes, deram conta e não deixam que lhes comam o caldo na careca e denunciam o labéu, que, dado ocupar o primeiro lugar na peça “passatempista”, funcionou como o lead ou parágrafo-guia de texto noticioso, que toda a gente lê e entende. Isso não configura a liberdade de expressão: é insulto!
Assim, a Fenprof (Federação Nacional dos Professores), fazendo-se eco das múltiplas queixas que lhe chegaram, veio interpretar tal expressão como reveladora de “uma enorme falta de respeito para com os docentes e a Escola portuguesa” e declara enfaticamente (como é necessário e era de esperar) que a “ausência de um pedido de desculpas seria indesculpável!”. Por outro lado, interpreta, com toda a razão, que a insinuação pretende, “inegavelmente, transmitir a ideia de que os professores estão sempre em greve, ficando as sobras para ensinar”.
Sabe aquela organização sindical que Portugal, apesar de ser dos países “que menos investem na Educação, com a percentagem do PIB que lhe é destinada muito abaixo do que relatórios de organizações internacionais dizem ser o adequado”, considerando “esse baixo investimento”, é “um dos que apresenta melhores resultados dos seus alunos, para os quais os docentes foram determinantes”, muito embora alguns atribuam quase em exclusivo os mérito dos resultados às políticas educativas, às lideranças, aos pais, esquecendo o trabalho dos professores e da escola, mas a quem assacam tantas vezes a responsabilidade pelo insucesso.
Se falarmos de inteligência e capacidades, a Fenprof proclama que “os professores portugueses são dos docentes, em todo o mundo, mais qualificados e os relatórios mais recentes que têm sido publicados tornam claro que, apesar das condições de trabalho em que exercem a sua profissão e do desrespeito que sucessivos governos têm tido para com estes profissionais, Portugal tem sido dos países que mais evoluíram em aspetos como o do combate ao insucesso e ao abandono escolares”. E estriba o seu juízo de valor num importante tópico de avaliação da qualidade de ensino entre nós, “a procura externa de profissionais altamente qualificados em áreas fundamentais para o desenvolvimento dos países, que o nosso país não valoriza”. 
A razão por que a Fenprof exige, “veementemente, um pedido de desculpas aos professores portugueses” é que “estes são profissionais que colocam o melhor de si na sua atividade profissional, com rigor, exigência e resultados que não podem deixar de ser valorizados”. 
Reiterando que “os Professores portugueses têm, legitimamente, lutado pelos seus direitos que são também os da Escola”, esclarece que “o recurso à greve não é feito sem prejuízos dos próprios professores”, que perdem, nesses dias, o vencimento, que lhes faz falta, e continuam com a responsabilidade pelo cumprimento dos programas, sendo que, no âmbito dos cursos profissionais, compensam as aulas perdidas com aulas dadas mais tarde. Não obstante, a greve, como diz a Fenprof “é também um recurso a que têm direito e de que não abdicarão, apesar das pressões, essas sim, ilegítimas, que sobre eles possam ser exercidas”. Mais adianta que “os docentes, quando fazem greve, quando lutam pela valorização do seu trabalho e da sua condição profissional, também ensinam, dando importantes lições de cidadania”.
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No entanto, respondendo ao “artista” do Expresso, devo dizer que formalmente não é só quando estão em greve que os professores não ensinam. É também quando estão doentes, dormem, estão de férias, ficam em casa a cuidar da saúde dos filhos, ou quando lhes morrem familiares, quando vão ao médico ou fazem exames complementares de diagnóstico, quando faltam para cumprimento de obrigações legais, para frequentar ações de formação ou por motivos não imputáveis ao funcionário, quando estão aposentados ou depois de rescisão por mútuo acordo.
Se alinhar com a Fenprof – e não tenho motivos para não alinhar – devo dizer que os professores não só ensinam em tempo de greve dando lições de cidadania e direitos humanos, como também ensinam quando morrem em serviço dando lições de vida, mostrando dedicação ao serviço público e dando a entender a desfaçatez da sobrecarga de trabalhos com que são inexoravelmente prendados.
E não deixa de ser pertinente o pedido que esta lutadora estrutura sindical faz ao MP (Ministério Público) para que investigue a morte de três professores em trabalho e o facto de ter vindo a terreiro declarar que é “indispensável que os partidos clarifiquem, desde já, as suas posições para a próxima legislatura”, pelo que a predita organização sindical lhes enviará diversas perguntas cujas respostas serão divulgadas junto dos professores durante o mês de setembro.
Na verdade, o secretário-geral disse hoje, dia 16, no Porto, que solicitará ao MP que averigúe as causas da morte de três professores enquanto trabalhavam, nos últimos meses, sublinhando:
Quando as coincidências são muitas, podem, de facto, não ser coincidências, e nós temos de saber disso. Iremos pedir ao MP que averigúe e tiraremos as conclusões. Há uma coisa que é verdade, os professores estão exaustos. Há um estudo que diz que mais de 70% dos professores apresentam níveis elevados de burnout.”.
Mário Nogueira falava numa conferência de imprensa destinada a fazer a avaliação do ano letivo, o balanço da legislatura e a perspetivação do futuro. Aí referiu o caso duma professora, de Manteigas, que, “em plena sala de aula, fulminantemente, caiu para o lado”. E, apontando o caso de uma outra do Fundão, vincou:
Pode ser coincidência ou não, mas essa professora era titular de todas as turmas do 7.º ao 12.º ano de inglês, seis níveis diferentes de preparação de aulas diariamente. (…) Estava a corrigir 60 provas aferidas, a lançar as notas dos seus alunos e a fazer vigilâncias de exames. Aparece morta em cima do teclado do computador em pleno lançamento das notas.”.
Um terceiro caso ocorreu num agrupamento de Odivelas:
O professor enviou por e-mail, cerca da 1 hora, os dados pedidos pela escola. No outro dia não apareceu, a medicina legal concluiu que teria morrido por essa hora.”.
E, mencionando uma escola do distrito de Braga que, “a propósito da implementação do regime de educação inclusiva, realizou 56 reuniões ao longo do ano”, Nogueira considerou:
Há uma coisa que é verdade, os professores estão exaustos e chegam ao final do ano, às vezes ao final do primeiro período, já completamente cansados, já muito desgastados”.
Dizendo que “isto é uma coisa absolutamente absurda”, frisou:
Os professores estão completamente massacrados com todo um trabalho burocrático. É uma coisa curiosa, num ano letivo em que há estudos que indicam que os professores estão numa situação de desgaste, de burnout e de exaustão emocional, como nunca, com 24% dos professores em situação grave de burnout que estas mortes aconteçam.”.
Assegurando que os professores têm de estar disponíveis para os alunos, mas que estão sobrecarregados com projetos, reuniões e outras tarefas que nada têm a ver com o trabalho com alunos”, observou:
O mínimo que se deve fazer é perceber se é uma coincidência. Iremos solicitar que se averigúe através dos exames da medicina legal e tentar perceber se houve ou não sobrecarga destas colegas que literalmente morrem a trabalhar.”.
E Nogueira acrescentou que “é bom que se perceba se tem a ver com o excesso de trabalho a que estavam sujeitos” estes colegas e “é bom que se ponha cobro a isso”, pois, “podemos estar a chegar a situações-limite”.
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No atinente ao desempenho dos governantes em relação à educação, à escola pública e aos professores e educadores, o dirigente da Fenprof fez uma avaliação negativa, discorrendo:
A Fenprof “avalia negativamente o resultado final de quatro anos de subfinanciamento da educação, assim como a ação do Ministério no que respeita à sua relação com os professores e educadores, que fica marcada por desrespeito e abusos. Finalmente, por ausências repetidas e consequente falta de elementos de avaliação, o Ministro da Educação chumba por faltas. É o que acontece a quem foge à escola para andar atrás da bola.”.
É elucidativa e acutilante a comparação latente das ausências do Ministro nos assuntos mais graves com os miúdos que fogem às aulas para jogarem a bola e é premente o desafio lançado aos partidos no sentido de clarificarem o que pensam para a próxima legislatura respondendo às perguntas que Fenprof lhes vai enviar.
Aquela estrutura sindical irá promover uma iniciativa a 2 de Setembro em defesa do rejuvenescimento da profissão docente e lançará um abaixo-assinado a repor os principais objetivos de luta dos docentes para o ano lectivo 2019/2020. Isto, além da manifestação nacional em Lisboa marcada para 5 de Outubro para assinalar o Dia Mundial do Professor.
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É de recordar que, a 19 de outubro do ano passado, Samuel Silva dava conta do estudo intitulado “Inquérito Nacional sobre as Condições de Vida e Trabalho na Educação em Portugal”, da FCSH (Faculdade de Ciências Sociais e Humanas) da UNL (Universidade Nova de Lisboa), encomendado pela Fenprof e apresentado no II Encontro Internacional sobre o Desgaste na Profissão Docente, em Lisboa, que revela dados demonstrativos da grave situação dos professores. Assim, mais de 20 mil professores acham que consomem medicação a mais; também 9000 docentes revelam estar preocupados com o seu consumo de álcool ou drogas; alguns docentes usam estas substâncias como doping para conseguirem aguentar o ritmo de trabalho e as exigências da organização das escolas.
Num universo de 145,549 professores que estavam ao serviço em 2016 (é este o valor de referência usado pelo estudo), são 18,7% dos professores os que se preocupam com o seu consumo de, pelo menos, uma destas substâncias: medicamentos, álcool e drogas. Destes, a maioria (correspondente a 15,4% dos docentes) mostra inquietação face ao consumo de medicação. Outros 3,2% dos docentes (cerca de 4600) mostram preocupação com o seu consumo de drogas, a mesma percentagem é a dos que revelam poder estar a consumir álcool a mais. E cerca de 3% apresentam consumos combinados de álcool, droga e medicamentos.
Os dados apresentados correspondem a autoperceções, ou seja, os professores revelavam a sua própria perceção dos seus consumos, não havendo uma caraterização médica que permitisse perceber se estes são ou não excessivos e se há casos de dependências. O estudo apresentava uma margem de erro de apenas 0,5% e uma confiança nos seus resultados de 99%. Foram inquiridos quase 16 mil docentes. Medicamentos, drogas e álcool eram considerados não como substâncias associadas a consumos recreativos, mas enquanto doping. E Raquel Varela investigadora da UNL e coordenadora do projeto esclarecia que “estas substâncias são usadas pelos professores para conseguirem acompanhar os ritmos de trabalho e a forma como se organiza o trabalho” e que os resultados mostram que há uma “percentagem elevada” de professores que estão a trabalhar “muito doentes”.
Perante esta situação, António Leuschner, psiquiatra e presidente do CNSM (Conselho Nacional de Saúde Mental), alertava para a necessidade de se “olhar com muito cuidado para estes dados”, evitando extrapolações, já que o estudo não identifica o tipo de medicação que os professores consideram que estão a tomar em excesso, sendo “muito diferente” falar-se de psicofármacos ou de analgésicos. Mesmo assim, admite que uma parte dos docentes possa, de facto, tomar antidepressivos em excesso à semelhança do que sucede com a generalidade dos portugueses.
Segundo a Fenprof, aquele estudo da UNL mostra também que 47,8% dos professores (quase metade) revela sinais no mínimo preocupantes de exaustão emocional: 20,6% mostram sinais “preocupantes”; 15,6%, “sinais críticos”; e 11,6%, “sinais extremos” de esgotamento.
Os investigadores cruzaram estes indicadores com os do consumo de álcool, drogas ou medicamentos e encontraram relação de “fortíssima dependência” entre as duas variáveis. Ou seja, os professores em situação de esgotamento emocional extremo são os que se revelam mais preocupados com os seus níveis de consumo. E Raquel Varela referia que, embora o estudo mostre que os níveis de exaustão nos professores portugueses são superiores aos da generalidade dos países com que é feita uma comparação, o recurso a medicamentos, álcool e drogas como doping tem indicadores “muito semelhantes” aos encontrados em outros países.
Para a Fenprof, o estudo prova que o problema é de organização do trabalho. Em comunicado, a organização sindical refere que “o afastamento entre as expectativas dos docentes e a realidade do exercício da sua profissão é a principal causa dos problemas diagnosticados”.
Por outro lado, a Fenprof apresentou a investigação da UNL como “um instrumento valioso de intervenção e ação”, facto a que o Ministério da Educação não quis fazer comentários. Segundo o estudo, 42,5% dos professores não estão realizados profissionalmente. Essa é uma das três dimensões que permitem caracterizar uma situação de burnout. As outras duas são a exaustão emocional e a sensação de despersonalização (que se observa quando o profissional que trabalha com pessoas começa a encará-las como “coisas”). Esta última aparece com uma prevalência muito baixa entre os professores (7,6%). Ademais, o estudo mostra estreita correlação entre o esgotamento dos professores e a vontade de encurtarem as respetivas carreiras. Quase 70% dos docentes mostraram vontade “muito elevada” de aposentação antecipada. E, se acrescentarmos os que demonstram vontade “elevada” de deixarem de trabalhar mais cedo, o valor sobe para 84,2%. São “praticamente todos” (sublinham os investigadores). Apenas 2,4% têm vontade “muito baixa” de se aposentarem mais cedo. No mesmo sentido, 94,8% dos professores mostram-se favoráveis à existência de alterações legais no regime de reforma da profissão.
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Até quando, os decisores políticos ficarão cegos e surdos perante estas dramáticas evidências? Até quando o Ministério da Educação tem um mínimo de cuidado com a saúde e a segurança dos seus professores e dos demais trabalhadores que tutela? Tutela (do verbo latino “tueri) não significa defesa, proteção, apoio, guarda?
2019.07.16 – Louro de Carvalho

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