quarta-feira, 24 de julho de 2019

Novas tecnologias ao serviço do conhecimento


Segundo conta o “educare.pt”, a UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) pôs a sua atenção no Colégio Monte Flor, em Carnaxide, escola privada do 1.º Ciclo do Ensino Básico, fundada em 1973, que se tornou estudo de caso e exemplo internacional. Com efeito, os alunos estão no centro de tudo e dispõem dos recursos digitais como uma ferramenta importante para conhecer e entender o mundo, para aumentar o conhecimento.
Neste sentido, aquele colégio português, constituído em referência internacional na utilização dos recursos tecnológicos na aprendizagem das crianças, defende e propõe uma aprendizagem individualizada, pois sabe que cada aluno tem talentos que devem ser valorizados, e integra as novas tecnologias nas aprendizagens diárias.  
A este respeito, o seu diretor pedagógico, Rui Lima, refere que o grande desafio não é ter alunos excecionais na utilização das tecnologias, mas alunos criativos e colaborativos, com espírito crítico, capazes de resolverem problemas reais. E faz um balanço altamente positivo ao dizer:
O processo de incorporação das novas tecnologias na aprendizagem já está amplamente disseminado em toda a comunidade educativa e apresenta uma maturidade que permite a inclusão das mesmas na generalidade das atividades desenvolvidas. Alunos, professores e encarregados veem a sua utilização como algo extremamente positivo e estas são encaradas por todos como uma ferramenta essencial à implementação de projetos e na aquisição de conhecimento e competências para o futuro”. 
O Colégio tem um historial de implementação de dinâmicas que envolvem o recurso às novas tecnologias educativas e a abordagens ativas no processo de aprendizagem, no quadro duma cultura escolar concretizada na forma de pensar, de estar e de agir dos diversos intervenientes no processo educativo, com a mira na adequada resposta da abordagem pedagógica à diversidade de talentos, capacidades e ritmos de aprendizagem. E o mundo digital não fica à porta, ao invés, faz parte integrante do processo educativo enformando a aprendizagem e, por conseguinte, alguns dos instrumentos de avaliação. Não obstante, o domínio das tecnologias não é um fim educativo, mas um meio para tornar os alunos “mais capazes e preparados para um mundo que pula e avança muito rapidamente”. 
Rui Lima sustenta a inconcebibilidade a ideia de ‘One Size Fits All’, “na medida em que cada ser humano evidencia caraterísticas muito peculiares, tanto no atinente às “suas habilidades” como “na forma de se relacionar com os outros e com o mundo e evidenciando até diferentes estilos de aprendizagem”. Na verdade, uma abordagem única para todos os casos não permitirá alcançar os objetivos pretendidos; não existe apenas um método correto nem uma solução adaptável a todas as situações, uma resposta cabal para todas as questões, necessidades e anseios; as respostas iguais para todos não servem de nada. Ao invés, a ‘Orga Systems’ fornece soluções que transcendem a abordagem do tamanho único e traz agilidade e dinamismo aos processos humanos. Assim, no horário semanal, há uma hora de tarefa para cada aluno por dia, com proposta de atividades individuais geridas pelas crianças que definem em que dia da semana as realizará cada uma delas, na lógica do “aprender a qualquer hora, aprender em qualquer lugar”. E o diretor pedagógico sublinha:
O caminho da Escola tem de ser este, em que o professor não pode querer que todos realizem as mesmas tarefas ao mesmo tempo e que aprendam todos ao mesmo ritmo. A escola tem de disponibilizar ferramentas de aprendizagem que permitam aos alunos a aquisição de conhecimentos ao seu próprio ritmo, mas desafiando-os a desenvolverem projetos onde esses conhecimentos possam ser aplicados.”. 
Considerando que as crianças de hoje – os chamados nativos digitais – estiveram, estão e estarão constantemente rodeadas de tecnologia, sabemos que afastá-las desse mundo é retirá-las do mundo em que vivem e isso não resulta. Não obstante, Rui Lima adverte para uma ideia feita não correspondente à realidade, discorrendo:
Também há uma ideia, quanto a mim errada, de que os alunos dominam todas estas ferramentas digitais. Isso não é verdade, apesar de haver, de facto, uma enorme facilidade por parte das crianças em assimilarem a forma de utilizar os dispositivos. Mas dominar os dispositivos não significa dominar as ferramentas. É necessário os alunos saberem como utilizar os tais dispositivos para a realização de tarefas do dia-a-dia, ou para promoveram a sua aprendizagem e aumentarem a sua produtividade.”. 
De facto, como algumas vezes me foi dado observar, as crianças e adolescentes sabem mexer na ferramentas digitais devido à curiosidade, que leva a mexer, ao proveito que podem tirar do seu usufruto e do entretenimento que possa resultar da sua utilização. Assim, na maior parte dos casos, os apetrechos servem para conversação, jogos, envio de mensagens de conteúdo e forma bem criticáveis, ouvir música. Mas só em casos raros é que os preditos utilizadores, mesmo alunos de informática, resolvem situações complexas a pedido de adultos. E estão à vontade, porque, se estragarem material, o encarregado de educação manda arranjar e paga. É óbvio que há exceções e alguns dominam as ferramentas e até fazem programação.     
Por isso, é pertinente que os alunos saibam que ferramentas usar para resolver determinado problema ou para a criação dum determinado produto. Têm de estar preparados para transitarem rapidamente duma tecnologia para outra mais avançada. E devem ser “capazes de refletir acerca do impacto destas tecnologias e da permanente mudança nas nossas vidas e na sociedade, contribuindo individual ou colaborativamente para um mundo melhor” diz Rui Lima vinca:
No fundo, o desafio não é ter alunos excecionais na utilização da tecnologia, mas sim ter alunos criativos e colaborativos, capazes de revelarem espírito crítico, adaptabilidade, capacidade de resolução de problemas reais e conscientes de que a tecnologia desempenha um papel muito importante nas nossas vidas”.
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Há efetivamente o risco de considerar as novas tecnologias como um fim em si mesmas e não meios adequados e úteis para atingir os nossos objetivos, designadamente os respeitantes ao conhecimento e, neste âmbito, ao saber ser, ao saber estar, ao saber fazer, à acumulação dos saberes teóricos, práticos e teórico-práticos, à atitude crítica e cooperante, ao desenvolvimento de capacidades, competências e habilidades. Sempre assim sucedeu. Por exemplo, sempre se considerava, na ótica de alguns, mais importante passar a escrever no caderno de uma linha ou no caderno diário do que o teor do que se escrevia; sempre se pensou mais importante saber ler e escrever (fazer ditado, cópia…) do que ter em conta os conteúdos. E sempre se considerou como o melhor e quase único, para uns, o método global da leitura e, para outros, o método analítico.         
Assim, também hoje mal se sabe escrever a lápis e caneta ou desenhar à mão – com mesa, papel, lápis, régua, carro e candeeiro. O computador, com programas de escrita, cor, posições, desenho e audiovisual, serve para tudo e tudo substitui. Até usamos a assinatura digital!  
Ora, as tecnologias são uma poderosa ferramenta na Educação do século XXI. Automação, inteligência artificial, nanotecnologia, são conceitos que fazem parte da linguagem corrente, já não são inacessíveis ou fechados num mundo de ficção científica. Muito se mudou no mundo.
O referido diretor pedagógico defende que é preciso acordar para esta realidade, sustentando:
A Escola não pode permanecer fechada em si mesma, agarrada a um modelo que se baseia única e exclusivamente na transmissão e memorização de conhecimentos. O conhecimento continua a ser extremamente importante, mas devemos desafiar os alunos a utilizarem a tecnologia para investigarem, para resolverem problemas, para criarem produtos finais de um determinado projeto.”.
O Colégio escolheu várias ferramentas de trabalho que incorpora no dia-a-dia da aprendizagem. A utilização do OneNote e da Escola Virtual permitem, por um lado, partilhar com os alunos recursos que se ajustem às suas caraterísticas e capacidades, garantindo também uma maior autonomia no processo de aprendizagem. A utilização, por exemplo, dum bloco de notas digital possibilita a exploração de diferentes recursos, uns mais interativos, outros menos, cabendo ao aluno a decisão de explorar os que se ajustem melhor ao seu estilo de aprendizagem. E a utilização duma plataforma como a Escola Virtual faculta ao aluno um maior nível de autonomia, podendo aprender os vários conteúdos de forma independente, com recursos apelativos, bem como permite ao professor a avaliação e a monitorização das aprendizagens que o aluno está a fazer. 
Parece não se aplicar ao Colégio em referência o aforismo “primeiro estranha-se e depois entranha-se”, como não se aplica em relação à utilização das tecnologias, muito menos na utilização de abordagens pedagógicas mais centradas no aluno.
A este respeito, deve dizer-se que Maria Albertina Vidal, fundadora do Colégio, há 46 anos, tinha já uma visão voltada para a inovação, para a mudança e para a permanente articulação da escola com o mundo. Na verdade, como confessa, o processo de inovação acontece com naturalidade. E Susana Vidal, diretora do Colégio, diz, com regularidade, que são sempre as pessoas que podem diferenciar a escola, não a utilização da tecnologia ou as metodologias inovadoras. Com efeito, o que faz a diferença é a existência generalizada de alunos empenhados, pais participativos, professores e auxiliares dispostos a fazer sempre melhor.
O mundo está em permanente mudança, está cada vez mais tecnológico, está cada vez mais digital. As competências nesse campo são hoje fundamentais e a escola não pode ignorar essa realidade. E Rui Lima conclui:
Tendo a Escola como uma das suas principais funções a preparação para a vida ativa na sociedade, manter a criança afastada da tecnologia durante o tempo em que está na escola é, usando um termo também ele muito tecnológico, desconectar a criança do mundo real. No entanto, trabalhar com as novas tecnologias não significa colocar as tecnologias no centro de todo o processo, mas sim usá-las como poderosa ferramenta de auxílio aprendizagem. E é precisamente esta distinção que é preciso fazer.”.
De facto, o mundo mudou e está em permanente mudança, mas as pessoas mantêm as mãos e os dedos, os pés, os olhos e os ouvidos; o mercado mantém as canetas, os lápis e as borrachas, os compassos, os esquadros e os transferidores, os papéis, os livros, os jornais e as revistas, os diversos instrumentos musicais – um conjunto de recursos que podem constituir uma alternativa possível à ditadura das novas tecnologias, com outro sabor e a travar quer a obstipação tecnológica, quer a diarreia tecnológica.
Também a escola tem o papel relevante de impedir que as tecnologias escravizem as crianças, os adolescentes, os jovens e os adultos. Tão má é a infoexclusão como a elefantíase tecnológica.
Aliás, a escola tem de pôr os alunos a pensar e a ser livres de tudo e de todos. Pouco importa se os alunos estão no centro de tudo (Hoje essa bandeira já diz pouco!), se é o currículo ou os professores. Não podemos passar da iliteracia tecnológica para a hipertrofia tecnológica, até porque daqui por uns anos pode muito bem acontecer que mais e melhores novas tecnologias sejam inventadas ou que se retorne, pelo menos em parte, às antigas tecnologias: também eram tecnologias! Não me digam que os antigos engenheiros e arquitetos não eram tecnólogos ou que as técnicas de arar com charrua e arado de pau não implicavam um saber técnico da parte dos utilizadores e tecnológico da parte dos inventores, construtores e consertadores. Não convocavam conhecimentos de grande complexidade o trabalhar e assentamento da pedra nos castelos e nas catedrais e a tomada de juntas com a areia fina e a cal hidráulica?
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O “educare.pt” postou, a 19 de julho, artigo com teor a que se assemelha o presente texto. Logo no dia 20, o Prof. Raul Guerreiro, fez ao texto um comentário sob a epígrafe “Mundo em permanente mudança”.
Diz o eminente pedagogo quealguns passos no texto demonstram a falácia subjacente, que pretende ostentar um óbvio ululante, a fim de defender algo como um brilho filosófico-científico” ironizando a mudança apregoada como se fora novidade:
Também podíamos lembrar, com a mesma ênfase e seriedade, que a terra está em permanente rotação, que os dias e as noites se sucedem permanentemente, que o mundo translada ao redor do sol permanentemente, e as quatro estações se sucedem também permanentemente, etc.”.
E, sobre a asserção de que “o mundo está cada vez mais tecnológico, cada vez mais digital”, como se isso fosse “um destino universal inevitável”, aduz:
Vai-se aqui buscar um recanto da realidade materialista tecno-industrial para definir uma suposta necessidade imperativa da educação, vinda puramente da instrumentação tecnológica. Ora, em termos de ‘cada vez mais’ podíamos também salientar coisas mais avassaladoras e científicas: o mundo está cada vez mais deteriorado na sua constituição física e fundamental para a vida – o meio ambiente; o mundo está cada vez mais inundado por violência, imoralidade e degradação da empatia inter-humana chamada civilização; a qualquer momento, em algum laboratório no mundo, será criado o primeiro ser humano originado de uma retorta; o mundo está cada vez mais mergulhado em estados psíquicos patológicos que afetam milhões de seres humanos; os habitantes do mundo estão todos (não interessa a cultura, religião, língua e situação geográfica ou económica) cada vez mais confrontados com um aflitivo estado de alma coletivo marcado por um ateísmo doentio, insegurança quanto à razão de se ter nascido e viver, e desorientação perante todas as perspetivas para o futuro.”.
Não me parece que o diretor pedagógico do Colégio em referência queira inferir que a educação só se consiga a partir do uso das novas tecnologias ou que o seu uso tenha de ser um imperativo universal em educação. Por outro lado, não creio que Rui Lima ignore as outras mudanças e situações que perpassam o mundo e que não lamente algumas delas, mas a adução da inundação tecnológica apenas quer dizer que seria um erro não aproveitar as vantagens que as novas tecnologias podem trazer à educação e ao conhecimento e que, afastando-se a educação e o conhecimento de tais poderosos recursos, ficaria a escola a falar sozinha e as crianças e jovens viveriam entretidos até às últimas, sem orientação e de costas voltadas para a escola.  
É certo que o diretor pedagógico, ao dar a cara pelas novas tecnologias, parece fazer pouco caso dos outros recursos e esquecer que as outras escolas também apostam no conhecimento e nos valores. Porém, não tem que se dizer tudo para se estar aberto a tudo.        
Porém, é verdade, com diz o comentador, que as que elenca “são as realidades maiores que deveriam ditar os passos para o mundo educacional”, o que não quer dizer, do meu ponto de vista, que, “em vez disso” se vá cantando o fado ao mundo digital (“uma irrealidade de natureza eletrónica” – diz o comentador) “num delírio de busca de soluções oportunistas”. Mas não é verdade que haja uma dicotomia funda e fraturante entre o produto humano do mundo digital e o do mundo analógico. Todavia, concordo – e dei-o a entender em comentários que fiz acima – “dentro de algumas décadas, após se constatar que espécie de cidadãos robóticos e autistas resultaram desta escravatura a uma verdadeira tecno-ideologia combinada com interesses multinacionais da ordem de biliões de euros”, se venha a lamentar a “maravilhosa digitalização dos jardins de infância e escolas básicas” como um pesadelo semelhante às ditaduras que já assolaram (e continuam a assolar) o mundo”.
Ora, mais do que tudo, importa eliminar o analfabetismo, não a mascará-lo, e levar as pessoas a pensar por si mesmas com autonomia e sentido crítico e de responsabilidade.  
2019.07.23 – Louro de Carvalho

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