Segundo conta o “educare.pt”,
a UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) pôs a sua atenção no Colégio Monte Flor, em
Carnaxide, escola privada do 1.º Ciclo do Ensino Básico, fundada em 1973, que se
tornou estudo de caso e exemplo internacional. Com efeito, os alunos estão no
centro de tudo e dispõem dos recursos digitais como uma ferramenta importante
para conhecer e entender o mundo, para aumentar o conhecimento.
Neste sentido, aquele colégio português, constituído em
referência internacional na utilização dos recursos tecnológicos na
aprendizagem das crianças, defende e propõe uma aprendizagem individualizada, pois
sabe que cada aluno tem talentos que devem ser valorizados, e integra as novas
tecnologias nas aprendizagens diárias.
A este respeito, o seu diretor pedagógico, Rui Lima, refere
que o grande desafio não é ter alunos excecionais na utilização das tecnologias,
mas alunos criativos e colaborativos, com espírito crítico, capazes de
resolverem problemas reais. E faz um balanço altamente positivo ao dizer:
“O processo de incorporação das novas
tecnologias na aprendizagem já está amplamente disseminado em toda a comunidade
educativa e apresenta uma maturidade que permite a inclusão das mesmas na
generalidade das atividades desenvolvidas. Alunos, professores e encarregados
veem a sua utilização como algo extremamente positivo e estas são encaradas por
todos como uma ferramenta essencial à implementação de projetos e na aquisição
de conhecimento e competências para o futuro”.
O Colégio tem um historial de implementação de
dinâmicas que envolvem o recurso às novas tecnologias educativas e a abordagens
ativas no processo de aprendizagem, no quadro duma cultura escolar concretizada
na forma de pensar, de estar e de agir dos diversos intervenientes no processo
educativo, com a mira na adequada resposta da abordagem pedagógica à
diversidade de talentos, capacidades e ritmos de aprendizagem. E o mundo
digital não fica à porta, ao invés, faz parte integrante do processo educativo enformando
a aprendizagem e, por conseguinte, alguns dos instrumentos de avaliação. Não
obstante, o domínio das tecnologias não é um fim educativo, mas um meio para tornar
os alunos “mais capazes e preparados para um mundo que pula e avança muito
rapidamente”.
Rui Lima
sustenta a inconcebibilidade a ideia de ‘One
Size Fits All’, “na medida em que cada ser humano evidencia caraterísticas
muito peculiares, tanto no atinente às “suas habilidades” como “na forma de se
relacionar com os outros e com o mundo e evidenciando até diferentes estilos de
aprendizagem”. Na verdade, uma abordagem única para todos os casos não permitirá alcançar
os objetivos pretendidos; não existe apenas um método correto nem uma solução adaptável a todas as situações, uma resposta
cabal para todas as questões, necessidades e anseios; as respostas iguais para
todos não servem de nada. Ao invés, a
‘Orga Systems’ fornece soluções que transcendem a abordagem do tamanho único e traz agilidade e dinamismo aos processos
humanos. Assim, no
horário semanal, há uma hora de tarefa para cada aluno por dia, com proposta de
atividades individuais geridas pelas crianças que definem em que dia da semana
as realizará cada uma delas, na lógica do “aprender
a qualquer hora, aprender em qualquer lugar”. E o diretor pedagógico sublinha:
“O caminho da Escola tem de ser este, em que
o professor não pode querer que todos realizem as mesmas tarefas ao mesmo tempo
e que aprendam todos ao mesmo ritmo. A escola tem de disponibilizar ferramentas
de aprendizagem que permitam aos alunos a aquisição de conhecimentos ao seu
próprio ritmo, mas desafiando-os a desenvolverem projetos onde esses conhecimentos
possam ser aplicados.”.
Considerando que as crianças de hoje – os chamados
nativos digitais – estiveram, estão e estarão constantemente rodeadas de
tecnologia, sabemos que afastá-las desse mundo é retirá-las do mundo em que
vivem e isso não resulta. Não obstante, Rui Lima adverte para uma ideia feita não
correspondente à realidade, discorrendo:
“Também há uma ideia, quanto a mim errada,
de que os alunos dominam todas estas ferramentas digitais. Isso não é verdade,
apesar de haver, de facto, uma enorme facilidade por parte das crianças em
assimilarem a forma de utilizar os dispositivos. Mas dominar os dispositivos
não significa dominar as ferramentas. É necessário os alunos saberem como
utilizar os tais dispositivos para a realização de tarefas do dia-a-dia, ou
para promoveram a sua aprendizagem e aumentarem a sua produtividade.”.
De facto, como algumas vezes me foi dado observar, as
crianças e adolescentes sabem mexer na ferramentas digitais devido à
curiosidade, que leva a mexer, ao proveito que podem tirar do seu usufruto e do
entretenimento que possa resultar da sua utilização. Assim, na maior parte dos
casos, os apetrechos servem para conversação, jogos, envio de mensagens de
conteúdo e forma bem criticáveis, ouvir música. Mas só em casos raros é que os
preditos utilizadores, mesmo alunos de informática, resolvem situações
complexas a pedido de adultos. E estão à vontade, porque, se estragarem
material, o encarregado de educação manda arranjar e paga. É óbvio que há
exceções e alguns dominam as ferramentas e até fazem programação.
Por isso, é pertinente que os alunos saibam que
ferramentas usar para resolver determinado problema ou para a criação dum determinado
produto. Têm de estar preparados para transitarem rapidamente duma tecnologia
para outra mais avançada. E devem ser “capazes de refletir acerca do impacto
destas tecnologias e da permanente mudança nas nossas vidas e na sociedade,
contribuindo individual ou colaborativamente para um mundo melhor” diz Rui Lima
vinca:
“No fundo, o desafio não é ter alunos
excecionais na utilização da tecnologia, mas sim ter alunos criativos e
colaborativos, capazes de revelarem espírito crítico, adaptabilidade,
capacidade de resolução de problemas reais e conscientes de que a tecnologia
desempenha um papel muito importante nas nossas vidas”.
***
Há efetivamente o risco de considerar as novas
tecnologias como um fim em si mesmas e não meios adequados e úteis para atingir
os nossos objetivos, designadamente os respeitantes ao conhecimento e, neste
âmbito, ao saber ser, ao saber estar, ao saber fazer, à acumulação dos saberes
teóricos, práticos e teórico-práticos, à atitude crítica e cooperante, ao
desenvolvimento de capacidades, competências e habilidades. Sempre assim
sucedeu. Por exemplo, sempre se considerava, na ótica de alguns, mais
importante passar a escrever no caderno de uma linha ou no caderno diário do
que o teor do que se escrevia; sempre se pensou mais importante saber ler e
escrever (fazer ditado, cópia…) do que ter
em conta os conteúdos. E sempre se considerou como o melhor e quase único, para
uns, o método global da leitura e, para outros, o método analítico.
Assim, também hoje mal se sabe escrever a lápis e
caneta ou desenhar à mão – com mesa, papel, lápis, régua, carro e candeeiro. O
computador, com programas de escrita, cor, posições, desenho e audiovisual,
serve para tudo e tudo substitui. Até usamos a assinatura digital!
Ora, as tecnologias são uma poderosa ferramenta na
Educação do século XXI. Automação, inteligência artificial, nanotecnologia, são
conceitos que fazem parte da linguagem corrente, já não são inacessíveis ou
fechados num mundo de ficção científica. Muito se mudou no mundo.
O referido diretor pedagógico defende que é preciso
acordar para esta realidade, sustentando:
“A Escola não pode permanecer fechada em si
mesma, agarrada a um modelo que se baseia única e exclusivamente na transmissão
e memorização de conhecimentos. O conhecimento continua a ser extremamente
importante, mas devemos desafiar os alunos a utilizarem a tecnologia para
investigarem, para resolverem problemas, para criarem produtos finais de um
determinado projeto.”.
O Colégio escolheu várias ferramentas de trabalho que
incorpora no dia-a-dia da aprendizagem. A utilização do OneNote e da Escola Virtual
permitem, por um lado, partilhar com os alunos recursos que se ajustem às suas
caraterísticas e capacidades, garantindo também uma maior autonomia no processo
de aprendizagem. A utilização, por exemplo, dum bloco de notas digital
possibilita a exploração de diferentes recursos, uns mais interativos, outros
menos, cabendo ao aluno a decisão de explorar os que se ajustem melhor ao seu
estilo de aprendizagem. E a utilização duma plataforma como a Escola Virtual
faculta ao aluno um maior nível de autonomia, podendo aprender os vários
conteúdos de forma independente, com recursos apelativos, bem como permite ao
professor a avaliação e a monitorização das aprendizagens que o aluno está a
fazer.
Parece não se aplicar ao Colégio em referência o
aforismo “primeiro estranha-se e depois entranha-se”, como não se aplica em
relação à utilização das tecnologias, muito menos na utilização de abordagens
pedagógicas mais centradas no aluno.
A este respeito, deve dizer-se que Maria Albertina Vidal,
fundadora do Colégio, há 46 anos, tinha já uma visão voltada para a inovação,
para a mudança e para a permanente articulação da escola com o mundo. Na
verdade, como confessa, o processo de inovação acontece com naturalidade. E
Susana Vidal, diretora do Colégio, diz, com regularidade, que são sempre as
pessoas que podem diferenciar a escola, não a utilização da tecnologia ou as
metodologias inovadoras. Com efeito, o que faz a diferença é a existência
generalizada de alunos empenhados, pais participativos, professores e
auxiliares dispostos a fazer sempre melhor.
O mundo está em permanente mudança, está cada vez mais
tecnológico, está cada vez mais digital. As competências nesse campo são hoje
fundamentais e a escola não pode ignorar essa realidade. E Rui Lima conclui:
“Tendo a Escola como uma das suas principais
funções a preparação para a vida ativa na sociedade, manter a criança afastada
da tecnologia durante o tempo em que está na escola é, usando um termo também
ele muito tecnológico, desconectar a criança do mundo real. No entanto,
trabalhar com as novas tecnologias não significa colocar as tecnologias no
centro de todo o processo, mas sim usá-las como poderosa ferramenta de auxílio
aprendizagem. E é precisamente esta distinção que é preciso fazer.”.
De facto, o mundo mudou e
está em permanente mudança, mas as pessoas mantêm as mãos e os dedos, os pés,
os olhos e os ouvidos; o mercado mantém as canetas, os lápis e as borrachas, os
compassos, os esquadros e os transferidores, os papéis, os livros, os jornais e
as revistas, os diversos instrumentos musicais – um conjunto de recursos que
podem constituir uma alternativa possível à ditadura das novas tecnologias, com
outro sabor e a travar quer a obstipação tecnológica, quer a diarreia
tecnológica.
Também a escola tem o papel
relevante de impedir que as tecnologias escravizem as crianças, os
adolescentes, os jovens e os adultos. Tão má é a infoexclusão como a
elefantíase tecnológica.
Aliás, a escola tem de pôr
os alunos a pensar e a ser livres de tudo e de todos. Pouco importa se os alunos
estão no centro de tudo (Hoje essa bandeira já diz
pouco!), se é o currículo
ou os professores. Não podemos passar da iliteracia tecnológica para a
hipertrofia tecnológica, até porque daqui por uns anos pode muito bem acontecer
que mais e melhores novas tecnologias sejam inventadas ou que se retorne, pelo
menos em parte, às antigas tecnologias: também eram tecnologias! Não me digam
que os antigos engenheiros e arquitetos não eram tecnólogos ou que as técnicas
de arar com charrua e arado de pau não implicavam um saber técnico da parte dos
utilizadores e tecnológico da parte dos inventores, construtores e
consertadores. Não convocavam conhecimentos de grande complexidade o trabalhar
e assentamento da pedra nos castelos e nas catedrais e a tomada de juntas com a
areia fina e a cal hidráulica?
***
O “educare.pt”
postou, a 19 de julho, artigo com teor a que se assemelha o presente texto. Logo
no dia 20, o Prof. Raul Guerreiro, fez
ao texto um comentário sob a epígrafe “Mundo
em permanente mudança”.
Diz o eminente pedagogo que
“alguns passos no texto demonstram a
falácia subjacente, que pretende ostentar um óbvio ululante, a fim de defender
algo como um brilho filosófico-científico” ironizando a mudança apregoada como
se fora novidade:
“Também podíamos lembrar, com a mesma ênfase
e seriedade, que a terra está em permanente rotação, que os dias e as noites se
sucedem permanentemente, que o mundo translada ao redor do sol permanentemente,
e as quatro estações se sucedem também permanentemente, etc.”.
E, sobre a asserção de que “o mundo está cada vez mais
tecnológico, cada vez mais digital”, como se isso fosse “um destino universal
inevitável”, aduz:
“Vai-se aqui buscar um recanto da realidade
materialista tecno-industrial para definir uma suposta necessidade imperativa
da educação, vinda puramente da instrumentação tecnológica. Ora, em termos de ‘cada
vez mais’ podíamos também salientar coisas mais avassaladoras e científicas: o
mundo está cada vez mais deteriorado na sua constituição física e fundamental
para a vida – o meio ambiente; o mundo está cada vez mais inundado por
violência, imoralidade e degradação da empatia inter-humana chamada
civilização; a qualquer momento, em algum laboratório no mundo, será criado o
primeiro ser humano originado de uma retorta; o mundo está cada vez mais
mergulhado em estados psíquicos patológicos que afetam milhões de seres
humanos; os habitantes do mundo estão todos (não interessa a cultura, religião,
língua e situação geográfica ou económica) cada vez mais confrontados com um
aflitivo estado de alma coletivo marcado por um ateísmo doentio, insegurança
quanto à razão de se ter nascido e viver, e desorientação perante todas as
perspetivas para o futuro.”.
Não me parece que o diretor pedagógico do Colégio em referência
queira inferir que a educação só se consiga a partir do uso das novas tecnologias
ou que o seu uso tenha de ser um imperativo universal em educação. Por outro
lado, não creio que Rui Lima ignore as outras mudanças e situações que perpassam
o mundo e que não lamente algumas delas, mas a adução da inundação tecnológica
apenas quer dizer que seria um erro não aproveitar as vantagens que as novas
tecnologias podem trazer à educação e ao conhecimento e que, afastando-se a
educação e o conhecimento de tais poderosos recursos, ficaria a escola a falar
sozinha e as crianças e jovens viveriam entretidos até às últimas, sem orientação
e de costas voltadas para a escola.
É certo que o diretor pedagógico, ao dar a cara pelas
novas tecnologias, parece fazer pouco caso dos outros recursos e esquecer que
as outras escolas também apostam no conhecimento e nos valores. Porém, não tem
que se dizer tudo para se estar aberto a tudo.
Porém, é verdade, com diz o comentador, que as que elenca
“são as realidades maiores que deveriam ditar os passos para o mundo
educacional”, o que não quer dizer, do meu ponto de vista, que, “em vez disso”
se vá cantando o fado ao mundo digital (“uma irrealidade de natureza
eletrónica” – diz o comentador) “num
delírio de busca de soluções oportunistas”. Mas não é verdade que haja uma dicotomia
funda e fraturante entre o produto humano do mundo digital e o do mundo
analógico. Todavia, concordo – e dei-o a entender em comentários que fiz acima –
“dentro de algumas décadas, após se constatar que espécie de cidadãos robóticos
e autistas resultaram desta escravatura a uma verdadeira tecno-ideologia
combinada com interesses multinacionais da ordem de biliões de euros”, se venha
a lamentar a “maravilhosa digitalização dos jardins de infância e escolas
básicas” como um pesadelo semelhante às ditaduras que já assolaram (e continuam
a assolar) o mundo”.
Ora, mais do que tudo, importa eliminar o
analfabetismo, não a mascará-lo, e levar as pessoas a pensar por si mesmas com autonomia
e sentido crítico e de responsabilidade.
2019.07.23 – Louro de Carvalho
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