segunda-feira, 23 de maio de 2022

Da pré-escrita à hipotética pós-escrita – um longo e mirífico percurso

 

Nos primórdios, como agora, as pessoas sentiam a necessidade de comunicar e de registar as suas ideias, pensamentos e experiências. E faziam-no oralmente e através de símbolos ou desenhos.

Com a invenção da escrita e da leitura, o hábito de escrever e ler era privilégio dum escol de escribas e burocratas, bem como de alguns (poucos) filhos de gente muito rica, a troco de propinas de alto valor. Assim, no antigo Egito, só 1% da população sabia escrever – um grupo composto pelo Faraó, os quadros administrativos, os líderes militares e os sacerdotes.

É o surgimento da escrita que separa a história da humanidade em duas importantíssimas e distintas fases históricas: a era da Pré-história, em que a comunicação se dava através de desenhos ou de simples registos, e a era da História, em que a comunicação se faz pela escrita/leitura. Deste modo, a escrita faz de tal maneira parte da nossa civilização que pode bem pode defini-la. E há já quem avente a hipótese da terceira era: a pós-escrita.

À medida que os povos e os negócios aumentavam, surgia a necessidade de fazer anotações. E tudo leva a crer que as representações pictóricas e os escritos mais antigos fossem desenhados na argila húmida, com uma ferramenta pontiaguda. Mas também se faziam anotações nas cascas das árvores, nas folhas de bananeiras, nas palmeiras, na argila, no bambu, nas carapaças de tartaruga, na seda, na pedra, na madeira e, posteriormente, no papiro e no pergaminho.

A escrita pictográfica consistia em desenhos de objetos consoante a ideia a exprimir. Assim, foram encontradas representações de cervos e bisões nas cavernas de Lascaux (de 15.000 a.C.). Encontram-se nos fundos das cavernas, não na entrada onde viviam, o que parece remeter para a interioridade espiritual dos trogloditas e para a preservação com vista ao futuro.

Já uma escrita mais simbólica terá sido inventada no Oriente Próximo antigo, cerca de 3400 a.C., com vista aos registos da atividade comercial. Faziam marcações num pedaço de argila húmida, simbolizando a mercadoria; e cada um levava consigo os seus sinais, que guardava geralmente num pote feito de argila, que trazia do lado de fora as marcações de dentro. Tal prática alastrou por toda a Mesopotâmia. Porém, com o tempo, as pessoas tomaram nova visão e ampliaram os seus horizontes, o que as levou a deixar os jarros e a adotar as tabuinhas de argila gravando com estiletes mais duros A argila é moldável numa superfície plana e adequada à escrita enquanto está húmida; e, se for deixada ao sol depois de escrita, ficará tão dura que suportará o manuseio e a intempérie. Esta fase da história deu-se no início do terceiro milénio antes de Cristo.

Os primeiros sinais de escrita foram achados no atual Iraque, na região sul, chamada Uruk. Essa região guardava sítios arqueológicos que abrigavam uma infinidade de relíquias. O local era cercado por um imenso deserto e ali foram encontradas incontáveis tábuas de argila. Alguns arqueólogos consideram Eridu como a primeira cidade do mundo, mas foi o salto civilizacional foi dado em Uruk, onde foi encontrada a mais antiga pictografia conhecida, em forma de tabuinha de argila datada de cerca de 3300 a.C. Não obstante, terão sido os Sumérios que, cerca do ano 4.000 a.C., na Mesopotâmia, banhada pelos rios Tigre e Eufrates e onde apareceu a roda, criaram a primeira escrita, a cuneiforme (com o auxílio de objetos em forma de cunha), considerada o sistema de civilização mais antigo do mundo da escrita. Faziam-se riscos num barro húmido e alguma coisa firme para carimbar. Era o que tinham à sua volta, materiais que a natureza oferecia.

Também em Nínive, no Iraque, em Susa, Tchoga Misch e Godin Tepe, no Irão Ocidental, e em Tell Brak e Habuba Cabira, na Síria do Norte, foram encontrados vestígios dos primeiros estágios da escrita, sob a forma de tabuinhas inscritas apenas com números e com impressões de sinetes. A maioria delas pode ser datada do final do IV milénio a. C. Além de escreverem nos bloquinhos, metiam-nos em envelopes, feitos do mesmo material, que enviavam aos destinatários ao cuidado de mensageiros, como correspondência confidencial, simples carta ou bilhete importante. Para evitar a violação do envelope, se fosse um grande negócio de compra ou venda, a argila tinha um preparo especial de modo a ninguém conseguir derretê-la para mudar o seu conteúdo.

Após um longo período de testes, os bloquinhos, que eram aproximadamente do tamanho de um cartão de crédito, foram dando lugar a suportes que surgiram para a confeção dos livros.

Os povos antigos, usando as paredes das cavernas, a pedra, o barro, o chumbo, o ouro, o bronze, escreveram livros minerais. Com o papiro, a madeira, o pano e o papel, fazem-se os livros vegetais. O couro, o pergaminho e os intestinos de serpentes serviram para fazer livros animais. Além de trapos e vários tipos de matéria-prima, usavam o que encontram na natureza, conforme a necessidade e a disponibilidade de cada lugar. De entre os que tiveram mais destaques e bastante usados foram: o barro, papiro e o pergaminho. Os livros (em rolo, códice ou tomo) existem desde as épocas mais remotas; cresceram em número com a invenção da imprensa, crescerão em número até ao século XXI e continuarão nos séculos futuros, por mis digitalização que se promova.

Com o passar dos tempos, a escrita mudou e o simples desenho de um boi passou a representar algo mais, podendo ser uma boiada por exemplo. E com as mudanças e as necessidades de algo para anotações e registos com maior eficácia, da escrita cuneiforme passou-se hieroglífica (em vez de desenhar os objetos, escrevem-se os carateres que os simbolizam) à silábica e à alfabética. E descobriu-se o papel, que surgiu na China, no ano de 105 d.C., tendo sido o seu criador foi Tisai Lun, a instâncias do imperador para que lhe trouxesse algo para escrever que não fosse tão volumoso e fosse fácil de manipular. Confecionou uma pasta a partir de fibras vegetais de roupas velhas de linho, misturadas com cal e água. Colocou a pasta sobre peneiras para secar, sobrando uma fina camada, o papel. Assim, durante muitos séculos, os chineses mantiveram, sob segredo, o fabrico e o poder do papel, até que os árabes, em 751, lhes roubaram o segredo e disseminaram o papel pela Europa e, posteriormente, pelo mundo, surgindo então o livro, sucessor do códice (composto de folhas dobradas costuradas ao longo de uma aresta), antecedido pelo rolo.

Agora, após tantos milhares de anos de inventos e de descobertas, vive-se a era digital, onde, com um clic no computador, se acede ao mundo, sendo possível entrar numa biblioteca virtual e realizar várias atividades além de ler um livro. Foi um extenso trajeto pelo tempo até chegar aqui, desde os bloquinhos de argila usados pelos Sumérios ao acesso virtual, em que basta ligar-se a um terminal web e aceder a toda informação e notícias do mundo inteiro.

Durante longo tempo, consoante o tipo de biblioteca e o tipo de suporte do acervo, o local servia para acumular livros e até para os esconder, não os deixando sair para empréstimo em caso algum.

O termo “biblioteca” (em Grego, “bibliotheke”; e, em Latim, “biblioteca”) é composto de “biblíon” (livro, papel, carta, livrinho – diminutivo de “bíblos”, casca, película, livro, escrito) e “thêkê” (caixa, cofre, bainha, depósito). Assim, “biblioteca” era o depósito ou armazém de livros. Porém, embora partindo desse pressuposto, a noção de biblioteca supera a do depósito de livros. Além de conter livros, torna-se espaço de leitura e local de empréstimo para leitura em casa. E lá está arquivado o conhecimento necessário às pesquisas, não apenas livros e documentos impressos, mas todo o meio digital e virtual através dos e-books, bases de dados, artigos e livros digitais, o que amplia ainda mais o conceito, ficando disponível e acessível aos usuários.

Não é legítimo falar em bibliotecas da antiguidade sem mencionar a de Nínive, cidade sita, antes da sua destruição, na margem do rio Tigre e que foi a capital da Assíria, hoje o Iraque. Entre as várias obras de argila que faziam parte da biblioteca de Nínive na época do rei Assurbanipal, estava a Epopeia de Gilgamesh. Muitos historiadores consideram este como o texto mais antigo do mundo e o primeiro texto literário escrito por alguém. Muitas bibliotecas importantes existiram na antiguidade, como a de Alexandria, que foi uma das maiores do mundo, e muitas pessoas trabalharam para preservar o conhecimento da humanidade, sobrevivendo a grandes ataques e a duras guerras, para possuir o grandioso tesouro precioso existente nos nossos dias. Seguindo o percurso que marca a história, surge a biblioteca de Pérgamo, também em Alexandria, construída no lugar da antiga. Posteriormente, surge a de Liceu na Grécia antiga e tantas outras. No entanto, o rei da Babilónia, ao assumir o trono, mandou destruir todas as bibliotecas, prática seguida pelos sucessores. A cada cidade invadida a primeira vítima eram os acervos, ou seja, o primeiro alvo eram as bibliotecas, com o intuito de destruir a memória do povo que fora derrotado.

Destacam-se também as bibliotecas de Roma, as da Idade Média, as Monacais, as particulares, as Bizantinas, as do Renascimento, as especializadas, as universitárias e as escolares. Porém, nos tempos de hoje, a função do bibliotecário não se confina à biblioteca. Por exemplo, a biblioteca escolar precisa dum profissional capacitado, dinâmico, flexível e que interaja com os professores e com os alunos, envolvendo-os. A evolução da tecnologia e o acesso à informação acontecem de forma cada vez mais rápida. Cedo, as crianças manuseiam computadores, tabletes, telemóveis modernos e equipados de modo que, se os pais os deixarem por aí, pouco faltará para que os desmontem. Sabem jogar até mesmo jogos de estratégias e que requerem raciocínio lógico. Assim, a moda é estar conectado. Por isso, o profissional da informação deve sintonizar com esta realidade e readequar-se para enfrentar as mudanças cada vez maiores. Com efeito, a grande mudança em bibliotecas é a mudança do paradigma do acervo para o paradigma da informação.  

2022.05.23 – Louro de Carvalho

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