Está a decorrer,
de 4 a 5 deste mês de maio, no Vaticano, a Conferência internacional sobre o património
cultural dos Institutos de Vida Consagrada, com o tema: “Carisma e criatividade. Catalogação, gestão e projetos inovadores para
o património cultural das comunidades de Vida Consagrada”, iniciativa da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as
Sociedades de Vida Apostólica e do Pontifício Conselho para a Cultura, com
enfoque na catalogação, gestão e inovação do património cultural das
comunidades religiosas, sendo o comité promotor presidido pelo bispo português Dom Carlos
Azevedo, delegado do Pontifício Conselho para a Cultura.
A
conferência, que é fruto da consciência crescente de que os bens culturais da
Igreja fazem parte da identidade cultural das comunidades locais e oferecem
novos meios para a promoção dos seus objetivos pastorais e missionários, pretende
fortalecer as redes de trabalho e partilhar as melhores práticas para enditar a
capacidade das comunidades religiosas para protegerem e desenvolverem o seu
património de forma criativa. Assim, o
evento tem como objeto o património cultural das comunidades de vida consagrada
em todas as expressões e visa consolidar e tornar efetivas ações de proteção e
valorização compartilhadas com todos os envolvidos neste património cultural.
O trabalho
de dois dias é organizado conjuntamente pelo Gabinete Nacional do Património
Cultural Eclesiástico e Edifícios Religiosos da Conferência Episcopal Italiana,
pela Faculdade de História e Património Cultural da Igreja da Pontifícia
Universidade Gregoriana e pelo Departamento de Arquitetura da Universidade de
Bolonha, com a prestimosa colaboração da IUSG (União Internacional das Superioras
Gerais), a USG (União das
Superioras Gerais) e o
Secretariado de Assistência às Freiras.
O evento foi
apresentado numa conferência de imprensa realizada no dia 17 de fevereiro, no
Gabinete de Imprensa do Vaticano.
Foram oradores: o Cardeal
João Braz de Aviz, Prefeito da Congregação para os Institutos de Vida
Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica; o Cardeal Gianfranco Ravasi,
Presidente do Pontifício Conselho para a Cultura; Dom José
Rodríguez Carballo, OFM, Secretário da Congregação para os Institutos de Vida
Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica; Dom Carlos Alberto de Pinho
Moreira Azevedo, Delegado do Pontifício Conselho para a Cultura; e a Irmã
Jolanta Maria Kafka, RMI, Superiora Geral das Religiosas de Maria Imaculada e
Presidente da União Internacional das Superioras Gerais.
Os dois
purpurados enfatizaram o papel crucial que as comunidades religiosas são hoje,
aliás como sempre, chamadas a desempenhar no cumprimento da responsabilidade da
Igreja de administrar cuidadosamente os seus bens culturais à luz da missão
evangelizadora e da particular preocupação com os pobres. Aviz e Ravasi observaram que a tarefa é agora ainda mais urgente,
porque as ordens religiosas enfrentam um declínio em números, resultando em
maiores riscos de abandono e degradação do seu imenso património cultural. Por isso, como referiu o Cardeal de Aviz, são homens e mulheres consagrados
chamados a “refletir juntos sobre o valor dos seus bens na sociedade hodierna,
o seu destino final e a sua íntima conexão com o carisma da sua ordem religiosa
e com a dimensão profética desse carisma”.
Na
preparação para a conferência, os organizadores reuniram uma série de
investigações, projetos e boas práticas neste campo. As contribuições,
provindas sobretudo da Europa, foram recolhidas sob 4 temas que são os tópicos
da sessão: “Campos para a compreensão teórica”, “Catalogação”, “Gestão” e
“Reutilização”. Além disso, foi enviado, antes do evento, um questionário aos
institutos religiosos, pelo que está a ser apresentada, na conferência, uma
seleção de quinze contribuições. Assim, os participantes estão a partilhar
reflexões e experiências sobre esses desafios e a debater novas estratégias
para promover uma gestão integrada e quiçá mais eficaz do património cultural
da Igreja.
***
O Papa Francisco enviou aos
participantes na predita conferência uma mensagem em que sublinha que “os Institutos de Vida Consagrada e as
Sociedades de Vida Apostólica têm sido, de facto, e continuam a ser promotores
de arte e cultura ao serviço da fé, guardiães de uma parte muito significativa
do património cultural da Igreja e da humanidade: arquivos, livros, obras
artísticas e litúrgicas, os próprios edifícios”. Mais refere que o valor
que tais institutos assumem radica essencialmente na sua “capacidade de transmitir um significado religioso, espiritual e
cultural que, para o património cultural dos Institutos de Vida Consagrada,
consiste sobretudo no reconhecimento da relação que têm com a história, a
espiritualidade e as tradições das Comunidades específicas, na prática com o
seu carisma”.
Diz o Pontífice que, desde o início
do seu Pontificado, tem chamado a atenção para “a gestão dos bens temporais
eclesiásticos, na convicção de que, tal como o administrador fiel e prudente, se
tem a tarefa de cuidar cuidadosamente do que lhe foi confiado”. É certo que a
necessidade e, às vezes, o peso da conservação, pode tornar-se uma oportunidade
para renovar, repensar e compor o próprio carisma no atual contexto sociocultural
e planeá-lo para o futuro. E o Pontífice reitera o que disse na primeira
conferência promovida pela Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e
Sociedades de Vida Apostólica:
“A
fidelidade ao carisma fundador e ao consequente património espiritual,
juntamente com os objetivos próprios de cada Instituto, continuam a ser o
primeiro critério para avaliar a administração, a gestão e todas as
intervenções feitas nos Institutos, em qualquer nível”.
Apontando para a necessidade de
identificar “elementos específicos de compreensão destes bens, de modo a
definir suas caraterísticas históricas, espirituais, teológicas, eclesiológicas
e jurídicas”, Francisco frisa a necessidade de “promover a catalogação dos bens
na sua totalidade e variedade” (arquivos, bibliotecas, arte móvel e imóvel). Justifica a necessidade da
catalogação com “razões de serviço à cultura, transparência de gestão e
prudência, considerando os milhares de perigos naturais e humanos aos quais
esses frágeis tesouros estão expostos”. E considera importante abordar as
questões envolvidas na gestão dos bens culturais em termos, quer da sustentabilidade
económica, quer da contribuição que podem dar à evangelização e ao
aprofundamento da fé.
Na sua mensagem, o Bispo de Roma
encarece a necessidade de focalizar “a
reutilização de bens imóveis abandonados, necessidade que hoje é ainda mais
urgente devido, não só à contração numérica das comunidades de vida consagrada
e à necessidade de achar os recursos necessários para cuidar das irmãs e dos
irmãos idosos e doentes, mas também, em particular, aos efeitos da aceleração
das mudanças legislativas e aos requisitos necessários para a adaptação”. E
considera como causa do abandono o “peso
económico da manutenção e preservação ordinária e extraordinária suportada por
essas comunidades, especialmente na Europa”.
Preconiza que o problema deve ser
enfrentado, “não com decisões imprevistas
ou precipitadas, mas com uma visão geral e um planeamento de longo prazo e,
possivelmente, também através do uso de profissionais com experiência
comprovada”. Na verdade, como sustenta, o abandono do património é “questão particularmente sensível e complexa,
que pode atrair interesses enganosos por parte de pessoas inescrupulosas e ser
ocasião de escândalo para os fiéis”. Daí conclui o Papa “a necessidade de agir com grande prudência e
cautela e também de criar estruturas institucionais para acompanhar as
comunidades menos equipadas”.
***
Do
ponto de vista dos objetivos e da espiritualidade em torno da preservação do
património cultural, os oradores clérigos são praticamente concordes. Entretanto,
a Irmã Jolanta
Maria dá
conta de como decorreu a preparação em prol do futuro trabalho de catalogação.
Diz
ela que, desde os primórdios da vida consagrada, a arte tentou “exprimir e
testemunhar o espírito e o sentido de fé, louvor, dedicação a Deus e à Igreja”, criando
um património que não se deve perder. Por outro lado, o cuidado do património
cultural conjuga-se com o carisma e a espiritualidade, sendo responsabilidade
dos Institutos e da Igreja.
Tendo em vista
a conferência, procurou-se promover um questionário junto dos institutos de
vida consagrada e sociedades de vida apostólica sobre o cuidado e gestão dos
seus bens culturais, com o fito de verificar a sua atitude em relação aos bens
culturais móveis e imóveis próprios, com particular atenção a cinco aspetos: o
efetivo início e andamento dos processos de inventário e catalogação; a
organização e uniformidade dos processos lançados, para se perceber se seguiram
modelos coerentes nos institutos ou nas províncias; os limites e/ou critérios
de prioridade entre os bens cadastrados, para verificar a quais categorias de
bens a ação censitária é prioritariamente orientada (ou limitada); perceber se, no atinente
ao imobiliário, poderia ser delineada uma política prevalecente nas instituições
em caso de encerramento duma casa, ou seja, se prevalecer a alienação, a
valorização económica na manutenção do imóvel, ou se houver casos de
valorização social e cultural de edificações, em colaboração com outras
instituições (religiosas
ou civis) da
área; e saber se é dada atenção específica ao património cultural da Igreja e à
sua gestão no programa de formação dos institutos.
Deve-se
reconhecer que, apesar da promoção do questionário, a compilação da pesquisa
foi modesta. O instrumento dá informação de 56 congregações masculinas e
279 femininas, ou seja, em ambos os casos, cerca de 20% dos institutos ativos. No
respeitante à presença de um catálogo ordenado do património cultural, 48% dos
institutos declararam uma catalogação esporádica e parcial (limitada a alguma casa ou
província). Em
23% dos casos, a catalogação é inexistente. Entre os virtuosos, verifica-se
que são sobretudo os mosteiros sui juris de vida contemplativa
que apresentam o catálogo completo dos seus bens (4% da amostra), juntamente com outras
congregações (20%) que declaram a conclusão
duma ação censitária homogénea, estendida a todas as comunidades e províncias. Globalmente,
esta ação está atualmente em curso para apenas 5% das instituições. Não
obstante, os contextos culturais pesam muito nessa segmentação. Na Europa,
onde se pode supor que os bens culturais eclesiásticos são numericamente
maiores, a catalogação é mais incompleta que no resto do mundo, onde os patrimónios
culturais são mais recentes. Se para lá das fronteiras europeias 42% das
comunidades declaram ter concluído o recenseamento do património cultural e
apenas em 9% dos casos há ausência de catálogo, na Europa as relações
invertem-se: 13% das comunidades concluíram a catalogação; e 27% ainda não a
realizaram.
Porém,
os dados devem ser considerados à luz da polarização das respostas obtidas: a
participação no questionário da Europa foi superior à de outros contextos. A
resposta da Europa constitui 73% da amostra. E a diferente urgência para a
catalogação também pode ser interpretada em relação à idade dos institutos. A
amostra formada é representada em metade dos casos por entidades fundadas no
século XIX (1815-1915); 12% dos institutos
são anteriores a 1550, enquanto os restantes são fundações atribuídas à idade
moderna (14%) ou ao século passado (25%).
As
respostas e a análise dos contextos de origem permitem salientar que se deve
reforçar a atenção ao património nas comunidades de vida consagrada. Independentemente
da idade da fundação, a preocupação com o património cresce ao tornar-se
difícil geri-lo, sobretudo devido à diminuição do número de comunidades. A
atenção ao património cultural não se tornou estruturante, sendo apenas
emergencial, expondo-o ao risco de vias de proteção e valorização reduzidas. A
esperança é que a conferência marque a viragem e a “conversão”, para
sensibilizar mais, antecipar situações críticas, passando da emergência à
oferta de projetos e ferramentas de catalogação e proteção.
***
Não
será descabido pensar o que fariam os/as fundadores/as face ao contexto atual. É
certo que muitos institutos terão desvirtuado a finalidade tida em conta na
fundação, mas há sempre a possibilidade de refundar, recomeçar e assumir o
carisma em diálogo com as exigências do contexto. Ter património e cuidar dele
não é contrafação da pobreza evangélica, desde que a evangelização e o
interesse dos pobres sejam privilegiados.
2022.05.04 – Louro de
Carvalho
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