Depois do
que se passou na Assembleia da República (AR), que rejeitou a audição do Presidente da Câmara de Setúbal sobre o que se
passou na LIMAR (Linha de Apoio aos Refugiados), bem como as da
Embaixadora da Ucrânia, da secretária-geral do SIRP (Sistema
de Informações da República)
e do diretor nacional do SEF (Serviço de Estrangeiros e
Fronteiras), o país assiste
a onda de discussão inútil e a uma série de dizeres e atitudes contraditórios.
Estão
em curso na AR audições da Ministra-Adjunta e dos Assuntos Parlamentares, do
Ministro da Administra Interna, da Associação de Ucranianos em Portugal, da
Alta-Comissária para as Migrações, da Secretária de Estado da Igualdade e das
Migrações e do Secretário-geral do Sistema de Segurança Interna.
Por sua vez,
a Assembleia Municipal (AM) de Setúbal
vota duas moções de censura (do PSD e do PS) ao
Executivo presidido por André Martins (do PEV, eleito pela CDU). Porém, independentemente das votações, nada
acontecerá ao autarca. Com efeito,
no poder local, ao invés do que
sucede com o Governo do país, o Executivo municipal não emana do órgão deliberativo
(AM), que não pode destituir o executivo municipal, como a
AR pode mandar abaixo um Governo se for aprovada uma moção de censura ou
rejeitada uma moção de confiança ou o programa do governo. A iniciativa
censória no poder local municipal tem valor meramente declarativo.
A CDU é o
partido mais forte, mas não tem maioria absoluta (17 deputados municipais em 38, ou
seja, está a 3 da maioria absoluta, 20). Para a
moção do PS ser aprovada é preciso (pelo menos) que o PSD a vote favoravelmente; e, para a do PS ser
aprovada é preciso (pelo menos) que o PSD faça
o mesmo. Tudo indica, porém, que nem um partido nem o outro farão isso, até
porque o conteúdo das duas moções é diferente. A moção do
PSD diz que o Presidente da Câmara “não tem condições para permanecer no
mandato”, já que André Martins sabia que os refugiados ucranianos acolhidos
pela LIMAR, da responsabilidade da Câmara Municipal de Setúbal – estavam a ser
recebidos pela Associação Edinstvo, cujos dirigentes são próximos do governo
russo. Assim, no dizer do PSD, “provocou o problema e não promoveu qualquer
solução como é da sua responsabilidade”.
Já os socialistas recusam pedir a
demissão do líder da autarquia. Se a moção fosse aprovada, a AM estaria apenas
a “censurar politicamente” o Presidente da Câmara e a “sua equipa da vereação
CDU”, não só pelo caso dos refugiados ucranianos como também por outras
questões, como as relativas, por exemplo, ao estacionamento no concelho. Na verdade,
o texto do PS deixa ler:
“São demasiados e bastante graves todos
estes factos e comportamentos ocorridos em apenas sete meses de mandato, pelo
que, fruto das suas ações, o Presidente da Câmara e a sua equipa de vereação
têm mais do que motivos para merecer o repúdio político por parte da Assembleia
Municipal de Setúbal, no âmbito das suas competências previstas na lei e enquanto
órgão fiscalizador da ação da Câmara Municipal.”.
O PS quer a
criação duma Comissão Eventual de Fiscalização da Conduta da Câmara Municipal e
dos serviços do Município no Acolhimento de Refugiados Ucranianos, “tendo em
conta a permanente ausência de respostas” da parte de André Martins em relação
ao assunto. Afirma não querer, pelo menos para já, a queda do Presidente aduzindo
que há inquéritos em curso, pelo menos dois: um da Comissão Nacional de Proteção
de Dados; e outro da Inspeção-Geral de Finanças, ordenado pela ministra da
Coesão, Ana Abrunhosa, que tem a tutela do poder local.
Não podendo
o executivo municipal cair por força de moções de censura aprovadas na AM,
restaria que todos os vereadores da oposição (seis, num executivo de onze,
contando com o presidente da autarquia) se fossem
demitindo até que a vereação deixasse de poder funcionar por falta de quórum. O PS para já não alinha nesta medida em nome da necessidade de ficar
apurada toda a verdade sobre esta história, enquanto o PSD parece encaminhar-se
para aí, embora um dos dois vereadores, Fernando Negrão, seja contra.
Convenhamos que
o caso de funcionária que supostamente fez cópias de documentos pessoais de
outrem sem a respetiva autorização e terá passado, através do marido ou com
ele, informações a entidades russas não podia ter dado origem a tal burburinho
político, a menos que haja interesses em torno da questão. Atividades de
espionagem por parte de estrangeiros merecem expulsão do país via diplomática,
tanto assim que o país, não há muito tempo, expulsou funcionários da embaixada
russa; infrações disciplinares estão sujeitas a processo disciplinar instaurado
pela competente hierarquia e, havendo suspeita fundada de crime, merecem averiguação
por parte do MP (Ministério Público) e eventualmente ação judicial; abuso de poder e veiculação indevida de informação
lesiva de outrem estão sujeitos à ação dos tribunais judiciais.
***
Entretanto, a Alta-Comissária
para as Migrações (ACM), garantiu, na AR, que só conheceu do
envolvimento de uma associação russa no acolhimento de refugiados ucranianos quando
o caso foi denunciado na comunicação social. Contrariou, assim, as declarações
feitas horas antes pelo presidente da Associação dos Ucranianos em Portugal,
Pavlo Sadhoka, que disse ter vindo a alertar o ACM para este tipo de situações
desde 2011.
Especificamente, Sónia Pereira foi chamada À AR para ser
ouvida sobre a receção a refugiados ucranianos na Câmara de Setúbal por
funcionários alegadamente pertencentes a associações próximas do regime de
Vladímir Putin. Segundo a ACM, logo que o organismo conheceu, pela imprensa, o
que se estava a passar na autarquia de Setúbal, entrou em contacto com os “parceiros
privilegiados”, ou seja, contactou “os centros locais de apoio
ao imigrante em Setúbal, para perceber o conhecimento que tinham da situação,
de que forma estavam a acompanhar, que atendimentos têm realizado com cidadãos
deslocados da Ucrânia”.
A responsável também esclareceu que a autarquia de Setúbal
não tem protocolo com o ACM nem centro local de integração de imigrantes, além
de “nunca” ter pedido reunião com o ACM para gerir ou organizar o acolhimento
de pessoas refugiadas vindas da Ucrânia.
Horas antes, em audição também na AR, o presidente da
Associação dos Ucranianos em Portugal afirmou que denunciou às secretas
portuguesas russos pró-Putin no acolhimento de refugiados após anos de alertas
ao Alto Comissariado das Migrações. Pavlo Sadoka reiterou que, após o início da
invasão russa da Ucrânia, a 24 de fevereiro, a Associação dos Ucranianos em
Portugal começou a receber denúncias de que “organizações que o Alto Comissariado
reconhece como de ucranianos”, mas que são defensoras do regime do presidente
russo, estavam a receber refugiados, a quem pediam informações pessoais e
relacionadas com familiares que ficaram na Ucrânia. A associação solicitou uma
reunião ao Alto Comissariado das Migrações para denunciar a situação, que
ocorreu “no início de abril”, o que ficou desmentido como se viu.
Por seu turno, a Ministra-Adjunta e dos Assuntos Parlamentares com
a tutela das Migrações, sobre o caso de
Setúbal, disse aos deputados que se terão baixado “os níveis de alerta para
questões de privacidade, o que não podia acontecer em matéria de acolhimento de
refugiados” – situação “inaceitável”, “uma irresponsabilidade” ou “excesso
de voluntarismo”. É o que pensa do sucedido em Setúbal com o acolhimento de
refugiados ucranianos por cidadãos russos.
A governante começou por dizer que “Portugal, desde há muitos
anos, tem feito um caminho de boas práticas de acolhimento”, mas que, “a confirmarem-se
as notícias que têm vindo a público, Setúbal é um caso isolado”. Para Ana
Catarina Mendes, tudo “tem de ser investigado”. Por isso, como afirmou, “o Ministro
da Administração Interna pediu que a Comissão Nacional de Proteção de Dados
faça um inquérito para perceber o que aconteceu com os dados pessoais que, dizem
as notícias, possam ter sido tratados”. A ministra, que foi eleita deputada pelo
círculo de Setúbal e que fora candidata à AM da autarquia, disse “não haver
certeza de que [os dados] tenham sido enviados para alguma entidade externa”,
mas, havendo a suspeita, tem de haver uma investigação e resposta a esta
matéria”. E repetiu o que a alta comissária para as migrações já tinha afirmado
na audição anterior: “O ACM e a CM de
Setúbal não tem nenhum protocolo assinado”.
Também afirmou,
na AR, o presidente da Ucrânia-Portugal-Europa-Associação Centro Social e
Cultural Luso-Ucraniano que “a situação
de Setúbal é uma situação isolada e revela falta de bom senso político e de
respeito”. Disse que, desde que a associação foi criada em 2014, “foram
alertados para pessoas infiltradas que, sendo ucranianas, pertenciam aos
separatistas” e seguiam Putin. Porém, sublinhou
que “não é uma situação que vai desgastar o acolhimento de ucranianos”
Entende que organizações a favor do
regime de Putin têm todo o direito de existir, mas se têm uma influência muito
forte não podem ser reconhecidas como interlocutoras da comunidade ucraniana.
***
Enfim, é caso simples de encarar e resolver, não faltando
entidades com a necessária competência para tanto. Ao invés, perde-se tempo na
AR e na AM. E tudo porque a embaixadora da Ucrânia em Lisboa, cobrindo informações
pouco fundadas, parece não conhecer as regras da diplomacia, que postula, acima
de tudo, comedimento e descrição, não alinhamento com manifestação partidária como
aquela em que se incorporou no 25 de Abril. E os poderes, com exceção do
Primeiro-Ministro, parece que ficam em roda livre, sem o sentido da necessidade
e da proporção.
2022.05.10 – Louro de Carvalho
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