O flagelo da
violência doméstica abrange comportamentos numa relação pelos quais uma das
partes, sobretudo para controlar a outra. E qualquer pessoa pode ser ou vir a
ser vítima.
As pessoas
envolvidas podem ser casadas ou não, ser do mesmo sexo ou não, viver juntas,
separadas ou a namorar.
As vítimas podem ser ricas, pobres,
de qualquer país, idade, sexo, religião, cultura, grupo étnico, orientação
sexual, formação ou estado civil.
O crime de
violência doméstica abrange todos os atos que sejam crime e praticados neste
âmbito. Nos termos do art.º 152.º do Código Penal na redação que lhe deu a o
art.º 3.º da Lei n.º 57/2021, de 16 de agosto, pratica este
crime quem infligir maus tratos físicos ou psíquicos, uma ou várias vezes,
sobre cônjuge ou ex-cônjuge, pessoa unida de facto ou ex-unida de facto,
namorado/a ou ex-namorado/a ou progenitor de descendente comum em 1.º grau, haja
ou não coabitação, bem como quem infligir maus tratos físicos ou psíquicos, uma
ou várias vezes, sobre pessoa indefesa em razão da idade, deficiência, doença,
gravidez ou dependência económica, com quem coabite.
Todavia, além
da violência doméstica em sentido estrito (atos
criminais enquadráveis no art.º 152.º: maus tratos físicos ou psíquicos;
ameaça; coação; injúrias; difamação e crimes sexuais), é de considerar a violência doméstica em sentido
lato, que inclui
outros crimes em contacto doméstico, como violação de domicílio ou perturbação
e devassa da vida privada (imagem; conversa telefónica; email; revelar segredos
e factos privados; violação de correspondência ou de telecomunicações;
violência sexual; subtração de menor; violação da obrigação de alimentos;
homicídio: tentado/consumado; dano; furto e roubo).
Por outro
lado, a violência doméstica assume diversas modalidades. A violência emocional, que faz o outro sentir-se inútil ou com medo,
exprime-se em atos como: ameaçar os filhos; magoar os animais de estimação; e humilhar
o outro na presença de amigos, familiares ou em público. A violência
social exprime-se em ações de controlo
da vida social do par, como impedir que visite familiares ou amigos, cortar o
telefone ou controlar chamadas e contas telefónicas, trancá-lo em casa. A violência
física é forma de
violência física que o agressor inflige ao par, podendo traduzir-se em atos
como: esmurrar, pontapear, estrangular, queimar, induzir ou impedir que o par
obtenha medicação ou tratamentos.
A violência sexual é a ação em que um dos elementos do par força o
outro a atos sexuais que não deseja ou em condições que não aceita. A violência
financeira é a ação que intenta controlar o dinheiro do
par contra a sua vontade. E a perseguição
é a ação que visa intimidar ou atemorizar o outro, como segui-lo para o trabalho
ou quando sai sozinho, e controlar os movimentos do outro, quer esteja em casa,
quer não esteja.
A violência
doméstica funciona em sistema circular: o Ciclo da Violência Doméstica, que apresenta, em geral, três fases:
aumento
de tensão, sendo que o
clima crescente de acumulação, no quotidiano, de injúrias e as ameaças tecidas
pelo agressor, cria, na vítima, a sensação de perigo eminente; ataque
violento, em que o agressor maltrata física e psicologicamente a
vítima tendendo os maus-tratos a escalar na sua frequência e intensidade; e lua-de-mel, em que o agressor envolve a vítima
de carinho e atenções, desculpando-se pelas agressões e prometendo mudar. Este
ciclo de continuidade no tempo carateriza-se pela repetição de atos ao longo de
meses ou anos, podendo ser cada vez menores as fases da tensão e apaziguamento
e cada vez mais intensa a fase do ataque violento. Em situações limite, o culminar
destes episódios pode ser o homicídio.
Alguns
sintomas podem ajudar a pessoa a perceber se está a ser vítima de violência
doméstica, tais como:
medo do temperamento do seu par; medo da reação dele quando as opiniões divergem; ignorância constante dos
seus sentimentos; gozo com as coisas que lhe diz; ridicularização ou repreensão
frente a amigos ou outras pessoas; ameaça de agressão; murro, bofetão,
empurrão, pontapeamento ou arremesso de objetos; privação de estar com amigos
ou familiares por ciúme; coação para relações sexuais; medo de dizer “não”
quando não quer relações sexuais; obrigação de justificar tudo o que faz;
ameaça de revelar o relacionamento; acusação de envolvimento ou de relações
sexuais com outras pessoas; necessidade de pedir autorização para sair de casa…
A violência
pode impender sobre vários grupos de pessoas.
A violência
contra as mulheres, fenómeno complexo e multidimensional que atravessa classes
sociais, idades, regiões e países, tem contado com reações de não reação e
passividade por parte das mulheres, pondo-as na via de soluções informais e/ou
conformistas, com muita a relutância em trazer a público este tipo de conflitos,
que foram silenciados durante muito tempo. Ora, a reação de cada mulher à situação de vitimação é única e deve ser encarada como
mecanismo de sobrevivência psicológica que ela aciona de modo diferente para
suportar a vitimação. Muitas mulheres não consideram como crimes os maus-tratos
a que são sujeitas: sequestro, dano, injúria, difamação, coação sexual e
violação da parte dos cônjuges ou companheiros. Encontram-se,
quase sempre, em situações de violência doméstica pelo domínio e controlo que
os agressores exercem sobre elas por variadíssimos mecanismos, como: isolamento
relacional; exercício de violência física e psicológica; intimidação; e domínio
económico, entre outros.
A violência
doméstica não é destino que a mulher tenha de aceitar. O destino sobre a sua vida
pertence-lhe, deve ser ela a decidi-lo, sem ter de aceitar o que não a realiza
como pessoa.
As crianças são
vítimas de violência doméstica quando; testemunham
violência doméstica, o que inclui ver ou ouvir os abusos infligidos à
vítima, ver os sinais físicos após episódios de violência e as consequências da
violência na pessoa que a sofreu; são instrumentos de abuso, já que pai ou mãe
agressor pode usar os filhos como forma de abuso e controlo; ou são vítimas
diretas de abuso por parte, quer do agressor, quer da vítima.
também as
pessoas idosas são objeto de violência. E a OMS (Organização
Mundial de Saúde) define a
violência contra as pessoas idosas como
“a ação única ou repetida, ou a falta de resposta
adequada, que causa angústia ou dano a uma pessoa idosa e que ocorre dentro de
qualquer relação onde exista uma expectativa de confiança”. Esta violência é de diferentes modalidades, isoladas ou combinadas:
física; sexual; psicológica; económica ou financeira; de negligência; e de
abandono. Apesar de as mulheres sofrerem maiores taxas de
violência doméstica, também os homens são vítimas deste crime. As mulheres
também o cometem violência e não o fazem só em autodefesa. Os homens vítimas de
violência doméstica experimentam comportamentos de controlo, são alvo de agressões
físicas (não raro
com consequências graves) e
psicológicas e receiam abandonar relações abusivas. O medo e a vergonha são a
principal barreira para fazer um primeiro pedido de ajuda. Estes homens receiam
ser desacreditados e humilhados por terceiros (familiares, amigos e instituições policiais
e judiciárias) se denunciarem
a sua vitimação.
E a
violência contra pessoas LGBTI assume características e dinâmicas típicas de
qualquer manifestação entre parceiros íntimos. As similitudes entre as relações
abusivas em casais do mesmo sexo e de sexo diferente são maiores que as
diferenças. Mas há aspetos distintivos na violência dos casais de pessoas
LGBTI, como: o outing, ou seja, revelação ou ameaça de revelar a orientação sexual do
par, funcionando como instrumento de controlo e de intimidação da vítima; a
ameaça de cortar os laços da vítima com a(s) criança(s), o que é violento se a
vítima não é legalmente reconhecida como pai ou mãe dos/as seus/suas filhos/as;
associação da identidade sexual à violência doméstica (vítimas de
violência por serem gays, lésbicas ou transsexuais); entendimento da violência doméstica como problema dos heterossexuais, quando, afinal,
as relações entre pessoas LGBTI, supostamente mais equalitárias, não estão a
salvo deste tipo de problemática e, embora a violência física seja tida como caraterística
masculina, é recorrente nalgumas relações lésbicas; o isolamento e confidencialidade da comunidade
LGBTI; e o estigma na busca de
ajuda.
Apesar de a
violência doméstica estar envolta em alguns mitos, nada desculpa o agressor,
nem legitima a culpabilização da vítima. Ameaças, perseguições, agressões físicas
e sexuais são crime e as polícias têm obrigação de assistência e proteção a
qualquer pessoa que sofra de qualquer um dos vários crimes que constituem
violência doméstica.
Esta violência está em todos os meios
sociais, mostrando-se de várias formas. Crer que a mulher vítima de violência é
masoquista é ignorar a complexidade do problema. Em geral, a violência
doméstica não consiste só na agressão pontual, podendo ser continuada no tempo;
na maioria dos casos, consiste na prática repetida de vários crimes pelo
ofensor contra a vítima. E é de
anotar que o marido não tem direito
a maltratar a mulher se não estiver satisfeito com o seu comportamento; que ninguém
tem direito ao corpo de outrem; e que não é tolerável a violência como resolução
de conflitos entre as pessoas, pois há outros modos de resolver problemas
relacionais.
Enfim, é
preciso prevenir e evitar o flagelo e punir o crime. Haja justiça, haja paz!
2022.05.11 – Louro de Carvalho
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