Induzido
por comentário duma ilustre colega, vi uma nótula a referir que o Professor Joaquim Santos Júnior, médico, biólogo,
antropólogo e etnólogo, numa das várias missões de investigação que realizou em
Moçambique, quando pretendia caçar uma borboleta rara, deu uma grave queda que
lhe provocou surdez, pelo que passou a usar um aparelho auditivo, e uma
deficiência permanente numa das pernas, que o obrigou caminhar apoiado numa
bengala.
Depois, a
propósito da iniciativa da Câmara Municipal de Miranda do Douro de colocar
ovelhas a limpar espaços verdes, mercê da escassez de mão-de-obra, e de ter em
mente fazer tarefa similar com o burro mirandês, recordei o caso, já replicado
por alguns lugares do país, da aplicação das “cabras sapadoras” à limpeza de
terreno, para evitar o alastramento de fogos florestais.
Entretanto,
li que há outros animais, menos óbvios, que podem ter papel significativo contra
os incêndios rurais, como os insetos, que se alimentam de folhas e estimulam a
produção de produtos químicos defensivos nas plantas, alterando-lhes a
inflamabilidade, sendo que outros insetos têm papel importante na remoção de
folhas mortas do solo da floresta. Além disso, há animais que podem alterar a
propagação do fogo alterando o arranjo das plantas ou materiais mortos dentro
do seu habitat, como certos tipos de
pássaros; e outros, como os elefantes, pisam as plantas e formam amplos
corredores entre a folhagem, servindo de corta-fogo em caso de incêndio.
Pensando
em insetos e, em especial, na predita borboleta rara cuja tentativa de caça causou
estragos físicos no sobredito professor, eventual predador, veio-me ao espírito
o trabalho de Dom Teodoro Monteiro, o terceiro Abade
do Mosteiro Beneditino de Singeverga (1969-1977), que me foi dado conhecer no
tempo em que o monge era diretor do Colégio de Lamego.
As
páginas web do mosteiro apontam laconicamente que a instituição “ uma coleção de borboletas única na Europa” e
justapõem-na à indicação do famoso licor. Contudo, recordo das palestras do
grande investigador e colecionador beneditino, que nos dava conta do gozo que
lhe dava a caça e a descoberta de espécies raras de borboletas, bem como dos
equipamentos que utilizava para as atrair e caçar sem lhes causar dano, em
virtude do melindre destes insetos, em torno dos quais todo o cuidado era pouco.
Em Lamego, o campo de trabalho de Dom Teodoro Monteiro era predominantemente de
noite, no Monte do Poio, uma zona territorial bastante extensa que integra a
Serra das Meadas.
Entretanto, li um texto de Helena Geraldes, jornalista de Natureza na revista “Wilder”, que releva um estudo
publicado, a 9 de março de 2021, na revista científica Communications
Biology, que reuniu informação genética de 97% das espécies de borboletas
da Europa com uma resolução sem precedentes, de que resultou o maior e mais
detalhado atlas genético das borboletas europeias, com 22.306 exemplares de 459
espécies sequenciados. Segundo Roger Vila, investigador do Laboratório de
Diversidade e Evolução das Borboletas no Instituto de Biologia Evolutiva
(IBE-CSIC) – Universidade Pompeu Fabra (UPF), “o objetivo principal do projeto
era desenvolver uma base de dados exaustiva que permitisse ter uma imagem clara
da diversidade e história evolutiva das borboletas europeias”. Assim, o novo
atlas, que representa 15 anos de trabalho, permite a identificação de qualquer
amostra de borboletas (fragmento, asa, ovo, conteúdo estomacal ou fezes de
predadores), em qualquer local do continente, através do ADN.
Este enorme
conjunto de dados pode ter grande impacto na conservação das borboletas e na
identificação de pragas ou introdução de espécies exóticas no território. De
acordo com os investigadores, “esta base de dados revelou áreas de elevada
diversidade genética, que serão reservatórios de biodiversidade, e também
populações com uma genética única que correm o risco de se extinguir se não
forem protegidas”, vincou Vlad Dinca, investigador da Universidade finlandesa
de Oulu e anteriormente investigador no IBE-CSIC. Isto, porque as regiões da
Europa não são todas iguais para as borboletas. Por exemplo, “a diversidade
genética das borboletas é claramente mais baixa na zona que esteve debaixo de
gelo há 12.000 anos, no Centro e Norte da Europa”, explicou Vlad Dinca, que
acredita poderem ser desenhados, com esta ferramenta “planos de proteção de
espécies de borboletas muito mais eficazes”.
***
Culturalmente,
as borboletas são populares nas artes visuais (Li Zheng, na Universidade de
Quanzhou, na China, criou polémica ao usar asas de borboletas para recriar
quadros de Van Gogh) e
literárias (v.g: Alberto Caeiro, Florbela Espanca).
As borboletas (panapanás ou panapanãs)
são insetos da ordem Lepidotera classificados nas super
famílias Hesperioidea e Papilionoidea, que constituem o grupo
informal “Rhopalocera”. Os fósseis mais antigos conhecidos são do meio do Eoceno,
entre há 40 a 50 milhões de anos.
As
borboletas demonstram polimorfismo, mimetismo e aposematismo (coloração de
advertência). Algumas, como a Borboleta-monarca, migram para longas
distâncias. Algumas desenvolveram relações simbióticas e parasíticas com insetos
sociais (por exemplo, as formigas). Outras espécies são pestes, pois, enquanto
larvas podem danificar culturas ou árvores; porém, algumas espécies são agentes
de polinização de algumas plantas e as lagartas de algumas borboletas
(por exemplo, as da subfamília Miletinae) comem insetos nefastos.
“Borboleta” – que se dizia, em Latim, “papilio” (tenda,
pavilhão) e, em Grego, “psykhê” (alma, sopro de vida) – vem do termo “belbellita”
(do Latim Vulgar, “bella bellita”), termo originado na palavra “belo” (em
Latim, “bellus”). “Panapaná” e “panapanã” vêm do tupi panapa'ná. No Português do Brasil, “panapanã”
também é nome coletivo para designar “bando de borboletas”.
A borboleta
tem dois pares de asas membranosas cobertas de escamas, com variadas
formas e cores, além de peças bucais adaptadas a sucção. Dispõe da espirotromba,
um órgão especial, formado pelas maxilas, no aparelho sugador de insetos
lepidópteros, que, em repouso, permanece enrolada, formando uma espiral que se
estende ao sugar o néctar. Distingue-se da traça (mariposa)
pelas antenas retilíneas que terminam em bola, pelos hábitos de vida
diurnos, pela metamorfose que decorre dentro duma crisálida rígida
e pelo abdómen fino e alongado. E, em repouso, a borboleta dobra as asas
para cima. A borboleta pode ter o peso mínimo de 0,3 gramas e a mais pesada chega
a pesar 3 gramas; alguns tipos de borboletas podem chegar a medir até 32
centímetros de asa a asa. Como outros insetos de holometabolismo (metamorfose
completa), o
seu ciclo de vida engloba quatro etapas: ovo (fase pré-larval); larva,
também chamada lagarta ou taturana; pupa, (crisálida)
que se desenvolve dentro do casulo; e imago, na
fase adulta. Na fase de lagarta, alimenta-se vorazmente e cria reservas
alimentícias. Quando a larva está pronta para virar crisálida (estado
intermediário por que passam os lepidópteros para se transformarem de lagarta
em borboleta), dependura-se numa folha por um par de falsas pernas, de cabeça
para baixo. E, mal a pele das costas se abre, a larva sacode-se e surge uma crisálida.
A adulta vive dessas reservas e complementa a sua dieta absorvendo o néctar das
flores e os sucos das frutas. A fase adulta pode durar de duas semanas a três
meses, conforme a espécie.
Belos e delicados, todos os tipos de borboletas encantam.
Porém, a mariposa, inseto bem similar, não tem igual sorte. Borboletas e
mariposas são espécies muito próximas, sendo consideradas “irmãs” pelos
cientistas. Pertencem à ordem Lepidoptera, uma das mais variadas do mundo animal.
Além de muitas semelhanças, borboletas e mariposas realizam a metamorfose,
passando do estado de lagarta para casulo e, por fim, ganhando asas. Muitos
creem que a diferença entre borboletas e mariposas é apenas estética, mas não é
assim. Para diferenciar a mariposa da borboleta, é necessário prestar atenção à
sua anatomia. As borboletas têm antenas finas e lisas, enquanto as mariposas
possuem antenas grossas e com aspeto peludo. Também as asas dão uma boa indicação:
quando a borboleta está a descansar, deixa as asas para cima, ao passo que as
mariposas mantêm as asas bem abertas e abaixadas.
Com as suas cores variadas, os voos das borboletas enchem os
olhos e aquentam o coração. Porém, há muitas espécies de borboletas em todo o mundo. Os estudos
indicam que haverá mais de 150 mil espécies de lepidópteros, entre borboletas e
mariposas. Mas, pensando apenas em borboletas, é de referir que são mais de
17.500 espécies catalogadas em todo o mundo.
Uma das grandes curiosidades sobre a
borboleta é que ela usa os pés para degustar. Com efeito, a
borboleta pousa delicadamente sobre uma flor, mas, durante esse ato gracioso, está
a experimentar o sabor da flor com os pés. Parece estranho para nós, mas
alguns insetos sentem os sabores pelos pés. É uma ótima forma de saber que
local é seguro para pousar, para se alimentar e até para se reproduzir. Pode soar-nos
a desagradável andar por aí a pisar sentindo o gosto de tudo, mas essa é uma
caraterística evolutiva importante nos insetos.
Não é possível passar uma eternidade a observar belas
borboletas a voarem, uma vez que as borboletas possuem uma vida intensa, mas
não muito longa. Segundo os estudos, a expectativa de vida das borboletas varia
muito. Em média, vivem entre duas e quatro semanas, após saírem do casulo. Pode
parecer pouco, mas é o suficiente: experimentam flores com os pés, alimentam-se,
copulam, procriam e morrem pacificamente. É tanto tempo que há uma espécie de
mariposa que nem precisa de tudo isso. Em apenas 24 horas, sai do casulo, vive
intensamente e morre de causas naturais.
Outra das muitas curiosidades das
borboletas é o tamanho. A espécie Ornithoptera alexandrae (da
Papua-Hova Guiné) é considerada a maior borboleta do mundo. Natural das
florestas de Papua-Nova Guiné, chega a atingir mais de 30 centímetros de
envergadura. Impressionante, se pensarmos que as espécies do género Morpho – género de borboleta predominantemente
azuis, da família Nymphalidae,
que vivem nas florestas tropicais da América Central e da América
do Sul – possuem em média 12 centímetros.
Observando uma borboleta de perto, pode-se identificar a
anatomia do inseto. Como outros da sua família, tem o corpo dividido em três
partes: cabeça, tórax e abdómen. Possui seis patas – três de cada lado – e dois
pares de asas. Além disso, possuem muitos olhos. São milhares de pequenos olhos
que dão a estes insetos uma espécie de hipervisão. Além das cores que nós
normalmente enxergamos, as borboletas podem ver raios ultravioletas, invisíveis
para nós. Esse superpoder é tão diferente que os especialistas têm dificuldade
em descrever a sensação. O que se sabe é que a visão das borboletas ajuda na
identificação do néctar e das flores.
Em termos de autodefesa, é de acentuar que, em alguns casos,
beleza é sinal de perigo. Assim, algumas espécies de mariposas são famosas por
serem venenosas. E as suas belas irmãs borboletas não ficam para trás. É o caso
das borboletas Ithomiini – uma tribo da família Nymphalidae, que abrange ao
menos 370 espécies conhecidas e mais de 1.500 raças. Este
lindo inseto possui asas coloridas em tons de laranja e amarelo e alimenta-se de
uma planta venenosa chamada de leiteira. Essa substância tóxica é transmitida
para a borboleta, que pode incomodar muito os predadores ou visitantes
indesejados. Por isso, o melhor é evitar tocar-lhe.
É entusiasmante o mundo destes belos insetos para as pessoas
entomófilas, que não devemos confundir com as plantas entomófilas, cuja polinização é assegurada pelos insetos.
2022.05.20 – Louro de Carvalho
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