sexta-feira, 20 de maio de 2022

Do gosto e do risco da caça às borboletas tão belas e tão frágeis

 

Induzido por comentário duma ilustre colega, vi uma nótula a referir que o Professor Joaquim Santos Júnior, médico, biólogo, antropólogo e etnólogo, numa das várias missões de investigação que realizou em Moçambique, quando pretendia caçar uma borboleta rara, deu uma grave queda que lhe provocou surdez, pelo que passou a usar um aparelho auditivo, e uma deficiência permanente numa das pernas, que o obrigou caminhar apoiado numa bengala.

Depois, a propósito da iniciativa da Câmara Municipal de Miranda do Douro de colocar ovelhas a limpar espaços verdes, mercê da escassez de mão-de-obra, e de ter em mente fazer tarefa similar com o burro mirandês, recordei o caso, já replicado por alguns lugares do país, da aplicação das “cabras sapadoras” à limpeza de terreno, para evitar o alastramento de fogos florestais.

Entretanto, li que há outros animais, menos óbvios, que podem ter papel significativo contra os incêndios rurais, como os insetos, que se alimentam de folhas e estimulam a produção de produtos químicos defensivos nas plantas, alterando-lhes a inflamabilidade, sendo que outros insetos têm papel importante na remoção de folhas mortas do solo da floresta. Além disso, há animais que podem alterar a propagação do fogo alterando o arranjo das plantas ou materiais mortos dentro do seu habitat, como certos tipos de pássaros; e outros, como os elefantes, pisam as plantas e formam amplos corredores entre a folhagem, servindo de corta-fogo em caso de incêndio.

Pensando em insetos e, em especial, na predita borboleta rara cuja tentativa de caça causou estragos físicos no sobredito professor, eventual predador, veio-me ao espírito o trabalho de Dom Teodoro Monteiro, o terceiro Abade do Mosteiro Beneditino de Singeverga (1969-1977), que me foi dado conhecer no tempo em que o monge era diretor do Colégio de Lamego.

As páginas web do mosteiro apontam laconicamente que a instituição “ uma coleção de borboletas única na Europa” e justapõem-na à indicação do famoso licor. Contudo, recordo das palestras do grande investigador e colecionador beneditino, que nos dava conta do gozo que lhe dava a caça e a descoberta de espécies raras de borboletas, bem como dos equipamentos que utilizava para as atrair e caçar sem lhes causar dano, em virtude do melindre destes insetos, em torno dos quais todo o cuidado era pouco. Em Lamego, o campo de trabalho de Dom Teodoro Monteiro era predominantemente de noite, no Monte do Poio, uma zona territorial bastante extensa que integra a Serra das Meadas.

Entretanto, li um texto de Helena Geraldes, jornalista de Natureza na revista “Wilder”, que releva um estudo publicado, a 9 de março de 2021, na revista científica Communications Biology, que reuniu informação genética de 97% das espécies de borboletas da Europa com uma resolução sem precedentes, de que resultou o maior e mais detalhado atlas genético das borboletas europeias, com 22.306 exemplares de 459 espécies sequenciados. Segundo Roger Vila, investigador do Laboratório de Diversidade e Evolução das Borboletas no Instituto de Biologia Evolutiva (IBE-CSIC) – Universidade Pompeu Fabra (UPF), “o objetivo principal do projeto era desenvolver uma base de dados exaustiva que permitisse ter uma imagem clara da diversidade e história evolutiva das borboletas europeias”. Assim, o novo atlas, que representa 15 anos de trabalho, permite a identificação de qualquer amostra de borboletas (fragmento, asa, ovo, conteúdo estomacal ou fezes de predadores), em qualquer local do continente, através do ADN.

Este enorme conjunto de dados pode ter grande impacto na conservação das borboletas e na identificação de pragas ou introdução de espécies exóticas no território. De acordo com os investigadores, “esta base de dados revelou áreas de elevada diversidade genética, que serão reservatórios de biodiversidade, e também populações com uma genética única que correm o risco de se extinguir se não forem protegidas”, vincou Vlad Dinca, investigador da Universidade finlandesa de Oulu e anteriormente investigador no IBE-CSIC. Isto, porque as regiões da Europa não são todas iguais para as borboletas. Por exemplo, “a diversidade genética das borboletas é claramente mais baixa na zona que esteve debaixo de gelo há 12.000 anos, no Centro e Norte da Europa”, explicou Vlad Dinca, que acredita poderem ser desenhados, com esta ferramenta “planos de proteção de espécies de borboletas muito mais eficazes”.

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Culturalmente, as borboletas são populares nas artes visuais (Li Zheng, na Universidade de Quanzhou, na China, criou polémica ao usar asas de borboletas para recriar quadros de Van Gogh) e literárias (v.g: Alberto Caeiro, Florbela Espanca).

As borboletas (panapanás ou panapanãs) são insetos da ordem Lepidotera classificados nas super famílias Hesperioidea e Papilionoidea, que constituem o grupo informal “Rhopalocera”. Os fósseis mais antigos conhecidos são do meio do Eoceno, entre há 40 a 50 milhões de anos.

As borboletas demonstram polimorfismo, mimetismo e aposematismo (coloração de advertência). Algumas, como a Borboleta-monarca, migram para longas distâncias. Algumas desenvolveram relações simbióticas e parasíticas com insetos sociais (por exemplo, as formigas). Outras espécies são pestes, pois, enquanto larvas podem danificar culturas ou árvores; porém, algumas espécies são agentes de polinização de algumas plantas e as lagartas de algumas borboletas (por exemplo, as da subfamília Miletinae) comem insetos nefastos.

 “Borboleta” – que se dizia, em Latim, “papilio” (tenda, pavilhão) e, em Grego, “psykhê” (alma, sopro de vida) – vem do termo “belbellita” (do Latim Vulgar, “bella bellita”), termo originado na palavra “belo” (em Latim, “bellus”). “Panapaná” e “panapanã” vêm do tupi panapa'ná. No Português do Brasil, “panapanã” também é nome coletivo para designar “bando de borboletas”.

A borboleta tem dois pares de asas membranosas cobertas de escamas, com variadas formas e cores, além de peças bucais adaptadas a sucção. Dispõe da espirotromba, um órgão especial, formado pelas maxilas, no aparelho sugador de insetos lepidópteros, que, em repouso, permanece enrolada, formando uma espiral que se estende ao sugar o néctar. Distingue-se da traça (mariposa) pelas antenas retilíneas que terminam em bola, pelos hábitos de vida diurnos, pela metamorfose que decorre dentro duma crisálida rígida e pelo abdómen fino e alongado. E, em repouso, a borboleta dobra as asas para cima. A borboleta pode ter o peso mínimo de 0,3 gramas e a mais pesada chega a pesar 3 gramas; alguns tipos de borboletas podem chegar a medir até 32 centímetros de asa a asa. Como outros insetos de holometabolismo (metamorfose completa), o seu ciclo de vida engloba quatro etapas: ovo (fase pré-larval); larva, também chamada lagarta ou taturana; pupa, (crisálida) que se desenvolve dentro do casulo; e imago, na fase adulta. Na fase de lagarta, alimenta-se vorazmente e cria reservas alimentícias. Quando a larva está pronta para virar crisálida (estado intermediário por que passam os lepidópteros para se transformarem de lagarta em borboleta), dependura-se numa folha por um par de falsas pernas, de cabeça para baixo. E, mal a pele das costas se abre, a larva sacode-se e surge uma crisálida. A adulta vive dessas reservas e complementa a sua dieta absorvendo o néctar das flores e os sucos das frutas. A fase adulta pode durar de duas semanas a três meses, conforme a espécie.

Belos e delicados, todos os tipos de borboletas encantam. Porém, a mariposa, inseto bem similar, não tem igual sorte. Borboletas e mariposas são espécies muito próximas, sendo consideradas “irmãs” pelos cientistas. Pertencem à ordem Lepidoptera, uma das mais variadas do mundo animal. Além de muitas semelhanças, borboletas e mariposas realizam a metamorfose, passando do estado de lagarta para casulo e, por fim, ganhando asas. Muitos creem que a diferença entre borboletas e mariposas é apenas estética, mas não é assim. Para diferenciar a mariposa da borboleta, é necessário prestar atenção à sua anatomia. As borboletas têm antenas finas e lisas, enquanto as mariposas possuem antenas grossas e com aspeto peludo. Também as asas dão uma boa indicação: quando a borboleta está a descansar, deixa as asas para cima, ao passo que as mariposas mantêm as asas bem abertas e abaixadas.

Com as suas cores variadas, os voos das borboletas enchem os olhos e aquentam o coração. Porém, há muitas espécies de borboletas em todo o mundo. Os estudos indicam que haverá mais de 150 mil espécies de lepidópteros, entre borboletas e mariposas. Mas, pensando apenas em borboletas, é de referir que são mais de 17.500 espécies catalogadas em todo o mundo.

Uma das grandes curiosidades sobre a borboleta é que ela usa os pés para degustar. Com efeito, a borboleta pousa delicadamente sobre uma flor, mas, durante esse ato gracioso, está a experimentar o sabor da flor com os pés. Parece estranho para nós, mas alguns insetos sentem os sabores pelos pés. É uma ótima forma de saber que local é seguro para pousar, para se alimentar e até para se reproduzir. Pode soar-nos a desagradável andar por aí a pisar sentindo o gosto de tudo, mas essa é uma caraterística evolutiva importante nos insetos.

Não é possível passar uma eternidade a observar belas borboletas a voarem, uma vez que as borboletas possuem uma vida intensa, mas não muito longa. Segundo os estudos, a expectativa de vida das borboletas varia muito. Em média, vivem entre duas e quatro semanas, após saírem do casulo. Pode parecer pouco, mas é o suficiente: experimentam flores com os pés, alimentam-se, copulam, procriam e morrem pacificamente. É tanto tempo que há uma espécie de mariposa que nem precisa de tudo isso. Em apenas 24 horas, sai do casulo, vive intensamente e morre de causas naturais.

Outra das muitas curiosidades das borboletas é o tamanho. A espécie Ornithoptera alexandrae (da Papua-Hova Guiné) é considerada a maior borboleta do mundo. Natural das florestas de Papua-Nova Guiné, chega a atingir mais de 30 centímetros de envergadura. Impressionante, se pensarmos que as espécies do género Morpho – género de borboleta predominantemente azuis, da família Nymphalidae, que vivem nas florestas tropicais da América Central e da América do Sul – possuem em média 12 centímetros.

Observando uma borboleta de perto, pode-se identificar a anatomia do inseto. Como outros da sua família, tem o corpo dividido em três partes: cabeça, tórax e abdómen. Possui seis patas – três de cada lado – e dois pares de asas. Além disso, possuem muitos olhos. São milhares de pequenos olhos que dão a estes insetos uma espécie de hipervisão. Além das cores que nós normalmente enxergamos, as borboletas podem ver raios ultravioletas, invisíveis para nós. Esse superpoder é tão diferente que os especialistas têm dificuldade em descrever a sensação. O que se sabe é que a visão das borboletas ajuda na identificação do néctar e das flores.

Em termos de autodefesa, é de acentuar que, em alguns casos, beleza é sinal de perigo. Assim, algumas espécies de mariposas são famosas por serem venenosas. E as suas belas irmãs borboletas não ficam para trás. É o caso das borboletas Ithomiini – uma tribo da família Nymphalidae, que abrange ao menos 370 espécies conhecidas e mais de 1.500 raças. Este lindo inseto possui asas coloridas em tons de laranja e amarelo e alimenta-se de uma planta venenosa chamada de leiteira. Essa substância tóxica é transmitida para a borboleta, que pode incomodar muito os predadores ou visitantes indesejados. Por isso, o melhor é evitar tocar-lhe.

É entusiasmante o mundo destes belos insetos para as pessoas entomófilas, que não devemos confundir com as plantas entomófilas, cuja polinização é assegurada pelos insetos.

2022.05.20 – Louro de Carvalho

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