domingo, 15 de maio de 2022

Medo de ser confrontados ou de encarar a diferença, não!

 

 

Está a chegar ao fim a primeira fase do processo sinodal 2021-2023 iniciado por Francisco em outubro de 2021. As dioceses de todo o mundo prepararam sínteses do trabalho de consultas a nível local para a subsequente entrega às respetivas conferências episcopais ou agremiações similares, que as remeterão à Secretaria-Geral do Sínodo para estudo.

Sobre a matéria falou o padre Paulo Terroso, membro da Comissão da Comunicação do Sínodo, no Vaticano, em entrevista à “Renascença” e à “Ecclesia”, difundida neste dia 15 de maio. Dela se respigam os dados reputados como essenciais.

Quanto à assunção, pelas comunidades católicas, da importância de colocar em andamento o processo sinodal, o sacerdote esclarece que “o processo é imparável”, tendo começado já antes deste Sínodo. Contudo, é de referir que “há alguma dificuldade, em compreender” o que é a “sinodalidade”, de que o Sínodo é apenas “uma expressão”.

Por isso, o entrevistado julga conveniente reforçar as experiências concretas de sinodalidade já existentes, como os conselhos económicos, os conselhos pastorais e os conselhos de consultores, em que as pessoas participam e que as motivam à participação “na organização e na vida das comunidades”. E alerta para o facto de o termo “sinodalidade” soar a estranho e exprimir um conceito genérico, que parece remeter para a vida interna da Igreja, quando é a grande rampa de lançamento para a relação com o mundo e para a abordagem de “outras questões que são importantes e urgentes”. Portanto, tem de se dar este passo, o da criação duma “eclesiologia forte”, a “eclesiologia de comunhão com a expressão sinodal”, bem como o de “uma base canónica de aplicação na vida das Igrejas particulares, das nossas paróquias, e na Igreja Universal”.

No atinente ao ineditismo da fase diocesana de consulta e da mobilização geral em torno do Sínodo, o Padre Terroso assegura que se trata de “colocar em prática aquilo que diz o Concílio Vaticano II”, o que estava por fazer. Com efeito, deve ser escutado o povo de Deus, em que se incluem “os leigos, os padres, os bispos e o próprio Papa”, pois o que diz respeito a todos “deve ser discutido por todos”. Faltava envolver todo o Povo de Deus nos processos que lhe interessam.

Não aconteceu a inversão da pirâmide hierárquica (nem é para isso, mas para criar estruturação circular, digo eu). E o padre observa que a Assembleia Plenária realizada em Roma, com todas as comissões, percebeu que os capítulos dois e três da “Lumen Gentium” são meramente justapostos e tiveram expressão no Direito Canónico, que valorizou “a dimensão da colegialidade entre os bispos e a da relação entre os bispos e o Papa”. Porém, o Direito Canónico é só “uma expressão da eclesiologia”, limitando-se a exprimir “uma doutrina da Igreja”. Urge, pois, concretizar “a envolvência de todo o Povo de Deus” através da criação de processos, metodologias e estruturas” que deem “uma expressão sinodal à vida da Igreja”, sob pena de falha rotunda do Sínodo.

Sobre a necessidade de escutar a voz dos pobres e excluídos – e não só a dos que desempenham alguma função ou responsabilidade dentro da Igreja, o sacerdote observa que “temos muito medo” e, porque, às vezes, “estamos entrincheirados”, “temos de dar assim uma sacudidela”. Temos medo das diferenças. Por exemplo, estranhamos uma newsletter que fale da comunidade de gays, lésbicas, transexuais ou dos pobres marginalizados, mas fala-se das periferias e dos improváveis. E temos de dialogar sem medo de ser confrontados, sem medo da diferença, sem medo de tocar os leprosos ou excluídos do nosso tempo, de quem temos andado afastados.

Admite o sacerdote que, tendo Jesus, desde o início da sua missão, ido ao encontro do que era tabu, se perdeu essa dinâmica nalguns aspetos da Igreja, sendo que aqueles/as que arriscam pagam “um preço bem caro de incompreensão, de condenação às vezes de difamação, até”. Mas “esse é o caminho, o caminho de saída, de encontro”. E, nele, “interrogando a Escritura e iluminando com a Escritura, os acontecimentos e esses encontros, o Evangelho vai ganhar aquela força e a frescura capaz de atrair”.

Mais: este processo tem a dizer algo a sociedade no seu todo “num tempo tão fragmentado, com pessoas tão divididas, numa sociedade tão polarizada e, ao mesmo tempo, quase a criarmos novamente dois blocos, pois já falámos do Ocidente e do Oriente”. Neste contexto, importa que a Igreja se decida a escutar-se, a caminhar em conjunto, sendo este um sinal para a humanidade.

Em relação ao risco de desmobilização do processo sinodal por parte das dioceses, o entrevistado não acredita que “quem participou neste processo e [o fez] bem que desmobilize”, pois o processo não é para acabar em 2023, é para continuar. De facto, “quem faz esta experiência de encontro, de oração, de escuta, de diálogo, de discernimento” sente que “essa experiência permanece”.

É certo que os grupos podem diminuir e o entusiasmo decrescer, como crescem as solicitações da sociedade e os fatores de dispersão, mas, se a sinodalidade fortalecer a consciência da beleza e da exigência do ser cristão e da força do viver em Igreja, nada nos demoverá. Para tanto, direi, impõe-se a observância da oração, diálogo – escuta e fala –, ação e participação.    

Questionado sobre se as impressões recolhidas a nível mundial preveem equacionar receios que este desafio do Sínodo suscita, escusa-se a falar em receios, mas aponta a dificuldade de criar “uma verdadeira sinfonia”. Na verdade, “a Igreja tem um alcance global, portanto, uma presença em todos os continentes e uma expressão cultural diferente”. Ora, “a nível dos princípios estamos de acordo”, mas o concreto é “mais complexo”. E a grande dificuldade será “do ponto de vista teológico e canónico”, do aprofundamento da eclesiologia e das tensões resultantes do Concílio Vaticano II. Por exemplo, a Liturgia “tornou-se um campo de batalha”. Não há risco de divisão, mas “momentos de alguma tensão”.

Confrontado com o facto de os Sínodos dos últimos anos terem a marca da tensão, sobressaindo a relação entre leigos e os sacerdotes, a forma de entender os cargos de liderança e o papel das mulheres nas comunidades católicas, o padre Terroso aponta o caso da “Praedicate Evangelium” (nova constituição da Cúria Romana), que é também expressão da sinodalidade e do pontificado de Francisco, da reforma da Cúria, e põe as coisas no devido local, acentuando que “a missão é de serviço”, que a nossa dignidade “é a dignidade batismal”. Ora, se a postura é a de que uns não são mais que os outros, as coisas “são mais fáceis de viver”, embora haja sempre tensões, como é natural. Contudo, o padre exprime uma especial preocupação pelos futuros sacerdotes, uma vez que, neste tempo, em termos de identidade e de equilíbrio emocional e psicológico, “as pessoas são muito frágeis”, pelo que tendem a reforçar “o autoritarismo”. E isto constituirá “uma das grandes dificuldades” a que se responderá na atualização da lógica beneditina trabalhando e rezando, estudando e rezando, porque os desafios e as interrogações que a sociedade nos coloca exigem da nossa parte muita humildade, escuta, estudo e oração. Se isto não for evidente na formação dos seminaristas de modo que a relação com Jesus Cristo seja “uma relação significativa que nos coloca verdadeiramente ao serviço, temos tudo para ter uma situação explosiva”.

Sendo o Sínodo um caminho de conversão pessoal e comunitária e devendo a Igreja estar aberta às mudanças que este caminho implica, o sacerdote prevê que, em 2023, anda não teremos uma igreja verdadeiramente sinodal, pois isso implica um “modo de pensar, de estar em Igreja que vai levar tempo”, sendo o caminho e o futuro da Igreja deixar a sua autorreferencialidade costumeira e passar à saída, à missão, ao diálogo, àquilo que é a evangelização. Postura diferente pode levar a igrejas desertas. Entretanto, os sinais de Deus estão à vista, bastando entendê-los e segui-los.

Contudo, o sacerdote adverte que importa não confundir sínodo e sinodalidade. Sínodo (do Grego, “sýnodos”, assembleia, conjunção, confluência, união, trato íntimo) é reunião, assembleia e já temos algumas estruturas sinodais como acima foi indicado. Já o conceito de sinodalidade – no Grego, “synodía” (viagem em companhia) – significa andar em conjunto, caminhada solidária, a fazer pelos caminhantes que se sentem solidários e interdependentes (no Grego, “synodoipóroi”, companheiros de viagem). A sinodalidade (diz o padre) parte duma disposição interior, de escuta do outro e do Espírito Santo, no encontro, na oração e na capacidade de tomar e operacionalizar decisões, sendo o Sínodo uma das expressões da sinodalidade. No centro do Sínodo estão as decisões, o processo de chegar a elas, a forma de as tomar e o modo de as operacionalizar, bem como de promover a prestação de contas sobre a execução e o efeito das decisões.  

Neste Sínodo, está em escopo “uma forma de desclericalização da Igreja e de nos entendermos como Povo de Deus, que em conjunto caminha” e “só a partir daqui é que será possível tomar outro tipo de opções”. Há que não ter medo. Esta é “a exortação mais repetida na Sagrada Escritura”. Importa saber “o que o Espírito de Deus está a dizer à Igreja” e “ler os sinais dos tempos”, por onde o Espírito nos está a conduzir.

2022.05.15 – Louro de Carvalho

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