Está
a chegar ao fim a primeira fase do processo sinodal 2021-2023
iniciado por Francisco em outubro de 2021. As dioceses de todo o mundo prepararam
sínteses do trabalho de consultas a nível local para a subsequente entrega às
respetivas conferências episcopais ou agremiações similares, que as remeterão à
Secretaria-Geral do Sínodo para estudo.
Sobre a matéria falou o padre Paulo Terroso, membro da Comissão da Comunicação do
Sínodo, no Vaticano, em entrevista à “Renascença” e à “Ecclesia”, difundida
neste dia 15 de maio. Dela se respigam os dados reputados como essenciais.
Quanto à assunção, pelas comunidades
católicas, da importância de colocar em andamento o processo sinodal, o
sacerdote esclarece que “o processo é imparável”, tendo começado já antes deste
Sínodo. Contudo, é de referir que “há alguma
dificuldade, em compreender” o que é a “sinodalidade”, de que o Sínodo é apenas
“uma expressão”.
Por isso, o entrevistado julga conveniente reforçar as experiências concretas
de sinodalidade já existentes, como os conselhos económicos, os conselhos
pastorais e os conselhos de consultores, em que as pessoas participam e que as
motivam à participação “na organização e na vida das comunidades”. E alerta
para o facto de o termo “sinodalidade” soar a estranho e exprimir um conceito genérico,
que parece remeter para a vida interna da Igreja, quando é a grande rampa de lançamento
para a relação com o mundo e para a abordagem de “outras questões que são
importantes e urgentes”. Portanto, tem de se dar este passo, o da criação duma “eclesiologia
forte”, a “eclesiologia de comunhão com a expressão sinodal”, bem como o de “uma
base canónica de aplicação na vida das Igrejas particulares, das nossas
paróquias, e na Igreja Universal”.
No atinente ao ineditismo da fase diocesana de consulta e da mobilização geral
em torno do Sínodo, o Padre Terroso assegura que se trata de “colocar em
prática aquilo que diz o Concílio Vaticano II”, o que estava por fazer. Com
efeito, deve ser escutado o povo de Deus, em que se incluem “os leigos, os
padres, os bispos e o próprio Papa”, pois o que diz respeito a todos “deve ser
discutido por todos”. Faltava envolver todo o Povo de Deus nos processos que
lhe interessam.
Não aconteceu a inversão da pirâmide hierárquica (nem é para isso, mas para
criar estruturação circular, digo eu). E o padre observa que a Assembleia
Plenária realizada em Roma, com todas as comissões, percebeu que os
capítulos dois e três da “Lumen Gentium” são meramente justapostos e tiveram expressão
no Direito Canónico, que valorizou “a dimensão da colegialidade entre os bispos
e a da relação entre os bispos e o Papa”. Porém, o Direito Canónico é só “uma
expressão da eclesiologia”, limitando-se a exprimir “uma doutrina da Igreja”. Urge,
pois, concretizar “a envolvência de todo o Povo de Deus” através da criação de processos,
metodologias e estruturas” que deem “uma expressão sinodal à vida da Igreja”,
sob pena de falha rotunda do Sínodo.
Sobre a necessidade de
escutar a voz dos pobres e excluídos – e não só a dos que desempenham alguma
função ou responsabilidade dentro da Igreja, o sacerdote observa que “temos
muito medo” e, porque, às vezes, “estamos
entrincheirados”, “temos de dar assim uma sacudidela”. Temos medo das
diferenças. Por exemplo, estranhamos uma newsletter que fale da comunidade de gays, lésbicas, transexuais ou
dos pobres marginalizados, mas fala-se das periferias e dos improváveis. E
temos de dialogar sem medo de ser confrontados, sem medo da diferença, sem medo
de tocar os leprosos ou excluídos do nosso tempo, de quem temos andado
afastados.
Admite o sacerdote que,
tendo Jesus, desde o início da sua missão, ido ao encontro do que era tabu, se
perdeu essa dinâmica nalguns
aspetos da Igreja, sendo que aqueles/as que arriscam pagam “um preço bem caro
de incompreensão, de condenação às vezes de difamação, até”. Mas “esse é o
caminho, o caminho de saída, de encontro”. E, nele, “interrogando a Escritura e
iluminando com a Escritura, os acontecimentos e esses encontros, o Evangelho
vai ganhar aquela força e a frescura capaz de atrair”.
Mais: este processo tem a
dizer algo a sociedade no seu todo “num tempo tão
fragmentado, com pessoas tão divididas, numa sociedade tão polarizada e, ao
mesmo tempo, quase a criarmos novamente dois blocos, pois já falámos do
Ocidente e do Oriente”. Neste contexto, importa que a Igreja se decida a escutar-se,
a caminhar em conjunto, sendo este um sinal para a humanidade.
Em relação ao risco de desmobilização do processo sinodal por parte das
dioceses, o entrevistado não acredita que “quem participou neste processo e [o
fez] bem que desmobilize”, pois o processo não é para acabar em 2023, é para
continuar. De facto, “quem faz esta experiência de encontro, de oração, de
escuta, de diálogo, de discernimento” sente que “essa experiência permanece”.
É certo que os grupos podem diminuir e o entusiasmo decrescer, como crescem
as solicitações da sociedade e os fatores de dispersão, mas, se a sinodalidade
fortalecer a consciência da beleza e da exigência do ser cristão e da força do viver
em Igreja, nada nos demoverá. Para tanto, direi, impõe-se a observância da
oração, diálogo – escuta e fala –, ação e participação.
Questionado sobre se as
impressões recolhidas a nível mundial preveem equacionar receios que este
desafio do Sínodo suscita, escusa-se a falar em receios, mas aponta a dificuldade
de criar “uma verdadeira sinfonia”. Na verdade, “a Igreja tem um alcance
global, portanto, uma presença em todos os continentes e uma expressão cultural
diferente”. Ora, “a nível dos princípios estamos de acordo”, mas o concreto é “mais
complexo”. E a grande dificuldade será “do ponto de vista teológico e canónico”,
do aprofundamento da eclesiologia e das tensões resultantes do Concílio
Vaticano II. Por exemplo, a Liturgia “tornou-se um campo de batalha”. Não há
risco de divisão, mas “momentos de alguma tensão”.
Confrontado com o facto de
os Sínodos dos últimos anos terem a marca da tensão, sobressaindo a relação
entre leigos e os sacerdotes, a forma de entender os cargos de liderança e o
papel das mulheres nas comunidades católicas, o padre Terroso aponta o caso da “Praedicate Evangelium” (nova constituição da Cúria
Romana), que é também expressão da sinodalidade e do pontificado de Francisco,
da reforma da Cúria, e põe as coisas no devido local, acentuando que “a missão
é de serviço”, que a nossa dignidade “é a dignidade batismal”. Ora, se a
postura é a de que uns não são mais que os outros, as coisas “são mais fáceis
de viver”, embora haja sempre tensões, como é natural. Contudo, o padre exprime
uma especial preocupação pelos futuros sacerdotes, uma vez que, neste tempo, em
termos de identidade e de equilíbrio emocional e psicológico, “as pessoas são
muito frágeis”, pelo que tendem a reforçar “o autoritarismo”. E isto constituirá
“uma das grandes dificuldades” a que se responderá na atualização da lógica
beneditina trabalhando e rezando, estudando e rezando, porque os desafios e as interrogações
que a sociedade nos coloca exigem da nossa parte muita humildade, escuta,
estudo e oração. Se isto não for evidente na formação dos seminaristas de modo
que a relação com Jesus Cristo seja “uma relação significativa que nos coloca
verdadeiramente ao serviço, temos tudo para ter uma situação explosiva”.
Sendo o Sínodo um caminho
de conversão pessoal e comunitária e devendo a Igreja estar aberta às mudanças
que este caminho implica, o sacerdote prevê que, em 2023, anda não teremos uma igreja verdadeiramente sinodal, pois
isso implica um “modo de pensar, de estar em Igreja que vai levar tempo”, sendo
o caminho e o futuro da Igreja deixar a sua autorreferencialidade costumeira e
passar à saída, à missão, ao diálogo, àquilo que é a evangelização. Postura diferente
pode levar a igrejas desertas. Entretanto, os sinais de Deus estão à vista,
bastando entendê-los e segui-los.
Contudo, o sacerdote adverte que importa não confundir sínodo e
sinodalidade. Sínodo (do Grego, “sýnodos”, assembleia, conjunção, confluência,
união, trato íntimo) é reunião, assembleia e já temos algumas estruturas
sinodais como acima foi indicado. Já o conceito de sinodalidade – no Grego, “synodía”
(viagem em companhia) – significa andar em conjunto, caminhada solidária, a
fazer pelos caminhantes que se sentem solidários e interdependentes (no Grego, “synodoipóroi”,
companheiros de viagem). A sinodalidade (diz o padre) parte duma disposição interior,
de escuta do outro e do Espírito Santo, no encontro, na oração e na capacidade de
tomar e operacionalizar decisões, sendo o Sínodo uma das expressões da sinodalidade.
No centro do Sínodo estão as decisões, o processo de chegar a elas, a forma de
as tomar e o modo de as operacionalizar, bem como de promover a prestação de contas
sobre a execução e o efeito das decisões.
Neste Sínodo, está em escopo “uma forma de desclericalização da Igreja e de
nos entendermos como Povo de Deus, que em conjunto caminha” e “só a partir
daqui é que será possível tomar outro tipo de opções”. Há que não ter medo. Esta
é “a exortação mais repetida na Sagrada Escritura”. Importa saber “o que o
Espírito de Deus está a dizer à Igreja” e “ler os sinais dos tempos”, por onde
o Espírito nos está a conduzir.
2022.05.15 – Louro de Carvalho
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