José
Ramos-Horta assumiu, a 20 de maio – depois de tomar posse a dezanove –, a
Presidência de Timor-Leste, no quadro das comemorações festivas dos 20 anos da
restauração da independência do país. As cerimónias contaram com delegações de
dezenas de países, tendo Portugal, Austrália, São Tomé e Príncipe e
Guiné-Bissau marcado presença ao mais alto nível.
Já no dia 17
chegavam a Díli delegações de embaixadas acreditadas na Indonésia e em
Timor-Leste, entre as quais a do Reino Unido.
O Presidente
da República de Portugal chegou à capital
timorense na manhã do dia 19. A bordo do avião da Euro-atlântico,
com Marcelo Rebelo de Sousa, viajaram João Gomes Cravinho, ministro dos
Negócios Estrangeiros, e Edite Estrela, vice-presidente da Assembleia da
República.
Além destes,
participaram nos festejos e nas cerimónias protocolares: o ministro dos
Negócios Estrangeiros de Singapura, Vivian Balakrishnan, em representação do
Primeiro-Ministro; o ministro neozelandês do Desarmamento e Controlo de Armas,
Phil Twyford; o Presidente da Assembleia Nacional de São Tomé e Príncipe; a
ministra cabo-verdiana da Presidência do Conselho de Ministros; o
secretário-executivo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), Zacarias da Costa; o ministro da Casa Civil da Presidência da República
de Moçambique; o governador-geral australiano, David Hurley; o ministro coordenador
indonésio de Assuntos Políticos e Jurídicos e de Segurança, Mahfud MD; o
Primeiro-Ministro da Guiné-Bissau, Nuno Gomes Nabiam; representantes dos
governos do Brasil, Angola e Japão; e o ministro do Planeamento e
Desenvolvimento Económico da Serra Leoa, Francis Mustapha Kai-Kai, na qualidade
de responsável do G7+, que agrega países com conflitos em curso ou historial.
***
Ramos-Horta, Presidente de Timor-Leste pela segunda
vez, elegeu como “prioridade absoluta” a implementação urgente de medidas
contra a subnutrição dos segmentos mais vulneráveis da população e para impedir
que os pobres “fiquem mais pobres”. Efetivamente, como apontou, em
declarações à agência Lusa, o
Presidente tem “ideias concretas do que é necessário mobilizar”, sendo a
prioridade absoluta “evitar que, face a esta crise mundial, resultado da guerra
da Ucrânia e da pandemia, os timorenses pobres fiquem mais pobres ainda e que
venham a passar fome”.
E diz o Chefe de Estado que “é inaceitável que, com
as condições que Timor-Leste tem, condições financeiras, haja alguém a morrer
de forme em Timor”. Por isso, Ramos-Horta
defende um eventual programa com o apoio da Unicef, dotado de 10 milhões de
dólares – o equivalente a 9,6 milhões de euros – anuais, com o escopo de “eliminar
a subnutrição infantil extrema”, desde logo privilegiando mães em gestação e
crianças até aos dois anos de idade. O programa seria reforçado por uma
iniciativa para a abertura de escolas pré-primárias “com condições para eliminar a subnutrição
e o mau aproveitamento escolar em todo o país”.
***
O
programa oficial iniciou-se com um jantar a 19 de maio, sob a presidência do Chefe
de Estado cessante, Francisco Guterres Lú-Olo (foi ele quem leu a declaração de
independência a 20 de maio de 2002), antes da investidura de Ramos-Horta, em
Tasi Tolu. E, a 20 de maio, realizaram-se as cerimónias oficiais no Palácio Presidencial,
a que se seguiu a sessão plenária do Parlamento.
***
A
parte ocidental da ilha de Timor, com capital em Kupang, pertence à República
da Indonésia. A parte oriental, cuja capital é Díli, pertencia a Portugal desde
o século XVI. Quando os primeiros mercadores e missionários portugueses aportaram
à ilha de Timor em 1515, encontraram populações organizadas em pequenos Estados,
reunidos em duas confederações – Servião e Belos – que praticavam religiões
animistas. O islamismo, religião predominante na Indonésia, não tinha chegado a
Timor, nem o budismo que, sobretudo no Século VIII, imprimiu a sua marca em
Java.
No 3.º
quartel do século XVI chegaram os primeiros frades dominicanos portugueses, que
encetaram a sistemática e progressiva influência religiosa, secundada pela
dominação portuguesa. A evolução cultural processou-se em sentido oposto ao verificado
nas atuais ilhas indonésias de Java, Sumatra e nas costas de Kalimantan e de
Sulawesi, onde o islamismo se estendeu.
Em 1651, os
holandeses conquistaram Kupang, no extremo oeste da ilha, e começam a penetrar
até à metade do território. Em 1859, um tratado firmado entre Portugal e
Holanda fixou a fronteira entre Timor Português (Timor-Leste) e Timor Holandês
(Timor Ocidental). Em 1945, a Indonésia obteve a independência, passando Timor
Ocidental a fazer parte do seu território.
Na II Guerra
Mundial, as Forças Aliadas (australianas e holandesas), reconhecendo a posição
estratégica de Timor, estabeleceram posições no território e envolveram-se em
duros confrontos com as forças japonesas. Dezenas de milhares de Timorenses
deram a vida lutando ao lado dos Aliados. Em 1945, foi restaurada em
Timor-Leste a Administração Portuguesa.
Entre 1945 e
junho de 1974, o governo indonésio, obedecendo ao Direito Internacional,
afirmou, na ONU e fora dela, não ter reivindicações territoriais sobre Timor
Oriental (Leste). Ao abrigo da resolução 1514 (XV) de 14 de dezembro de 1960,
Timor-Leste foi considerado pelas Nações Unidas como um Território
Não-Autónomo, sob administração portuguesa. De 1962 a 1973, a Assembleia Geral
da ONU aprovou sucessivas resoluções, afirmando o direito de Timor-Leste à
autodeterminação, tal como das restantes colónias portuguesas. Em Portugal, o
regime de Salazar (depois, de Marcelo Caetano) recusou-se a reconhecer esse
direito, afirmando que Timor Oriental era província tão portuguesa como
qualquer outra de Portugal Continental.
A Revolução
de 25 de Abril de 1974, que restaurou a democracia, consagrou o respeito pelo
direito à autodeterminação das colónias. Visando promover o exercício desse direito,
foi criada, em Díli, a 13 de maio daquele ano, a Comissão para a
Autodeterminação de Timor. O Governo Português autorizou a criação de partidos
políticos, surgindo assim três organizações partidárias em Timor-Leste: UDT
(União Democrática Timorense), que preconizava “a integração de Timor numa comunidade
de Língua Portuguesa”; a ASDT (Associação Social-Democrata Timorense), depois
transformada em FRETILIN (Frente Revolucionária de Timor-Leste Independente), que
defendia o direito à independência; e a APODETI (Associação Popular Democrática
Timorense), propunha a “integração com autonomia na comunidade Indonésia”.
Em 1975, a
dissolução do império colonial português fez aumentar os movimentos de libertação
locais. Em maio, Lisboa apresentou um projeto aos principais partidos
Timorenses e, depois de os ouvir, publicou, a 11 de julho a lei que previa a
nomeação de um Alto-Comissário português, e, em outubro, a eleição de uma
Assembleia Popular para definir o seu estatuto político. O diploma previa um
período de transição de cerca de três anos.
Desde janeiro
de 1975, estava em marcha um programa local de progressiva descolonização, com
uma Reforma Administrativa, que levou à realização de eleições para a
administração regional do Conselho de Lautém. Os resultados dessa consulta
popular evidenciaram o reduzido apoio da APODETI, tornando-se óbvio que, por
processos democráticos, os Timorenses nunca aceitariam a integração no país
vizinho. Muito antes dessas eleições regionais, era claro que a esmagadora maioria
dos Timorenses recusava a integração na Indonésia. As diferenças culturais eram
uma das principais razões de fundo desta recusa.
Em 28 de novembro
de 1975, dá-se a proclamação unilateral da Independência de Timor-Leste pela
FRETILIN e pelo primeiro Presidente da República, Xavier do Amaral, assumindo o
cargo de Primeiro-Ministro Nicolau Lobato, que viria a ser o primeiro líder da
Resistência Armada, desencadeando-se a guerra civil.
A 7 de
dezembro, a Indonésia, para proteger os seus cidadãos em território Timorense,
invade a parte Leste da ilha e rebatiza o território de Timor Timur, tornando-o
a sua 27.ª província, com o apoio tácito do governo norte-americano, que via a FRETILIN
como organização marxista.
Após a
ocupação do território pela Indonésia, a Resistência Timorense consolida-se,
inicialmente sob a liderança da FRETILIN. A apoiar as FALINTIL (Forças Armadas
de Libertação de Timor-Leste), criadas a 20 de agosto de 1975, organiza-se a
Frente Clandestina a nível interno, e a Frente Diplomática, a nível externo. Depois,
sob a liderança de Xanana Gusmão é implementada a política de Unidade Nacional,
unificando os esforços de todos os setores políticos e avançando com a
despartidarização das estruturas da Resistência, transformando o CRRN (Conselho
Revolucionário de Resistência Nacional) em CNRM (Conselho Nacional de
Resistência Maubere), mais tarde transformado em CNRT (Conselho Nacional de
Resistência Timorense), que viria a liderar o processo até à independência.
Chocou o mundo o massacre no cemitério de Santa Cruz, em Díli, a 12 de novembro
de 1991!
Aproximadamente
um terço da população do país, mais de 250 mil pessoas, morreu na guerra. O uso
do Português foi proibido e o do Tétum foi desencorajado pelo Governo
pró-indonésio, que realizou violenta censura à imprensa e restringiu o acesso
de observadores internacionais ao território até a queda de Suharto em 1998.
Porém, em 1996 José Ramos-Horta e o bispo de Díli, D. Ximenes Belo, foram
galardoados com o Nobel da Paz pela defesa dos direitos humanos e da
independência de Timor-Leste. Em 1998, com a queda de Suharto, findo o “milagre
económico indonésio”, B. J. Habibie assumiu a presidência desse país, acabando
por concordar com a realização de um referendo onde a população votaria “sim”,
se quisesse a integração na Indonésia com autonomia, e “não”, se preferisse a
independência. No referendo de 30 de agosto de 1999, com mais de 90% de
participação e 78,5% de votos “não”, Timor rejeitou a autonomia proposta pela
Indonésia, optando pela independência formal. Apesar disso, milícias
pró-Indonésia continuaram a atuar no território, atacando inclusive a sede da
UNAMET (observadores das Nações Unidas) e provocando a saída de D. Ximenes Belo
para a Austrália e o asilo de Xanana na embaixada inglesa em Jacarta. E continuaram
os assassinatos por milícias anti-independência, armadas por membros do
exército indonésio descontentes com o resultado do referendo.
As imagens
despertaram protestos em vários países do mundo junto às embaixadas da
Indonésia, norte-americanas e britânicas, e junto às Nações Unidas, exigindo a
rápida intervenção para fazer cessar os assassinatos. Em Portugal nunca se
viram tantas manifestações populares de norte a sul do país desde o 25 de Abril
de 1974. Pela primeira vez a Internet foi utilizada em massa na divulgação de
campanhas pró Timor e pela rápida intervenção da ONU.
Finalmente, a
18 de Setembro de 1999, partiu um contingente de “capacetes azuis” das Nações
Unidas, uma força militar internacional composta inicialmente de 2500 homens,
depois aumentada para oito mil, incluindo australianos, malaios, britânicos, italianos,
franceses, norte-americanos, canadianos, brasileiros, argentinos e outros. A
missão da força de paz, chefiada por Sérgio Vieira de Mello (brasileiro), era
desarmar os milicianos e auxiliar o processo de transição e a reconstrução do
país. Portugal e vários outros países organizaram campanhas para arrecadar
donativos, víveres e livros. A situação foi-se controlando, com o desarmamento progressivo
das milícias e o início da reconstrução de moradias, escolas e restantes
infraestruturas. Xanana Gusmão retornou ao país, como outros Timorenses no
exílio, incluindo muitos com formação universitária. Fizeram-se eleições para a
Assembleia Constituinte, que elaborou a Constituição de Timor-Leste, em vigor
desde 20 de maio de 2002, passando a ser este o Dia da Restauração da Independência de Timor-Leste. E Xanana Gusmão
foi o primeiro Presidente eleito.
Agora, cumpre
responder aos desafios e ser operante no concerto das nações!
2022.05.20 – Louro de Carvalho
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