terça-feira, 31 de maio de 2022

No termo do mês de maio de 2022, sempre Mês de Maria

 

É da tradição eclesial e popular o mês de maio – mês da mãe e do trabalho – ser dedicado a Nossa Senhora, que o poeta sábio Afonso X, rei de Castela e de Leão, em Cantigas de Santa Maria, denomina de “flor das flores” e “rosa das rosas”.

As manifestações litúrgicas e devocionais a Maria, neste mês, são muitas, sobressaindo a Peregrinação Internacional Aniversária a Fátima nos dias 12 e 13 (assinalando a primeira Aparição), várias peregrinações e festas locais e regionais, a oração junto de imagens da Virgem em ruas e praças e o culto do Mês de Maria em paróquias, santuários, capelanias e casas religiosas.

É de referir que, no último dia de maio, se celebra a festa litúrgica da Visitação da Virgem Santa Maria, em que a Mãe de Deus foi ao encontro da sua parenta Isabel, que tinha concebido um filho em idade provecta, apesar de ser considerada estéril, e a saudou. No feliz encontro das duas futuras mães, o Redentor que vinha ao mundo santificou o precursor ainda no seio da sua mãe; e Maria, respondendo à saudação de Isabel e exultando na alegria do Espírito Santo, deu glória ao Senhor com um cântico de louvor, o “Magnificat” (em Grego, “Megalýnei”), reconhecendo a grandeza e a misericórdia do Senhor e prevendo que todas as gerações A proclamarão “Bem-aventurada”.

Entretanto, apraz-me trazer à colação o livreto Mês de maio com Maria, elaborado pela equipa do Regional NE2-CNBB, em ordem ao exercício de uma das formas de preparação orante do XVIII Congresso Eucarístico Nacional, a realizar no próximo mês de novembro, no Recife.

Frisa a susodita equipa que este subsídio mariano “foi preparado para auxiliar na celebração do mês de maio” e animar a devoção à Virgem Maria, Mãe de Deus e da Igreja, “tão cara ao nosso povo”, servindo como instrumento de promoção da comunhão pastoral entre as nossas Igrejas particulares”, comunhão amorosa efetiva que é a marca dos discípulos.

Celebrando em conjunto o Mês de Maria, a partir dum referencial comum, quer a equipa a renovação e o fortalecimento do desejo e do compromisso de “construir e testemunhar a unidade, como dom e tarefa”, que se evidencia na beleza do “mosaico multiforme” das Igrejas particulares.

Além disso, este contributo instrumental insere-se na rota de preparação para a celebração do referido congresso, “evento que une toda a Igreja do Brasil em torno da Eucaristia, centro e ápice da vida e da missão eclesial”. Por isso, neste mês de Maria, os crentes brasileiros foram instados a contemplar e a celebrar a presença da Virgem Maria nas comunidades de fé como “Mulher Eucarística, modelo da Igreja que vive da Eucaristia” (cf São João Paulo II, Ecclesia de Eucharistia 1 e 53). Com efeito, o Papa polaco afirmava que “Maria é mulher eucarística na totalidade da sua vida”, pelo que “a Igreja, vendo em Maria o seu modelo, é chamada a imitá-La também na sua relação com este mistério santíssimo” (EE 53). Toda a vida de Maria é prospetada na linha do mistério pascal e, portanto, direcionada à Eucaristia, que é a atualização sacramental da Páscoa do Senhor. O lema “Fazei o que Ele vos disser” (Jo 2,5) é a exortação da Virgem aos servos nas bodas de Caná, conselho amoroso que redunda em convite à confiança e incitamento à obediência ao Senhor. É a atitude exigida à Igreja, chamada a perpetuar as palavras e os gestos do Redentor, no mistério da Eucaristia e no campo da vida.

Com efeito, na última ceia, os Apóstolos recebem de Jesus o mandato: “Fazei isto em minha memória” (Lc 22,19). E nós, ao ouvirmos a Mãe que nos diz “Fazei o que Ele vos disser”, volvemos o coração para o Mistério Eucarístico, acolhemos a palavra de Jesus que nos doa a Eucaristia e, fazendo o que Ele nos diz, proclamamos que a Igreja vive da Eucaristia, como verdade essencial e síntese do seu próprio mistério (cf EE 1). Na verdade, com a sua maternal e protetora diligência de Mãe da Igreja, como em Caná, Ela apela a que não hesitemos, antes confiemos na palavra do seu Filho, pois, se Ele pôde mudar a água em vinho, pode fazer do pão e do vinho o seu corpo e o seu sangue, entregando aos crentes o mistério do memorial vivo da sua Páscoa e tornando-se no pão de vida e no vinho da salvação, Corpo e Sangue de Cristo.

À luz o tema “Maria, Mulher Eucarística, modelo da Igreja que vive da Eucaristia”, um congresso eucarístico pode despertar nos crentes uma autêntica piedade eucarística para viverem na sua integridade o Mistério do Sacramento, quer na celebração, quer no testemunho de vida. E, com o mesmo espírito de Maria, a Mulher Eucarística, experimentarão a tensão do Reino anunciado por Jesus, conscientes de que, “sempre que o Filho de Deus Se torna presente entre nós na ‘pobreza’ dos sinais sacramentais do pão e do vinho, se lança no mundo o germe a história nova que verá os poderosos “derrubados dos seus tronos” e “exaltados os humildes” (cf Lc 1,52; EE 58). E, experienciando a força transformadora da Eucaristia, os crentes serão sinais deste mundo transformado, com “pão em todas as mesas” e sem haver quaisquer necessitados nas comunidades cristãs, que pretendem fermentar o mundo de Evangelho.

Em relação ao último dia do Mês de Maria e à festa da Visitação, é referido que, se o “Magnificat” exprime a espiritualidade de Maria, nada melhor do que esta espiritualidade, que interliga Maria, Eucaristia e Igreja (é de relembrar que o povo português invoca, não raro, Maria como Nossa Senhora do Santíssimo Sacramento) para nos ajudar a viver o mistério eucarístico e a tomar consciência da grandeza e profundidade do dom da Eucaristia que recebemos, para que a nossa vida, à semelhança da de Maria, seja toda ela um Magnificat” (EE 58).

Assim, tendo percorrido este mês de maio, com a união da piedade mariana ao Mistério da Páscoa de Jesus Cristo, devemos correr apressadamente, como a Mãe de Deus, para vivermos no concreto, à luz do Evangelho da visitação da partilha de vida, a solidariedade com os irmãos e irmãs que não têm o pão nas suas mesas.

Agora, somos convidados a glorificar a Serva do Senhor que nos ensina que o Senhor “sacia de bens os famintos”. O encontro exultante dos dois filhos (João Batista e Jesus de Nazaré), levados no ventre materno das duas mães, revela a alegria da salvação que chegou no mundo. É Maria a Mãe, a cristófora, que leva como num relicário-ostensório vivo, o Filho de Deus, para que a humanidade reencontre a beleza da criação com a sua presença. É Ela, que entoa o “Magnificat”, hino de beleza singular que nos mostra o rumo que devemos tomar. O Senhor faz maravilhas em nós, como fez em Maria, faz com que a Igreja seja defensora dos mais necessitados, faz com que a nossa vida seja vida eucarística e faz-nos coroar com a nossa devoção a mãe discípula e missionária. E a melhor coroa que mais Lhe quadra como o mais belo ornamento é a coroa da nossa gratidão, que nos leva a fazer tudo o que Jesus nos disser, comprometendo-nos com a Palavra, compromisso que se concretiza na perceção das necessidades das pessoas que sofrem (“Eles não têm vinho!” Jo 2,2) e na colocação das nossas pessoas na rota da solidariedade.

Isto postula a introdução, na espiritualidade mariana, da docilidade ao Espírito Santo, seja para cantarmos com Maria os louvores de Deus, juntamente com todas as suas criaturas, seja para percorrermos os caminhos dos irmãos e das irmãs que precisam da nossa solidariedade, mesmo que não a apreciem. É a opção preferencial pelos pobres que está em causa na Igreja, simultaneamente com a radical aposta em Deus.

Não será de esquecer comentário que o Cardeal-Patriarca de lisboa fez, na homilia da solenidade da Ascensão do Senhor, na capela de Nossa Senhora da Conceição da Rocha, assinalando o II Centenário do aparecimento da pequenina imagem da Virgem numa gruta rochosa do vale do rio Jamor. Considerando que a Ascensão do Senhor constitui a nossa esperança – pois, “tendo-nos precedido como nossa Cabeça na glória, para aí nos chama como membros do seu Corpo” (oração coleta) –, observou que a Virgem, imaculadamente concebida por assim convir ao seu estatuto de Mãe do Senhor, replica, a seu modo, a Ascensão de Cristo na sua Assunção ao Céu. Se a Ascensão de Jesus completa o seu percurso pascal (paixão, morte, descida à mansão dos mortos, ressurreição, transformação do discipulado em fraternidade e apostolado missionário e ascensão), a Assunção de Maria é o coroamento da participação da Mãe no mistério pascal do Senhor. É a forma eloquente com que nos aponta o caminho da nossa participação na Páscoa, caminho que Ela seguiu e nos ensina a percorrer de olhos postos no Alto (Ela é do Céu), a que nos afeiçoamos e donde recebemos uma força adjuvante para crescimento no ser e na missão, e pés assentes na Terra, em que peregrinamos, na atenção àqueles e àquelas que não têm o vinho do bem-estar terreno e da salvação e no propósito firme de fazer o que Ele manda.

É bem verdade o que o povo crente diz e sente, quando proclama: “Por Maria Jesus” (Per Mariam ad Iesum).

2022.05.31 – Louro de Carvalho

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