segunda-feira, 30 de maio de 2022

A varíola do macaco alastra pela Europa e pelo mundo

 

 

Trata-se de uma doença rara, causada pelo vírus da varíola símia, que é estruturalmente conexo com o vírus da varíola e causa doença semelhante, mas, regra geral, mais leve.

Em razão da vacinação mundial, não ocorreu nenhum caso de varíola no mundo desde 1977, pelo que a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomendou, em 1980, a descontinuação da vacinação rotineira contra varíola, a qual já tinha cessado nos EUA, em 1972. E, como os seres humanos são os únicos hospedeiros naturais do vírus de varíola e este não pode sobreviver, no meio ambiente, mais que dois dias, a OMS declarou erradicada a infeção natural.

Há, pelo menos, duas cepas do vírus da varíola: a varíola major (varíola clássica), a mais virulenta; e a varíola minor (alastrim), a menos virulenta.

A varíola, altamente contagiosa, é transmitida de pessoa para pessoa, sobretudo, por inalação de gotículas respiratórias ou, de forma menos eficiente, por contato direto. E também podem transmitir a infeção vestuários ou roupas de cama contaminados. A infeção é muito contagiosa nos primeiros 7 a 10 dias após o aparecimento do exantema. Assim que se formam crostas nas lesões de pele, a contagiosidade declina. A taxa de ataque é tão alta que 85% em pessoas não vacinadas e casos secundários podem atingir de 4 a 10 pessoas para cada caso primário. Entretanto, a infeção tende a disseminar-se de forma lenta e, principalmente, entre contactos íntimos. O vírus invade a mucosa orofaríngea ou respiratória e multiplica-se nos linfonodos regionais, causando subsequente viremia. Localiza-se eventualmente em pequenos vasos sanguíneos da derme e na mucosa orofaríngea. Porém, outros órgãos estão clinicamente envolvidos, de forma rara, exceto ocasionalmente o sistema nervoso central, com encefalite. Podem ocorrer infeções secundárias da pele, pulmões e ossos.

Agora, está a alastrar pela Europa e pelo mundo a varíola do macaco ou varíola símia, que pertence, aliás como a varíola, ao grupo dos ortopoxvírus. Contudo, apesar da designação, os primatas não humanos não são reservatórios destes vírus. E, embora o reservatório seja desconhecido, os principais candidatos são pequenos roedores das florestas tropicais da África, nomeadamente da África Ocidental e da África Central.

Esta doença ocorre em humanos esporadicamente na África e em epidemias ocasionais. A maioria dos casos foi notificada na República Democrática do Congo. Em 2003, ocorreu, nos EUA, uma epidemia desta varíola, quando roedores infestados, importados da África como animais de estimação, disseminaram o vírus para cães de estimação que infetaram pessoas no Meio Oeste, dando origem a uma epidemia que teve 35 casos confirmados, 13 prováveis e 22 suspeitos em 6 estados, mas sem haver mortes. Desde 2016, foram notificados casos confirmados na Serra Leoa, na Libéria, na República Centro-Africana, na República do Congo e na Nigéria, tendo esta sofrido o maior surto recente. Crê-se que o aumento recente de 20 vezes na incidência decorra da interrupção da vacinação contra a varíola em 1980; as pessoas que receberam a vacina contra a varíola, mesmo mais de 25 anos antes, têm menor risco de varíola símia. Na África também estão a aumentar os casos pelo facto de as pessoas estarem a invadir cada vez mais os habitats dos animais que portadores do vírus. Entre os seus sintomas, contam-se as erupções cutâneas, a febre alta, as dores musculares e as glândulas inchadas.

É transmitida por contacto próximo, mas não necessariamente através de relações sexuais: é, provavelmente, transmitida de animais através de secreções fisiológicas, como gotículas de saliva ou respiratórias ou contacto com exsudato de feridas. A transmissão de um indivíduo para outro parece ocorrer principalmente por meio de grandes gotículas respiratórias via contacto direto e pessoal prolongado. A taxa geral de ataque secundário depois do contacto com uma fonte humana conhecida é de 3%; foram relatadas taxas de ataque de até 50% em pessoas que vivem com uma pessoa infetada pela varíola símia; e foi documentada transmissão em ambientes hospitalares.

A maioria dos pacientes são crianças. Na África, a taxa de casos fatais varia entre 4 e 22%.

Clinicamente, a varíola símia é semelhante à varíola, mas as lesões cutâneas ocorrem com mais frequência em surtos e a linfadenopatia ocorre na varíola símia, não na varíola humana. E pode ocorrer infeção bacteriana secundária da pele e dos pulmões. Pode não será fácil diferenciar clinicamente varíola do macaco, varíola e varicela (herpesvírus, não vírus pox). O diagnóstico da varíola símia é por cultura, PCR (polymerase chainreaction), exame imuno-histoquímico ou microscopia eletrónica, consoante os tipos de testes disponíveis.

Não há tratamento seguro e comprovado para infeção por vírus da varíola símia. O tratamento é de suporte. E os fármacos potencialmente úteis incluem o fármaco antiviral tecovirimat, aprovado pela US Food and Drug Administration (FDA), para o tratamento da varíola, e o fármaco antiviral cidofovir ou brincidofovir (CMX001). Todos esses fármacos têm atividade contra a varíola símia in vitro e em modelos experimentais. Mas nenhum deles foi estudado ou utilizado em áreas endémicas para tratar a varíola do macaco.

Porém, foi autorizada pela FDA, em 2019, a nova vacina contra varíola JYNNEOS, para a prevenção tanto da varíola símia como da varíola, com base em dados sobre imunogenicidade e eficácia obtidos de estudos com animais. O Advisory Committee on Immunization Practices (ACIP) está a avaliar a JYNNEOS, que não está disponível ao público, para a proteção daqueles que estão em risco de exposição ocupacional ao ortopoxvírus.

Dados prévios da África sugerem que tal vacina tem, pelo menos, 85% de eficácia na prevenção da varíola símia, pois o vírus desta doença está intimamente relacionado com o vírus que a causa.

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Subiu para cerca de uma centena o número de casos de infeção humana por vírus Monkeypox em Portugal, como indicou a Direção-Geral da Saúde (DGS) no dia 27 de maio, sendo Portugal o país que regista mais casos por milhão de residentes. A maioria das infeções foram reportadas, até ao momento, em Lisboa e Vale do Tejo, mas também há registo de casos nas regiões Norte e no Algarve. “Todas as infeções confirmadas são em homens entre os 23 e os 61 anos, tendo a maioria menos de 40 anos”, lê-se no comunicado da DGS, indicando que os novos casos foram confirmados pelo Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA). E os britânicos aconselham infetados com monkeypox a evitar o contacto com animais de estimação. Não obstante, os epidemiologistas pensam que é cedo, para se falar de epidemia e creem poder parar a transmissão fora dos países endémicos. E a OMS aponta que a varíola símia pode ser a “ponta do icebergue”.

A DGS refere que “os casos identificados se mantêm em acompanhamento clínico, encontrando-se estáveis” e que a “informação recolhida através dos inquéritos epidemiológicos está a ser analisada para contribuir para a avaliação do surto a nível nacional e internacional”. Por outro lado, estuda a necessidade de administrar a vacina a contactos de casos confirmados e a profissionais de saúde e recomenda que as pessoas com “erupção cutânea, lesões ulcerativas, gânglios palpáveis, eventualmente acompanhados de febre, arrepios, dores de cabeça, dores musculares e cansaço, devem procurar aconselhamento clínico”. Assim, “ao dirigirem-se a uma unidade de saúde, deverão cobrir as lesões cutâneas”. Perante os sintomas de suspeitas, devem ser reforçadas as medidas a implementar, como evitar o “contacto físico direto com outras pessoas e a partilha de vestuário, toalhas, lençóis e objetos pessoais, enquanto estiverem presentes as lesões cutâneas, em qualquer estádio, ou outros sintomas. No seu relatório de 26 de maio, a DGS fez saber que que Portugal está a diligenciar no sentido de “construir uma reserva nacional de vacinas, através do mecanismo europeu”. E adiantou que, no contexto deste surto “está a ser estudada”, por especialistas da Comissão Técnica de Vacinação da DGS, “a eventual necessidade de administrar a vacina a contactos de casos confirmados e a profissionais de saúde”.

Como foi dito, a varíola dos macacos espalha-se pelo mundo. E, em França, a ministra da Saúde reuniu-se de emergência com cientistas de uma unidade de investigação biológica no Instituto Pasteur para discutir os sete casos confirmados no país. Porém, a governante gaulesa considera:

Esta doença é, maioritariamente, benigna, e que as pessoas estão isoladas em casa, para prevenção. (...) Por isso, é recomendado, de facto, que se fique em isolamento quando se está afetado, mas é uma doença que em duas ou três semanas se desvanece.”.

E a OMS avisou que é impossível “parar” a transmissão da doença entre as pessoas. No entanto, serenou os ânimos, afirmando que esta doença é uma prima menos perigosa da varíola que foi erradicada há cerca de 40 anos, e é endémica em 11 países da África Ocidental e Central.

(Além de vários órgãos da comunicação social, foi tido em conta o teor do Manual MSD, Versão para Profissionais de Saúde, e Manual MSD, Versão Saúde para a Família).

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Enfim, SARS-CoV-2, gripe A, guerra na Europa, varíola símia! Não há mal que venha só.

2022.05.30 – Louro de Carvalho

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