A sociedade estava cansada, o trabalho nas escolas
sufocava e era preciso celebrar o 25 de Abril em normalidade. Assim, apesar de
o início do 3.º período escolar, de acordo com indicações da DGS e da DGEstE, ter
decorrido com uso obrigatório de máscara nas escolas, a Ministra da Saúde, por
influência de não sei quem, apresentou, no dia 21 de abril, um projeto de
Decreto-lei ao Conselho de Ministros, que o aprovou. Em seguida, o mesmo foi
sujeito a promulgação do Presidente da República e referenda primoministerial e
obteve publicação no Diário da República. Tudo sucedeu no mesmo dia para entrar
em vigor no dia 22 (seguia-se
o fim de semana e o feriado). E o 25 de Abril foi celebrado sem máscaras no
Parlamento e nas ruas.
O Decreto-Lei n.º 30-E/2022, de 21
de abril, não é demolidor dos cuidados em pandemia. Ao invés, mantém em
vigor todas as normas vigentes até à data da publicação; apenas mexe no uso da
máscara cuja obrigatoriedade vigora nos serviços de saúde, lares de pessoas
idosas, unidades de cuidados continuados e transportes públicos, bem como no
fim dos testes gratuitos. No entanto, o diploma funcionou como um sinal tomado
pela população para comportamentos facilitistas. Por conseguinte, são
recorrentes as situações de ajuntamento em que anda tudo ao molho e fé em Deus.
Depois, apesar das recomendações, os casos de infeção multiplicam-se e invadem
lares e serviços; os hospitais entopem com a corrida à urgência; comparativamente
a períodos homólogos do ano anterior, o internamento por covid engrossa, o
número de mortos aumenta; apenas terão diminuído os números referentes a
internados em cuidados intensivos.
Ora, como a incidência disparou, os médicos de Saúde Pública defendem passo
atrás no uso de máscaras na maioria dos espaços fechados. Com a corrida às
urgências a bater recordes, aponta-se à incoerência do fim de testes
comparticipados e à atitude precipitada do Governo.
Entre o
crescimento duma nova linhagem, mais transmissível, da variante Ómicron (responsável
por 37% dos novos casos no país), o fim
generalizado do uso de máscara e a ocorrência de diversos eventos de massa,
como festas estudantis e futebolísticas, em Portugal disparou de novo a
incidência de casos de covid-19, com alguns serviços de urgência a registarem
níveis de afluência recorde nos últimos dias. Os modelos matemáticos mostram
que a possibilidade de uma sexta vaga pandémica no país “está a desenhar-se de
forma muito intensa”, o que leva setores da Saúde a alertar para a necessidade
de se reequacionarem algumas das últimas medidas implementadas, como o fim
generalizado do uso de máscara em espaços fechados e dos testes gratuitos.
Era de prever que o alívio das medidas traria aumento do número de casos, mas passar de oito
mil casos de média a sete dias para 14 mil casos, como sucedeu no último mês –
e os últimos dados mostram que estamos nos 15 mil –, constitui subida muito
acentuada. Há dificuldade no acesso a testagem e a linha SNS24 está
assoberbada, o que leva a crer que estes números estejam até subdimensionados. Perante
os indicadores de que pode estar a iniciar-se uma sexta vaga, os médicos de
Saúde Pública consideram aconselhável dar alguns passos atrás. Com efeito, eles
manifestaram-se contra o fim generalizado do uso obrigatório na altura em que o
Governo o decretou e pensam que o ideal seria reintroduzir a máscara em alguns
espaços fechados com aglomeração de pessoas, como centros comerciais,
supermercados e locais de trabalho. A exceção pode ser, nas escolas, as salas
de aulas, durante o tempo letivo, desde que bem arejadas.
Independentemente
de haver ou não recuo no uso das máscaras, Gustavo Tato Borges recomenda que a
população mantenha a prudência que não tem visto nos últimos tempos, pois “uma
coisa é a máscara não ser obrigatória, outra é não ser precisa”.
Segundo um
relatório de especialistas do IST, o fim do uso de máscaras “parece ter tido um
efeito muito acentuado na subida de casos atual”, azando excesso de contágios
sobretudo em ambiente laboral. E, face à “tendência de agravamento
significativo” da pandemia, cujo Rt já subiu para 1,17, admitem o aumento da
mortalidade nos próximos 30 dias.
O aumento de
casos tem feito disparar a afluência aos serviços de urgência hospitalar. No
hospital de São João, no Porto, o dia 9 de maio bateu um recorde, com mais de
mil pessoas na urgência. O diretor do serviço diz que, nos últimos três ou
quatro dias, se regista um aumento considerável de queixas respiratórias e
casos de covid confirmados: mais que duplicaram em relação a valores de há duas
ou três semanas, com a percentagem de positividade dos testes a rondar atualmente
os 40%, o que é assinalável. Para Nelson Pereira, “o fenómeno era previsível”
face à liberalização das medidas, associada, no Porto, “aos festejos da semana
académica da Queima das Fitas”, que se têm refletido na média etária dos doentes
que acorrem ao serviço: “são sobretudo jovens”. Segundo este médico, apesar de “alguma
subida” nos internamentos, “não é isso que preocupa nesta altura”, mas “a
pressão desmesurada” sobre o serviço de urgências, que se “reflete na qualidade
assistencial”. Além disso, os próprios profissionais também têm sido atingidos
pelo aumento de casos, pelo que é urgente retificar a “incoerência” na política
de testagem. Com efeito, dizemos que a epidemia já não é grave e liberalizamos
tudo, mas os doentes continuam a ter de estar isolados e precisam de declaração
especial a confirmar o isolamento para contexto laboral. E, como não têm testes
comparticipados, correm para a urgência em demanda do teste gratuito e da declaração
que lhes permite ficar em casa. Por isso, ou se reconhece a importância de
testar e voltam os testes comparticipados ou se assume não ser justificável
testar toda a gente e esta passa a ser uma doença como outra, sem necessidade
de declarações específicas para esta situação.
Dados recentes
disponíveis na plataforma do ECDC mostram Portugal como o sexto país com maior
incidência de casos a 14 dias e o terceiro na incidência entre os maiores de 65
anos. Além disso, é um de apenas três países com tendência crescente de casos,
a par de Espanha e Croácia.
Perante a
subida exponencial de casos no último mês, poderá fazer sentido antecipar a 4.ª
dose da vacina para os mais velhos, cenário a equacionar se o aumento da
incidência começar a refletir-se nos internamentos e na mortalidade dos mais
velhos. Mas os especialistas julgam haver mais vantagem em conseguir conter
esta vaga sem tal recurso. A dose de reforço seria mais importante por alturas
de setembro, junto com a da gripe, para os mais idosos enfrentarem o
outono/inverno.
Entretanto, a
Ministra da Saúde revelou que, a partir do final da semana, quem tiver um
autoteste positivo para o vírus SARS-CoV-2 e ligar para a linha Saúde 24 terá
acesso a uma prescrição automática para teste rápido de antigénio. Considera a opção
adequada à situação epidemiológica e garante o atendimento e encaminhamento
automático para o acesso à prescrição “sem os constrangimentos de espera”. Lembrou que o Governo sempre
disse que as medidas definidas eram “evolutivas e proporcionais em função da
situação” e que “as medidas que hoje temos estão definidas para um horizonte
temporal ao longo do qual continuaremos a acompanhar a evolução da situação
epidemiológica”. Questionada sobre a hipótese de um
passo atrás nas medidas de proteção, como regressar ao uso de máscara em
espaços públicos, respondeu que “não está nenhuma hipótese
fora de discussão, mas muito provavelmente conseguiremos, com a ajuda de todos,
ultrapassar também esta fase de crescimento de casos”. E referiu que
o Governo não tem qualquer indicação de que haverá impacto desta linhagem da
variante Ómicron sobre a gravidade da doença, frisando que “isso é um aspeto
muito importante”.
Marta
Temido insistiu ainda na importância da autorresponsabilização,
frisando que “não está proibido o uso de máscaras”: “o que deixou de existir
foi a obrigatoriedade legal de utilização de máscaras em determinados espaços”.
Na verdade, segundo afirmou, “como em relação a outras doenças, isto implica
também uma cultura de responsabilidade dos cidadãos, da sociedade, de avaliação
e de adaptação de comportamentos”, pelo que acredita poder contar com os
portugueses.
Por
fim, interpelada sobre a hipótese de antecipar o reforço da vacinação covid-19
para as pessoas com mais de 80 anos – que tinha dito que seria antes do
outono/inverno –, referiu que ainda não há decisão. De facto, a antecipação do
que era a prioridade definida “pode acontecer porque a situação epidemiológica
está a evoluir e porque temos mais dados e mais informação”.
***
Estamos
em tempo de obviar à pandemia, sem lugar a pressões sobre o Governo, que não
pode deixar de zelar pela saúde pública e de promover o bem-estar dos cidadãos
articulando as liberdades com a segurança e a atividade económica, social e
cultural, sem precipitações.
2022.05.12 – Louro de Carvalho
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