A
descoberta europeia do Brasil não recolhe unanimidade da parte dos
historiadores. Geralmente é atribuída a Pedro Álvares Cabral, sendo a partir da
sua abordagem ao território que a exploração ou colonização se desenvolveu. Mas
há outras hipóteses a considerar e com alguma relevância.
Alguns,
como Joaquim Barradas de Carvalho, sustentam que, em dezembro de 1498, uma
frota de 8 navios, sob o comando de Duarte Pacheco Pereira, atingira o litoral
brasileiro e chegou a explorá-lo, à altura dos atuais Estados do Pará e do
Maranhão. Essa aproximação portuguesa foi mantida em rigoroso sigilo.
Estadistas hábeis, os dois reis de Portugal entre os séculos XV e XVI – D. João
II e D. Manuel I – tentavam impedir que os espanhóis conhecessem os seus
projetos.
E,
após o retorno de Vasco da Gama a Lisboa, em agosto de 1499, com a descoberta
do caminho marítimo para Índia, D. Manuel I, em parceria com investidores
particulares, organiza nova expedição a Calecute. Para impressionar o monarca
local ou o convencer pelas armas, o rei enviava agora uma expedição
ostensivamente rica e poderosa, composta de 13 navios com uma tripulação
estimada entre 1.200 e 1.500 homens, sob o comando de Álvares Cabral.
Porém,
como refere MaxC Comes no “Quora”, a 4 de maio, Pedro Álvares Cabral não “descobriu” o Brasil, naquele 22 de abril; só cumpriu
missão ordenada por Dom Manuel I de
fazer “apenas” a
confirmação das terras portuguesas descobertas, em 1342, pelo capitão Sancho Brandão.
A Carta de
12 de fevereiro de 1343, do rei de Portugal Afonso IV ao Papa Clemente VI e
guardada no Museu do Vaticano atesta e comprova a descoberta da Ilha do Brasil (com
esse nome) no século XII. “Documentos do Arquivo Reservado do Vaticano”, livro
138, folhas 148/149, junto com um mapa da região descoberta, no qual se vê a
inscrição “Insula do Brasil”.
“Diremos reverentemente à Vossa Santidade que os nossos naturais foram
os primeiros que acharam as mencionadas ilhas do ocidente... dirigimos para ali
os olhos do nosso entendimento e, desejando pôr em execução o nosso intento,
mandamos as nossas gentes e algumas naos para explorarem a qualidade da terra,
as quais, abordando as ditas ilhas, se apoderaram, por força de homens, animais
e outras coisas e as trouxeram com grande prazer aos nossos reinos.”.
Afonso IV
enviou com a carta um mapa da região descoberta com a inscrição “Insula do
Brasil ou de Brandam”. E os portugueses monopolizaram o comércio do pau-brasil, proveniente daquela ilha.
Porém, a confirmação de Cabral foi importante, já que o valenciano Rodrigo de Boja, o Papa
Alexandre VI, impusera o Tratado
de Tordesilhas (1994), aos reinos da Península Ibérica.
A descoberta do Brasil refere-se, na ótica europeia, ao achamento do território conhecido
como Brasil, momento visto como sendo o do avistamento da terra que
denominaram de Ilha de Vera Cruz, a 22 de abril de 1500, nas
imediações do Monte Pascoal, pela armada comandada por Cabral. Esta
descoberta inscreve-se nos “Descobrimentos Portugueses”.
Embora referida
relação à viagem de Cabral, a expressão “descoberta do Brasil” pode também aplicar-se
à chegada da expedição de Vicente Yáñez Pinzón, navegador e explorador espanhol
que atingiu o cabo de Santo Agostinho, promontório localizado no atual
estado de Pernambuco, a 26 de janeiro de 1500. É a mais antiga viagem
comprovada ao território brasileiro.
A esquadra,
composta por quatro caravelas, zarpou de Palos de la Frontera a 19 de novembro de 1499. Cruzada a linha do Equador, Pinzón enfrentou forte tempestade,
mas, a 26 de janeiro de 1500, avistou o cabo e ancorou as naus num porto
abrigado e de fácil acesso a pequenas embarcações, com 16 pés de fundo, segundo
as indicações da sonda. Era a enseada de Suape, localizada na encosta sul do
promontório, que a expedição espanhola denominou de cabo de Santa María
de la Consolación. A Espanha não reivindicou a descoberta,
minuciosamente registada por Pinzón e documentada por cronistas da época
como Pietro Martire d' Anghiera e Bartolomeu de las Casas, devido ao Tratado de Tordesilhas. De noite, após o desembarque, divisaram grandes
fogueiras queimando à distância, na linha da costa a noroeste. Na manhã
seguinte, zarparam naquela direção até chegarem a um belo rio, batizado por
Pinzón de “rio Formoso”. Na praia, às margens do rio, registou-se violento
combate com os índios locais, da tribo dos potiguaras. Rumando para o
norte, Pinzón dobrou o cabo de São Roque e atingiu, em fevereiro, o rio
Amazonas, que denominou de Santa María de la Mar Dulce, donde
prosseguiu para as Guianas e, daí, para o mar do Caribe,
voltando para a Espanha a 30 de setembro de 1500. O primo de Pinzón, Diego
de Lepe, empreendeu uma viagem irmã, saindo de Palos em 1499, vinte dias após a
partida da esquadra pinzoniana. E chegou ao cabo de Santo Agostinho em
fevereiro de 1500. Porém, navegou algumas milhas para o sul, observando que a
costa se inclinava muito para o sudoeste, e voltou percorrendo a trajetória de
Pinzón.
O mapa
de Juan de la Cosa, feito em 1500 a pedido dos primeiros reis da Espanha,
os Reis Católicos, mostra a costa sul-americana enfeitada com bandeiras
castelhanas do cabo da Vela (na atual Colômbia) até ao extremo oriental do
continente. Ali figura um texto que diz “Este cavo se descubrio en año de mily IIII
X C IX por Castilla syendo descubridor vicentians”, que se
referirá à chegada de Pinzón, em finais de janeiro de 1500, ao cabo de Santo
Agostinho. Mais para leste e separada do
continente, aparece uma Ysla descubierta por Portugal
colorida em azul. Assim, de la Cosa terá querido refletir assim a terra
descoberta, em 1500, por Cabral e que este batizara “Terra de Vera Cruz” ou
“Terra de Santa Cruz”. E os portugueses criam tratar-se de uma ilha entreposta
no Atlântico, separando a Europa das Índias. Entretanto, a navegação de navios
espanhóis à costa americana não produziu consequências. A chegada de Pinzón
pode ser vista como um incidente da expansão marítima espanhola.
A
nomenclatura deste evento histórico considera o ponto de vista dos povos do
chamado “Velho Mundo”, que tinham registos na forma de História (escrita), e reflete
uma conceção de História eurocentrada. Marca o início de sistemática colonização
portuguesa em territórios que formaram, posteriormente, o Brasil, por uma
construção social, mais especificamente política.
***
A 30 de
outubro de 1500, D. Manuel I casou com Maria de Aragão e Castela, filha dos Reis Católicos e irmã da primeira esposa Isabel (falecida em trabalho de parto), iniciando
a ligação dinástica entre Portugal e Espanha. No ano seguinte, partiu de Lisboa
a primeira expedição lusa de reconhecimento da costa brasileira, confiada
a Américo Vespúcio e comandada por Gonçalo Coelho. A armada avistou, a 17 de agosto de
1501, o cabo de São Roque no Rio Grande do Norte, descoberto por Pinzón (o
cálculo de latitude era relativamente preciso à época, mas o de longitude era
deficiente). Os portugueses seguiram para o sul, percorrendo a costa leste do
Brasil. Na altura de Santa Cruz Cabrália, depararam-se com dois degredados advindos da esquadra de
Cabral e resgataram-nos. Verificaram que Cabral descobrira não uma ilha, mas um
trecho de litoral do novo continente. A frota singrou até ao cabo de Santa
Maria no atual Uruguai. A Coroa Espanhola enviaria mais tarde o navegador Juan
Díaz Solís em expedição para conhecer as terras que cabiam à Espanha
segundo o Tratado de Tordesilhas, cuja linha imaginária passava no litoral do
atual Estado de São Paulo, em Cananeia. E, por ter descoberto o Brasil,
Vicente Yáñez Pinzón foi condecorado pelo rei Fernando II de Aragão a 5 de setembro de 1501.
Para selar o
sucesso da viagem de Vasco da Gama na descoberta do caminho
marítimo para a Índia, que permitia contornar o Mediterrâneo, sob
domínio dos mouros e das
nações italianas, D. Manuel I apressou-se a mandar aparelhar a predita nova frota
para as Índias. Porque a pequena frota de Gama tivera dificuldades em impor-se
e comerciar, esta seria a maior até então constituída pelo Ocidente, sendo
composta por 13 embarcações e mais de mil homens. Com exceção dos nomes de duas
naus e duma caravela, não se sabem os nomes dos navios comandados por Cabral.
Estima-se que a armada levasse mantimentos para cerca de 18 meses. Era a maior
esquadra até então enviada para singrar o Atlântico: dez naus, três caravelas e
uma naveta de mantimentos. Embora não se saiba o nome da nau capitânia, a nau
sota-capitânia, capitaneada pelo vice-comandante da armada Sancho de Tovar, chamava-se
El Rei. A outra, a Anunciada, comandada por Nuno Leitão da Cunha, que pertencia a Dom Álvaro de Bragança, filho do
duque de Bragança, e fora equipada com os recursos de Bartolomeu Marchionni e
Girolamo Sernige, banqueiros florentinos que residiam em Lisboa e investiam no
comércio de especiarias. As cartas que trocaram com os sócios e acionistas
italianos preservaram o nome do navio. Conservou-se o nome da caravela capitaneada
por Pero de Ataíde, a São Pedro. A caravela comandada
por Bartolomeu Dias teve o seu nome perdido. A armada era completada pela
naveta de mantimentos, comandada por Gaspar de Lemos. Coube-lhe
retornar a Portugal com as notícias sobre a descoberta do Brasil.
Baseado em
documento incompleto que localizou na Torre do Tombo, em Lisboa, Francisco
Adolfo de Varnhagen identificou cinco das dez naus que compunham a frota
cabralina: Santa Cruz, Vitória, Flor de la Mar, Espírito
Santo e Espera. A fonte citada por Varnhagen nunca foi
reencontrada, pelo que a maioria dos historiadores prefere não adotar os nomes
por ele listados. A armada, assim, continua quase anónima.
Vasco da
Gama fez recomendações para a longa viagem: a coordenação entre os navios era
crucial para não se perderem uns dos outros. Recomendou ao capitão-mor que
disparasse os canhões duas vezes e esperasse pela mesma resposta de todos os
outros navios antes de mudar o curso ou velocidade, de entre outros códigos de
comunicação semelhantes. E, antes da partida, o bispo de Ceuta, Diogo de Ortiz,
rezou missa na capela de Belém, a mando d’El Rei, benzeu uma bandeira com as
armas do Reino e entregou-a a Cabral, despedindo-se o rei do fidalgo e dos
outros capitães.
A 24 de
abril, Cabral, com Sancho de Tovar, Simão de Miranda, Nicolau Coelho, Aires Correia e Pero Vaz de Caminha, recebeu um grupo de índios no seu navio. E os
nativos reconheceram o ouro e a prata que surgiam na embarcação, nomeadamente
um fio de ouro de D. Pedro e um castiçal de prata, o que levou os portugueses a
crer que havia ali muito ouro. Entretanto, Caminha, na carta a D. Manuel I,
confessa que não sabia dizer se os índios diziam que ali havia ouro ou se o
desejo dos navegantes pelo metal era tanto que não entenderam diferente. Mas era!
O encontro
entre portugueses e índios está documentado na carta de Caminha. O choque
cultural foi evidente. Os indígenas não reconheceram os animais que traziam os
navegadores, à exceção dum papagaio do capitão; ofereceram-lhes comida e vinho,
que eles rejeitaram. A curiosidade tocou-lhes pelos objetos não reconhecidos,
como as contas dum rosário; e a surpresa dos portugueses pelos objetos
reconhecidos, os metais preciosos. Fez-se absurdo aos portugueses Cabral ter-se
vestido com as vestimentas e adornos a que tinha direito um capitão-mor frente aos
índios e estes terem passado pela sua frente sem o diferenciarem dos demais
tripulantes.
Os indígenas
tomaram conhecimento da fé dos portugueses ao assistirem à primeira missa,
rezada por Frei Henrique de Coimbra, no domingo, 26 de abril. Logo depois
da missa, a frota de Cabral rumou para as Índias, mas enviou um dos navios de
volta a Portugal com a carta de Caminha. No entanto, com a chegada de frotas
lusitanas com o objetivo de permanecer no Brasil e evangelizar os índios, os
portugueses perceberam que a suposta facilidade na cristianização dos indígenas
se traduziu na curiosidade destes com os gestos e falas ritualísticos dos
europeus, não havendo real interesse na fé, o que forçou os missionários a
repensar os métodos de conquista espiritual.
Aqueles povos
praticavam uma incipiente agricultura e a domesticação de animais. Contudo,
conheciam a produção de bebidas alcoólicas fermentadas a partir de raízes,
tubérculos, cascas, frutos, entre outros. O litoral era ocupado por duas nações
indígenas do grupo tupi: os tupinambás, entre Camanu e a foz do
rio S. Francisco; e os tupiniquins, de Camamu até ao limite com o atual Estado
do Espírito Santo. Para o interior, na faixa paralela à dos tupiniquins,
estavam os aimorés.
No início,
os tupiniquins apoiaram os portugueses e os tupinambás os franceses, que
lançaram, nos séculos XVI e XVII, várias ofensivas contra os portugueses. Ambas
as tribos tinham cultura antropofágica para com os rivais, não
compreendida pelos europeus, o que resultou na posterior caça aos que recusassem
mudar esse hábito, a par de todo um processo de colonização ambíguo.
2022.05.19 – Louro de Carvalho
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