sexta-feira, 13 de outubro de 2023

Não se justifica a violência, nem a proibição de manifestações pacíficas

O ataque indiscriminado às populações civis viola claramente o direito internacional. Esta asserção é verdadeira e aplicanda a todas as situações de violência sistemática ou pontual. Aplica-se, pois, quer aos massacres perpetrados, de súbito, pelo Hamas ou pela Jihad Islâmica, quer aos bombardeamentos de edifícios residenciais e da população cercada na Faixa de Gaza pelo Exército israelita. Por isso, compreendo o apelo da Esquerda Europeia à cessação imediata da violência em Israel e nos territórios palestinianos.

Os Palestinianos viveram, durante décadas, sob perpétua colonização e ocupação ilegais, enfrentando cruel política de apartheid aplicada pelas autoridades israelitas. Tal colonização começou, subtilmente, pela compra de parcelas territoriais a Palestinianos por Judeus de grandes posses, até que a Organização das Nações Unidas (ONU) abriu a possibilidade instalação do Estado de Israel no território ocupado pelos Palestinianos, forçando a divisão do território.  

Poderia argumentar-se que a compra de terrenos por estrangeiros mantém a integridade do território do Estado ocupante (território é diferente de terreno). Porém, é frequente a confusão entre uma realidade e outra: por exemplo, o Alasca foi comprado por um Estado a outro; D. João IV doou Bombaim à irmã como dote de casamento com o soberano britânico; os governantes portugueses, no século XIX, equacionaram a venda de algumas colónias, o que levou as autoridades da I República a priorizar a defesa das colónias; a Ilha dos Amores foi comprada por um município a outro. Em qualquer caso, houve (ou haveria) mudança de senhorio territorial.

A implantação do Estado de Israel foi contestada pelos Estados limítrofes, mas ao Ocidente – leia-se Estados Unidos da América (EUA), Reino Unido e União Europeia (UE) – interessava ter uma instância estatal instalada e com forças armadas, aguerridas e bem equipadas, naquela zona que é ponto de contacto nevrálgico dentre a Europa, a Ásia e a África. E, desde 1948, os conflitos são praticamente contínuos. Os Palestinianos acabaram por aceitar ficarem com 22% do território, deixando 78% para Israel. E Jerusalém ficou entregue a um regime especial de governo, de modo que a cidade passou a ser património usufruível por Muçulmanos, Judeus e Cristãos.         

A realidade que hoje se vive na região reflete o fracasso da comunidade internacional, em especial dos EUA e da UE, em impulsionar um processo de paz e em obter a resolução do conflito. Ou revela o desinteresse em construir a paz. Com efeito, sempre que há problema, surgem, de imediato, as declarações de apoio a Israel, as condenações aos Palestinianos, esquecendo a violência forte e dura com que Israel retalia. Até dá a impressão de que todos os pretextos servem para justificar a guerra. E, se a guerra é um objetivo, há sempre motivos para a declarar e a fazer.

Na verdade, desde os Acordos de Oslo, há 30 anos, Israel tem explorado o ensejo para se expandir para a Cisjordânia, mantendo Gaza sob cerco. Quase um milhão de colonos israelitas foram gradualmente transferidos para colonatos na Cisjordânia, assegurando a interminável colonização israelita daquela área.

A situação agravou-se desde a ascensão da extrema-direita ao poder, sob Netanyahu, com cidades e aldeias palestinianas à mercê de ataque de colonos e do exército israelita, aumentando os confrontos e os bombardeamentos israelitas sobre Gaza. O programa do governo afirma que o povo judeu tem o “direito exclusivo e inalienável a todas as partes da terra de Israel”, tornando-o a justificação para a colonização final da Cisjordânia. A repressão do povo palestiniano criou um ambiente explosivo. Porém, isto não justifica os ataques, os assassinatos e os raptos levados do Hamas contra a população civil israelita, que constituem crimes de guerra a condenar sem reservas e sem hesitação, tal como os bombardeamentos e outras retaliações de Israel contra os Palestinianos em Gaza, na maioria civis, que também constituem crimes de guerra. Por isso, não é lícito punir toda a população palestiniana pelo ataque do Hamas a Israel.

A declaração do primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, de que Israel está em guerra pode significar centenas e, muito possivelmente, milhares de mortes, bem como o risco de eclosão de uma guerra regional total, com o envolvimento do Líbano e do Irão, podendo desencadear o envolvimento dos EUA e de outras forças ocidentais que residem no Médio Oriente. Um cenário de escalada, tão perigoso como desestabilizador, só pode ser afastado com um programa de desmilitarização do Médio Oriente, de modo a ficar livre de armas nucleares.

É urgente agir pela paz, pela igualdade e pela justiça. Por isso, os líderes mundiais, juntamente com a UE, devem reagir o mais rapidamente possível e fazer todos os esforços para o cessar-fogo e para o início de novas negociações de paz, na mira da solução de dois Estados. Todavia, a única forma de obter uma solução de dois Estados é começar por ter dois Estados para negociar. Para tanto, no pressuposto de que tanto um Estado como o outro têm o direito de se defender, mas não o de atacar, urge o reconhecimento imediato de um Estado Palestiniano da Palestina, que terá dificuldades acrescidas, mercê da descontinuidade territorial cada vez mais.

É nesse sentido que a Esquerda Europeia reafirma “o seu compromisso com uma paz e uma coexistência justas e duradouras entre israelitas e palestinianos e o seu apoio ao direito do povo palestiniano a um Estado independente, ao lado do Estado de Israel”, segundo as fronteiras de 1967, definidas após a Guerra dos Seis Dias, e com Jerusalém Oriental como capital.

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O exército israelita quer obrigar a sair de suas casas a população do norte de Gaza, cercada, sem água, sem eletricidade e sem víveres. A ONU diz que é o caminho para a tragédia. Em França e na Alemanha, são proibidas manifestações pela causa palestiniana.

Depois de seis dias de bombardeamentos consecutivos e sem fim à vista, o exército israelita lançou, a 13 de outubro, um ultimato contra Gaza, a avisar a população civil do norte do enclave que tem 24 horas para sair da zona onde vivem cerca de dois milhões de pessoas. Em comunicado, as forças militares escrevem: “Esta evacuação é para sua própria segurança. Apenas poderão regressar à cidade de Gaza, quando seja feito outro anúncio que o permita.”

A ONU, através de Stéphane Dujarric, porta-voz do secretário-geral, respondeu com um “apelo enérgico” à revogação de qualquer ordem deste tipo, “evitando o que poderia transformar o que já é uma tragédia numa situação calamitosa”. A ONU tinha dado a conhecer que foram mortos pelos bombardeamentos israelitas, pelo menos, 12 trabalhadores humanitários ao serviço da instituição, entre os quais cinco professores, um ginecologista, um psicólogo, entre outros. De acordo com Juliette Touma, diretora de comunicação da Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Próximo Oriente, “muitos deles foram mortos, quando estavam com as suas famílias”. E a Organização Mundial de Saúde (OMS), através do porta-voz Tarik Jasarevic, lembra que há “pessoas gravemente doentes” que não podem ser deslocadas e cujas “únicas hipóteses de sobreviver é ficarem ligadas a suporte de vida com ventiladores mecânicos”. Deslocar estas pessoas “é uma sentença de morte” e “pedir aos trabalhadores da saúde que o façam é muito mais do que cruel”, declarou.

Além dos bombardeamentos, a Faixa de Gaza, território com a área total de 365 quilómetros quadrados, em que vivem 2,3 milhões de pessoas, sofre um bloqueio reforçado, tendo sido cortado o abastecimento elétrico, a entrada de alimentos e de combustíveis. António Guterres, criticando estas medidas, apelou ao “acesso rápido e sem restrições”. O Comité Internacional da Cruz Vermelha diz que até os geradores dos hospitais podem ficar sem combustível, nas próximas horas, e os responsáveis do Programa Alimentar Mundial (PAM) da ONU avisam que a comida e a água que ainda existem no território estão em níveis perigosamente baixos. Além disso, a Human Rights Watch acusa Israel de utilizar fósforo branco nos bombardeamentos em Gaza e no Líbano. A ONG analisou vídeos dos dias 10 e 11 de outubro, onde se mostra artilharia de 155 mm a disparar esta substância sobre o porto da cidade de Gaza e sobre duas localidades rurais na fronteira entre Israel e Líbano e confirmou a sua veracidade.

Em visita à Jordânia, a 12 de outubro, Mahmoud Abbas, presidente da Autoridade Palestiniana, condenou os ataques a civis. Segundo a agência noticiosa palestiniana, terá dito: “Rejeitamos as práticas de mortes de civis e de abusos sobre eles dos dois lados, porque infringem a moral, a religião e a lei internacional.” A Autoridade Palestiniana, que exerce um poder limitado na Cisjordânia, garante que vai continuar a lutar pelos seus objetivos, através de ação política.

Entretanto, prosseguem as manifestações em vários pontos do Mundo, em solidariedade com a causa palestiniana, muitas das quais são proibidas, condicionadas ou reprimidas.

Em França, o ministro do Interior ordenou aos prefeitos de todo o país a proibição das manifestações de apoio à Palestina. Em Paris, milhares desafiaram a proibição e a polícia lançou gás lacrimogéneo e canhões de água contra eles. Gérald Darmanin alega que as tomadas de posição, nas ruas, a favor da Palestina “podem gerar distúrbios à ordem pública”.

Em Berlim, as manifestações pró-palestinianas foram proibidas sob a pretexto de poderem levar a ações de antissemitismo ou causar violência. Tobias den Haan, da organização Palestine Speaks, contrapõe à Deutesche Welle que a manifestação que a sua organização convocara era pacífica e de solidariedade para com o povo ocupado. Já no dia 7, as autoridades tinham dispersado à força uma concentração de apoiantes da causa palestiniana, por terem cantado slogans contra Israel.

Também no Reino Unido tem havido protestos e, no dia 13, a campanha de solidariedade com a Palestina, os Amigos de Al-Aqsa, a Coligação Parar a Guerra, a Associação Muçulmana da Grã-Bretanha, o Fórum Palestiniano, entre outros, tiveram uma manifestação em Londres contra “a lei do apartheid sobre o povo palestiniano”.

Na Austrália, em Camberra, em Brisbane e em Perth, houve manifestações com apelo ao governo australiano a que apoie os Palestinianos. Porém, as autoridades, nomeadamente as de Novas Gales do Sul, lançaram uma declaração a dizer que estavam a pedir “conselhos legais” no sentido de implementar poderes especiais de vigilância e de busca aos cidadãos que participassem nas manifestações agendadas para o dia 15, convocadas pelo Grupo de Ação Palestina de Sydney.

Na Jordânia, o governo anunciou que estão proibidos os protestos contra os bombardeamentos israelitas nas zonas perto da fronteira com os territórios ocupados, nomeadamente no vale do Jordão e nas “áreas circundantes”.

No Iraque, no dia 13, foram milhares a sair à Praça Tahrir, em Bagdad, em resposta à convocatória do líder xiita Muqtada al-Sadr contra a ocupação e contra os EUA. Também em Jacarta, houve milhares nas ruas. Estiveram marcados protestos, ainda ao longo do mesmo dia, no Líbano, na Síria e em vários países árabes após apelos palestinianos a um “dia de raiva” contra a ocupação.

Também em Portugal, a Praça Luís de Camões, em Lisboa, no dia 8, foi palco de uma manifestação pelo fim do apartheid e pela libertação da Palestina, convocada pelo Coletivo pela Libertação da Palestina (CLP), e à qual se juntaram muitas outras organizações e ativistas. E, no dia 11, em Lisboa, no Martim Moniz, realizou-se o ato público “Liberdade para o povo palestino! Paz no Médio Oriente!” Foi uma iniciativa do Movimento pelos Direitos do Povo Palestino e pela Paz no Médio Oriente, da CGTP e do Conselho Português para a Paz e Cooperação (CPPC). E foi convocada pelo  CLP para o dia 14, no Porto, em frente à Cadeia da Relação, uma nova iniciativa pela libertação da Palestina.

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Valha-nos o facto de ainda não se ter instalado, entre nós, o mecanismo obrigatório do pensamento único. Ao menos, o direito de manifestação é reconhecido e respeitado, o que é muito importante para a causa da paz, que postula o silenciar das armas, o diálogo e a assunção de posturas verdadeiramente humanitárias. A guerra, o conflito, o ódio têm de dar lugar à paz.

2023.10.13 – Louro de Carvalho 

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