É asserção perentória do passado dia 12, no podcast #fatimanoseculoXXI
de fevereiro, de Eugénio da Fonseca, rosto do voluntariado e da Cáritas Portuguesa
ao longo de mais de 20 anos.
Este professor, licenciado em Ciências Religiosas pela Universidade
Católica Portuguesa, que tem dedicado a vida ao cuidado do outro, falou da matriz
identitária de Fátima, da pastoral que dali emana e dos desafios que a pandemia
de covid-19 lança ao Santuário e a toda a Igreja.
Na verdade, como em qualquer instituição de solidariedade, dada a não
presença física de peregrinos, escasseiam drasticamente os donativos como a
venda de objetos, incluindo livros, e reduzem-se os eventos sociais, académicos
e culturais. Não obstante, cresce o número das pessoas que precisam de apoio
material e moral: umas, porque perderam os rendimentos provenientes do emprego
ou do trabalho por conta própria; e outras, porque as restrições à circulação e,
sobretudo, os longos períodos de confinamento lhes dão cabo da saúde física e
mental. E o Santuário tem de continuar a sua missão, zelando a promoção da
divulgação e interiorização da Mensagem e inventando novas formas de
acolhimento e apoio.
O santuário
tem de permanecer como sinal peculiar da fé simples e humilde dos crentes, que aqui
encontram a dimensão basilar da sua existência que acredita e experimentam de
maneira profunda a proximidade de Deus, a ternura da Virgem Maria e a companhia
de alguns Santos, uma experiência de verdadeira espiritualidade a valorizar cada
vez mais. Ao mesmo tempo, exprime “uma
oportunidade insubstituível para a evangelização neste nosso tempo” e
constitui um verdadeiro refúgio para os crentes se redescobrirem a si mesmos e
reencontrarem a força necessária para a conversão. Cria oportunidades de os fiéis
receberem apoio ao seu caminho ordinário na paróquia e na comunidade cristã –
osmose entre o peregrino no Santuário e a vida de todos os dias que é “valiosa
ajuda para a pastoral, porque permite revigorar o compromisso de evangelização
mediante um testemunho mais convicto”.
E o Santuário continua,
pelos meios ao seu alcance, a ser o lugar sagrado onde a proclamação da Palavra
de Deus, a celebração dos Sacramentos, em particular da Reconciliação e da
Eucaristia, e o testemunho da caridade exprimem o compromisso da Igreja para
com a evangelização, caraterizando-se como “lugar genuíno de evangelização,
onde a partir do primeiro anúncio até à celebração dos mistérios sagrados se
torna manifesto o poder da ação com a qual a misericórdia de Deus age na vida
das pessoas”. E continua a guiar as pessoas, pelos meios telemáticos, com a
“pedagogia de evangelização” rumo a um compromisso cada vez mais
responsável na formação cristã e no testemunho de caridade e sempre atento
espiritualmente a doentes, a pessoas com deficiências e, sobretudo, aos pobres,
marginalizados, refugiados e migrantes, atendendo a quem se lhe dirige mesmo em
tempo de emergência (cf Sanctuarium in Ecclesia, preâmbulo).
Diz Eugénio da Fonseca, à luz destas ideias do Papa Francisco, que o Santuário “cuida da salvação espiritual” da pessoa,
mas também cuida da salvação da pessoa “como um todo”, porque a mensagem de que
se faz anunciador aponta para uma “solidariedade salvífica”. E releva que é intencional
a apropriação da expressão “Fátima tem de
ser a expressão de uma solidária salvação” pedida de empréstimo a Dom Nuno
Almeida, Bispo auxiliar de Braga, que a proferiu numa Peregrinação Internacional
Aniversária.
E o ex-presidente
da Cáritas lembra, reportando-se ao dinamismo do Santuário por todos os homens
e pelo homem todo, lembra:
“Desse grande altar do mundo têm emanado
grandes apelos para que na pastoral das comunidades, aonde regressam os
peregrinos depois de estarem em Fátima, possam ser desenvolvidos gestos
concretos”.
E esclarece que
a asserção “Fátima tem de ser a expressão
de uma solidária salvação” é uma expressão identitária de Fátima e que,
“quando se fala em salvação, a perspetiva é de que seja do homem todo e de
todos os homens”, nos planos “espiritual e material”.
Confessa-se testemunha,
enquanto presidente da Cáritas, “das ajudas e das causas que o Santuário
abraçou como suas” dentro e fora do país. E, sublinhando as diferentes
dimensões da pastoral da Instituição, seja litúrgica, catequética ou social,
imagina o que é a ação de bem-fazer do Santuário. E reforça a nota referindo:
“O que me parece é que essa ação, assim como
a luz que se mete em cima dos telhados para que se glorifiquem as obras e se
louve a Deus, também através de Maria, deveria ser mais explicitada, porque sei
que são muitas e variadas as ações concretas que o Santuário desenvolve e que não
são do conhecimento público”.
Também concordo,
já que esta ação solidaria do Santuário de Fátima não é assaz conhecida. Bem ao
contrário, muita da gente responsável pela formação da opinião pública remete
Fátima para o “pagamento de promessas”, para a religiosidade e para a acumulação
de capitais.
Por isso, Eugénio
da Fonseca elege, em sintonia com o Papa, como desafio para o segundo século de
Fátima uma “nova dinâmica da pastoral social” e uma afirmação do Santuário a
partir de três linhas de ação: o “acolhimento”,
que deve ser cuidado, nomeadamente no quadro da celebração do sacramento
da Reconciliação; na reposição do “sentido da peregrinação”; e despertando o desejo do caminho e estimulando
ao “diálogo inter-religioso”.
Nestes termos,
considera bem que, neste tempo de pandemia, o Santuário tenha proposto “uma
peregrinação espiritual”, mas, porque “o ser humano precisa de se pôr a caminho”,
insiste em que, mal termine a pandemia, “há que retomar ações para levar os
peregrinos a Fátima, ações que nos possam fazer refletir sobre o sentido da
vida e da nossa existência”. E sublinha uma dimensão específica reservando-lhe “um
papel-chave” do Santuário:
“O Santuário de Fátima tem tido esta
capacidade de ser um lugar de encontro de várias religiões. A seguir a esta
pandemia estou certo de que a necessidade deste diálogo vai ser ainda mais
premente. Creio que as religiões vão ter um papel fundamental na nova ordem
mundial, no diálogo entre países e nações.”.
Por outro
lado, assume que “é fundamental criar uma dinâmica de pastoral social”,
despertando uma “consciência de comunidade no sentido mais alargado”. E explana
destacando esta “profecia” de Fátima, que é “sempre atual”:
“O Santuário tem um grande desafio pela
frente: ser esperança no tempo presente e ter a capacidade, através da
narrativa que brota dos diferentes altares de Fátima, de afirmar a presença de
um Deus que nos ama e que nos há de salvar, a cada um de nós e a nós todos”.
Eugénio da
Fonseca fala dos protagonistas de Fátima – os Santos Pastorinhos – e da sua “simplicidade,
que nos faz parecer mesmo irmãos, de facto”, do “cuidado e da disponibilidade
com que partilhavam o pouco que tinham” e do modo como rezavam. “A oração é uma das maiores formas de
partilha, e eles tiveram essa graça do dom do Céu, aonde iam buscar a sua força”,
refere exemplificando com o tempo em que estiveram detidos e convocaram os que,
como eles, estavam privados de liberdade para rezarem e converterem os corações.
E adianta:
“A perfeição total está-nos garantida na
bem-aventurança eterna, mas temos sempre esta possibilidade de conversão e,
sobretudo, de acreditar que o ser humano tem potencial para se redimir, e que
essa redenção é-nos dada pela graça de Deus através de cada um de nós”.
E, frisando
que “não é uma inevitabilidade o mundo viver em plena desgraça, em caminhos que
põem obstáculos à salvação de muitos, vinca:
“O que importa é que cada um de nós,
com a nossa palavra e exemplo, seja capaz de ser redentor, à imagem de Cristo.
Isto faz-se amando e amando o próximo como os Pastorinhos amavam.”.
E, falando
da virtualidade da pandemia e da posição da Igreja, que se tem feito próxima ao
jeito do bom samaritano, referido na “Fratelli
Tutti”, a nova Encíclica do Papa Francisco, observa:
“A História encontra-se numa encruzilhada e
nós somos convocados a refletir sobre a necessidade de uma mudança de rumo. O
que eu vejo nesta pandemia muitas vezes é uma clara tensão entre o campo
político e o da ciência e, francamente, acho que agora estamos no tempo da
ciência. É tempo de deixar a ciência falar e não tirar dividendos políticos. E
deixe-me dizer-lhe aqui que a Igreja tem tido uma atitude muito correta não
enveredando por um campo muito providencialista, mas indo ao encontro das
necessidades reais das pessoas.”.
Da nova
encíclica diz que que lhe reforçou a esperança da mudança social que o Papa
pede”. E enaltece o conceito de “amizade social” que o Santo Padre evoca, pois,
na sua ótica, “a amizade social é um
termo mais rico do que a cidadania, pois esta amizade é uma etapa de um
processo amoroso que todos temos dentro de nós e que somos chamados a
desenvolver em ordem a prepararmos esse encontro com Deus”. Por isso, sente
que “a Igreja é convidada a falar da
amizade social que nos incita a um comportamento: sermos vizinhos uns dos
outros”, pois, como diz, “o
individualismo para o qual fomos levados por um sistema económico que valoriza
o ter, com menosprezo do ser, pode ser combatido por esta proximidade, por esta
vizinhança”.
Tomando o
ditado da sabedoria popular de que “não se deve pregar a estômagos vazios”, frisa
que “o pobre não é pobre porque quer; precisamos de parar de dizer que a
pobreza é uma fatalidade” lamenta que muitas vezes estigmatizemos o pobre “quando
deveríamos estigmatizar a pobreza”, pois “amar o pobre para que ele compreenda
que somos irmãos, porque somos filhos do mesmo Pai, não é uma tarefa fácil, mas
tem de ser uma prioridade da Igreja”.
***
Por sua vez,
o Padre Carlos Cabecinhas, reitor do Santuário de Fátima, na missa dominical do
dia 21, em referência ao tempo quaresmal, evocou o “tempo de conversão que nos
é oferecido como oportunidade para pôr em ordem a nossa vida, para dar lugar ao
que realmente importa, para darmos a Deus o lugar que só a Ele compete no nosso
coração”.
Sublinhou
que foi no deserto que Deus fez a aliança com o Povo e ali “multiplicou os
prodígios em favor dos seus eleitos, saciando a sua sede e fome, guiando os
seus passos e dirigindo-lhes a Sua palavra de vida”. Por isso, como observou, “conversão”
é “a palavra que melhor sintetiza o sentido da Quaresma porque este é, por excelência,
o tempo dela, o tempo para recordar a nossa condição batismal e a constante
necessidade de confrontarmos a nossa vida com Cristo e com as Suas palavras de
vida”. Mais disse que “a Quaresma é a nossa ida para o deserto, à imitação de
Cristo”, e explicitou que é o momento para “dar mais tempo à oração e reavivar
a nossa relação com Deus, tantas vezes prejudicada pelo ritmo do nosso dia a
dia, tantas vezes afetada pela nossa crónica falta de tempo”.
A pari, o sacerdote
alertou para o facto de a Quaresma ser também “o momento oportuno para avaliar
a vida à luz de Deus”, e vermos, “à luz da Palavra de Deus, de que forma
cuidamos das nossas relações uns com os outros”, ou seja, o momento “para
avaliarmos as nossas atitudes e opções, as nossas prioridades e escolhas”. E vincou
que, na situação excecional que o mundo agora vive, se torna “ainda mais
necessário e urgente este discernimento sobre a nossa vida, esta avaliação das
prioridades, este desejo de dar a Deus o lugar que lhe deve pertencer na nossa
vida, esta vontade de maior atenção aos outros, sejam aqueles com quem
partilhamos o dia a dia, sejam aqueles com quem nos cruzamos”.
Por isso, “a
conversão é necessária e urgente”, e para este caminho de conversão “a Igreja
não nos propõe atos grandiosos”, mas “meios simples e ao nosso alcance” como
a “a oração mais intensa e a escuta mais frequente da Palavra de Deus, as
práticas penitenciais, como sinal do nosso desejo de conversão e a atenção aos
outros e às suas necessidades”.
E,
reportando-se à especificidade deste Santuário, disse que a mensagem de Fátima,
“com o seu veemente apelo à conversão, conduz a uma vivência séria e intensa
deste tempo quaresmal” – na linha dos santos Pastorinhos que primavam pela oração,
renúncia e atenção aos mais pobres – apresentando-nos “uma verdadeira pedagogia
para o itinerário de conversão que nos é proposto no tempo quaresmal”.
***
Neste tempo
de pandemia, face à impossibilidade de os peregrinos se deslocarem fisicamente
à Cova da Iria para participar nas celebrações, que se manterão sem assembleia
presencial, o Santuário de Fátima oferece durante a Quaresma uma proposta de
Via-Sacra a exibir ainda todas as sextas-feiras, às 16 horas. E transmite diariamente
três missas – às 11h00, 12h30 e 15h00 – e dois momentos de oração do Terço – às
18h30 e 21h30 –, a partir da Basílica de Nossa Senhora do Rosário de Fátima,
numa parceria com a TV Canção Nova Portugal. Estas cinco celebrações podem ser
seguidas em www.fatima.pt, através do facebook e
canal youtube do Santuário, bem como do MEOKanal, posição 707070.
***
E assim vai
o Santuário em tempo de confinamento…
2021.02.27 –
Louro de Carvalho
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