Popularmente o 2 de fevereiro, quarenta dias depois do
Natal, era o dia da Candelária ou da Festa da Senhora das Candeias pelo facto
de tradicionalmente, com a apresentação do menino Jesus no Templo, se relevar a
purificação de Nossa Senhora e se fazer a bênção das velas e subsequente procissão
antes da Missa e para a Missa.
Segundo Dom António Couto, Bispo de Lamego, as Igrejas
do Oriente conhecem-na por “Festa do Encontro (Hypapantê) e dos Encontros: encontro de Deus com o seu Povo agradecido,
mas também de Maria, de José e de Jesus com Simeão e Ana e também connosco”.
É uma das mais antigas festas da Virgem Maria.
Introduzida em Jerusalém no século IV, encontramo-la em Roma no século VI. A
procissão começou a fazer-se com Sérgio I no final do século VII, mas a bênção
das velas entrou no missal no século X. Embora fosse considerada uma festa de
Maria, o seu objeto principal era – como é – a apresentação de Jesus no Templo,
enquanto a purificação da Virgem ficava em concomitância. Assim, a bênção das
velas proclama Jesus como luz do mundo, a procissão evoca a caminhada de Maria
e José para o Templo, a cera das velas simboliza a carne de Jesus, o pavio
representa a sua alma e a chama espelha a divindade. Por isso, a respeitosa
conservação da vela benzida em nossas casas pode, se a fé tiver a força da
moção de montanhas, atrair os favores divinos e afugentar as desgraças.
Ainda bem que a reforma do calendário litúrgico
estipulada pelo Concílio Vaticano II recentrou a festa em Cristo e a denominou
Festa da Apresentação do Senhor, mantendo a vertente maternal de Maria e
custodiante de José.
Sujeito à Lei (Gl 4,4), Jesus, como filho varão primogénito, é apresentado a Deus, a quem pertence
nos termos da Lei, segundo a qual todo o filho primogénito, macho, tanto dos
homens como dos animais, pertence a Deus (Ex 13,11-13), bem como as primícias dos campos (Dt 26,1-10). E o filho primogénito varão, pertença do Senhor, para voltar para casa
com os pais, era resgatado com a oferta de 5 ciclos. Por outro lado, a mulher,
após o parto dum filho varão, tinha de esperar 40 dias para lhe ser lícita a
entrada no Templo, no termo dos quais devia oferecer um cordeiro e uma pomba ou
uma rola e, se fosse pobre, como era o caso de Maria e José, ofereceria em vez
do cordeiro, uma pomba ou uma rola. Maria, porque era virgem no parto e o seu
Filho é Deus, não estava obrigada a esta lei, mas quis sujeitar-se a ela como
exemplo de obediência, humildade e discrição.
Assim, para cumprir a Lei de Deus, 40 dias após o seu
nascimento, Jesus é levado pela primeira vez ao Templo para ser consagrado ao
Senhor (o consagrado
nunca deixaria de pertencer ao Senhor, sendo o resgate necessário por motivo
educacional e para ter uma vida normal), onde, pela primeira vez, se deixa ver como a Luz e
esperança do mundo.
O trecho do Evangelho de Lucas proclamado e escutado
nesta festa (Lc 2,22-40) põe em cena o velho Simeão (nome que significa “escutador”), que vive atento e à escuta e que o
Evangelho apresenta como homem justo e piedoso, que esperava a consolação de
Israel. Ora, o velhinho, de extremosa atenção e coração vigilante, veio ao
Templo impelido, não por qualquer outra energia (água, vento, carvão, petróleo ou derivados, eletricidade,
energia nuclear, força humana…), mas pelo Espírito (“en tôi pneúmati”). Um exemplo para nós, que badalamos o nosso protagonismo e
vontade de poderio, não dando espaço e tempo à brisa suave, nascente e fecunda do
Espírito, que sopra donde quer e renova todas as coisas.
Ao ver aquele Menino e reconhecendo nele o Messias,
recebeu-o braços e bendisse a Deus, pelo que os Padres gregos chamam a Simeão “Theodóchos” (“recebedor de Deus”). E Simeão entoa feliz o canto do seu
entardecer: “Agora, Senhor, podes deixar
o teu servo partir em paz, porque os meus olhos viram a tua salvação, que
preparaste diante de todos os povos, Luz que vem iluminar as nações e glória do
teu povo, Israel!” (Lc
2,29-32).
O cenário apresenta uma contracenante, a velha Ana (que significa “Graça”), toda cheia de graça e de esperança.
É profetisa, pois anda sintonizada, com a Palavra de Deus escutada, vivida e anunciada.
É filha de Fanuel (que
significa “Rosto de Deus”) e é da tribo de Aser (que quer dizer “Felicidade”). Também Ana, com tanta intimidade com Deus, teve o condão de
ver o Menino e, cheia de alegria, “falava dele a quantos esperavam a libertação
de Jerusalém” (Lc 2,38). Enfim, Simeão, que esperava e Ana,
que anunciava, parecem sintetizar toda a Escritura e espelhar o perfil do Consagrado,
o Nazîr, um nome passivo e recetivo, que
significa “totalmente dedicado a Deus” e, por isso, conduzido por Ele para
ruminar emotivamente o acontecimento de Deus.
Em Dia Mundial
da Vida Consagrada, instituído por São João Paulo II e celebrado a 1.ª vez
em 1997, é de refletir que a consagração de Jesus aquando da sua apresentação
no Templo é a antecipação da sua verdadeira consagração na cruz, mercê da qual
nos consagramos com Cristo, em Cristo e por Cristo no Batismo. Nesta dimensão
batismal todos/as os/as cristãos/ãs são consagrados/as e devem viver ativamente
como tais. Outros há que o Sacramento do Ordem consagra a Cristo para o serviço
ministerial de liderança – bispos, padres e diáconos. E há aqueles e aquelas –
leigos ou não – que voluntariamente assumem os valores evangélicos da pobreza,
obediência e castidade como testemunho da excelência e radicalidade do
Reino.
Todos, cada um na sua condição, são chamados a viver
esta festa da luz e a exultar de alegria no Senhor. Hoje, aqui e agora, somos
nós que nos chamamos Simeão e Ana, recebendo nos braços o Senhor que é a Luz
das nações (“phôs eis apokálypsin ethnôn”: Lc 2,32) e ficando a pertencer à família da
Felicidade e a viver perto de Deus, face a face com Ele, seus atentos
escutadores, movidos pelo seu Espírito, seus recebedores e anunciadores de
Deus. E rezamos para que os que se ofereceram em consagração especial vivam
cada vez mais face a face com Deus e deem testemunho deste dom no mundo tão
incerto, coisificado e contraditório.
Para isso, o Senhor, enviado o seu mensageiro, como
dizem Malaquias 3,1-4 e Hebreus 2,14-18, vem purificar-nos, mas sobretudo sentar-se,
caminhar connosco, em tudo semelhante a nós, seus irmãos, e pôr-nos em comunhão
com Deus.
Por isso, não nos conformando com a bitola deste mundo
(cf Rm 12,2), hemos de viver em alta fidelidade,
sempre renovada dedicação e amor sempre novo, levados pela mão de Maria, a Mãe
da Alegria, que nos ensina a subir e a escadaria do céu, que para nós foi
concebido e criado.
Por tudo, somos instados a proclamar com o Salmo 24, o
Senhor do Universo e Rei da Glória, que entra no coração da nossa fragilidade,
que se torna o seu Templo. Na verdade, as portas do seu Templo, as da nossa
vida, são convidadas a abrir-se e a levantar-se para que possa entrar o Rei,
Senhor dos Exércitos. Com efeito, Deus criou o mundo e é o seu Senhor, pelo que
hemos comparecer junto de Deus e ser interrogados sobre o que fizemos, e Deus
vem para o que é seu, a que tem o direito e a vontade de ter livre acesso.
***
O Papa
Francisco, na homilia da Missa a que presidiu a 2 de fevereiro na Basílica de
São Pedro, com
membros dos Institutos de Vida Consagrada e das Sociedades de Vida Apostólica,
sublinhou que Simeão “esperava
a consolação de Israel” (Lc 2,25) e que, tendo esperado com paciência, o
cumprimento das promessas do Senhor, subiu ao templo, enquanto Maria e José
carregavam Jesus, e acolheu o Messias nos braços.
E,
enaltecendo a paciência de Simeão, o Pontífice refere que o escutador de
Deus “aprendeu na oração que Deus não vem em acontecimentos extraordinários,
mas faz o seu trabalho na aparente monotonia dos nossos dias” e “nas pequenas
coisas que realizamos com tenacidade e humildade procurando cumprir a sua
vontade”. E, considerando que o iluminado pelo Espírito “não se cansou com
o passar do tempo”, pois, embora se tenha sentido, às vezes, “magoado,
desapontado” ao longo da sua dilatada vida, não perdeu a esperança. Antes,
manteve-se vigilante até que, finalmente, “os seus olhos viram a salvação” (cf Lc 2,30: “eîdon hoi ophthalmoì mou tò sôtêrión tôn laôn”).
Na verdade,
Simeão recebeu o dom da paciência da oração e da vida do povo, que sempre
reconheceu no Senhor o “Deus misericordioso e compassivo, tardio em irar-se e
rico em graça e fidelidade” (Ex 34,6;
cf Sl 86,15), o Pai que,
face à rejeição e infidelidade não se cansa, mas “é paciente por muitos anos” (vd Ne 9,30), para dar uma e outra vez a possibilidade de
conversão.
Assim,
segundo o Papa, a paciência de Simeão “é um espelho da paciência de Deus”, sendo que Deus, com a sua paciência, “impele-nos
à conversão” (cf Rm 2,4) e “responde à nossa fraqueza, para nos dar tempo para
mudar”. Depois, a paciência de Deus revela-se sobretudo no Messias que
Simeão tem nos braços: o Pai que nos mostra misericórdia e nos chama até a
última hora, apenas exige “o impulso do coração” e, abrindo sempre novas
possibilidades, deixa crescer o grão bom sem arrancar o joio (vd Mt
13,24-46), o que é, para nós, motivo de
esperança: “Deus espera-nos sem nunca se cansar”.
E é à luz da
paciência de Deus que deve gizar-se a nossa paciência. Não se trata da mera
tolerância à dificuldade ou da simples resistência fatalista à
adversidade. Contra a ideia de que a paciência seja sinal de fraqueza, é
preciso acentuar que é, antes, “força de alma que nos torna capazes de
‘carregar o fardo’ dos problemas pessoais e comunitários”, nos leva a acolher a
diversidade do outro, nos faz perseverar no bem e nos mantém a caminho quando o
tédio e a preguiça nos invadem.
E Francisco
indica três lugares de realização da paciência: a vida pessoal; a vida
comunitária; e a relação com o mundo.
No quadro da
vida pessoal, frisa o Papa que, chamados um dia pelo Senhor,
oferecemo-nos a Ele “com entusiasmo e generosidade”. Porém, ao longo do
caminho, com as consolações, vêm as deceções e frustrações, enfraquece o fervor
da oração. Ora, aí devemos fazer o autoapelo à paciência para connosco sabendo
“esperar com confiança os tempos e os caminhos de Deus”, que “é fiel às suas
promessas” e fugir da “tristeza interior” qual “verme que nos devora por dentro”
tornando-nos impermeáveis à ação de Deus.
A nível da vida
comunitária, o Santo Padre, chama a tenção para o facto de as relações
humanas nem sempre serem pacíficas, sobretudo aquando da compartilha dum
projeto de vida ou duma atividade apostólica, surgindo conflitos que não têm
solução imediata. Aí há que não julgar precipitadamente as pessoas e as
situações, mas “saber distanciar-se” procurando “não perder a paz” e “esperar o
melhor momento para esclarecer-se na caridade e na verdade”. Com efeito,
não podemos fazer um bom discernimento, se o coração estiver agitado e
impaciente. E diz o Papa que o Senhor “não nos chama para sermos solistas,
mas para fazermos parte de um coro, que às vezes se choca, mas cujos
componentes devem sempre tentar cantar juntos”.
E, no âmbito
da paciência com o mundo, Francisco, apresenta-nos o exemplo de Simeão
e Ana, que privilegiavam, em seus corações, o cultivo da esperança anunciada
pelos profetas, mesmo que lenta em se concretizar e crescendo “dentro das
infidelidades e ruínas do mundo”. Não cantavam o lamento fatídico pelas
coisas erradas, mas “aguardavam pacientemente a luz nas trevas da história”. Ora,
como assegura o Pontífice, “precisamos dessa paciência para não ficarmos
prisioneiros da reclamação”. Não pode suceder que “à paciência com que Deus
trabalha o solo da história e o solo do nosso coração”, nos oponhamos com a “impaciência
de quem julga tudo de uma vez: agora ou nunca”.
E,
considerando que “a paciência nos ajuda a olhar com misericórdia para nós
mesmos, para as nossas comunidades e para o mundo”, o Papa aconselha a que nos
interroguemos: “Acolhemos a paciência do
Espírito na nossa vida? Em
nossas comunidades, carregamo-nos nos ombros e mostramos a alegria da vida
fraterna? E, para o mundo,
cumprimos nosso serviço com paciência ou julgamos com severidade?”. Para
tanto, face aos desafios para a vida consagrada, são necessárias “a coragem e a
paciência para caminhar, para explorar novos caminhos, para buscar o que o
Espírito Santo nos sugere”, o que “é feito com humildade, com simplicidade” e
coragem, “sem grande propaganda, sem grande publicidade”, sem murmuração e
tagarelice, que destroem as comunidade, mas com sentido de humor e de amor.
Tudo isto
exige uma boa dose de meditação (sobre o fulgor da luz e o sentido da pertença a Deus
e ao seu povo), oração (que almeje
que se faça a vontade do Pai),
contemplação (orientada pela escuta da Palavra e pela descoberta dos sinais de Deus no
mundo) e ação (no sentido
de que todos e cada um e tornem luzeiros de Deus e testemunhas da sua paciência
e misericórdia par com cada pessoa, mormente as que mais sofrem).
***
Assim,
depois que os decisores políticos “salvaram” o Natal e enterraram ano velho e o
povo “salvou” o Presidente, parece que a Senhora das Candeias a chorar fará que
esteja a passar o inverno da pandemia que tanto incómodo traz ao povo, ceifou tantas
vidas e encalacrou muitas outras. É esta a esperança que não pode morrer,
porque firmada na paciência de Deus espelhada em Simeão.
2021.02.03 –
Louro de Carvalho
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