sábado, 6 de fevereiro de 2021

Por irregularidade no UCVP demitiu-se o Coordenador da Vacinação covid-19

 

A 3 de fevereiro, o Ministério da Saúde informava que o Dr. Francisco Ventura Ramos, Coordenador da Task Force para a Elaboração do “Plano de Vacinação contra a COVID-19 em Portugal”, renunciara ao cargo, no dia anterior, por irregularidades detetadas pelo próprio no processo de seleção de profissionais de saúde no HCVP (Hospital da Cruz Vermelha Portuguesa), de cuja comissão executiva é presidente. Não obstante, o funcionamento da Task Force mantém-se assegurado pelos restantes membros do núcleo de coordenação, nomeados pelo Despacho n.º 11737/2020, de 26 de novembro.

No mesmo dia, o Ministério da Saúde comunicou oficialmente que “o Governo nomeou o Vice-Almirante Henrique Gouveia e Melo para coordenador da Task Force do Plano de vacinação contra a Covid-19 em Portugal” – um oficial-general da Armada, com 60 anos de idade, que passou por várias funções no Ramo, nomeadamente exercendo o comando de submarinos e fragatas, que liderou o Serviço de Treino e Avaliação da Esquadrilha de Submarinos e o Estado-Maior da Autoridade Nacional para o Controlo de Operações de Submarinos, assumindo, mais tarde, o comando daquela esquadrilha, que foi, de 2017 a 2020, Comandante Naval exercendo, durante dois anos deste mesmo período, de 19 de setembro de 2017 a 19 de setembro de 2019, funções de Comandante da EUROMARFOR e que, a partir de janeiro de 2020, assumiu as funções de Adjunto para o Planeamento e Coordenação do EMGFA (Estado-Maior General das Forças Armadas).

Foi distinguido com várias condecorações, nomeadamente Comendador da Ordem Militar de Avis, oito Medalhas Militares de Serviços Distintos, três de ouro e cinco de prata, e, mais recentemente, por parte da Marinha Francesa, a Ordem de Mérito Marítimo e, por parte da Marinha do Brasil, a Medalha da Ordem do Mérito Naval, Grau Grande Oficial. 

O militar, que já integrava a equipa que coordena o plano, assumiu funções de imediato. E, em declarações aos jornalistas, reiterou a prioridade de atuar em todas as áreas, a começar por onde houve falhas”; que “as Forças Armadas apoiam o processo de vacinação e o Ministério da Saúde”; que a sua posição, como coordenador, “é mais um sinal do apoio das forças armadas a este processo”; e que, tendo estado a trabalhar com a estrutura, a conhece.

Para lá daquele hospital, têm surgido mais casos de vacinação indevida. E, questionado sobre tais irregularidades, o vice-almirante apontou que o “processo em si é lamentável, bastava haver um desvio que fosse que é lamentável”, mas frisa que o “processo também tem que ter análise estatística”, sendo que, atualmente, estes casos são raros, acontecendo cerca de uma vez em mil.

O próprio Dr. Francisco Ramos, em nota enviada à imprensa, justificou a sua tomada de posição:

Ao tomar conhecimento de irregularidades no processo de seleção para vacinação de profissionais de saúde do Hospital da Cruz Vermelha, do qual sou Presidente da Comissão Executiva, considero que não se reúnem as condições para me manter no cargo de coordenador da Task Force para a elaboração do Plano de Vacinação Contra a COVID-19 em Portugal. Assim, apresentei ontem, dia 2 de fevereiro de 2021, à Senhora Ministra da Saúde, a renúncia ao cargo..

O líder do PSD vê na demissão de Francisco Ramos a possibilidade de entregar a liderança da Task Force da vacinação a um especialista em logística e salvar o verão, pois, como observa Rui Rio, se as irregularidades  ocorreram na CVP (Cruz Vermelha Portuguesa), demitia-se da CVP e não da Task Force. Assim, como aponta, precisamos de quem “saiba o que está a fazer”. Na verdade, as Forças Armadas e o Exército em particular têm formação neste tipo de situações. E a vacina, neste momento, é um dos bens mais importantes e mais escassos da sociedade. E observa:

Se não vacinarmos mais de 70% da população até ao final de junho, estragamos o verão. Não digo que há males que venham por bem, mas esta é a oportunidade de ficar alguém entendido na matéria a liderar a Task Force. Devíamos estar a dar 50 mil doses por dia e estamos a dar 10 mil. Se calhar, vamos ter de passar a dar 70 ou 80 mil por dia para cumprirmos os objetivos..

Rui Rio diz que “o Primeiro-ministro devia estar a fazer melhor”, embora não duvide da sua “dedicação e vontade”, pois, “se há vacinação indevida, é porque há doses a mais e se planeou mal”, tanto assim é que há “situações em que não se está a dar a segunda dose”.

Também Carlos Oliveira, Secretário de Estado do Empreendedorismo, da Competitividade e da Inovação do Governo de Pedro Passos Coelho, refere que se abriu “uma enorme oportunidade para se ter e implementar um real plano de vacinação para Portugal”, pois criar e implementar “um plano de vacinação à escala de um país num curto espaço de tempo não é uma tarefa para políticos ou aprendizes de logística”, mas “um trabalho técnico que implica enorme conhecimento de logística em grande escala e uma enorme capacidade de trabalho”. E desafia:

Encontre-se uma equipa composta por militares e/ou de especialistas em logística (de qualquer setor, não têm que perceber de saúde ou vacinas) que tenha a capacidade e os recursos para fazer o que for preciso para que seja um enorme sucesso. Sucesso é igual a vacinação rápida e de cobertura ‘total’ dos portugueses. Ah, e olhe-se para o que outros países estão a fazer bem, como Israel, e aprenda-se com o que está a correr bem..

O líder do Chega saudou a demissão de Francisco Ramos como “uma decisão que já devia ter sido tomada” e disse que “precisamos de alguém que seja credível e objetivo”.

Ana Rita Bessa, do CDS-PP, apontou como sucessor alguém das Forças Armadas, considerando que na Task Force há elementos, por exemplo das Forças Armadas, capazes, capacitados de gerir operações desta natureza, operações logísticas de precisão e de processos com esta natureza.

A Iniciativa Liberal defendeu que Francisco Ramos “já sai tarde”, considerando que a “incompetência e desfaçatez já deviam ter tido consequências”.

O PAN mostrou-se preocupado com as irregularidades identificadas na administração das vacinas contra a covid-19, que justificaram a demissão do coordenador do plano de vacinação, e pediu explicações ao Governo.

Francisco George, presidente da CVP, assegurou que a instituição não está ligada à gestão do hospital, cuja comissão executiva é presidida por Francisco Ramos, que se demitiu da Task Force de vacinação contra a covid-19. Com efeito, “no dia 14 de dezembro de 2020, a CVP vendeu 55% das ações que detinha na gestão do hospital à SCML (Santa Casa da Misericórdia de Lisboa) e que desde então não teve contactos com a comissão executiva do HCV, garantindo que a organização “é só proprietária do edifício” e que a decisão não condiciona a CVP. A atual administração entrou em funções sem a CVP, que deixou de ter qualquer participação na sociedade de gestão. A maioria do capital social da sociedade gestora é detida pela SCML. Assim, o presidente do conselho de administração – que era até 14 de dezembro o presidente da CVP – passou a ser o provedor da SCML, que nomeou como presidente da comissão executiva o Dr. Francisco Ramos.

Questionado se ficava surpreendido com a denúncia feita por Francisco Ramos de irregularidades no processo de seleção para vacinação de profissionais de saúde do HCVP contra a covid-19, recusou fazer comentários, mas saiu em defesa do ex-coordenador da Task Force, de quem disse ser “amigo pessoal há muitos anos” e que “é uma pessoa de grande integridade”, inclusive “nos atos de gestão que pratica”.

A bastonária da Ordem dos Enfermeiros afirmou que a vacinação indevida contra a covid-19 “não é culpa de uma só pessoa”, ao comentar a demissão do coordenador da Task Force deste plano em Portugal. E explicou em declarações à agência Lusa:

Isto não é culpa de uma só pessoa, até porque as regras estavam definidas à partida, inclusive a questão dos nomes supletivos nas listas, consoante nós tirássemos cinco ou seis doses de cada ampola de vacinação.

Considerando que, no caso, houve “uma tremenda falta de fiscalização, a que o Governo não se pode alhear”, Ana Rita Cavaco reiterou que “não se pode culpar apenas o coordenador” do Plano. E admitindo que “poderá haver aqui uma tentativa de, nestas situações de vacinação indevida, culpar uma só pessoa”, disse não compreender por que razão Francisco Ramos, sendo presidente da CVP, se demite da Task Force e, por outro lado, continua a presidir à instituição”.

Esquece que ele pôs o lugar à disposição da SCML, que recusou a demissão.

Segundo a bastonária, o volume de denúncias recebidas na Ordem mostra que “estamos a falar de milhares de pessoas que foram vacinadas, em princípio indevidamente”, designadamente “autarcas, provedores de santas casas, família, amigos, informáticos, pessoas em teletrabalho e muitas outras” – isto, quando o país tem “ainda milhares de enfermeiros por vacinar”, assim como de idosos, incluindo os que residem em lares, bombeiros, forças de segurança e estudantes de enfermagem que “estão fora de qualquer grupo prioritário e que têm ajudado os lares e que estão a receber ensino clínico” para o país poder ter enfermeiros.

Mais disse Ana Rita Cavaco que a Ordem se ofereceu, várias vezes, para organizar os centros de vacinação, inclusive com trabalho pro bono, acabando por escrever isso mesmo ao Presidente da República. E garantiu que não teria havido estes casos de vacinação indevida com a Ordem.

***

Certamente deu para ver que alguns dos comentários surgiram antes de conhecida a nomeação de Gouveia e Melo para coordenador da Task Force, que terá sido instada pelo Presidente da República no pressuposto de que os militares são quem tem mais experiência no âmbito da logística e do planeamento – do que não duvido, desde que uma indevida politização e o sempre espreitante zelo de interesses não baralhem tudo. A isso nem as forças armadas valem.

O problema da vacinação em massa duma população em todo o mundo traz sempre muitos problemas quer a montante, quer a jusante das decisões políticas. E o caso da covid-19 é emblemático neste aspeto.

Desesperava-se por uma vacina ou um medicamento eficaz de combate ao vírus para travar a pandemia. As vacinas surgiram em tempo record, não sem os Estados e sobretudo algumas estruturas intraestatais, como a UE, terem disponibilizado avultadas verbas para a investigação e produção, ações que decorreram mais na dinâmica da concorrência que da convergência, dando azo a que alguns poucos enriquecessem desmedidamente à custa disso. Com a aprovação das primeiras de entre as muitas vacinas, criou-se alta expectativa sobre a sua eficácia sobre a pandemia, bem como a falsa expectativa de que todos seriam rapidamente vacinados – muito mais desejo que garantia comunicacional. E pouco liguei à afirmação do nosso Presidente da República de que o fornecimento estaria garantido a tempo e horas, porque teria falado com os fornecedores (Mais que os políticos, eles prometem e garantem tudo, até que interesses mais altos se levantem!), parecendo demarcar-se do Plano de Vacinação gizado pelo Governo, até porque a vacinação da gripe em 2020 falhara em relação ao prometido.

É óbvio que a Comissão Europeia, agora sob várias e fortes críticas (a que responde de forma sustentada), incluindo as de membros do Governo alemão, fez um reiterado esforço diplomático e financeiro por que todos os países da UE sejam atempadamente dotados das doses de vacinas em conformidade com o seu volume populacional e com as encomendas feitas junto de cada um dos produtores. E já reforçou tal diligência duas vezes pelo menos.

É óbvio que países mais endinheirados ou com maior poderio estratégico são capazes de “desviar” as encomendas em seu proveito, pouco se interessando pelos países mais débeis, pelos que já assumiram os encargos – até já tem feito alguns pagamentos – e muito menos pelo princípio de que ninguém pode ficar para trás. Assim, está em perigo a concretização da vacina como gratuita, facultativa, mas universal.

Por outro lado, é possível que haja dificuldade em conseguir a tempo matéria-prima e produzir ao ritmo do que é necessário.

Entrada a vacina no país, dada a necessidade específica do seu armazenamento, é inevitável que acidentalmente algumas doses se percam, como sucedeu recentemente no Hospital de Penafiel, com problemas no sistema de refrigeração, não se devendo atribuir culpas precipitadamente.

Quanto à ministração indevida de vacinas, há dois tipos de casos a considerar: o da vacinação dita indevida de administradores e familiares de Misericórdias e IPSS; e o da vacinação de pessoas procuradas “ad hoc” para evitar a inutilização de doses.

Em relação ao primeiro caso, a Task Force deveria ter especificado que deviam ser vacinados, com os idosos, os funcionários e também, mas só, os administradores e voluntários que efetivamente estão em contacto com os utentes – situação que deve ser mantida, considerando abusivas todas as outras vacinações oportunistas ou fruto do chico-espertismo e devendo ser apurados os factos e as respetivas responsabilidades disciplinares e criminais.

No atinente ao segundo caso, não havia de ser preciso ter vindo à televisão o Primeiro-Ministro explicar que os dirigentes de cada setor devem ter uma lista de suplentes do mesmo grupo prioritário para serem vacinados em situações em que doutro modo as doses seriam inutilizadas (se uma dose correspondesse a um frasco, faltando o convocado guardava-se; como do mesmo frasco se retiram 6 doses, faltando um ou dois dos convocados ou estando algum deles infetado no momento, a vacina seria aplicada num ou dois suplentes sem se procurarem candidatos à última da hora). Não é crível que o Primeiro-Ministro tenha de vir dizer a cada setor da sociedade (escola, hospital, polícia…) como deve ser gerido, como, depois de ser decretado o confinamento, não devia ser necessário o Primeiro-Ministro vir dizer que a PSP e a GNR teriam de estar nas ruas e nas estradas. Ora, a calamidade pública e o confinamento implicam alteração da ordem pública, pelo que as forças de segurança têm de estar no terreno e com a cooperação das forças armadas devidamente enquadradas. Onde estavam o Diretor Nacional da PSP, o Comandante Geral da GNR e o CEMGFA? A tratar da extinção do SEF, a discutir quem escolta as carrinhas transportadoras das vacinas ou a determinar se os militares ajudam com armas ou sem armas? O que são militares desarmados?

Por outro lado, os boys e girls que enxameiam alguns serviços do Estado já tiveram tempo de conseguir competências para o bom desempenho, através de estudo, desejo de aprender, humildade e dedicação aos cargos. Aliás, é velho o adágio “exercendo disces(com o exercício aprenderás).

E, por acaso, for verdade que tudo nas vacinas estava devidamente planeado, então falhou a fiscalização, que em situação excecional deveria estar excecionalmente preparada.

Enfim, é preciso saber de planeamento e de logística, mas recuso acreditar que, nestas matérias, os militares sejam os únicos. São bons nisto, mas são-no sobretudo em estratégia e tática.

De resto, precisamos de boas leis, zelosa administração, assídua fiscalização e célere e eficaz justiça. Caso contrário, a prevaricação galopa e sobre desenfreadamente.

2021.02.06 – Louro de Carvalho

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