Pensa-o
Isabel Capeloa Gil, reitora da UCP (Universidade Católica Portuguesa) em entrevista ao DN
de 17 de fevereiro, em que anota a ausência de planeamento do ensino online, critica
a decisão tardia de fechar as escolas, aponta falhas no plano de vacinação e
diz-se contra a eutanásia.
Capeloa Gil,
doutora em Estudos Alemães, é uma das sete mulheres que foram reitoras em toda
a história da universidade portuguesa e que em outubro foi investida para um
segundo mandato à frente da UCP. Filha dum oficial da Marinha, foi para Macau
onde residiu dos 7 anos aos 15, o que lhe marcou a forma de estar e trabalhar –
multicultural e de olhos voltados para o mundo.
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Dos grandes desafios que o regresso às aulas online coloca à
UCP, destaca o da empatia,
pois, o professor não é quem debita matérias, mas alguém que gere o processo de
conhecimento do aluno. Ora, plataformas como Zoom, Teams ou Webex permitem
continuar o processo, mas não substituem o elemento relacional e pessoal: isso
só em filmes de ficção científica. Por outro lado, como diz, “as
plataformas online são muito mais exigentes para estudantes e
professores”.
Por isso, a
UCP promoveu a formação para professores com webinars. E a
tecnologia teve dois efeitos: suplantar medos que os docentes poderiam ter
quanto à sua hipotética substituição pela tecnologia, o que não é possível, tratando-se
apenas dum complemento; e usar a tecnologia como oportunidade, mas acautelando que,
porque a componente emocional se perde, se compense de outra forma. E diz que
uma das formas deste acautelamento “é alargar o tempo de interação um a um, as
tutorias, o break out rooms em fóruns mais pequenos”. Por
outro lado, sendo essencial a concentração, é de ter em conta que não se pode
manter o regime de seminário nos mesmos moldes do ensino presencial, mesmo em
cursos de doutoramento. Assim, há que encontrar estratégias de redução do
impacto e de aumento do trabalho de preparação com outros materiais criando uma
componente assíncrona. Porém, a predita
redução não tem de ser uniforme, antes deve ser adequada a cada uma das áreas
disciplinares, pois “é diferente falar em Macroeconomia ou em História da Filosofia,
pelo que se construiu “um corpo de recomendações”, para formação em webinars em
setembro, e “houve da parte dos docentes um investimento enorme na exploração
das possibilidades tecnológicas”.
Reconhece que “a comunidade
de professores foi extraordinária”, tendo feito bem a “migração para o online
com sentido de aprendizagem, desenvolvimento e serviço, com partilha entre
professores e faculdades muito positiva”. Já da parte dos estudantes,
pensando-se que seria intuitivo, “a reação foi de enorme ansiedade”; e uma das
preocupações dos alunos internacionais foi a solidão, pois sentiam-se desamparados
no confinamento. Criou-se, então, “um programa de psicologia em confinamento
para os acompanhar”. E, com base no inquérito aos estudantes, no final do 2.º
semestre, em que diziam que o presencial nunca seria substituído pelo online, teve
de se começar em híbrido e com o objetivo de “retomar, logo que possível, em
presencial”, pois não se pode deixar cair “o processo de aprendizagem e crescimento de toda uma geração”.
É certo que
a indicação que foi dada é de que até à Páscoa se vai manter este regime, mas será
revista se a situação ficar controlada, sendo determinante o regime presencial
nas avaliações, em maio e junho, pois é necessário “retomar a confiança dos
estudantes” no processo educativo e em si próprios, superar dificuldades e
tornar o processo das avaliações mais próximo. Por outro lado, se nem em regime
presencial há modelo incólume à fraude, visto que “a criatividade é imensa”, é
preciso “usar sistemas seguros no online”.
No caso de
as avaliações terem de ser online,
estão disponíveis dois sistemas: um, que bloqueia o computador, não dando acesso
a consultas na internet, com a câmara a vigiar o estudante, um tema muito
debatido, mas sendo, por outro lado, necessário observar o estudante como se
fosse presencial; e outro, que passa por reformular o tipo de questões e fazer
testes de consulta, “testando não a reprodução do conhecimento, mas a
capacidade de argumentar”.
Sobre o fecho tardio das Escolas face ao descontrolo da pandemia
subsequente ao Natal, considera que “é
extremamente difícil governar no momento que vivemos”. Não obstante, acusa o
caráter tardio da medida, “porque nós tínhamos a experiência de outros países”,
sendo que, em Portugal, temos dificuldade em “antecipar, preparar e assumir
medidas difíceis que não de curto prazo”. E aponta uma conferência em que o
Ministro da Saúde da Austrália disse que “estamos a combater uma pandemia e o
que estamos a aprender agora vai-nos ajudar para a próxima pandemia”, pois “é
possível termos um vírus muito pior”.
Nestes termos, entende que
a situação recomendava o fecho antecipado das escolas, mas aponta a dificuldade
na grande diferença entre mudar o ensino superior para o online ou
o primeiro ciclo. E, porque pode estar em causa é “o processo de aprendizagem e
o crescimento de toda uma geração” pensa que era fundamental em março do ano
passado terem sido distribuídos pelas escolas os meios tecnológicos para as
famílias que não têm possibilidades de dar aos filhos computadores e terem-se
equipado todas as escolas.
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Admitindo que a vacinação tardia prejudicará o regresso ao ensino
presencial, considera que a falha do plano de vacinação contra a covid-19 não é
só nacional, mas “é europeia, é global”.
Com efeito, à “incapacidade das grandes empresas farmacêuticas de escalar a
produção” soma-se “o facto de termos feito outsourcing da
capacidade de produção industrial da Europa para outras paragens”, que “retirou
capacidade de produção europeia e está a ter impactos brutais”. Por outro lado,
“a política e a realidade industrial estão abissalmente separadas”. E, com as
mutações virais, as dúvidas sobre segurança das vacinas e a desinformação, criam-se
enormes dificuldades, acrescendo “o nacionalismo sanitário que a Europa tem
tentado combater, e bem”.
E, nisto, a UE não está a ser de todo eficiente. Por exemplo, a coordenação entre os vários países, no atinente a
medidas sanitárias e encerramento de fronteiras, não corre de modo a garantir a
segurança aos cidadãos europeus, refletindo a covid as disfuncionalidades da UE.
Atribui nota boa ao Governo nesta matéria, mas acusa “as questões políticas de curto prazo” terem “precedência
sobre matérias de longo prazo”, uma dificuldade “de todos os governos e da
política: conseguir pensar além dos limites da legislatura”, embora muitos
tenham falado dos “pactos de regime, na justiça, na saúde”. Mas a pandemia
devia ter-nos ensinado mais.
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Questionada sobre o apelo do centro-direita à criação dum governo de unidade
ou emergência nacional, responde que “a
legitimidade do governo vem de eleições”, mas que “os apelos do centro-direita
refletem um descontentamento basilar da sociedade portuguesa a que é preciso
estar atento”, pois “o voto de desconforto no sistema político acontece em
momentos particulares de crise por toda a Europa e que vimos nos EUA”. Admite
que o Chega corporiza um descontentamento real que é preciso ver donde vem e
porque existe e tentar resolvê-lo. E não passa pela ignorância do
descontentamento nem pela ilegalização do partido, mas, porque a democracia é um
processo frágil, importa educar as pessoas para os “valores democráticos”, pois
a sociedade não pode servir de engenharia social contra os seus valores-base.
De mensagens xenófobas escritas em muros de universidades e da preocupação
com o crescente racismo em Portugal e com os populismos, diz que se lida com
isto com educação sensata e não violentando “os
valores-base das pessoas”. Chama ao episódio dos muros com dizeres racistas, “um
ataque ao que representa a universidade enquanto espaço de abertura,
acolhimento, diálogo e respeito”. E declara perentoriamente:
“Não pode haver moralismos. O racismo tem de ser discutido, é uma
questão de todas as sociedades. É uma reação antropológica basilar ao diferente
e que só pode ser combatido com educação. É importante que o debate se continue
a fazer.”.
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Interpelada sobre a eutanásia como tema sensível para um católico,
confessa-se claramente contra. E critica o momento em que a discussão
parlamentar fechou a discussão do tema, “quando há
um crescimento de vítimas mortais e num segmento frágil da população, os idosos”.
E sublinha que esta pandemia afeta “as duas pontas” da população”: as crianças e
os idosos. As crianças, “no processo educativo”; e os idosos, confinados, “com
uma esperança de vida muito mais reduzida”, quais “vítimas principais da
pandemia”. Isto, sem esquecer o grande “número de mortes por outras patologias”.
Ora, “o objetivo central da gestão política da nação é defender a vida, a vida
digna dos cidadãos portugueses”, sendo para isso que nós elegemos “os nossos representantes
no Parlamento e o Governo”. Porém, para a entrevistada, “a morte digna não é
eutanásia”, mas “calcular que o fim da vida é sem sofrimento, acompanhado, sem
distanásia, sem uma extensão da vida por meios artificiais”. Ou seja, “as
pessoas devem conseguir cumprir o seu tempo de vida com dignidade e sem
sofrimento, mas não acelerar a morte”. E menciona o exemplo de outros países
que mostram que as leis garantem que os processos decorrerão de acordo com o
normativo, como o exemplo positivo da Alemanha, em que a lei obriga os filhos a
responsabilizarem-se pelos pais, de modo que, se os filhos tiverem capacidades
financeiras, não podem mandá-los pura e simplesmente para um lar.
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Doutorada em Estudos Alemães, não se furtou a opinar sobre a atitude da
Alemanha de dispensar 26 médicos e enfermeiros para ajudar Portugal,
considerando-a de “uma grande
solidariedade da Alemanha para com os seus parceiros europeus e para com
Portugal, em particular”, que espelha o empenhamento do consulado de Merkel na
coesão europeia.
Da sua vivência em Macau – geografia, culturas e sensação de pertencer a
uma minoria – refere que foi determinante para o que é hoje. Com efeito,
integrada nos 3% da
população num momento de transformação radical, sublinha a queda e morte de
Mao, a mudança da China, a guerra do Vietname, a situação de Timor… E confessa
que foi isso que a levou “a escolher as Humanidades”, ao contrário do que o pai
queria, “a Economia”.
Questionada sobre se a relação EUA-China mudará a partir de agora, diz
que “o mundo precisa de um equilíbrio
multilateral”, ao invés do que Trump estava a fazer, um isolamento dos EUA, aliando-se
a parceiros que não eram os do eixo democrático. Ora, a China, segundo Capeloa
Gil, “é um potentado económico, com claras ambições geoestratégicas,
nomeadamente no acesso às matérias-primas em África”, sobretudo nos países de
expressão portuguesa, como Moçambique e Angola. Neste cenário, destaca o papel
importante de Portugal enquanto mediador e parceiro de equilíbrio entre
potências, por ter uma relação milenar de respeito com a China.
Por outro
lado, crê no papel essencial da administração de Biden na retoma do paradigma globalista
dos EUA. Mas acha que não será fácil, pois a questão não é só de republicanos versus democratas. E especifica:
“Mesmo dentro dos democratas há uma linha fortemente centrada no América
First e Different, que é representada por Bernie Sanders, por exemplo, e
considera tudo aquilo que são modelos mais multilaterais uma ameaça. Mas é
essencial, para o mundo, que a América retome o seu papel de líder dos valores
democráticos, que foram fortemente ameaçados no dia 6 de janeiro, com a
insurreição e o ataque ao Capitólio.”.
Preconiza
que a Europa se apresente com “a força dos valores, do comprometimento, da
união, da liberdade, da igualdade, do respeito pela individualidade e pelos
direitos das pessoas, do crescimento económico sustentável e da coesão” e que “retome
a liderança em termos políticos, para poder gerir e dialogar ao mesmo nível com
a China e com os EUA”.
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Sendo o programa Erasmus o rosto da globalização nas universidades e
tendo-o a pandemia condicionado, Capeloa Gil, prevê que, na pós-pandemia, “as mobilidades vão retomar sem problemas”, pois, mesmo
tendo-se antecipado “fortíssima retração da atração dos estudantes
internacionais em setembro, no ano letivo 2020-21, não se sentiu nos estudantes
internacionais de grau. Houve, de facto, redução nas mobilidades porque as
fronteiras fecharam, mas “os internacionais que já tinham vindo estão a começar
o seu semestre de mobilidade em confinamento”, o que exige um acompanhamento da
parte da universidade. Acha “meramente conjuntural” a impressão causada no
estrangeiro pela 3.ª vaga da pandemia em Portugal, sendo que a vacinação
reforçará a confiança para os estudantes voltarem às mobilidades.
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Tendo falado, aquando do seu doutoramento honoris causa em Boston, da necessidade de haver mais mulheres a assumir
responsabilidades, diz que “Portugal
tem feito progressos”, mas tem de fazer muito mais. Situa a falta de
representatividade de líderes mulheres no preconceito implícito. Não faltam as
leis, mas a mudança cultural.
Por isso, para lá do mentoring existente, será criado um programa específico para
inspirar jovens graduadas ou em vias de graduação a desenvolverem as suas
carreiras profissionais de forma consciente – “um programa de mentoria e
liderança no feminino”.
E, depois de
avançar com o anúncio da construção do novo campus da
UCP e da reconversão do espaço onde está a Faculdade de Economia e Gestão, fala
da primeira licenciatura do país em Filosofia, Política e Economia. Diz que tal
licenciatura tem uma tradição muito forte nos países anglo-saxónicos,
abrangendo três áreas que é importante articular para o desenvolvimento do
país. Ou seja, como refere, há que deixar uma economia desligada do que são “os
projetos de desenvolvimento, das políticas públicas de desenvolvimento do país”,
como há que deixar as políticas públicas desligadas do que são “as necessidades
de crescimento e desenvolvimento das empresas”. E assegura que política e
economia desvinculadas de questões éticas, filosóficas e de pensamento crítico
são pouco sustentáveis. Ao invés, a ligação entre estas três dimensões criará
profissionais que poderão ser “uma mais-valia para o desenvolvimento futuro do
país”.
***
E, desafiada para a ambição de formar uma elite política para preparar o
futuro de Portugal, a Reitora da UCP diz gostar “sempre de falar das elites em termos de conhecimento” e que, “se for – e
porque as universidades querem formar elites –, será uma elite de conhecimento”.
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Boa marca!
Veremos se a UCP se constitui em elite para servir, não os grandes interesses instalados,
mas as pessoas, as famílias, as populações, as empresas e os serviços que ajam
segundo os ditames da genuína Doutrina Social da Igreja, servindo de fermento
para os outros.
2021.02.18 – Louro de Carvalho
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