Em Fátima, cujo Santuário tem, como o de Lourdes, especial atenção e
carinho pelas pessoas frágeis, nomeadamente as marcadas pela doença, física ou
mental, celebrou-se o 29.º Dia Mundial do Doente com Missa na
Basílica de Nossa Senhora do Rosário de Fátima, sem a presença física de povo, sob
a presidência do Cardeal António Marto, Bispo de Leiria-Fátima, que procedeu à
consagração à Senhora de Fátima de todos os doentes e os profissionais que, no
terreno, lutam diariamente contra a doença, “uma das experiências mais
duras do ser humano”.
Dom António Marto lembrou que “cada doente é uma pessoa única, uma vida
de relações, um coração com sentimentos e anseios, uma história singular”
Na homilia da
Eucaristia, promovida pela Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), que teve transmissão online, o prelado fatimita e
membro do Sacro Colégio Cardinalício disse que esta pandemia “constitui um
choque, um abalo, que nos faz sentir mais agudamente a fragilidade da vida, já que
“verificamos como a doença abre, em todos, muitas feridas e acarreta muitos
sofrimentos: feridas do medo da doença, da dor, do isolamento, da solidão, do
receio de perder o emprego, da angústia da morte”. E, mostrando “alegria e
emoção” por estar a presidir a esta celebração em nome da CEP, afirmou aos mais
de 5.500 peregrinos virtuais que acompanharam a transmissão de Fátima, através
das redes sociais do Santuário:
“Estais presentes aqui, na comunhão de
santos em Cristo, todos os que vos unis à celebração pelos meios de
comunicação, aqueles que só o podem fazer pela intenção íntima do coração, e de
modo particular, todos os doentes, em especial as vítimas da doença covid-19,
vivos e defuntos e seus familiares, bem como todos os profissionais de saúde e
cuidadores que assistem ou assistiram estes doentes. Em nome pessoal e dos
bispos da CEP desejo saudar e fazer chegar a todos a nossa proximidade
espiritual, o nosso grande afeto e o apoio da nossa oração, em ato de
solidariedade de toda a Igreja Portuguesa.”.
O purpurado
recordou as mortes “na maior solidão” e o luto “suspenso e amargo”, na
pandemia, com “histórias de doenças, de sofrimento, de luto, de desânimo e
desalento, de verdadeira cruz”. E, lembrando que estas situações “precisam de
ser rezadas diante de Deus ainda que seja em forma de gemido ou grito de dor”, observou:
“Encontramos, deste modo, muitas feridas
físicas, psíquicas e espirituais que invocam reconhecimento, partilha e cura.
São brechas a reparar e feridas a curar.”.
Desafiou,
por isso, as comunidades católicas a acompanhar os doentes, para que “ninguém
se sinta só nem abandonado”. E questionou a todos sobre “como podemos e devemos
reagir enquanto cristãos”. Seguramente, a seu ver, a resposta passa pelos “cuidados
e tratamentos que a medicina nos oferece” e em que “nos últimos decénios deu
passos de gigante”, pelo que “devemos estar muito gratos e, neste momento, por
nos proporcionar a vacina qual luz de esperança para sair da pandemia”. Todavia,
não deixou de relevar o papel da Palavra de Deus que “nos ensina que há uma
atitude decisiva para enfrentar a doença, a fé em Deus e na sua bondade, dado
que a doença não é algo de abstrato”.
Neste dia em
que a Igreja invoca Nossa Senhora, que se apresentou em Lourdes a Bernardette
Soubirous como a Imaculada Conceição, Dom António engrandeceu o seu testemunho
e o episódio em que ofereceu apoio à prima Isabel, que vivia uma situação
delicada de gravidez de risco, como diríamos hoje, vendo aqui “o exemplo do
cuidado, feito de amor, ternura e auxílio à pessoa necessitada”. Por outro
lado, frisou que o canto do Magnificat,
que “exalta as maravilhas da misericórdia de Deus, é o agradecimento de quem
conhece os dramas da vida, mas confia na misericórdia de Deus”, ao passo que, “aos
pés da cruz, a sua compaixão materna com o Filho que assumiu sobre si as dores
da humanidade, se torna também compaixão nos sofrimentos e dores de todos os
seus filhos sobre a terra confiados ao seu coração de mãe”.
Depois, como
não podia deixar de ser em Fátima e no contexto de pandemia, o Cardeal evocou
os dois santos pastorinhos, vítimas da pandemia pneumónica, como “exemplo da
vivência do sofrimento com a fortaleza que encontravam na união com Cristo e em
solidariedade com os sofredores, os pecadores e a paz no mundo dilacerado pela
grande guerra”. E frisou que, na atual conjuntura, “o mundo do sofrimento clama
pelo mundo do amor e é o amor que nos dá olhos para ver, um coração para ser
sensíveis, inteligência para ser criativos de cuidados e terapias e mãos para
levar ajuda”, sendo que “o mandamento do amor se realiza hoje na relação de
cuidado com os enfermos”.
O prelado
fatimita alertou para o facto de que “nem os governantes nem os cidadãos deveriam
ignorar esta lição” do cuidado com os enfermos, como aconselha o Papa na sua
Mensagem para o 29.º Dia Mundial do Doente. E desafiou a Igreja a fazer deste
cuidado a sua missão assentando em que “investir recursos nos cuidados e na
assistência às pessoas doentes é uma prioridade ligada ao princípio de que a
saúde é um bem comum primário”.
O Bispo de
Leiria-Fátima pediu que “a todos os que sofrem façamos, pois, sentir a nossa
proximidade material e espiritual, pois é importante não os deixar no abandono
e na solidão quando se encontram a enfrentar um momento tão delicado ou duro da
sua vida, para que nenhum se sinta só e abandonado”. E concluiu exortando:
“Confiemos a Nossa Senhora da Saúde todos os
que sofrem e todos os profissionais da saúde e cuidadores que os acompanham
para que possam sentir o conforto da sua ternura e proteção materna, o alívio
do sofrimento, e confiemo-nos todos ao seu Imaculado Coração para que com a sua
poderosa intercessão ajude a aliviar a humanidade aflita por esta pandemia”.
É de
registar que os bispos consideraram ser um momento propício para prestar especial
atenção às pessoas doentes, sobretudo neste momento de pandemia, e a todos quantos
os acompanham.
A celebração
terminou com a consagração a Nossa Senhora do Rosário de Fátima.
***
É de relevar
que a mensagem papal para este 29.º
Dia Mundial do Doente, na memória litúrgica de Nossa Senhora de Lurdes, tem
como tema “Um só é o vosso Mestre e vós
sois todos irmãos” (Mt 23,8), com vista à “relação de confiança na base do
cuidado dos doentes”, recorda as vítimas da pandemia e denuncia as
“insuficiências dos sistemas de saúde” face ao desafio da covid-19.
Escreveu
Francisco, na sua mensagem para esta jornada anual:
“Penso de modo particular nas pessoas que
sofrem em todo o mundo os efeitos da pandemia do coronavírus. A todos,
especialmente aos mais pobres e marginalizados, expresso a minha proximidade
espiritual, assegurando a solicitude e o afeto da Igreja.”.
O Papa, destacando que
cada doente tem “um rosto”, evoca as pessoas que “se sentem ignoradas,
excluídas, vítimas de injustiças sociais que lhes negam direitos essenciais”. Adverte
que “a atual pandemia pôs em evidência muitas insuficiências dos sistemas de
saúde e carências na assistência às pessoas doentes”. E lamenta que “nem sempre
seja garantido o acesso aos cuidados médicos” aos idosos, aos mais frágeis e
vulneráveis, pois, como anota, “isto depende
das opções políticas, do modo de administrar os recursos e do empenho de
quantos assumem funções de responsabilidade. Investir recursos nos cuidados e
na assistência às pessoas doentes é uma prioridade ditada pelo princípio de que
a saúde é um bem comum primário”.
Entretanto, Francisco não se exime a elogiar a “dedicação e
generosidade” de profissionais de saúde, voluntários, trabalhadores e
trabalhadoras, sacerdotes, religiosos e religiosas que, “com profissionalismo,
abnegação, sentido de responsabilidade e amor ao próximo, ajudaram, trataram,
confortaram e serviram tantos doentes e os seus familiares”. E aponta toda uma “série silenciosa de homens e mulheres que
optaram por olhar para aqueles rostos, ocupando-se das feridas de pacientes que
sentiam como próximos em virtude da pertença comum à família humana”.
O Pontífice, convidando a “escutar, estabelecer uma relação
direta e pessoal, sentir empatia e enternecimento, deixar-se comover” pelo
sofrimento do outro, assinala que “a experiência da doença nos faz sentir a
nossa vulnerabilidade e, ao mesmo tempo, a necessidade inata do outro”. Destaca
a importância da proximidade e do aspeto relacional, “através do qual se pode
conseguir uma abordagem holística da pessoa doente”. Convida a “estabelecer um
pacto entre as pessoas carecidas de cuidados e aqueles que as tratam”, que
define como “um pacto baseado na confiança e no respeito mútuos, na
sinceridade, na disponibilidade, de modo a superar toda e qualquer barreira
defensiva, colocar no centro a dignidade da pessoa doente, tutelar o
profissionalismo dos agentes de saúde e manter um bom relacionamento com as famílias
dos doentes”. Considerando que “uma sociedade é tanto mais humana quanto
melhor souber cuidar dos seus membros frágeis e atribulados e o fizer com uma
eficiência animada por amor fraterno”, exorta a que “tendamos para esta meta, procurando que ninguém
fique sozinho, nem se sinta excluído e abandonado”. E admite que a doença coloca questões de
“fé” a quem “procura um significado novo e uma nova direção para a existência”.
E termina confiando a Maria, Mãe de Misericórdia e Saúde dos
Enfermos “todas as pessoas doentes, os agentes de saúde e quantos se prodigalizam
junto aos que sofrem”, de modo que “Ela, da Gruta de Lurdes e dos seus
inumeráveis santuários espalhados por todo o mundo, sustente a nossa fé e a
nossa esperança e nos ajude a cuidar uns dos outros com amor fraterno”.
***
O Bispo do Funchal, por sua vez, destacou os
doentes, que “sofrem com a covid-19 e com outras doenças”, tantas vezes
condenados a esperar e não raras vezes ignorados no seu sofrimento”, e os
trabalhadores da área da saúde. E, na homilia da Missa deste dia, referiu:
“Entregamo-nos todos nas
mãos do Senhor. Queremos pedir-lhe que nos ajude a viver bem, por entre os
condicionalismos a que nos vemos obrigados pela atual situação sanitária.”.
Pediu que de
todo o sofrimento surjam novas vontades, ânimo diferente de viver, “na escuta
do Mestre interior”, único a poder conduzir a “novos e verdadeiros” patamares
de humanidade.
Para o prelado
funchalense, “não espanta” que, “num mundo que hipervaloriza o egoísmo e o
isolamento”, a mensagem do Papa Francisco para este dia tenha como
temática a frase bíblica “Um só é o vosso
Mestre e vós sois todos irmãos” (Mt 23,8). E explicou:
“Por um
lado, esta afirmação de Jesus sublinha a presença necessária do ‘Mestre interior’,
Aquele que nos guia e inspira as nossas escolhas e decisões, cuja luz orienta
os nossos passos; e, por outro, a fraternidade que une a todos”.
No meio do
Atlântico, Dom Nuno Brás começou a sua homilia a refletir sobre a solidão, “uma
realidade na vida de cada um” e, assinalando que nenhum ser humano “é capaz de
viver radicalmente isolado dos outros”, observou que a grandeza de um ser
humano se mede “pela grandeza da sua interioridade” e, igualmente, “pela
capacidade de se deixar construir com os outros e de, com a sua generosidade,
colaborar com todos na construção do mundo”.
***
Vamos ver se consideramos os doentes não apenas
centro da nossa atenção, mas também protagonistas da luta pela vida e pela humanização
da pessoa e da sociedade.
2021.02.11 – Louro de Carvalho
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