quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021

Dia Mundial do Doente em 2021 celebrado em contexto de pandemia

 

Em Fátima, cujo Santuário tem, como o de Lourdes, especial atenção e carinho pelas pessoas frágeis, nomeadamente as marcadas pela doença, física ou mental, celebrou-se o 29.º Dia Mundial do Doente com Missa na Basílica de Nossa Senhora do Rosário de Fátima, sem a presença física de povo, sob a presidência do Cardeal António Marto, Bispo de Leiria-Fátima, que procedeu à consagração à Senhora de Fátima de todos os doentes e os profissionais que, no terreno, lutam diariamente contra a doença,  “uma das experiências mais duras do ser humano”.

Dom António Marto lembrou que “cada doente é uma pessoa única, uma vida de relações, um coração com sentimentos e anseios, uma história singular”

Na homilia da Eucaristia, promovida pela Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), que teve transmissão online, o prelado fatimita e membro do Sacro Colégio Cardinalício disse que esta pandemia “constitui um choque, um abalo, que nos faz sentir mais agudamente a fragilidade da vida, já que “verificamos como a doença abre, em todos, muitas feridas e acarreta muitos sofrimentos: feridas do medo da doença, da dor, do isolamento, da solidão, do receio de perder o emprego, da angústia da morte”. E, mostrando “alegria e emoção” por estar a presidir a esta celebração em nome da CEP, afirmou aos mais de 5.500 peregrinos virtuais que acompanharam a transmissão de Fátima, através das redes sociais do Santuário:

Estais presentes aqui, na comunhão de santos em Cristo, todos os que vos unis à celebração pelos meios de comunicação, aqueles que só o podem fazer pela intenção íntima do coração, e de modo particular, todos os doentes, em especial as vítimas da doença covid-19, vivos e defuntos e seus familiares, bem como todos os profissionais de saúde e cuidadores que assistem ou assistiram estes doentes. Em nome pessoal e dos bispos da CEP desejo saudar e fazer chegar a todos a nossa proximidade espiritual, o nosso grande afeto e o apoio da nossa oração, em ato de solidariedade de toda a Igreja Portuguesa.”.

O purpurado recordou as mortes “na maior solidão” e o luto “suspenso e amargo”, na pandemia, com “histórias de doenças, de sofrimento, de luto, de desânimo e desalento, de verdadeira cruz”. E, lembrando que estas situações “precisam de ser rezadas diante de Deus ainda que seja em forma de gemido ou grito de dor”, observou:

Encontramos, deste modo, muitas feridas físicas, psíquicas e espirituais que invocam reconhecimento, partilha e cura. São brechas a reparar e feridas a curar.”.

Desafiou, por isso, as comunidades católicas a acompanhar os doentes, para que “ninguém se sinta só nem abandonado”. E questionou a todos sobre “como podemos e devemos reagir enquanto cristãos”. Seguramente, a seu ver, a resposta passa pelos “cuidados e tratamentos que a medicina nos oferece” e em que “nos últimos decénios deu passos de gigante”, pelo que “devemos estar muito gratos e, neste momento, por nos proporcionar a vacina qual luz de esperança para sair da pandemia”. Todavia, não deixou de relevar o papel da Palavra de Deus que “nos ensina que há uma atitude decisiva para enfrentar a doença, a fé em Deus e na sua bondade, dado que a doença não é algo de abstrato”.

Neste dia em que a Igreja invoca Nossa Senhora, que se apresentou em Lourdes a Bernardette Soubirous como a Imaculada Conceição, Dom António engrandeceu o seu testemunho e o episódio em que ofereceu apoio à prima Isabel, que vivia uma situação delicada de gravidez de risco, como diríamos hoje, vendo aqui “o exemplo do cuidado, feito de amor, ternura e auxílio à pessoa necessitada”. Por outro lado, frisou que o canto do Magnificat, que “exalta as maravilhas da misericórdia de Deus, é o agradecimento de quem conhece os dramas da vida, mas confia na misericórdia de Deus”, ao passo que, “aos pés da cruz, a sua compaixão materna com o Filho que assumiu sobre si as dores da humanidade, se torna também compaixão nos sofrimentos e dores de todos os seus filhos sobre a terra confiados ao seu coração de mãe”.

Depois, como não podia deixar de ser em Fátima e no contexto de pandemia, o Cardeal evocou os dois santos pastorinhos, vítimas da pandemia pneumónica, como “exemplo da vivência do sofrimento com a fortaleza que encontravam na união com Cristo e em solidariedade com os sofredores, os pecadores e a paz no mundo dilacerado pela grande guerra”. E frisou que, na atual conjuntura, “o mundo do sofrimento clama pelo mundo do amor e é o amor que nos dá olhos para ver, um coração para ser sensíveis, inteligência para ser criativos de cuidados e terapias e mãos para levar ajuda”, sendo que “o mandamento do amor se realiza hoje na relação de cuidado com os enfermos”.

O prelado fatimita alertou para o facto de que “nem os governantes nem os cidadãos deveriam ignorar esta lição” do cuidado com os enfermos, como aconselha o Papa na sua Mensagem para o 29.º Dia Mundial do Doente. E desafiou a Igreja a fazer deste cuidado a sua missão assentando em que “investir recursos nos cuidados e na assistência às pessoas doentes é uma prioridade ligada ao princípio de que a saúde é um bem comum primário”.

O Bispo de Leiria-Fátima pediu que “a todos os que sofrem façamos, pois, sentir a nossa proximidade material e espiritual, pois é importante não os deixar no abandono e na solidão quando se encontram a enfrentar um momento tão delicado ou duro da sua vida, para que nenhum se sinta só e abandonado”. E concluiu exortando:

Confiemos a Nossa Senhora da Saúde todos os que sofrem e todos os profissionais da saúde e cuidadores que os acompanham para que possam sentir o conforto da sua ternura e proteção materna, o alívio do sofrimento, e confiemo-nos todos ao seu Imaculado Coração para que com a sua poderosa intercessão ajude a aliviar a humanidade aflita por esta pandemia”.

É de registar que os bispos consideraram ser um momento propício para prestar especial atenção às pessoas doentes, sobretudo neste momento de pandemia, e a todos quantos os acompanham.

A celebração terminou com a consagração a Nossa Senhora do Rosário de Fátima.

***

É de relevar que a mensagem papal para este 29.º Dia Mundial do Doente, na memória litúrgica de Nossa Senhora de Lurdes, tem como tema “Um só é o vosso Mestre e vós sois todos irmãos(Mt 23,8), com vista à “relação de confiança na base do cuidado dos doentes”, recorda as vítimas da pandemia e denuncia as “insuficiências dos sistemas de saúde” face ao desafio da covid-19.

Escreveu Francisco, na sua mensagem para esta jornada anual:

Penso de modo particular nas pessoas que sofrem em todo o mundo os efeitos da pandemia do coronavírus. A todos, especialmente aos mais pobres e marginalizados, expresso a minha proximidade espiritual, assegurando a solicitude e o afeto da Igreja.”.

O Papa, destacando que cada doente tem “um rosto”, evoca as pessoas que “se sentem ignoradas, excluídas, vítimas de injustiças sociais que lhes negam direitos essenciais”. Adverte que “a atual pandemia pôs em evidência muitas insuficiências dos sistemas de saúde e carências na assistência às pessoas doentes”. E lamenta que “nem sempre seja garantido o acesso aos cuidados médicos” aos idosos, aos mais frágeis e vulneráveis, pois, como anota, “isto depende das opções políticas, do modo de administrar os recursos e do empenho de quantos assumem funções de responsabilidade. Investir recursos nos cuidados e na assistência às pessoas doentes é uma prioridade ditada pelo princípio de que a saúde é um bem comum primário”.

Entretanto, Francisco não se exime a elogiar a “dedicação e generosidade” de profissionais de saúde, voluntários, trabalhadores e trabalhadoras, sacerdotes, religiosos e religiosas que, “com profissionalismo, abnegação, sentido de responsabilidade e amor ao próximo, ajudaram, trataram, confortaram e serviram tantos doentes e os seus familiares”. E aponta toda uma “série silenciosa de homens e mulheres que optaram por olhar para aqueles rostos, ocupando-se das feridas de pacientes que sentiam como próximos em virtude da pertença comum à família humana”.

O Pontífice, convidando a “escutar, estabelecer uma relação direta e pessoal, sentir empatia e enternecimento, deixar-se comover” pelo sofrimento do outro, assinala que “a experiência da doença nos faz sentir a nossa vulnerabilidade e, ao mesmo tempo, a necessidade inata do outro”. Destaca a importância da proximidade e do aspeto relacional, “através do qual se pode conseguir uma abordagem holística da pessoa doente”. Convida a “estabelecer um pacto entre as pessoas carecidas de cuidados e aqueles que as tratam”, que define como “um pacto baseado na confiança e no respeito mútuos, na sinceridade, na disponibilidade, de modo a superar toda e qualquer barreira defensiva, colocar no centro a dignidade da pessoa doente, tutelar o profissionalismo dos agentes de saúde e manter um bom relacionamento com as famílias dos doentes”. Considerando que “uma sociedade é tanto mais humana quanto melhor souber cuidar dos seus membros frágeis e atribulados e o fizer com uma eficiência animada por amor fraterno”, exorta a que “tendamos para esta meta, procurando que ninguém fique sozinho, nem se sinta excluído e abandonado”. E admite que a doença coloca questões de “fé” a quem “procura um significado novo e uma nova direção para a existência”.

E termina confiando a Maria, Mãe de Misericórdia e Saúde dos Enfermos “todas as pessoas doentes, os agentes de saúde e quantos se prodigalizam junto aos que sofrem”, de modo que “Ela, da Gruta de Lurdes e dos seus inumeráveis santuários espalhados por todo o mundo, sustente a nossa fé e a nossa esperança e nos ajude a cuidar uns dos outros com amor fraterno”.

***

O Bispo do Funchal, por sua vez, destacou os doentes, que “sofrem com a covid-19 e com outras doenças”, tantas vezes condenados a esperar e não raras vezes ignorados no seu sofrimento”, e os trabalhadores da área da saúde. E, na homilia da Missa deste dia, referiu:   

Entregamo-nos todos nas mãos do Senhor. Queremos pedir-lhe que nos ajude a viver bem, por entre os condicionalismos a que nos vemos obrigados pela atual situação sanitária.”.

Pediu que de todo o sofrimento surjam novas vontades, ânimo diferente de viver, “na escuta do Mestre interior”, único a poder conduzir a “novos e verdadeiros” patamares de humanidade.

Para o prelado funchalense, “não espanta” que, “num mundo que hipervaloriza o egoísmo e o isolamento”, a mensagem do Papa Francisco para este dia tenha como temática a frase bíblica “Um só é o vosso Mestre e vós sois todos irmãos (Mt 23,8). E explicou:

Por um lado, esta afirmação de Jesus sublinha a presença necessária do ‘Mestre interior’, Aquele que nos guia e inspira as nossas escolhas e decisões, cuja luz orienta os nossos passos; e, por outro, a fraternidade que une a todos”.

No meio do Atlântico, Dom Nuno Brás começou a sua homilia a refletir sobre a solidão, “uma realidade na vida de cada um” e, assinalando que nenhum ser humano “é capaz de viver radicalmente isolado dos outros”, observou que a grandeza de um ser humano se mede “pela grandeza da sua interioridade” e, igualmente, “pela capacidade de se deixar construir com os outros e de, com a sua generosidade, colaborar com todos na construção do mundo”.

***

Vamos ver se consideramos os doentes não apenas centro da nossa atenção, mas também protagonistas da luta pela vida e pela humanização da pessoa e da sociedade.

2021.02.11 – Louro de Carvalho

Sem comentários:

Enviar um comentário