sábado, 1 de dezembro de 2018

Governo vai dar posse aos oficiais generais que nomeia


A notícia surgida na sequência da nomeação de Dom Rui Valério como Bispo das Forças Armadas e das Forças de Segurança e pela nomeação do tenente-general Rui Guerra Pereira para Vice-Chefe do Estado-Maior do Exército, pelos vistos, configura a tomada de uma medida inédita ou uma opção surpreendente como consequência do escândalo de Tancos a abrir uma nova fase nas relações do poder executivo com as Forças Armadas, que têm agido como se dependessem politicamente só do Presidente da República.
A este respeito, Manuel Carlos Freire escreve hoje, dia 1 de dezembro, no Diário de Notícias on line, que a medida é inédita, está a gerar grande surpresa nas altas esferas militares e decorre da informação dada, no dia 30 de novembro, ao Exército de que o ministro da Defesa Nacional pretender dar posse ao novo Vice-Chefe do Estado-Maior do ramo (VCEME).
Na verdade, o VCEME é um dos cargos de nomeação direta do Ministro da Defesa Nacional, ao contrário dos chefes militares (Chefe do Estado-Maior General das Forças Amadas, Vice-Chefe do Estado-Maior General das Forças Amadas, Chefe do Estado-Maior do Exército, Chefe do Estado-Maior da Armada e Chefe do Estado-Maior da Força Aérea), que são nomeados pelo Presidente da República, sob proposta do Governo (sendo, para o caso dos chefes do Estado-Maior de cada ramo e do Vice-Chefe do Estado-Maior General das Forças Amadas, necessário ouvir o Chefe do Estado-Maior General das Forças Amadas) e os únicos cuja posse era dada até agora por um responsável político (embora com o chapéu simbólico de Comandante Supremo das Forças Armadas).  
E o Ministério da Defesa Nacional confirmou ao DN que o titular da pasta – após ter escolhido um civil para chefe de gabinete – passará a dar posse aos titulares dos cargos que lhe compete nomear. Por isso é que a medida, sendo também simbólica,  tenderá a acabar com o mito de que as Forças Armadas dependem politicamente só do Presidente da República devido ao facto de ser quem nomeia e exonera os chefes militares – quando isso só ocorre por proposta do Governo.
Que os chefes militares podem ter a tentação de pretenderem ficar politicamente apenas na dependência do Presidente da República enquanto Comandante Supremo das Forças Armadas ficou patente quando o general Rovisco Duarte apresentou a demissão de CEME: entregou a carta diretamente ao Chefe do Estado e Comandante Supremo das Forças Armadas, alegando razões pessoais, mas tendo confessado aos seus subordinados que a situação política se tinha deteriorado e que não queria prejudicar a instituição castrense. Obviamente que o general esqueceu que a tutela política das Forças Armadas pertence ao Ministro da Defesa Nacional, o que o fez ultrapassar a hierarquia política – situação que Marcelo resolveu remetendo a carta ao Governo, para que este, a posteriori, enviasse a proposta de exoneração ao Presidente.
Ora, nos termos do n.º 1 do art.º 275.º da CRP, “às Forças Armadas compete a defesa militar da República” e, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo, “as Forças Armadas obedecem aos órgãos de soberania competentes, nos termos da Constituição e da lei”.
O citado artigo da CRP confia às Forças Armadas a defesa militar, o que significa que existem outras vertentes da defesa nacional. Com efeito, temos a defesa nacional, a defesa militar e a segurança nacional, que, à luz da doutrina portuguesa, constituem conceitos diferentes, embora muitas vezes sejam confundidos. A defesa nacional é o conjunto de estratégias e ações para atingir ou garantir o estado de segurança nacional. A defesa nacional inclui duas componentes: a defesa militar – que consiste essencialmente na defesa contra eventuais agressões armadas vindas do exterior do país; e a defesa civil – um conceito mais amplo que inclui desde a segurança interna e proteção civil até à defesa económica e cultural do país. Assim a defesa nacional constitui, essencialmente, a estratégia integrada que o Estado Português põe em prática para garantir a segurança nacional, que, por sua vez, consiste nos estados de unidade, soberania e independência nacionais, de bem-estar e prosperidade da Nação, de unidade do Estado e normal desenvolvimento das suas tarefas, de liberdade de ação política dos órgãos de soberania e de regular funcionamento das instituições democráticas, no quadro constitucional.
A defesa nacional constitui um conceito amplo e consensual, que postula o empenhamento dos cidadãos, da sociedade e dos poderes públicos, para manter e reforçar a segurança e criar condições para prevenção de e combate a quaisquer ameaças externas que se oponham, direta ou indiretamente, à consecução dos objetivos nacionais. Tem, por isso, um âmbito global, integrando componentes militares e não militares.
Obviamente que as Forças Armadas não podem deixar de cooperar na defesa nacional no seu sentido mais amplo quando as circunstâncias o exigem, como em caso de catástrofe ou suspeitas de crime de terrorismo ou mesmo quando os compromissos pátrios as convocam para o serviço além-fronteiras (vd n.os 5, 6 e 7 do art.º 275.º da CRP).
Por outro lado, o art.º 15.º da Lei Orgânica do XXI Governo Constitucional – aprovada pelo Decreto-lei n.º 251-A/2015, de 17 de dezembro, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-lei n.º 26/2017, de 9 de março, pelo Decreto-Lei n.º 99/2017, de 18 de agosto e pelo Decreto-Lei n.º 138/2017, de 10 de novembro, que aprova o regime de organização e funcionamento do XXI Governo Constitucional, adotando a estrutura adequada ao cumprimento das prioridades enunciadas no seu Programa – dá amplos poderes ao Ministro da Defesa Nacional, uns em exclusivo e outros em articulação com outros membros do Governo. Cito apenas as normas que dizem respeito à sua relação com as Forças Armadas:
O Ministro da Defesa Nacional tem por missão formular, conduzir, executar e avaliar a política de defesa nacional no âmbito das competências que lhe são conferidas pela Lei de Defesa Nacional, bem como assegurar e fiscalizar a administração das Forças Armadas e dos demais serviços, organismos, entidades e estruturas nele integrados. […] Exerce a tutela sobre as instituições de ensino superior militar, em coordenação com o Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior no que respeita às matérias de ensino e investigação.”.
Ora, como as Forças Armadas têm a sua hierarquia, que não convém ultrapassar, também a Constituição hierarquiza os órgãos de soberania e define a sua formação e a relação entre eles, relegando para a lei ordinária e para os respetivos regimentos a eventual hierarquização dentro de cada órgão. No caso da relação das Forças Armadas com os poderes, estas devem saber que, embora o Presidente seja o Comandante Supremo, a tutela pertence ao Governo, em especial ao Ministro da Defesa Nacional, e, no âmbito da responsabilidade política do Governo, ao Primeiro-Ministro.
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Porém, o Governo e o Primeiro-Ministro em particular, que já tinham visto Rovisco Duarte criar-lhes múltiplos problemas políticos pela forma como geriu o caso de Tancos e, depois, a PJM invocar o “interesse nacional” para recuperar as armas à revelia do Ministério Público e da PJ, acabaram ainda por ser tratados como inexistentes pelo então CEME (Chefe do Estado-Maior do Exército) no momento da sua demissão.
Como referia uma alta patente, a cadeia hierárquica nas fileiras vê os ramos como dependendo do CEMGFA (Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas) e depois do Presidente da República, que é por inerência Comandante Supremo das Forças Armadas – mas cujas funções referidas pela Constituição se limitam, na prática, a um conjunto de direitos e deveres e atos simbólicos. Daí que a medida, ora anunciada, seja também consequência do escândalo provocado pelo furto de material de guerra em Tancos, onde o Governo e os altos responsáveis dos serviços secretos e da segurança interna souberam do caso pela imprensa, tendo o então CEME proibido a PJ de entrar num quartel apesar de ser a autoridade competente (por despacho da Procuradora-Geral da República) para investigar o furto do material e tendo responsáveis da PJM simulado uma operação para a qual tentaram, a seguir, obter cobertura política da Defesa Nacional face às pressões oriundas do setor judiciário.
Assim, um dos pontos que está a suscitar surpresa e irritação nalguns setores castrenses é o facto de a vontade expressa pelo novo Ministro da Defesa Nacional residir em saber se vai traduzir-se numa “clara interferência política” na cadeia de comando das Forças Armadas, como aduziu uma das altas patentes ouvidas pelo DN. Na base disso está o facto de os vice-chefes e outros cargos militares de nomeação direta do Ministro, embora sujeitos a confirmação pelo Presidente da República, estarem hierarquicamente subordinados ao respetivo chefe militar de cada ramo, com a agravante de a cerimónia ser realizada no Ministério da Defesa Nacional.
Esse será, aliás, o caso quando o Ministro da Defesa Nacional der posse ao novo Bispo das Forças Armadas e das forças de Segurança, Dom Rui Valério, no próximo dia 3 de dezembro. Na verdade, o Bispo foi nomeado pelo Papa Francisco, mas a sua nomeação como hierarca militar será formalizada pelo Ministro da Defesa Nacional, que lhe conferirá pessoalmente a posse (a conferição pessoal da posse pelo governante é que é novidade).  
Também, de acordo com informação do gabinete do CEMA (Chefe do Estado-Maior da Armada), será o Ministro a conferir a posse ao vice-almirante Gouveia e Melo, que foi nomeado comandante naval pelo Ministro sob proposta do CEMA.
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Além dos vice-chefes do Estado-Maior de cada ramo, compete também ao Ministro da Defesa Nacional nomear os comandantes operacionais do Estado-Maior General das Forças Armadas, dos ramos e, nas regiões autónomas, os comandantes das respetivas academias, bem como o chefe do CISMIL (Centro de Informações e Segurança Militares) e os diretores do IUM (Instituto Universitário Militar) e do HFAR (Hospital das Forças Armadas).
Quanto à situação do comandante naval, vice-almirante Gouveia e Melo, que vai a julgamento acusado da prática do crime de difamação agravada contra outro oficial general da Marinha e onde pode estar também em causa a violação de deveres militares no exercício de funções, o gabinete de Gomes Cravinho disse ao DN que não fazia quaisquer comentários.
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O site do Ordinariato Castrense adianta que Dom Rui Manuel Sousa Valério, Bispo da Diocese das Forças Armadas e das Forças de Segurança, tomará posse como Capelão-Chefe do Ordinariato Castrense, graduado em major-general, no dia 3 de dezembro, segunda-feira, às 17,30 horas. A cerimónia realizar-se-á no Salão Nobre do Ministério da Defesa Nacional com a presença dos Ministros da Defesa Nacional e da Administração Interna. E, no dia 11, terça-feira da semana seguinte, será a sua apresentação formal às Forças Armadas e Forças de Segurança de Portugal, numa Cerimónia Militar que ocorrerá, de manhã, na Calçada da Memória, seguida de Celebração Eucarística, às 11h, presidida pelo prelado, na Igreja da Memória, Sé Catedral da Diocese Castrense.
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O Ministro da Defesa Nacional nomeou o tenente-general Rui Guerra Pereira (que o Presidente da República condecorou, em outubro, com a Grã-Cruz da Ordem Militar de Avis), até agora comandante operacional do Exército, para o cargo de vice-chefe do ramo, onde sucede ao tenente-general Fernando Serafino.
Fernando Serafino, ultrapassado há semanas pelo general Nunes da Fonseca na nomeação para CEME, cumpriu, no dia 30, o seu último dia no ativo e passa oficialmente à reserva hoje, dia 1.
A escolha surge na sequência da demissão do anterior CEME, general Rovisco Duarte, após a entrada em funções de João Gomes Cravinho como Ministro da Defesa Nacional e na sequência do escândalo criado pelo furto de armas em Tancos. Ultrapassado pela segunda vez foi o tenente-general Cóias Ferreira, atual comandante da Logística, depois de já o ter sido na escolha de Nunes da Fonseca para a chefia do ramo.
Segundo as fontes do DN, Cóias Ferreira – ao contrário de Fernando Serafino, que comunicara internamente a sua saída com antecedência – ainda não informou os pares sobre o que vai fazer. Daí que, na reunião do Conselho Superior do Exército, no dia 29, não tivesse sido analisada a escolha do novo comandante das Forças Terrestres, pois, caso Cóias Ferreira decida sair, o ramo terá de escolher igualmente um novo Quartel-Mestre General. Isto significa que o processo de renovação do Conselho Superior do Exército ainda vai manter-se em aberto mais uns dias.
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Enfim, se o Governo não dá mostras de interesse pelas Forças Armadas, estas queixam-se de serem subestimadas; se está mais presente, acusam o poder político de ingerência. Estranho é nunca levarem a mal as intervenções do Presidente da República, cujas intervenções ultrapassam, a meu ver, a prerrogativa do Comandante Supremo, que nomeia e exonera sob proposta do Governo e preside a cerimónias significativas. Porém, a tutela direta cabe ao Ministro, que faz bem em não largar as funções tutelares. Presidir a um ato de posse é ingerência? Chamar o empossando ao Palácio ministerial é ingerência? Bem o podiam entender como deferência. Ou será que o facto de o Presidente dar posse em Belém ou na Ajuda aos membros do Governo também é ingerência na função governativa?    
2018.12.01 – Louro de Carvalho    

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