Segundo o Vatican
News, a exposição “O abraço misericordioso, uma fonte de perdão”,
sobre o perdão
e a misericórdia, acompanhará os jovens na próxima JMJ (Jornada Mundial da Juventude) que
se realizará no Panamá.
Esta informação leva-me a pensar no ponto fulcral
do evento natalício. Com efeito, os sinais contemporâneos do Natal são muitos e
diversificados – alguns até desviantes do cerne do mistério natalício –
abundando as orçamentações visuais, sonoras e cinéticas por tudo quanto é
sítio. As luzes, as árvores, os sinos, as fitas, as prendas, as movimentações,
as ceias, os doces, as pausas no trabalho, as renas, os trenós ou os skates e o conhecido anónimo “Pai Natal”
(de que algumas crianças têm medo, mas que lhes
impõem) ironicamente quase abafam o presépio, que teima em subsistir neste meio
ambiente que chama a atenção para o homem. Não é mal chamar a atenção para o
homem, sua família, sofrimentos, alegrias, limitações e possibilidades, fracassos
e êxitos, pois é no homem e no seu bem-estar que Deus se quer mirar. Porém,
esquecer ou subvalorizar a fonte do Natal – o Deus misericordioso, que resolve caminhar
ao encontro do homem para o abraçar e fazer entrar no seu mistério de comunhão
amorosa, diriam os transmontanos que nem ao diabo lembraria. Será que a
Palavra-semente ou o Verbo de Deus será abafado pela aridez ou pelos espinhos
do terreno consumista, consumidor e “consumendo”?
Não haja dúvida de que o Natal é Cristo, ou seja,
o abraço misericordioso e amoroso de Deus-Homem ao homem que histórica e
humanamente se obstinou no afastamento de Deus. Na verdade, depois de muitos e
repetidos avisos através dos patriarcas, juízes, reis, salmistas e profetas, o
Senhor resolveu fazer-Se homem em Jesus, para que visivelmente surgisse o
abraço apertado e contínuo entre Deus e o homem (a condescendência divina elevante para com a humanidade arredia) e
desencadeasse o abraço fraterno entre os homens e povos.
Entretanto, vamo-nos divertindo ao sabor dos
apetites pessoais e das solicitações alheias que, pronta ou renitentemente,
assumimos, ignorando, explorando e descartando aqueles que não têm vez nem voz
ou anulando os que nos fazem sombra e que temos por inimigos. É a negação da
condescendência de Deus para connosco e o ultraje à fraternidade! Mas ainda
hipocritamente vamos rezando “Pai Nosso…”, Pai de todos nós, que somos, por
isso, irmãos.
***
Uma paróquia de Itália, face à política
antimigratória do Governo central e da autarquia local resolveu fazer greve ao
Natal, ou seja, suspendeu toda a sua atividade durante a quadra natalícia em
sinal de protesto contra a onda de política desumana persecutória aos irmãos.
Louva-se o gesto. Porém, é de nos interrogarmos
se é a atitude que Deus aprecia. Com efeito, Deus sabia que não encontraria
lugar digno de um homem nascer, que iria nascer num estábulo abandonado dos
entretidos no mundo da ocupação, diversão e orgias. Mas nasceu, porque Deus não
desiste. E os anjos cantaram a persistência de Deus, e abriram espaço para que
os pastores pudessem vir e adorar, como para os magos do Oriente pudessem fazer
longa viagem e apresentar-se em adoração e com as suas ofertas. E Jesus, o
Homem-Deus, sabia que não iria ser aceite pelos seus, mas continuou a pregar e
a curar; sabia que tinha no seu colégio homens rudes e obstinados pelas
honrarias, que disputavam os melhores lugares, que O trairiam, negariam e
fugiriam. Mas não desistiu deles, porque Deus não desiste. Sabia que iria ser
flagelado, coroado de espinhos e crucificado. Mas não desistiu, antes pediu ao
Pai que perdoasse, pois eles não sabiam o que faziam. Deus não desiste.
Mataram-Lhe o Filho, que Se Lhe entregou nas mãos, mas Ele Constituiu-O o
Messias Senhor em quem e por quem se pregaria o arrependimento e a remissão dos
pecados. E foram os que O negaram, que almejavam os primeiros lugares mundanos
e fugiram que, tenho recebido a força do Alto, correram as Sete Partidas do
Mundo a semear o anúncio do Evangelho e a constituir comunidades de fé,
santidade e unidade.
É que Deus, na sua infinda misericórdia sabe
fintar as forças do Mal e abraçar o homem com todo o amor de que é capaz,
fazendo de gente simples e tímida os arautos, de gente fraca os heróis, de
pecadores os apóstolos, de gente empedernida os corações misericordiosos.
***
A predita exposição,
que estreou há dois anos em Rimini, Itália, no Jubileu da Misericórdia, combina
impressões de pinturas, esculturas, textos, vídeos e iluminação, tudo
relacionado com o tema do perdão e da misericórdia. E pode ser visitada desde o
dia 6 de dezembro até ao dia 30 de janeiro no Albrook Mall, um dos centros comerciais mais movimentados da
capital panamenha, próximo ao Canal do Panamá.
Na
apresentação da iniciativa à imprensa, Dom José Domingo Ulloa, Arcebispo do
Panamá, disse que “uma das melhores
maneiras para nos prepararmos para a JMJ é esta exposição, cujo tema central é
o perdão, algo de que temos necessidade hoje”.
A mostra “O abraço misericordioso, uma fonte de perdão”
ocupa um espaço de 940m2 organizado por 5 salas. E a sua imagem de marca
é uma réplica da pintura “O Filho Pródigo”,
do pintor holandês Rembrandt, um óleo sobre tela que pintado por volta de 1662.
Para os
organizadores, “o conteúdo narrativo da exposição é composto por depoimentos em
vídeo e perguntas que levam os visitantes à reflexão em todos os momentos” e
onde se poderá encontrar “explicação de como surgiu sobre a face da terra a
misericórdia e o perdão e como os homens os receberam” ou como se mostraram
renitentes a esta oferta divina.
O mencionado
prelado observou a este respeito:
“Somos uma sociedade constantemente em conflito. Através do
perdão é possível curar as nossas feridas.”.
É de referir
que o projeto resulta da iniciativa
da Embaixada de Honduras junto da Santa Sé desde 2014, com o apoio do
Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização e de três
Universidades Pontifícias – a que se uniram a Fundação RIMINI e o Movimento
Comunhão e Libertação, bem como as Embaixadoras da Bósnia-Herzegovina e do
Panamá junto da Santa Sé e os Embaixadores de El Salvador, Guatemala, Hungria,
Paraguai e Rússia junto da Santa Sé.
O
patrocinador da produção e montagem da 1.ª edição foi o Programa MARCA PAIS
Honduras, com apoio da Engenheira Hilda Hernández (QDDG), falecida em acidente há um ano.
Por seu
turno, o Cardeal Oscar Andres Rodriguez Maradiaga, Arcebispo de Tegucigalpa, une-se
com entusiasmo ao projeto e acompanha-o na gestão que busca obter o
financiamento para a produção e montagem pelo Banco Ficohsa.
No Panamá, a
aliada estratégica da Embaixada de Honduras junto da Santa Sé foi a
Universidade de Arte GANEXA, que, com o empenho do reitor, o professor Ricaurte
Martínez – escultor panamenho e artista de renome internacional, autor da
estátua de São João Paulo II, localizada no Albrook Mall – preparou com a
embaixada o planeamento, a produção e a montagem da exposição, segundo informou
o embaixador junto à Santa Sé, Carlos Ávila, que declarou que esta produção, é recebida
pelo Centro Comercial Albrook, que desde o pedido de apoio abriu as suas portas
para aderir a este presente que, no período de Natal, é oferecido ao povo
panamenho, sem qualquer distinção a todos os peregrinos da JMJ e aos demais
visitantes.
A cerimónia
de abertura, no passado dia 6, contou com a presença de autoridades do
Vaticano, como o Núncio Apostólico no Panamá, Dom Miroslaw Adamczyk, e o
Secretário do Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização, Dom
Octavio Ruiz Arenas, além do Arcebispo de Panamá, Dom José Domingo Ulloa, e Dom
José Antonio Canales – representando a Conferência Episcopal de Honduras – e
membros do Corpo Diplomático, autoridades de Ficohsa, GANEXA e convidados
especiais.
***
O
mistério da misericordiosa condescendência de Deus com o homem arredio, que
Deus procura para o elevar às alturas da dignidade divina, fica bem patente na
tríplice parábola da misericórdia explanada no capítulo 15 do Evangelho de
Lucas.
Na
verdade, cada um de nós é aquela ovelha tresmalhada, aquela moeda perdida,
aquele filho que esbanjou a própria liberdade, seguindo ídolos falsos, miragens
de felicidade, e que perdeu tudo. Mas Deus não desiste de nós, é Pai que nunca
nos abandona. Paciente, espera-nos sempre, respeita a nossa liberdade, mas
permanece fiel. E, quando voltamos, corre ao nosso encontro, acolhe-nos como
filhos na sua casa, porque nem sequer por um momento deixa de esperar por nós
com amor... (Papa Francisco, Mensagem
para as Jornadas Mundiais de Juventude, 2016).
Mas não só. O
Pai não nos espera lá do Céu. Desceu à Terra, embora não de modo espetacular (nasceu num
estábulo e foi posto numa manjedoura); caminha pelos
nossos vales e montes, não em disco voador ou drone, mas calcorreando; entra em
nossas casas sem as invadir; é companheiro sem ser intruso; é conselheiro, sem
tirar o direito à opinião e ao erro.
Ora natal é
a boa notícia. Começou a festa na casa do Pai. E “Vinde todos” é o convite para
explicar o amor sem limites de Deus, pai e mãe, por meio da extraordinária
página, conhecida, de forma enviesada, como a ‘parábola do filho pródigo’ –
designação parcial, por ter em conta apenas o filho mais novo e descurar não só
o mais velho (que é igualmente, ou ainda mais, merecedor de censura), como o próprio Pai, o suprassumo da bondade. O
título mais adequado seria ‘parábola do
pai misericordioso’, visto que é ele o protagonista: o seu amor está no
centro da narração. O livro de Lucas é já conhecido como o ‘Evangelho da misericórdia’, mas nele o
capítulo 15 (com a tríplice parábola) é definido
‘um evangelho no Evangelho’ – a
notícia mais bela!
O trecho
evangélico (Lucas 15) começa com
o contexto da parábola, “Jesus acolhe publicanos e pecadores e come com eles”,
vindo a seguir, os destinatários: os fariseus e os escribas que murmuram (v. 1-3). Mas os destinatários reaparecem no fim na figura do
irmão mais velho.
Depois dos
episódios do encontro da ovelha perdida e da dracma perdida com o convite à
alegria, porque há mais alegria no céu por um pecador que se arrepende do que
por 99 justos que não precisam de perdão (vv. 4-10), o evangelista fixa-se na história do abandono da
casa paterna pelo filho mais novo, que sofre as agruras resultantes do uso
desordenado da sua liberdade. Porém, acerca do regresso, devidamente deliberado
pela consciência sofrente, mas lúcida, são de sublinhar os 5 verbos, com que
Lucas descreve o amor efusivo do pai pelo filho que volta: vê-o (ao longe), comove-se, corre ao seu encontro, lançou-se-lhe
ao pescoço e beijou-o (v. 20). Seguem as cinco ordens do pai para autenticar a
plena reabilitação do filho reencontrado, antes morto e agora redivivo: a túnica nova (sinal da
dignidade em família), o anel no dedo (sinal do
poder, do prestígio), as sandálias nos pés (sinal do
homem livre), o vitelo gordo (para as
ocasiões solenes) e a grande festa para todos (v. 22-23). A festa parece ser precisamente o elemento que
aborrece o filho mais velho que regressa do campo (v. 25.29.30). O pai sai para o ajudar a entender a razão de tanta
alegria: era preciso fazer festa, o teu irmão voltou! (v. 23).
Em cada um
de nós convivem os dois irmãos, o mais novo e o mais velho, ambos com atitudes
reprováveis e necessitados de conversão. Do mais novo sabemos que se converteu;
do mais velho não sabemos.
Para Jesus,
o modelo para estabelecermos comparação é o Pai misericordioso: acolhe todos
sem limites, perdoa com gratuitidade, quer que todos vivam em sua casa.
Relativamente a este itinerário de conversão, Henri J. M. Nouwen escreveu o livro
de meditações – ‘O regresso do filho
pródigo’ – partindo do famoso quadro de Rembrandt, que enquadra a predita
exposição. Eis uma das suas fortes mensagens:
“Estou destinado a ocupar o lugar do meu Pai e oferecer aos outros a
mesma compaixão que Ele me ofereceu a mim. O regresso ao Pai é em última análise
o desafio a tornar-se o Pai.”.
A parábola
de Jesus permanece aberta. Não é dito que o irmão mais velho tenha entrado na
festa; não sabemos se o mais novo deixou de fazer asneiras; o que sabemos é que
na casa há lugar para todos e que há ainda muitos lugares para ocupar. E uma
coisa é certa: sobre o amor do pai não há dúvidas para ninguém, filhos e servos.
Porém, todos sabemos que Ele gosta de ter em sua casa filhos, não escravos;
pessoas que partilham o seu projeto de amor, não apenas as coisas a fazer (v. 31). Só vivendo na casa do Pai é que encontramos vida e
felicidade, porque Ele quer o nosso verdadeiro bem, a nossa realização, e
ensina-nos como e onde encontrá-la. Não somos nós os criadores e arquitetos do
nosso destino. Não encontraremos vida e felicidade procurando o êxito pessoal
longe da casa do Pai; encontrá-las-emos pondo-nos no seguimento do Senhor, com
todo o coração, juntamente com tantos irmãos e irmãs, na Igreja.
Na casa
daquele pai inaugurou-se o novo modo de viver, não mais como escravos mas como
filhos. Experiência semelhante vivera-a o povo de Israel que, após ter atravessado
o rio Jordão e passado os 40 anos de deserto, toma posse da terra prometida,
onde não comerá mais com a precariedade do estrangeiro, mas se alimentará com
os frutos de casa, cultivados por ele mesmo.
E São Paulo
ensina que toda a boa experiência deve ser partilhada com os outros. De facto,
quem fez a experiência da bondade misericordiosa de Deus e começou a viver com
Ele uma relação nova como filho e amigo quer envolver os outros na mesma
experiência de vida e de reconciliação. Nisto consiste a missão que o Natal
postula: partilhar a experiência e levar os
outros a acolher na sua vida o amor misericordioso e regenerador do Pai. É
anunciar a misericórdia do Pai e trabalhar para que a misericórdia se torne o
tecido de relações novas entre as pessoas e entre os povos, como afirmava São
João Paulo II:
“O mundo dos homens pode tornar-se cada vez mais humano somente se
introduzir no âmbito das relações interpessoais e sociais, juntamente com a
justiça, o amor misericordioso que constitui a mensagem messiânica do Evangelho”
(encíclica Dives in Misericórdia, n.º14).
***
Quantos de
nós estamos longe da Casa do Pai ou da sua tenda presepial e, consequentemente,
da via crucis e da gloria da
ressurreição, ineptos para a missão! Quantos, eivados da negra inveja, não
queremos participar na festa que o Pai organiza para os filhos pródigos e
falhamos na missão! Quantos desistimos de Deus e dos homens e fazemos greve ao
Natal e à vida pelos priores motivos!
2018.12.15 – Louro de Carvalho
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