segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

Ainda não há Brexit e não se sabe se haverá


Para a saída limpa (Brexit) da UE por parte do Reino Unido é necessário que o Parlamento britânico aprove o acordo de saída firmado entre o Governo de Theresa May e as autoridades europeias, que mereceu a aprovação do Conselho Europeu.
Porém, a crescente rebelião no seio do Partido Conservador prenunciou uma derrota rotunda do Governo no Parlamento por via da rejeição parlamentar dos termos do texto do instrumento do Brexit na sessão da Câmara dos Comuns agendada para o dia 11 de dezembro. Por isso, a Chefe do Governo (herdou de David Cameron este dossiê), para evitar essa humilhação política, na Câmara dos Comuns, anunciou hoje, dia 10, a decisão de adiar o voto sobre o acordo do Brexit no Parlamento britânico. De facto, arriscava uma esmagadora humilhação caso os deputados conservadores alinhassem, como estava a prever, com a oposição na votação contra o acordo ou até mesmo na votação duma moção por uma saída desordenada da UE sem acordo.
Começando por dizer que tem ouvido com atenção tudo o que tem sido dito naquela Câmara e fora dela, May suscitou a risada geral (gargalhada, mesmo) dos deputados presentes num momento em que, à porta do Parlamento, se concentravam dezenas de pessoas em protesto e a exigir o voto do BrexitA Primeira-Ministra disse não querer dividir o Parlamento, mas, confirmando o adiamento da votação, avisou os deputados presentes de que não há acordo sem incluir a questão do backstop sobre a fronteira entre as duas Irlandas. Face à reação dos parlamentares, o speaker do Parlamento teve necessidade, por várias vezes, de advertir que “a Primeira-Ministra tem de ser ouvida”, instando os deputados a deixarem-na falar até ao fim e a, posteriormente, colocarem as suas questões. Apesar disso, John Bercow condenou a decisão de adiar a votação sem que isso seja também aprovado pelos deputados do Parlamento a que preside. 
Ao ser questionada por uma deputada do SNP (Partido Nacionalista Escocês) sobre quando pretende realizar a votação, May não se comprometeu, lembrando apenas que a data limite para essa votação acontecer é o dia 21 de janeiro. E a líder do SNP, Nicola Sturgeon veio, depois, a declarar que o adiamento da votação é “uma cobardia patética”.
Por seu turno, Jeremy Corbyn, líder do Partido Trabalhista, afirmou que o Governo “está completamente desnorteado” e, classificando este acordo “como um mau acordo”, sustentou que o Reino Unido “merece um acordo melhor”. E disse que será inaceitável May ter ido a Bruxelas e ter voltado com o mesmo acordo. Por outro lado, lembrando que o Governo já vai no terceiro ministro para o Brexit, acusou a Primeira-Ministra de estar a tentar salvar este acordo a todo o custo. E o líder trabalhista, declarando que poderia ser, em última análise, o sucessor de May em caso de eleições antecipadas e de eventual vitória do Labour, desafiou:
Se não é capaz de levar isto a bom porto então que deixe o caminho livre para quem é capaz de o fazer.
E Vince Cable, líder do Partido Liberal-Democrata, no uso da palavra, anunciou que o seu partido apoiará indubitavelmente o Labour se este submeter uma moção de censura contra May. Também disponíveis para votar a favor de tal moção estão vários deputados conservadores, embora o número de opositores internos da Chefe do Governo seja difícil de apurar a 100%.
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O mencionado controverso backstop é o mecanismo de salvaguarda que garante não vir a haver fronteira rígida entre a Irlanda e a Irlanda do Norte, o que  mereceu um protocolo que inclui compromissos do Reino Unido de proteger a cooperação Norte-Sul inscrita no Acordo de Sexta-Feira Santa, de 1998, mormente em termos de circulação de pessoas e mercadorias e do mercado único da eletricidade na ilha irlandesa. O backstop será ativado apenas se, após a transição, não houver entendimento sobre a futura relação UE-Reino Unido.
Antes de Theresa May falar na tarde de hoje, dia 10, Arlene Foster, líder do DUP (Partido Unionista Democrático), de cujos votos May precisa para ter maioria absoluta, escreveu no Twitter:
Acabei de falar com a Primeira-Ministra. A minha mensagem é clara. O backstop tem que ir. Foi já desperdiçado muito tempo. É preciso um acordo melhor. É dececionante que tenha demorado tanto tempo até a primeira-ministra ouvir.”.
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Não obstante as reticências domésticas, os líderes da UE, que se reúnem em Conselho Europeu nas próximas quinta e sexta-feira, em Bruxelas, dão o acordo como fechado. O Reino Unido, por força do resultado do referendo de 2016, deve sair da UE no dia 29 de março de 2019. Por isso, May continua entre a espada europeia e a pressão interna. 
Em todo o caso, o Tribunal de Justiça da União Europeia (EUJC ou TJUE) confirmou hoje que o Brexit pode ser revertido unilateralmente, o que significa que o Reino Unido pode simplesmente retirar a ativação do artigo 50.º do Tratado de Lisboa – o que poderia eventualmente abrir a porta a outro referendo sobre a permanência britânica na agremiação a que aderiu em 1973.
Perante esta informação, Theresa May, no seu discurso, desafiou os deputados:
Se querem um segundo referendo, sejam honestos, sejam honestos sobre se querem dividir este país de novo”.
E, reconhecendo o aumento do risco de saída desordenada do Reino Unido da UE, questionou:
Será que este Parlamento quer mesmo fazer acontecer o Brexit e quer mesmo fazê-lo através de uma votação de um acordo?”.
Do lado da UE, Mira Andreeva, porta-voz da Comissão Europeia, instituição da UE presidida por Jean-Claude Juncker, vincou:
A nossa posição não mudou no que toca ao Reino Unido e é a de que o Reino Unido vai sair da UE a 29 de março de 2019. Temos um acordo sobre a mesa que teve luz verde do Conselho Europeu na forma do artigo 50.º a 25 de novembro. Como o presidente Juncker disse, este acordo é o melhor possível, não vamos renegociá-lo.”.
Por sua vez, Guy Verhofstadt, o negociador do Parlamento Europeu para o Brexit, o liberal e ex-Primeiro-Ministro belga, referindo-se ao regresso duma fronteira física entre a Irlanda do Norte e a República da Irlanda por causa da saída do Reino Unido da UE, declarou:
Não aguento mais isto. Após dois anos de negociações, o Governo conservador ainda quer atrasar mais o voto. Tenham em mente que nós nunca vamos deixar os irlandeses para trás.”.
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Como foi referido, o EUJC diz que o Reino Unido pode cancelar o Brexit mesmo sem aprovação da União. Com efeito, um seu parecer contraria o entendimento de que só com a unanimidade dos Estados-membros poderia ser revertido o processo de saída. Assim, o Reino Unido ainda pode revogar unilateralmente a saída da União Europeia.
O EUJC fundamenta a sua decisão considerando que retirar esse direto ao país “seria contrário ao objetivo dos tratados de criar uma união cada vez mais estreita entre os povos da Europa”, visto que era de facto uma imposição da saída por terceiros. Para todos os efeitos e até à saída, o Reino Unido é um Estado-membro de pleno direito. No entanto, trata-se dum parecer solicitado por um tribunal superior da Escócia, que, não sendo vinculativo, contraria o entendimento de que só com a decisão unânime dos 27 Estados-membros poderia ser revertido o processo de saída.
A Primeira-Ministra escocesa, Nicola Stugeon, reagiu ao parecer do EUJC, considerando que abre caminho a uma extensão do artigo 50, sobre a saída da UE, para permitir a realização de outro referendo, e mesmo a revogação da saída, caso a decisão desta nova votação popular seja pela permanência na UE. E Jo Maugham, o líder da equipa de juristas que moveu a ação junto do EUJC, aplaudiu a deliberação naquele que entende ser “provavelmente o caos mais importante na história da justiça doméstica” do Reino Unido. Todavia, como foi referido, o Governo de Theresa May desvalorizou a decisão do tribunal. Michael Gove, Ministro do Ambiente e um dos mais declarados defensores do Brexit, defendeu, em entrevista ao The Guardian que o voto no Parlamento sobre a saída iria ser realizado no dia 11, como previsto (o que não sucederá pelo vistos), “com 100% de certeza”, e que a decisão deverá confirmar o Brexit, o que torna “irrelevante” a possibilidade de reversão, e insistiu que os esforços do executivo incidem na melhoria das condições do acordo de saída negociado com a UE – acordo que provocou diversas demissões no Governo por alegadamente ser demasiado penalizador para o Reino Unido. Porém, apesar da convicção do Governo, o futuro imediato do processo está neste momento nas mãos dos Comuns.
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Da parte de Portugal, depois de o Chefe de Estado ter dito que até poderia nem haver Brexit, o Ministro dos Negócios Estrangeiros português, Augusto Santos Silva, veio dizer, de modo detalhado, que há “várias saídas possíveis” caso o Parlamento britânico não aprove o acordo do Brexit, nomeadamente a de o Reino Unido retirar o pedido de saída da UE. E observou:
Eu, como Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, não devo interferir no processo político interno do Reino Unido. O que posso dizer é que, como o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) hoje tornou claro, é que há várias saídas possíveis se a decisão final do Reino Unido for no sentido de não aprovar o acordo que negociou.”.
Santos Silva, falando aos jornalistas no fim do Conselho dos Negócios Estrangeiros da UE, em Bruxelas, referia-se ao adiamento da votação no Parlamento britânico, para evitar o previsível chumbo do texto, e ao acórdão de hoje do TJUE, em que aquela instância deu parecer de que Londres tem a capacidade de revogar unilateralmente a saída do bloco comunitário. E reforçou:
O TJUE já disse hoje muito claramente que está na disponibilidade de os britânicos decidirem, se o entenderem, retirarem o seu pedido, a sua comunicação de saída. Há outras hipóteses que o Tratado de Lisboa prevê, como adiar o momento de saída. Há várias hipóteses em cima da mesa [...]. Vamos esperar com a consciência de que fizemos tudo o que era possível para que saída fosse ordenada e a transição suave, e este divórcio acabasse num novo casamento.”.
O chefe da nossa diplomacia reiterou que, do lado da UE a 27, o tema está terminado e que não haverá “renegociação de um texto que já foi concluído”. E, recordando que o texto foi endossado pelos Chefes de Estado e de Governo dos 27 e que agora cabe ao Parlamento britânico aprová-lo, de modo a que seja desencadeado o processo de ratificação europeu, assumiu:
O que havia a fazer na UE a 27 foi feito. Trabalhámos até ao limite do possível com as autoridades britânicas de forma a que a saída do Reino Unido da UE prevista para 29 de março se faça de uma forma ordenada e que ocorra depois um período de transição que permita tornar essa saída mais suave. […]. Ninguém está laboriosamente durante quase dois anos a negociar linha a linha um acordo jurídico de quase 600 páginas para no fim desejar que esse acordo não vingue. […]. A nossa expectativa é que o Parlamento britânico venha a aprová-lo para que o acordo vigore. Agora, não podemos decidir naturalmente pelo Parlamento britânico, é aos britânicos que cabe responder à pergunta se querem ou não prosseguir com este processo de saída ordenada.”.
O Ministro reportou-se ainda às palavras do Conselho Europeu e dos presidentes do Conselho Europeu, Donald Tusk, e da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, para recordar que o acordo de saída é o único possível, mas vincou que este não pode ser imposto a Londres.
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É, pois, conveniente que a situação seja clarificada e que os Estados, se querem abandonar a UE, iniciem o processo de forma sustentada e com base em amplo consenso e que saibam que a porta de entra e de saída do bloco não pode ser um objeto devassado ou que se manipule à vontade do freguês. Mas a UE deve cuidar de si e fazer tudo por tudo para que o projeto europeu não se desmorone ao sabor dos apetites deletérios.
2018.12.10 – Louro de Carvalho

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