Da
resposta que dermos à questão formulada em epígrafe resulta o apuramento da
consciência retamente formada com que celebramos o Natal.
Na
verdade, se vemos no menino do presépio uma criança que ali foi exposta só
porque o acaso fez com que aquela mulher que a deu à luz não encontrou melhor
sítio para a realização do ato fundante da sua maternidade, essa visão
dificilmente nos fará celebrar o Natal com Jesus. Se olharmos para o presépio
como um motivo de ornamentação de canto da casa, rua, viela, praça ou rotunda,
bem como de postais ilustrados ou outros motivos pictóricos, escultóricos,
musicais e literários, mas deixando Jesus de parte, bem poderemos à vontade
festejar a quadra natalícia com a família, os amigos ou os colegas de trabalho
ou de borga.
Porém, se virmos no menino do
presépio Aquele que veio aos Seus e os Seus não O receberam, a agulha
direcional começa a mudar. Com efeito, a quantos O
receberam, aos que
Nele creem, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus (cf Jo
1,11.12) e
ficamos a saber que “o Verbo Se fez homem e veio habitar connosco” e nós
temos o privilégio e o dever de contemplar “a Sua glória, que possui como
Filho Unigénito do Pai, cheio de graça e de verdade” (cf Jo 1,14).
Portanto, naquele menino
deitado em palhinhas e acompanhado na solidão solícita e aberta da família,
temos o Deus invisível tornado visível, o Deus escondido tornado manifesto, o
Deus rico e infinito a partilhar da nossa pobreza, limitação e finitude. O
presépio é a teofania no seu aspeto mais humanizado e interessante para nós.
E tudo isto sucede porque
Deus nos ama, nos ama a todos e a cada um. E ama-nos, não por sermos bonitos e
bons, mas porque somos pecadores, porque nos tornamos maus, rebeldes,
exploradores ou demasiado resignados e submissos às forças do mal e da opressão.
Ama-nos, não por que sejamos merecedores, mas porque somos necessitados.
Ama-nos porque quer que O amemos amando-nos uns aos outros.
Por isso, o Papa São Leão
Magno, num dos seus Sermões –
(Sermo 1 in Nativitate Domini, 1-3: PL 54, 190-193) (Sec. V) – clama: “Reconhece, ó cristão, a tua dignidade”.
Começando por dizer que “nasceu o
nosso Salvador”, convida-nos à alegria, pois, “não pode haver tristeza no dia
em que nasce a vida, vida que destrói o temor da morte e nos infunde a alegria
da eternidade prometida”. E mais garante que “ninguém é excluído desta
felicidade, porque é comum a todos os homens a causa desta alegria: Nosso
Senhor, vencedor do pecado e da morte, não tendo encontrado ninguém isento de
culpa, veio para nos libertar a todos”.
Na verdade, a razão está com Leão,
porquanto o anjo que avisou os pastores do nascimento do Salvador, o Messias
Senhor, fez o anúncio como sendo de grande alegria, que o será para todo o povo
(cf
Lc 2,10-11) e o sinal
que lhes deu foi o de um menino envolto em panos e recostado numa manjedoura,
sendo que os pastores, à voz do anjo, se mobilizaram mutuamente, foram, viram e
ficaram contentes por ter sucedido tudo como lhes havia sido dito (cf
Lc 2,12.15-17.20).
E Leão Magno pede que se alegre o
santo, “porque se aproxima a vitória”, o pecador, “porque lhe é oferecido o
perdão, e o gentio, “porque é chamado para a vida”.
***
Que o Senhor nos ama, não por
sermos bons belos, mas porque os quer fazer bons e belos, está patente naqueles
a quem foi primeiro anunciado o nascimento de Jesus: os pastores. E dizia o
sacerdote que hoje presidiu à celebração vespertina da Eucaristia da Solenidade
do Natal na igreja matriz de Santa Maria da Feira: nós temos uma ideia
ternurenta dos pastores porque os artistas construíram essa figura no nosso
imaginário e, acrescento eu, conhecemos a afeição que eles devotam às suas
ovelhas, imagem que Jesus assumiu para Si como o Bom Pastor das ovelhas, que as
conhece, das quais gosta e pelas quais dá a vida. Mas, no tempo de Belém, os
pastores estavam marginalizados, porque eram considerados impuros – pelo que
não podiam participar nos atos de religião – pois andavam sempre entre os
animais, assaltavam as propriedades para roubarem comida para as suas reses e envolviam-se
em contendas entre si ou com estranhos. Mas foram estes que os anjos viram mais
recetivos ao mistério e era preciso que fossem reintegrados no mundo como Deus
o sonhou.
***
Por isso, o Papa Leão convida a
que “dêmos graças a Deus Pai, por meio de seu Filho, no Espírito Santo, porque
na sua infinita misericórdia nos amou e teve piedade de nós: estando nós mortos
pelo pecado, fez-nos viver com Cristo, para que fôssemos n’Ele uma nova
criatura, uma nova obra das suas mãos”. E pede a cada cristão que reconheça a
sua dignidade, pois, “constituído participante da natureza divina”, não pode
regressar “às antigas misérias com um comportamento indigno. E exorta:
“Lembra-te de que cabeça e de que corpo és membro. Não esqueças que
foste libertado do poder das trevas e transferido para a luz do reino de Deus.
Pelo sacramento do Batismo, foste transformado em templo do Espírito Santo. Não
queiras expulsar com as tuas más ações tão digno hóspede, nem voltar a
submeter-te à escravidão do demónio. O preço do teu resgate é o Sangue de
Cristo.”.
Por tudo isto, muitos agentes
pastorais desejam Bom, Santo e Feliz Natal, com Jesus. De facto, se, como diz o
profeta Isaías, o povo que andava nas trevas viu uma grande luz, é pertinente
que ela não se apague. Compete-nos acalentá-la, alimentá-la e difundi-la.
Santo Natal!
2018.12.24 - Louro de Carvalho
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