segunda-feira, 24 de dezembro de 2018

Quem vemos no menino recostado no presépio?


Da resposta que dermos à questão formulada em epígrafe resulta o apuramento da consciência retamente formada com que celebramos o Natal.
Na verdade, se vemos no menino do presépio uma criança que ali foi exposta só porque o acaso fez com que aquela mulher que a deu à luz não encontrou melhor sítio para a realização do ato fundante da sua maternidade, essa visão dificilmente nos fará celebrar o Natal com Jesus. Se olharmos para o presépio como um motivo de ornamentação de canto da casa, rua, viela, praça ou rotunda, bem como de postais ilustrados ou outros motivos pictóricos, escultóricos, musicais e literários, mas deixando Jesus de parte, bem poderemos à vontade festejar a quadra natalícia com a família, os amigos ou os colegas de trabalho ou de borga.
Porém, se virmos no menino do presépio Aquele que veio aos Seus e os Seus não O receberam, a agulha direcional começa a mudar. Com efeito, a quantos O receberam, aos que Nele creem, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus (cf Jo 1,11.12) e ficamos a saber que “o Verbo Se fez homem e veio habitar connosco” e nós temos o privilégio e o dever de contemplar “a Sua glória, que possui como Filho Unigénito do Pai, cheio de graça e de verdade” (cf Jo 1,14).
Portanto, naquele menino deitado em palhinhas e acompanhado na solidão solícita e aberta da família, temos o Deus invisível tornado visível, o Deus escondido tornado manifesto, o Deus rico e infinito a partilhar da nossa pobreza, limitação e finitude. O presépio é a teofania no seu aspeto mais humanizado e interessante para nós.
E tudo isto sucede porque Deus nos ama, nos ama a todos e a cada um. E ama-nos, não por sermos bonitos e bons, mas porque somos pecadores, porque nos tornamos maus, rebeldes, exploradores ou demasiado resignados e submissos às forças do mal e da opressão. Ama-nos, não por que sejamos merecedores, mas porque somos necessitados. Ama-nos porque quer que O amemos amando-nos uns aos outros.
Por isso, o Papa São Leão Magno, num dos seus Sermões – (Sermo 1 in Nativitate Domini, 1-3: PL 54, 190-193) (Sec. V) – clama: “Reconhece, ó cristão, a tua dignidade”.
Começando por dizer que “nasceu o nosso Salvador”, convida-nos à alegria, pois, “não pode haver tristeza no dia em que nasce a vida, vida que destrói o temor da morte e nos infunde a alegria da eternidade prometida”. E mais garante que “ninguém é excluído desta felicidade, porque é comum a todos os homens a causa desta alegria: Nosso Senhor, vencedor do pecado e da morte, não tendo encontrado ninguém isento de culpa, veio para nos libertar a todos”.
Na verdade, a razão está com Leão, porquanto o anjo que avisou os pastores do nascimento do Salvador, o Messias Senhor, fez o anúncio como sendo de grande alegria, que o será para todo o povo (cf Lc 2,10-11) e o sinal que lhes deu foi o de um menino envolto em panos e recostado numa manjedoura, sendo que os pastores, à voz do anjo, se mobilizaram mutuamente, foram, viram e ficaram contentes por ter sucedido tudo como lhes havia sido dito (cf Lc 2,12.15-17.20).  
E Leão Magno pede que se alegre o santo, “porque se aproxima a vitória”, o pecador, “porque lhe é oferecido o perdão, e o gentio, “porque é chamado para a vida”.
***
Que o Senhor nos ama, não por sermos bons belos, mas porque os quer fazer bons e belos, está patente naqueles a quem foi primeiro anunciado o nascimento de Jesus: os pastores. E dizia o sacerdote que hoje presidiu à celebração vespertina da Eucaristia da Solenidade do Natal na igreja matriz de Santa Maria da Feira: nós temos uma ideia ternurenta dos pastores porque os artistas construíram essa figura no nosso imaginário e, acrescento eu, conhecemos a afeição que eles devotam às suas ovelhas, imagem que Jesus assumiu para Si como o Bom Pastor das ovelhas, que as conhece, das quais gosta e pelas quais dá a vida. Mas, no tempo de Belém, os pastores estavam marginalizados, porque eram considerados impuros – pelo que não podiam participar nos atos de religião – pois andavam sempre entre os animais, assaltavam as propriedades para roubarem comida para as suas reses e envolviam-se em contendas entre si ou com estranhos. Mas foram estes que os anjos viram mais recetivos ao mistério e era preciso que fossem reintegrados no mundo como Deus o sonhou. 
***
Por isso, o Papa Leão convida a que “dêmos graças a Deus Pai, por meio de seu Filho, no Espírito Santo, porque na sua infinita misericórdia nos amou e teve piedade de nós: estando nós mortos pelo pecado, fez-nos viver com Cristo, para que fôssemos n’Ele uma nova criatura, uma nova obra das suas mãos”. E pede a cada cristão que reconheça a sua dignidade, pois, “constituído participante da natureza divina”, não pode regressar “às antigas misérias com um comportamento indigno. E exorta:
Lembra-te de que cabeça e de que corpo és membro. Não esqueças que foste libertado do poder das trevas e transferido para a luz do reino de Deus. Pelo sacramento do Batismo, foste transformado em templo do Espírito Santo. Não queiras expulsar com as tuas más ações tão digno hóspede, nem voltar a submeter-te à escravidão do demónio. O preço do teu resgate é o Sangue de Cristo.”.
Por tudo isto, muitos agentes pastorais desejam Bom, Santo e Feliz Natal, com Jesus. De facto, se, como diz o profeta Isaías, o povo que andava nas trevas viu uma grande luz, é pertinente que ela não se apague. Compete-nos acalentá-la, alimentá-la e difundi-la.
Santo Natal!
2018.12.24 - Louro de Carvalho

Sem comentários:

Enviar um comentário