O Papa
Francisco recebeu em audiência, no passado dia 3 de dezembro, na Sala do
Consistório, no Vaticano, a comunidade jesuíta do Colégio Internacional de
Jesus, fundado pelo Padre Pedro Arrupe SJ, em 1968, na comemoração dos 50 anos
da sua fundação, a quem declarou:
“Deus fundou-vos como jesuítas. Este jubileu é um momento de graça
a fim de recordar e sentir-se com a Igreja numa Companhia e numa pertença que
tem um nome: Jesus. Lembrar significa fundamentar-se novamente em Jesus, na sua
vida. Significa reiterar um não claro à tentação de viver para si mesmos.
Reafirmar que, como Jesus, existimos para o Pai.”
Em certos momentos da vida da Igreja, é mister fazer a refontalização, ou
seja, procurar beber nas fontes do Evangelho a frescura da cristalinidade das
águas do Espírito e reencontrar o apoio ao ser e à missão da Igreja nas origens,
a par da leitura dos sinais dos tempos que, em cada época, constituem desafios
à Igreja para a releitura atualizada e atuante do Evangelho. Isto porque o tempo
desgasta, corrói e tende a descaraterizar a ação e a imagem. Para isso têm-se
celebrado ao longo da História concílios e sínodos, embora alguns se tenham emaranhado
em demasia nos anátemas e em aspetos jurídico-morais. No entanto, parece que o
Vaticano II quis mesmo a refontalização e a inspiração nas origens articuladas
com leitura dos sinais dos tempos.
O mesmo vem acontecendo nos institutos religiosos e seculares e nas
sociedades de vida apostólica. Quem não se lembra, por exemplo, da reforma da
Ordem Beneditina por Bernardo de Claraval ou a do Carmelo por Teresa de Jesus e
João da Cruz? E porque não atentar na reforma da vida religiosa desejada pelo
Vaticano II, conforme ficou expresso na Lumen
Gentium (Constituição Dogmática sobre a Igreja), em especial no seu capítulo
VI (os
conselhos evangélicos e o estado religioso, 43; consagração ao serviço divino –
o testemunho de vida, 44; regras e constituições – a relação com a Hierarquia,
45; pureza de vida ao serviço do mundo, 46; perseverança e santidade, 47) e no Decreto Perfectae Caritatis, sobre a conveniente
renovação da vida religiosa – a que se seguiu a exortação apostólica Evangelica Testificatio, de São Paulo
VI, sobre a renovação da vida religiosa segundo os ensinamentos do Concílio e
sobre a qual se vêm pronunciando recorrentemente os seus sucessores.
***
Agora à
comunidade jesuíta em referência Francisco, também jesuíta, disse:
“Que em Jesus devemos viver para servir e não para ser servidos. Lembrar
é repetir com a inteligência e a vontade que a Páscoa do Senhor é suficiente para a vida do
jesuíta. Não
se precisa de nada mais. É bom retomar a segunda semana dos Exercícios
Espirituais para se fundamentar novamente na vida de Jesus, no caminho
da Páscoa, pois formar-se é primeiramente fundamentar-se.”.
Citando São
Francisco Xavier, pediu que, em todas as suas coisas, se fundamentassem
totalmente em Deus. E discorreu:
“Vós morais na casa em que Santo Inácio viveu, escreveu as Constituições
e enviou os primeiros companheiros em missão para o mundo. Fundamentai-vos nas
origens. É a graça desses anos vividos em Roma: a graça do fundamento, a graça
das origens. Vós sois um manancial que leva o mundo a Roma e Roma ao mundo, a
Companhia no coração da Igreja e a Igreja no coração da Companhia.”.
Depois, o
Papa Bergoglio destacou a importância do crescer, ensinando:
“Vós sois chamados nesses anos a crescer, aprofundando as raízes. A
planta cresce das raízes que não se veem, mas, juntas, sustentam-se. Para de
dar frutos não quando tem poucos ramos, mas quando as raízes se secam. Ter
raízes é ter um coração bem enxertado, que em Deus é capaz de se dilatar. Ao
Deus semper maior, responde-se com o magis da
vida, com o entusiasmo límpido e impetuoso, com o fogo que arde dentro, com a
tensão positiva, sempre crescente, que diz não a toda acomodação. É o ‘Ai de
mim se eu não anunciar o Evangelho’ do Apóstolo Paulo. É o “não parei um
instante” de São Francisco Xavier. É o que impelia Santo Alberto Hurtado a ser
uma flecha pontuda nos membros adormecidos da Igreja. O coração, se não se
dilata, atrofia-se.”.
A planta, se não cresce, murcha” – sustentou o
Santo Padre, que sentenciou:
“Não há crescimento sem crises, não há fruto sem poda ou vitória sem
luta. Crescer, criar raízes significa lutar incansavelmente contra toda
mundanidade espiritual, mal pior que pode nos acontecer, como dizia o Padre de Lubac.
Se a mundanidade afeta as raízes, adeus frutos e adeus planta. Para mim, este é o maior perigo neste tempo:
a mundanidade espiritual que leva ao clericalismo e vai adiante. Ao
invés, se o crescimento é um agir constante contra o próprio ego, haverá muito
fruto. Enquanto o espírito inimigo não cessará de vos tentar a buscar os vossos
consolos, insinuando que se vive melhor quando se obtém o que se quer, o
Espírito amigo vos encorajará suavemente no bem a crescer na docilidade
humilde, indo adiante, sem rutura e insatisfação, com a serenidade que vem
somente de Deus.”.
Citou dois
sinais positivos de crescimento: liberdade e obediência – “duas virtudes que crescem se
caminham juntas”, já que “a liberdade é essencial, pois ‘onde se acha o
Espírito do Senhor aí existe a liberdade’ (cf 2Cor 3,17). Com efeito, “o Espírito de Deus fala livremente a
cada um através de sentimentos e pensamentos, pelo que “não pode ser fechado em
tabelas, mas acolhido com o coração, em caminho, por filhos livres, não por
servos.”. E exortou, na linha jesuítica:
“Desejo que vós sejais filhos livres que, unidos nas diversidades, lutem
todos os dias para conquistar a liberdade maior: a de si mesmos. Sereis
ajudados pela “oração que nunca deve ser transcurada: é a herança que o Padre
Arrupe nos deixou. […] E a obediência. Como para Jesus, também para nós o
alimento da vida é fazer a vontade do Pai, e dos padres que a Igreja doa. […] Livres
e obedientes, seguindo o exemplo de Santo Inácio, que em plena liberdade
apresentou ao Papa a total obediência da Companhia numa Igreja que certamente
não resplandecia por costumes evangélicos. Ali há o jesuíta adulto, crescido.”.
A seguir, Francisco
dissertou sobre o amadurecer,
sentenciando:
“Não se amadurece nas raízes e no tronco, mas colocando para fora os
frutos que fecundam a terra
de sementes novas. Aqui, entra em jogo a missão, o colocar-se face a face
perante as situações de hoje, cuidando do mundo que Deus ama.”.
Para o Papa
argentino, “a paixão e a disciplina nos estudos contribuem para essa missão, sobretudo
se estiverem dispostos a aproximar-se do ministério da Palavra e
do ministério da consolação,
onde tocam a carne que a Palavra tomou, pois, ao acariciar
os membros sofredores de Cristo, aumenta a familiaridade com a Palavra
encarnada. Por isso, recomendou:
“Não vos espanteis com os sofrimentos que virdes. Levai o crucifixo
adiante. Levai os sofrimentos ‘na Eucaristia que sabe abraçar os crucificados
de todos os tempos’ […] Assim, amadurece também a paciência e junto com ela a
esperança, pois são gémeas: crescem juntas. Não tenhais medo de chorar no contacto
com as situações difíceis: são gotas que irrigam a vida, a tornam dócil. As
lágrimas de compaixão purificam o coração e os afetos.”.
E, frisando
que no Colégio de Jesus se aprende “a arte do viver incluindo o outro”, o Papa disse:
“Não se trata apenas de se entender e querer bem, mas de carregar os
fardos uns dos outros. Não somente os fardos das fragilidades recíprocas, mas
das diferentes histórias, culturas, memórias dos povos. Far-vos-á bem partilhar
e descobrir as alegrias e os problemas verdadeiros do mundo através da presença
do irmão que está próximo de vós. Abraçar nele não apenas o que interessa ou
fascina, mas as angústias e as esperanças de uma Igreja e de um povo.”.
***
Continuando a falar de jesuítas, é de evocar o novo livro sobre o diálogo intergeracional, que foi
lançado pelo padre Antonio Spadaro, diretor da revista dos jesuítas “La Civiltà Cattolica”, no passado dia 1
de dezembro, na sede da revista.
Nasce nova fonte
de sabedoria graças ao encontro, ao diálogo entre as pessoas e, especialmente,
entre gerações diferentes. É a mensagem de esperança que ressalta do livro “Francisco. A sabedoria do tempo. Em diálogo
com o Papa Francisco sobre grandes questões da vida”, da lavra editorial de
Spadaro para a Editora Marsilio. Na mesa redonda do lançamento, sob a moderação
do jornalista da RAI Riccardo Iacona, participaram, além do editor: Paolo
Ruffini, Prefeito do Dicastério para a Comunicação; Shahrzad Houshmand Zadeh, professora
de estudos islâmicos; e Antonio Polito, editorialista do jornal italiano Corriere della Sera.
Sobressai no
livro a necessidade de compartilhar a sabedoria do tempo. De facto, o livro foi
realizado através de 250 entrevistas feitas com pessoas idosas em mais de 30
países, graças ao projeto “Compartilhando
a Sabedoria do Tempo”, iniciativa de várias editoras coordenada pela
norte-americana Loyola Press, com a
ajuda da organização sem fins lucrativos Unbound
e do Serviço dos Jesuítas para os
Refugiados. A aliança entre jovens e idosos – “uma aliança entre gerações” – é o que
se destaca no prefácio escrito pelo Santo Padre: uma reflexão profunda sobre o
tema, que introduz um concerto de palavras e imagens entre os idosos de todo o
mundo: “Somente se os nossos avós tiverem a coragem de sonhar e os nossos
jovens de profetizar grandes coisas, a nossa sociedade vai avançar” – assim escreveu
o Papa.
Houshmand
Zadeh explicitou que “a sabedoria do tempo nos fala sobre a vida de mulheres e
homens diferentes e, desta forma, o diálogo não é apenas entre gerações, mas
também entre religiões, espiritualidade e culturas” – um encontro que, no
entanto, “nos faz ver uma única humanidade e que os sofrimentos da humanidade
são uma só coisa”. Enfim, tantas diferenças, mas uma só humanidade!
Por seu
turno, Antonio Polito salientou como o Papa se dirige, “não apenas neste livro,
a cada pessoa, portanto a cada individuo e não às ideias abstratas”. E
enfatizou que o tema da sabedoria dos idosos é pouco tratado e, por isso, corre
o risco concreto de ser esquecido. Na verdade, uma caraterística das últimas
décadas, como frisou o jornalista, “é precisamente a interrupção da comunicação
do saber entre idosos e jovens”.
“A consciência do valor da vida foi perdida”,
segundo Ruffini, que observou:
“O oposto da ternura é o distanciar-se do outro, aqui se pode relançar o
problema da profunda divisão entre as gerações”.
O Prefeito
salientou como se perdeu a consciência do valor da vida, da sua duração e,
portanto, do facto de que, mais cedo ou mais tarde, ela cessa – “uma
consciência muito mais presente na mente e nas palavras dos nossos avós”. Para
Ruffini, o livro realizado por Spadaro tem uma eloquência particular mercê da “força
das muitas fotografias presentes”. É “um diálogo através das imagens”.
Para
Spadaro, “são os idosos que sonham com o futuro”, pelo que a ideia do livro e
do diálogo com os anciãos surgiu para redescobrir a sua sabedoria em
conformidade com um versículo do livro do profeta Joel: “Vossos velhos sonharão, vossos jovens terão visões”. Isto porque,
de acordo com os ensinamentos do Papa Francisco, “para sonhar é preciso ter
experiência” e poder, assim, imaginar um mundo melhor.
O Padre António
Spadaro também contou como Francisco, no prefácio do livro, se inspira em
memórias pessoais, especialmente quando fala dos avós. Diz o Papa que os colocamos
de lado e perdemos o valor da sabedoria deles”. Mas, ao fazê-lo, há um aumento
nos corações dos idosos “da angústia de serem pouco tolerados e abandonados”. Assim,
o convite de Francisco é para “despertar o senso cívico de gratidão,
apreço, hospitalidade, capaz de fazer o idoso se sentir parte viva de sua
comunidade”.
***
Embora pareça não haver grande conexão entre os
temas expostos e o seguinte, não é despicienda a mensagem de Francisco aos jovens da Associação “Rondine Cittadella della Pace”. São efetivamente os jovens e os idosos que têm o ónus
de gerar lideranças e promover a paz, apesar de tantas vezes estarem embarcados
na guerra e na promoção das desigualdades. Por isso, o Pontífice bradou perante
aqueles jovens: “Precisamos de líderes
com humildade, não arrogância”. E recomendou-lhes: “nunca percais a maravilha e a humildade”.
Na manhã do
dia 3 de dezembro, o Papa recebeu os membros da predita organização “Rondine Cittadella della Pace”, que tem
como compromisso a redução dos conflitos armados no mundo e a difusão da
própria metodologia para a transformação criativa do conflito em cada contexto,
pelo que acolhe jovens provenientes de países em conflito armado ou
pós-conflitos e os ajuda a descobrir a pessoa no próprio inimigo, através da
convivência do dia a dia.
Depois das
saudações iniciais, o Papa recordou o nobre objetivo da Associação:
“Verificar pessoalmente se o outro, aquele
ou aquela que está do outro lado da fronteira, das redes e dos muros
intransponíveis, será realmente o que todos afirmam: um inimigo”.
E recordou
que, nestes 20 anos, foi aplicado um método capaz de “transformar os conflitos: tirar os jovens deste engano e devolvê-los
aos seus povos para um pleno desenvolvimento espiritual, moral, cultural e civil”.
Depois, o Pontífice falou sobre o próximo Apelo que a Associação fará na ONU por ocasião do 70.º aniversário
da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 10 de dezembro, confirmando o seu
apoio, simpatia e bênção
“Ouvir uma jovem palestina e um jovem
israelense que juntos pedem aos governos do mundo que façam algo que possa
reabrir o futuro, transferindo o custo de uma arma do balanço da defesa para o
balanço da educação para formar um líder de paz, é uma coisa rara e luminosa!”.
Dirigindo-se
diretamente aos jovens que tiveram dois anos de formação da Associação, disse:
“Vós revirastes os vossos sentimentos e pensamentos, fizestes nascer a confiança
recíproca e agora estais prontos para assumirdes responsabilidades profissionais,
civis e políticas para o bem dos vossos povos. Vós já sois jovens líderes que
no Apelo pedis aos Estados e aos povos que se comprometam juntos!”.
Depois de
confirmar o seu total apoio e se comprometer a falar com os chefes de Estado e
de Governo, o Papa complementou dizendo:
“Precisamos de líderes com uma nova
mentalidade. Os líderes de paz não são os políticos que não sabem dialogar ou
confrontar-se: um líder que não se esforça por ir ao encontro do ‘inimigo’, por
se sentar à mesa para discutir como vós fazeis não pode levar o próprio povo
para a paz. Para isso é preciso humildade, não arrogância: que São Francisco vos
ajude a seguir este caminho, com coragem.”.
Por fim, elogiou o
uso da Encíclica Laudato si como texto fundamental para a
escola da associação: “a ecologia
integral oferece a perspetiva para que a humanidade seja concebida como uma
única família e considere a Terra como a casa comum”.
E, na
saudação final, recomendou aos jovens que nunca percam “a maravilha e a
humildade”, que protejam “a confiança que amadureceu” entre eles
transformando-a em “generoso serviço ao bem comum”.
Em suma, jesuítas e os outros religiosos, os
jovens, adultos e idosos devem “trabalhar
juntos para eliminar a guerra da história da humanidade e criar um mundo de paz”.
Prosit!
2018.12.04 – Louro de Carvalho
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