domingo, 30 de dezembro de 2018

SCML e 30 Misericórdias e IPSS oficializam entrada no capital do Montepio


É uma informação avançada a 28 de dezembro passado veiculada pelo Jornal de Negócios (acesso condicionado) e replicada pelo ECO, com o acrescento de que o dinheiro chegará à Associação Mutualista até ao próximo dia 31.
Mais é referido que, se o contrato não tivesse sido assinado até este prazo, a dona do Montepio, a AMMG (Associação Mutualista Montepio Geral), corria o risco de ter de devolver os 75 mil euros que já tinham sido transferidos pela SCML (Santa Casa da Misericórdia de Lisboa), já que esta entidade não teria como justificá-los nas suas contas.
Mas, efetivamente, após a transferência de 75 mil euros da SCML para o Montepio, que quase fez com que o banco devolvesse a quantia à Santa Casa por não existir um contrato assinado entre as partes, já há documento que oficializa a operação. A instituição liderada por Edmundo Martinho já entrou no capital do Montepio, como avança o Jornal de Negócios. Era o passo que faltava para concretizar este investimento. Por outro lado, como a Associação Mutualista revelou ao ECO, juntam-se-lhe outras 30 Misericórdias e IPSS, entidades da economia social.
Fonte oficial da dona do Montepio referia a 28 de dezembro:
Foram fechados hoje [sexta-feira, 28 de dezembro] os contratos com a Santa Casa e outras 30 misericórdias e mutualidades. […] A liquidação financeira vai acontecer até ao final do ano.”.
Ou seja, o contrato já foi assinado e devolvido pela Associação Mutualista à SCML, seis meses depois da formalização do negócio. No entanto, não se fica a saber qual a participação com que, em conjunto, ficarão do banco controlado pela Associação Mutualista Montepio Geral, liderada por Tomás Correia, recém-reeleito.
A minuta do contrato já tinha sido assinada e enviada pela SCML ao presidente da Mutualista, na mesma altura em que foi transferido o investimento. Faltava apenas a assinatura de Tomás Correia e a devolução do documento, assinado, à Santa Casa, o que aconteceu nos últimos dias do ano – no limite do prazo definido pelo presidente da Associação Mutualista. O passo final foi finalmente dado e a operação fica assim concluída.
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Em Setembro passado, o Público avançava que as outras Misericórdias e IPSS – entidades da economia social – tinham investido, até então, cerca de 16 mil euros. Os 90 mil euros, no total, ficam muito distantes dos 48 milhões pretendidos por Tomás Correia.
Desde o arranque do processo que as Misericórdias e IPSS rejeitaram investir milhões no banco. A própria SCML deixou claro que não iria pôr mais capital na instituição liderada por Carlos Tavares até que fosse criado um quadro para regular todos os investimentos financeiros – algo em que já estava a trabalhar a pedido do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social. Mas, mesmo depois, não garante um reforço da posição no Montepio.
Na cerimónia que formalizou o negócio e que teve lugar a 29 de Junho, Tomás Correia, recentemente reeleito no cargo de presidente da Mutualista, referiu que iriam entrar 50 instituições e que esperava mesmo alienar até 2% do capital do banco em 2018. 
E, a 26 de novembro, segundo o ECO, a Santa Casa esteve em vias de pôr 170 milhões no Montepio, mas o negócio caiu.
O documento preliminar incluía data, preço e pormenores do negócio, mas acabou por não ser viável porque, pelos desentendimentos políticos, a operação não chegou a acontecer.
Com efeito, terá chegado a estar pronto um esboço do contrato de compra de ações do Montepio pela SCML, datado de dezembro de 2017, no valor de 170 milhões de euros. Era suposto que a Santa Casa ficasse com 9,18% da Caixa Económica Montepio Geral, mas isso nunca aconteceu.
Nessa versão preliminar e confidencial a que o Jornal de Negócios teve acesso, faltavam ainda as assinaturas, tanto da mutualista presidida por António Tomás Correia, identificada como vendedora –, como da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, anunciada como compradora. Tal significa que o documento, ainda que trabalhado, estava sujeito a alterações.
O provedor da SCML, Edmundo Martinho, terá dito que “uma das condições que estava colocada em cima da mesa desde o início era que a Misericórdia de Lisboa, a entrar, não entrasse sozinha”. E, ao ser questionada, a Santa Casa remeteu a responsabilidade do “esboço” para a Morais Leitão, tendo sido referido:
Importa clarificar que não se trata de um contrato de compra e venda, mas sim de um draft de trabalho corredigido pela MLGTS [Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva & Associados], no âmbito das suas competências de assessoria jurídica à Santa Casa e com base na informação que, à época, era pública”.
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Mas o Montepio e a sua entidade proprietária não são notícia somente pela participação de entidades ditas de economia social no seu capital. Também a 28 de dezembro foi noticiado que o “Montepio vende carteira de malparado, que foi avaliada em 239 milhões de euros”.
Depois de o Novo Banco ter feito a maior venda de sempre destes créditos em incumprimento de um banco português, é a vez do banco liderado por Carlos Tavares anunciar a venda de uma carteira de malparado no valor de 239 milhões de euros.
A este respeito, refere o banco:
Após um processo de venda competitivo, foi celebrada uma escritura pública de venda de uma carteira de créditos não produtivos (non-performing loans), sob a forma de venda direta, à empresa Mimulus Finance, uma sociedade validamente constituída e regida pelas leis da Irlanda, com sede em Dublin”.
Em comunicado enviado à CMVM (Comissão do Mercado de Valores Mobiliários), o Montepio nota que o “montante bruto alienado foi de 239 milhões de euros, numa carteira que englobou aproximadamente 10 mil contratos”. No entanto, não é referido o valor da venda, nem o impacto que esta operação vai ter nas contas da instituição.
É de recordar que, no início do mês, a agência Bloomberg tinha avançado que o banco estava no mercado para realizar esta venda antes do final do ano. Porém, o valor apontado pela agência noticiosa era superior: 370 milhões, divididos em duas tranches, uma denominada “Atlas”, de 250 milhões de euros, e outra chamada “Cascais”, de 120 milhões de euros.
A este respeito, Carlos Tavares salienta que “a concretização desta operação materializa a estratégia da CEMG (Caixa Económica Montepio Geral) de contínua redução de ativos não produtivos”.
No final dos primeiros nove meses do ano, o Montepio apresentava um rácio de NPE (non performing exposure, onde se incluem os non-performing loans, ou malparado) de 16,2%. Eram 2,18 mil milhões de euros numa carteira de crédito bruto de 13,5 mil milhões.
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Outro motivo de notícia é que, segundo a Lusa, os associados do Montepio aprovaram plano de ação e orçamento para 2019.
Na verdade, estiveram presentes cerca de 170 pessoas, no passado dia 27, na primeira assembleia geral, depois das eleições em que Tomás Correa foi reeleito presidente, tendo o plano de ação e orçamento para 2019 sido aprovados com mais de 90% dos votos, registando-se 15 votos contra.
A este propósito, Tomás Correia disse à agência Lusa:
O plano de ação e o orçamento agora aprovado exige o melhor do mutualismo com responsabilidade, determinação e conhecimento. Para participar na construção do futuro do Montepio é preciso [são precisas] capacidade e preparação. E os nossos associados sabem muito bem a quem confiam o Montepio.”.
Entre as prioridades definidas no plano de ação para 2019 está a adaptação da mutualista ao novo regime de supervisão da ASF (Autoridade de Supervisão e Seguros e Fundos de Pensões), com reforço dos mecanismos de controlo e governo interno. Para isso será necessário rever os Estatutos da Associação Mutualista Montepio Geral em linha com o novo código mutualista.
Uma das alterações principais será a criação de uma assembleia de representantes (obrigatória para mutualistas com mais de 100 mil associados), eleita por método de representação proporcional, que será a responsável por decidir sobre muitas das questões que atualmente vão à assembleia geral, como as contas de cada ano e o programa de ação e o orçamento do ano seguinte.
A revisão dos estatutos deverá ainda alterar outros aspetos do modelo de governação (atualmente o Conselho Geral é muito criticado por a lista vencedora ter por inerência 11 lugares do total de 23) e ainda a duração do mandato dos órgãos sociais, que é hoje de três anos.
A revisão dos estatutos caberá a uma comissão de acompanhamento, cuja composição terá de ser definida.
O novo ano da associação mutualista prevê-se assim atarefado, depois de no início de dezembro os associados terem elegido os novos órgãos sociais para o triénio 2019-2021.
Além disso, está marcada para 3 de janeiro a tomada de posse dos novos órgãos sociais, mas continuam a persistir dúvidas sobre se Tomás Correia cumpre o requisito de idoneidade.
Com efeito, nos termos do novo código das mutualistas e segundo o subsequente despacho do Governo, é a ASF quem supervisiona a ANMG e tem regras mais restritas para a conceder a idoneidade e o gestor está a ser investigado em vários processos judiciais e no Banco de Portugal. Todavia, nem o Ministério do Trabalho nem a ASF se têm pronunciado sobre este tema e o código mutualista prevê um regime de transição de 12 anos para estar plenamente em vigor, pelo que não deve haver novidades até à tomada de posse.
A Associação Mutualista Montepio tinha 615.337 associados no final de outubro, segundo o programa de ação e orçamento para 2019, menos quase dez mil do que no início deste ano, estando previsto no documento que cheguem aos 636 mil em 2019.
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Não se percebe como os associados elegeram uma lista cujo cabeça cometeu os erros de gestão badalados em tempos e está sob investigação em vários processos judiciais e no Banco de Portugal, a não ser que se aplique a este caso a balda que se vê em eleições para cargos políticos. Mas aqui não estão em jogo os milhões de euros e a economia social?
Quanto à participação da SCML e das outras 30 entidades de economia social, além de o processo ter sido um exemplo contemporâneo da montanha que pariu um rato (muito longe dos 200 milhões e 10% de participação da SCML), pergunto-me se o Montepio ficou imunizado por esta via quanto a uma possível derrocada, que vantagens oferece às novéis participantes e se haverá base de sustentação para Edmundo Martinho integrar a administração do Montepio. Ou estaremos perante uma operação de mera cosmética para satisfazer a todo o custo uma peregrina ideia?
2018.12.30 – Louro de Carvalho

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