quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

A boa política está ao serviço da paz


É o tema da Mensagem para o LII Dia Mundial da Paz, que se celebrará a 1 de janeiro de 2019, sustentando o Papa Francisco que a política se pode “tornar uma forma eminente de caridade e servir a paz se respeitar e promover os direitos humanos, construir cidadania e encorajar os jovens.
A paz esteja nesta casa!” Com estes votos o Papa inicia o novo ano e abre a sua Mensagem para o Dia Mundial da Paz, divulgada no dia 18. São as palavras com as quais Jesus envia os apóstolos em missão, mas a casa de que fala é hoje “toda a família, comunidade, todo o país, todo o continente” e “a nossa casa comum”, de que Deus nos confia os cuidados.
O coração da mensagem, datada de 8 de dezembro pp, dia da Solenidade da Imaculada Conceição de Maria, a Rainha da Paz, é a estreita relação entre a paz e a política, em que Francisco divisa potencialidades e vícios na perspetiva presente e futura, colocando ambas num  “desafio” diário, num “grande projeto” estribado “na responsabilidade recíproca e na interdependência dos seres humanos”.
Na verdade, a paz, como “flor frágil que tenta florescer no meio das pedras de violência” (escreve o Papa, citando o poeta Charles Peguy), choca-se com “abusos” e “injustiças”, “marginalização e destruição” que a política provoca, quando não é vivida e exercida “como um serviço à comunidade”. Por outro lado, a boa política é um “veículo fundamental para construir cidadania e obras” e, se “implementada no respeito fundamental da vida, liberdade e dignidade”, pode se tornar uma “forma eminente de caridade”.
Então, deve cultivar-se a caridade como virtude por uma política ao serviço da paz e dos direitos. Com efeito, se a ação do homem for sustentada e inspirada pela caridade – recorda o Pontífice citando a Encíclica Caritas in Veritate de Bento XVI – “contribui para a edificação daquela cidade universal de Deus para a qual avança a história da família humana”.
Trata-se de um programa em que os políticos de todas as filiações ideológicas podem encontrar-se, contanto que operem para o bem da família humana, praticando virtudes que se subordinam ao “bom agir político”: justiça, equidade, respeito, sinceridade, honestidade e lealdade.
O bom político é (como descrito nas bem-aventuranças do cardeal vietnamita François Xavier Nguyễn Vãn Thuận, falecido em 2002, que o Papa retoma) quem, tendo a consciência do seu papel, é coerente, credível, capaz de ouvir, corajoso e comprometido com a unidade e a mudança radical:
“Bem-aventurado o político que tem uma alta noção e uma profunda consciência do seu papel.
Bem-aventurado o político de cuja pessoa irradia a credibilidade.
Bem-aventurado o político que trabalha para o bem comum e não para os próprios interesses.
Bem-aventurado o político que permanece fielmente coerente.
Bem-aventurado o político que realiza a unidade.
Bem-aventurado o político que está comprometido na realização duma mudança radical.
Bem-aventurado o político que sabe escutar.
Bem-aventurado o político que não tem medo.” (Cf Discurso na Exposição-Encontro ‘Civitas’ de Pádua»: Revista 30giorni, 2002-n.º 5)
Assim, a Mensagem pontifícia é clarividente ao frisar que “a boa política está a serviço da paz”.
Todavia, a política não é feita só de virtudes e de respeito pelos direitos humanos fundamentais. Por isso, Francisco dedica um parágrafo da Mensagem aos “vícios” que “enfraquecem o ideal de uma autêntica democracia”. São eles a “inépcia pessoal”, as “distorções no meio ambiente e nas instituições”, sobretudo a corrupção, o não respeito das regras, a justificação do poder com a força, a xenofobia, o racismo – que “tiram credibilidade aos sistemas”, são “a vergonha da vida pública e colocam em perigo a paz social”. Textualmente, o Papa refere 12 vícios:
A corrupção – nas múltiplas formas de apropriação indevida dos bens públicos ou de instrumentalização das pessoas –, a negação do direito, a falta de respeito pelas regras comunitárias, o enriquecimento ilegal, a justificação do poder pela força ou com o pretexto arbitrário da ‘razão de Estado’, a tendência a perpetuar-se no poder, a xenofobia e o racismo, a recusa a cuidar da Terra, a exploração ilimitada dos recursos naturais em razão do lucro imediato, o desprezo daqueles que foram forçados ao exílio”.
E o Cardeal Peter Turkson, Presidente do Dicastério para o Desenvolvimento Humano e Integral, no seu comentário a este ponto da Mensagem, acrescenta outras ameaças, como “o exercício da violência através de guerras ativas ou guerras frias”, e o “desrespeito ou abuso dos direitos das pessoas, incluindo o direito ao usufruto da Criação”.
Mas há outro aspecto vicioso da política que o Papa destaca e que tem a ver com o futuro e os jovens. Quando o exercício do poder político visa apenas “salvaguardar os interesses de certos indivíduos”, o futuro “fica comprometido e os jovens podem ser tentados pela desconfiança, por ser verem condenados a permanecer à margem”. Ao invés, quando a política é concretamente traduzida em encorajar jovens talentos e vocações que requerem a sua realização, a paz propaga-se nas consciências e “torna-se uma confiança dinâmica”. Portanto, uma política está ao serviço da paz – como afirma Francisco – se reconhece os carismas de cada pessoa entendida como “uma promessa que pode liberar novas energias”.
E, verificando que o clima de confiança não é “sempre fácil”, em particular “nestes tempos”, Francisco recorda, a este respeito, o “medo do outro” generalizado, os “fechamentos”, “os nacionalismos” que marcam a política de hodierna,  colocando em discussão a fraternidade de que nosso mundo globalizado tanto necessita. A isto vem a referência premente a “artesãos da paz” e autênticos “mensageiros” de Deus que animam as nossas sociedades.
A este desejo junta o Papa um apelo – no centenário do fim da Primeira Guerra Mundial – de fazer cessar a “proliferação descontrolada de armas” e a “escalada em termos de intimidação”.
Recordam-nos a paz – diz o Pontífice – especialmente as muitas crianças vítimas da guerra. De facto, “a paz não pode jamais reduzir-se ao mero equilíbrio das forças e do medo”, pois, “manter o outro sob ameaça significa reduzi-lo ao estado de objeto e negar a sua dignidade”. 
Depois o Papa entende que a boa política da paz se inspira no Magnificat da Virgem Maria.
Na verdade, como refere o Vatican News, o afresco que emerge da Mensagem do Papa conclui-se no último parágrafo com a ênfase na conexão entre direitos e deveres, para reafirmar que – tal como nos recorda o 70.º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos – o “grande projeto político da paz” se baseia na “responsabilidade recíproca e na interdependência dos seres humanos”. Ora, isto desafia-nos ao compromisso diário e pede-nos uma “conversão de coração e da alma”, de modo que àqueles que se querem comprometer na “política da paz”, o Pontífice sugere o espírito do Magnificat que Maria canta em nome de todos os homens:  
A misericórdia [do Todo-Poderoso] estende-se de geração em geração sobre aqueles que O temem. Manifestou o poder do seu braço e dispersou os soberbos. Derrubou os poderosos de seus tronos e exaltou os humildes (...), lembrado da sua misericórdia, como tinha prometido a nossos pais, a Abraão e à sua descendência, para sempre.” (Lc 1,50-55).
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O Vaticano apresentou, no dia 18, através de conferência de imprensa, a Mensagem papal para o 52.º Dia Mundial da Paz, que realça que uma política distante do “serviço à coletividade humana” se torna “instrumento de opressão, marginalização e até destruição”, ao passo que uma boa política a serviço da paz e do bem comum pode constituir uma forma eminente de caridade.
Na predita conferência de imprensa, o Cardeal Peter Turkson, Presidente do Dicastério para o Desenvolvimento Humano e Integral, comentou as propostas de Francisco. E, além do que já foi referido sobre os vícios na política, elegeu a Mensagem como um desafio aos governantes para se tornarem “mediadores” de um verdadeiro futuro para todos.
Turkson frisou que a principal missão da política deve ser “assegurar o bem-estar de todas as pessoas” e a boa “gestão dos recursos”, de modo que ninguém fique de fora. E apontou:
Esta é a grande mensagem de Francisco para este novo ano. Que se torne num ano de paz para todos, pois a política está ao serviço das relações cívicas, da mediação, da construção da amizade entre todos.”.
Na apresentação do documento, na sala de imprensa da Santa Sé, o Presidente do Dicastério para o Desenvolvimento Humano Integral destacou os “vícios” apontados por Francisco e já referidos, que impedem a política de dar seguimento a todo o seu potencial humano e social.
O cardeal ganês sublinhou também a parte do documento que o Santo Padre dedica às novas gerações para reforçar que “a política não deve privar os jovens do seu futuro, ou privá-los da experiência da paz”, como acontece “mesmo agora” em muitos lugares.
Por seu turno, o Secretário do Dicastério para o Desenvolvimento Humano Integral, que também participou na apresentação da Mensagem do Papa, disse que responsabilizar o setor político pela promoção da paz é também dar-lhe “outra dignidade”, numa época em que “a política a nível mundial e local” aparece por vezes “menos qualificada e mesmo desprezada”.
Para o Padre Bruno Marie Duffé, a política deve ser “um caminho quotidiano de encontro, de diálogo, de conciliação e reconciliação mútua”, o que deve ser evidenciado quando vivem em clima de tumulto permanente várias nações que hoje, como “a Síria, o Afeganistão, o Iémen”.
O sacerdote francês, recordando o recente encontro da COP24 em Katowice (Polónia), sustentou:
A paz não se reduz a uma relação de forças, não é um mercado, eleitoral, de interesses, é sobretudo um esforço em prol das gerações presentes e futuras. Mas todos sabemos que o futuro começa hoje.”.
Exatamente porque, muitas vezes, as relações de forças na cena internacional configuram o mercado de interesses e o acesso ao poder ou a perpetuação nele, o aludido encontro de líderes mundiais dedicado aos problemas das alterações climáticas e da defesa do meio ambiente, nomeadamente através da redução da emissão de gases poluente, foi marcado por “uma grande dificuldade em chegar a um acordo”, como realçou o Padre Bruno Marie Duffé.
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Em Portugal, a agência Ecclesia dá conta de que já foi comentada a Mensagem pontifícia relevando o último “vício” político enumerado por Francisco, que remete para a crise migratória que eclodiu nos últimos anos, devido a fenómenos como a guerra e o terrorismo, a perseguição étnica e religiosa, a pobreza e a desigualdade social – situação que, segundo o Papa, mostrou em vários casos, por parte dos Estados e dos seus políticos, “o desprezo” que reina para com aqueles “que foram forçados ao exílio”. A este respeito, o Pontífice observou:
O terror exercido sobre as pessoas mais vulneráveis contribui para o exílio de populações inteiras à procura duma terra de paz. Não são sustentáveis os discursos políticos que tendem a acusar os migrantes de todos os males e a privar os pobres da esperança.”.
Talvez numa alusão ao período eleitoral a realizar em 2019, concretamente em termos de eleições legislativas, em vários países, e europeias, nos Estados-membros da UE (União Europeia), Francisco indica a que acredita ser a ideia-chave para tornar o momento de campanha e de ida às urnas um verdadeiro motor de renovação e de mudança:
Cada renovação nos cargos eletivos, cada período eleitoral, cada etapa da vida pública constitui uma oportunidade para voltar à fonte e às referências que inspiram a justiça e o direito”. 
E, seguro de a política, “implementada no respeito fundamental pela vida, liberdade e dignidade das pessoas”, se poder tornar verdadeiramente “uma forma eminente de caridade”, frisa:
Duma coisa temos a certeza: a boa política está ao serviço da paz; respeita e promove os direitos humanos fundamentais, que são igualmente deveres recíprocos, para que se teça um vínculo de confiança e gratidão entre as gerações do presente e as futuras”.
Ao longo da sua mensagem, o Papa Bergoglio reforça que “a política é um meio fundamental para construir a cidadania e as obras do homem”, mas, quando a prioridade é “a busca do poder a todo o custo” ela “leva a abusos e injustiças”. A este propósito pode ler-se:
Com efeito, a função e a responsabilidade política constituem um desafio permanente para todos aqueles que recebem o mandato de servir o seu país, proteger as pessoas que habitam nele e trabalhar para criar as condições dum futuro digno e justo”.
Numa alusão ao centenário do fim da Primeira Guerra Mundial, que tem estado a ser assinalado este ano, Francisco avisa os políticos de que “a paz não pode jamais reduzir-se ao mero equilíbrio das forças e do medo”. Na verdade, para o Pontífice, a escalada em termos de intimidação e a proliferação descontrolada das armas são contrárias à moral e à busca duma verdadeira concórdia”. Por isso, fica patente a advertência:
Quando o exercício do poder político visa apenas salvaguardar os interesses de certos indivíduos privilegiados, o futuro fica comprometido e os jovens podem ser tentados pela desconfiança, por se verem condenados a permanecer à margem da sociedade, sem possibilidades de participar num projeto para o futuro”.
Por isso, o Pontífice argentino completa o seu olhar sobre a política com um ponto significativo da Mensagem a incidir sobre a problemática relacionada com as novas gerações, evidenciando a necessidade de dar oportunidade aos mais novos para encontrarem o seu lugar na sociedade. É a alusão à necessidade do pacto intergeracional ao serviço da educação para a paz como estilo de vida na busca da justiça, na promoção do bem comum e na realização da fraternidade.
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Em suma, considerando a paz como fruto dum grande projeto político, baseado na responsabilidade mútua e na interdependência dos seres humanos, com um desafio a abraçar dia após dia e como uma conversão do coração e da alma, o Papa reconhece três dimensões indissociáveis desta paz interior e comunitária:
- “A paz consigo mesmo, rejeitando a intransigência, a ira e a impaciência e – como aconselhava São Francisco de Sales – cultivando ‘um pouco de doçura para consigo mesmo’, a fim de oferecer ‘um pouco de doçura aos outros’;
- A paz com o outro: o familiar, o amigo, o estrangeiro, o pobre, o atribulado..., tendo a ousadia do encontro, para ouvir a mensagem que traz consigo;
- A paz com a criação, descobrindo a grandeza do dom de Deus e a parte de responsabilidade que compete a cada um de nós, como habitante deste mundo, cidadão e ator do futuro.”.
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Porque estamos à espera inativos e não pomos mãos à obra?
2018.12.19 – Louro de Carvalho

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