É o tema da
Mensagem para o LII Dia Mundial da Paz, que se celebrará a 1 de janeiro de
2019, sustentando o Papa Francisco que a política se pode “tornar uma forma
eminente de caridade e servir a paz se respeitar e promover os direitos
humanos, construir cidadania e encorajar os jovens.
“A paz esteja nesta casa!” Com estes
votos o Papa inicia o novo ano e abre a sua Mensagem para o Dia Mundial da Paz,
divulgada no dia 18. São as palavras com as quais Jesus envia os apóstolos em
missão, mas a casa de que fala é hoje “toda a família, comunidade, todo o país,
todo o continente” e “a nossa casa comum”, de que Deus nos confia os cuidados.
O coração da
mensagem, datada de 8 de dezembro pp, dia da Solenidade da Imaculada Conceição
de Maria, a Rainha da Paz, é a estreita relação entre a paz e a política, em
que Francisco divisa potencialidades e vícios na perspetiva presente e futura,
colocando ambas num “desafio” diário, num “grande projeto” estribado “na
responsabilidade recíproca e na interdependência dos seres humanos”.
Na verdade,
a paz, como “flor frágil que tenta florescer no meio das pedras de violência” (escreve o
Papa, citando o poeta Charles Peguy), choca-se com
“abusos” e “injustiças”, “marginalização e destruição” que a política provoca,
quando não é vivida e exercida “como um serviço à comunidade”. Por outro lado,
a boa política é um “veículo fundamental para construir cidadania e obras” e,
se “implementada no respeito fundamental da vida, liberdade e dignidade”, pode
se tornar uma “forma eminente de caridade”.
Então, deve
cultivar-se a caridade como virtude por uma política ao serviço da paz e dos
direitos. Com efeito, se a ação do homem for sustentada e inspirada pela
caridade – recorda o Pontífice citando a Encíclica Caritas in Veritate de
Bento XVI – “contribui para a edificação
daquela cidade universal de Deus para a qual avança a história da família
humana”.
Trata-se de um
programa em que os políticos de todas as filiações ideológicas podem
encontrar-se, contanto que operem para o bem da família humana, praticando
virtudes que se subordinam ao “bom agir político”: justiça, equidade, respeito,
sinceridade, honestidade e lealdade.
O bom
político é (como descrito nas bem-aventuranças do cardeal vietnamita François Xavier
Nguyễn Vãn Thuận, falecido em
2002, que o Papa retoma) quem,
tendo a consciência do seu papel, é coerente, credível, capaz de ouvir,
corajoso e comprometido com a unidade e a mudança radical:
“Bem-aventurado o político que tem uma alta noção e
uma profunda consciência do seu papel.
Bem-aventurado o político de cuja pessoa irradia a
credibilidade.
Bem-aventurado o político que trabalha para o bem
comum e não para os próprios interesses.
Bem-aventurado o político que permanece fielmente
coerente.
Bem-aventurado o político que realiza a unidade.
Bem-aventurado o político que está comprometido na
realização duma mudança radical.
Bem-aventurado o político que sabe escutar.
Bem-aventurado o político que não tem medo.” (Cf Discurso na
Exposição-Encontro ‘Civitas’ de Pádua»: Revista 30giorni, 2002-n.º
5)
Assim, a
Mensagem pontifícia é clarividente ao frisar que “a boa política está a serviço
da paz”.
Todavia, a política
não é feita só de virtudes e de respeito pelos direitos humanos fundamentais. Por
isso, Francisco dedica um parágrafo da Mensagem aos “vícios” que “enfraquecem o ideal de uma autêntica democracia”. São
eles a “inépcia pessoal”, as “distorções no meio ambiente e nas instituições”,
sobretudo a corrupção, o não respeito das regras, a justificação do poder com a
força, a xenofobia, o racismo – que “tiram credibilidade aos sistemas”, são “a
vergonha da vida pública e colocam em perigo a paz social”. Textualmente, o
Papa refere 12 vícios:
“A corrupção – nas múltiplas formas de apropriação indevida dos
bens públicos ou de instrumentalização das pessoas –, a negação do direito, a
falta de respeito pelas regras comunitárias, o enriquecimento ilegal, a justificação
do poder pela força ou com o pretexto arbitrário da ‘razão de Estado’, a
tendência a perpetuar-se no poder, a xenofobia e o racismo, a recusa a cuidar
da Terra, a exploração ilimitada dos recursos naturais em razão do lucro
imediato, o desprezo daqueles que foram forçados ao exílio”.
E o Cardeal Peter
Turkson, Presidente do Dicastério para o
Desenvolvimento Humano e Integral, no seu comentário a este ponto da Mensagem,
acrescenta outras ameaças, como “o
exercício da violência através de guerras ativas ou guerras frias”, e o “desrespeito ou abuso dos direitos das
pessoas, incluindo o direito ao usufruto da Criação”.
Mas há outro
aspecto vicioso da política que o Papa destaca e que tem a ver com o futuro e
os jovens. Quando o exercício do poder político visa apenas “salvaguardar os interesses
de certos indivíduos”, o futuro “fica comprometido e os jovens podem ser
tentados pela desconfiança, por ser verem condenados a permanecer à margem”. Ao
invés, quando a política é concretamente traduzida em encorajar jovens talentos
e vocações que requerem a sua realização, a paz propaga-se nas consciências e “torna-se
uma confiança dinâmica”. Portanto, uma política está ao serviço da paz – como
afirma Francisco – se reconhece os carismas de cada pessoa entendida como “uma
promessa que pode liberar novas energias”.
E,
verificando que o clima de confiança não é “sempre fácil”, em particular
“nestes tempos”, Francisco recorda, a este respeito, o “medo do outro”
generalizado, os “fechamentos”, “os nacionalismos” que marcam a política de
hodierna, colocando em discussão a fraternidade de que nosso mundo
globalizado tanto necessita. A isto vem a referência premente a “artesãos da
paz” e autênticos “mensageiros” de Deus que animam as nossas sociedades.
A este
desejo junta o Papa um apelo – no centenário do fim da Primeira Guerra Mundial –
de fazer cessar a “proliferação descontrolada de armas” e a “escalada em termos
de intimidação”.
Recordam-nos
a paz – diz o Pontífice – especialmente as muitas crianças vítimas da guerra. De
facto, “a paz não pode jamais reduzir-se ao mero equilíbrio das forças e do
medo”, pois, “manter o outro sob ameaça significa reduzi-lo ao estado de objeto
e negar a sua dignidade”.
Depois o
Papa entende que a boa política da paz se inspira no Magnificat da Virgem Maria.
Na verdade, como
refere o Vatican News, o afresco que
emerge da Mensagem do Papa conclui-se no último parágrafo com a ênfase na conexão
entre direitos e deveres, para reafirmar que – tal como nos recorda o 70.º
aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos – o “grande projeto
político da paz” se baseia na “responsabilidade recíproca e na interdependência
dos seres humanos”. Ora, isto desafia-nos ao compromisso diário e pede-nos uma
“conversão de coração e da alma”, de modo que àqueles que se querem comprometer
na “política da paz”, o Pontífice sugere o espírito do Magnificat que Maria canta em nome de todos os homens:
“A misericórdia [do Todo-Poderoso] estende-se de geração em
geração sobre aqueles que O temem. Manifestou o poder do seu braço e dispersou
os soberbos. Derrubou os poderosos de seus tronos e exaltou os humildes (...),
lembrado da sua misericórdia, como tinha prometido a nossos pais, a Abraão e à
sua descendência, para sempre.” (Lc 1,50-55).
***
O Vaticano apresentou, no dia 18, através de conferência de
imprensa, a Mensagem papal para o 52.º Dia Mundial da Paz, que realça que uma
política distante do “serviço à coletividade humana” se torna “instrumento de
opressão, marginalização e até destruição”, ao passo que uma boa política a
serviço da paz e do bem comum pode constituir uma forma eminente de caridade.
Na predita conferência de
imprensa, o Cardeal Peter Turkson, Presidente do Dicastério para o
Desenvolvimento Humano e Integral, comentou as propostas de Francisco. E, além
do que já foi referido sobre os vícios na política, elegeu a Mensagem como um desafio aos governantes para
se tornarem “mediadores” de um verdadeiro futuro para todos.
Turkson frisou que a principal missão da política deve
ser “assegurar o bem-estar de todas as pessoas” e a boa “gestão dos recursos”,
de modo que ninguém fique de fora. E apontou:
“Esta é a grande mensagem de Francisco para
este novo ano. Que se torne num ano de paz para todos, pois a política está ao
serviço das relações cívicas, da mediação, da construção da amizade entre
todos.”.
Na apresentação do documento, na sala de imprensa da
Santa Sé, o Presidente do Dicastério para o Desenvolvimento Humano Integral
destacou os “vícios” apontados por Francisco e já referidos, que impedem a
política de dar seguimento a todo o seu potencial humano e social.
O cardeal ganês sublinhou também a parte do documento
que o Santo Padre dedica às novas gerações para reforçar que “a política não
deve privar os jovens do seu futuro, ou privá-los da experiência da paz”, como
acontece “mesmo agora” em muitos lugares.
Por seu turno, o Secretário do Dicastério para o
Desenvolvimento Humano Integral, que também participou na apresentação
da Mensagem do Papa, disse que responsabilizar o setor político pela
promoção da paz é também dar-lhe “outra dignidade”, numa época em que “a
política a nível mundial e local” aparece por vezes “menos qualificada e mesmo
desprezada”.
Para o Padre Bruno Marie Duffé, a política deve ser
“um caminho quotidiano de encontro, de diálogo, de conciliação e reconciliação
mútua”, o que deve ser evidenciado quando vivem em clima de tumulto permanente várias
nações que hoje, como “a Síria, o Afeganistão, o Iémen”.
O sacerdote francês, recordando o recente encontro da
COP24 em Katowice (Polónia),
sustentou:
“A paz não se reduz a uma relação de forças,
não é um mercado, eleitoral, de interesses, é sobretudo um esforço em prol das
gerações presentes e futuras. Mas todos sabemos que o futuro começa hoje.”.
Exatamente porque, muitas vezes, as relações de forças na
cena internacional configuram o mercado de interesses e o acesso ao poder ou a
perpetuação nele, o aludido encontro de líderes mundiais dedicado aos problemas
das alterações climáticas e da defesa do meio ambiente, nomeadamente através da
redução da emissão de gases poluente, foi marcado por “uma grande dificuldade
em chegar a um acordo”, como realçou o Padre Bruno Marie Duffé.
***
Em Portugal, a agência Ecclesia
dá conta de que já foi comentada a Mensagem pontifícia relevando o último
“vício” político enumerado por Francisco, que remete para a crise migratória
que eclodiu nos últimos anos, devido a fenómenos como a guerra e o terrorismo,
a perseguição étnica e religiosa, a pobreza e a desigualdade social – situação
que, segundo o Papa, mostrou em vários casos, por parte dos Estados e dos seus
políticos, “o desprezo” que reina para com aqueles “que foram forçados ao
exílio”. A este respeito, o Pontífice observou:
“O terror exercido sobre as pessoas mais
vulneráveis contribui para o exílio de populações inteiras à procura duma terra
de paz. Não são sustentáveis os discursos políticos que tendem a acusar os
migrantes de todos os males e a privar os pobres da esperança.”.
Talvez numa alusão ao período eleitoral a realizar em 2019,
concretamente em termos de eleições legislativas, em
vários países, e europeias, nos Estados-membros da UE (União Europeia), Francisco indica
a que acredita ser a ideia-chave para tornar o momento de campanha e de ida às
urnas um verdadeiro motor de renovação e de mudança:
“Cada
renovação nos cargos eletivos, cada período eleitoral, cada etapa da vida
pública constitui uma oportunidade para voltar à fonte e às referências que inspiram
a justiça e o direito”.
E, seguro de a política, “implementada no respeito
fundamental pela vida, liberdade e dignidade das pessoas”, se poder tornar verdadeiramente
“uma forma eminente de caridade”, frisa:
“Duma coisa temos a certeza: a boa política
está ao serviço da paz; respeita e promove os direitos humanos fundamentais,
que são igualmente deveres recíprocos, para que se teça um vínculo de confiança
e gratidão entre as gerações do presente e as futuras”.
Ao longo da sua mensagem, o Papa Bergoglio reforça que “a
política é um meio fundamental para construir a cidadania e as obras do homem”,
mas, quando a prioridade é “a busca do poder a todo o custo” ela “leva a abusos
e injustiças”. A este propósito pode ler-se:
“Com efeito, a função e a responsabilidade
política constituem um desafio permanente para todos aqueles que recebem o
mandato de servir o seu país, proteger as pessoas que habitam nele e trabalhar
para criar as condições dum futuro digno e justo”.
Numa alusão ao centenário do fim da Primeira Guerra Mundial,
que tem estado a ser assinalado este ano, Francisco avisa os políticos de que
“a paz não pode jamais reduzir-se ao mero equilíbrio das forças e do medo”. Na
verdade, para o Pontífice, a escalada em termos de intimidação e a proliferação
descontrolada das armas são contrárias à moral e à busca duma verdadeira
concórdia”. Por isso, fica patente a advertência:
“Quando o exercício do poder político visa
apenas salvaguardar os interesses de certos indivíduos privilegiados, o futuro
fica comprometido e os jovens podem ser tentados pela desconfiança, por se
verem condenados a permanecer à margem da sociedade, sem possibilidades de
participar num projeto para o futuro”.
Por isso, o Pontífice argentino completa o seu olhar sobre a
política com um ponto significativo da Mensagem a incidir sobre a problemática relacionada
com as novas gerações, evidenciando a necessidade de dar oportunidade aos mais
novos para encontrarem o seu lugar na sociedade. É a alusão à necessidade do
pacto intergeracional ao serviço da educação para a paz como estilo de vida na
busca da justiça, na promoção do bem comum e na realização da fraternidade.
***
Em suma, considerando a paz como fruto dum grande projeto político, baseado
na responsabilidade mútua e na interdependência dos seres humanos, com um
desafio a abraçar dia após dia e como uma conversão do coração e da alma, o Papa
reconhece três dimensões indissociáveis desta paz interior e comunitária:
- “A paz consigo mesmo, rejeitando a intransigência, a ira e a
impaciência e – como aconselhava São Francisco de Sales – cultivando ‘um pouco
de doçura para consigo mesmo’, a fim de oferecer ‘um pouco de doçura aos outros’;
- A paz com o outro: o familiar, o amigo, o estrangeiro, o pobre, o
atribulado..., tendo a ousadia do encontro, para ouvir a mensagem que traz
consigo;
- A paz com a criação, descobrindo a grandeza do dom de Deus e a
parte de responsabilidade que compete a cada um de nós, como habitante deste
mundo, cidadão e ator do futuro.”.
***
Porque estamos à espera inativos e não pomos mãos à obra?
2018.12.19
– Louro de Carvalho
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