Segundo informação
veiculada pela agência Lusa,
replicada na comunicação social, a PGR (Procuradora-Geral da República), Lucília Gago, no passado dia 17, admitiu demitir-se
caso haja alguma alteração à composição do CSMP (Conselho Superior do Ministério
Público), por a considerar uma “grave
violação do princípio da autonomia”. Além disso, a PGR entende que “mudanças
que implicassem uma maioria de não magistrados” naquele órgão representariam
uma "”radical alteração dos pressupostos que determinaram” a aceitação que
fez do cargo.
Discursando
em Coimbra, durante a tomada de posse da nova procuradora-geral distrital de Coimbra,
Maria José Bandeira, sucessora de Euclides Dâmaso, Lucília Gago deixou claro
que “qualquer alteração relativa à
composição do CSMP que afete o seu atual desenho legal – designadamente
apontando para uma maioria de membros não magistrados – tem associada grave
violação do princípio da autonomia”, bem como uma “radical alteração dos
pressupostos que determinaram” a aceitação que fez do cargo de Procuradora-Geral
da República.
Na
cerimónia, Lucília Gago frisou que o MP (Ministério Público), face às atribuições e aos desafios correntes, se vê
confrontado com uma necessidade de uma cada vez maior congregação de esforços,
pelo que “só uma total e firme
determinação na defesa das matrizes incontornáveis da magistratura do MP
permitirá a sedimentação de um percurso de afirmação, sendo essencial e urgente
realizar-se uma maior modernização, numa lógica libertadora e de progresso”.
No dia 13, António
Ventinhas, presidente do SMMP (Sindicato dos Magistrados do Ministério Público), justificou a marcação duma greve em fevereiro com a
alegada intenção do PS e PSD de alterarem a composição do CSMP. Com efeito, aquela
alteração, ficando em maioria os membros designados pelo poder político,
proporcionará o “controlo do Ministério Público e da investigação criminal”,
designadamente do combate à corrupção e à restante criminalidade
económico-financeira.
No dia 15, a
ex-PGR Joana Marques Vidal também defendeu que “será de manter” a atual
composição do CSMP, em nome da independência dos tribunais.
E, no habitual comentário
dominical na SIC-Noticias, Marques Mendes abordou o tema, visando o líder do
seu partido ao afirmar que “as propostas
do PSD, inicialmente com o apoio discreto do PS, que visam mudar a composição
do CSMP têm prática um objectivo: controlar a ação do Ministério Público”.
E disse mais. Comparou Rio a Sócrates no afã de controlar a justiça e a
comunicação social, dizendo expressamente:
“Em Portugal há dois políticos iguais na vontade de controlar a justiça e a comunicação social: José Sócrates e Rui Rio. Nessa matéria, eles são verdadeiros irmãos siameses. […] Um e outro gostavam de poder dizer o que se investiga, como se investiga e quando se investiga.”.
E o
Presidente do PSD, embora declarando ter “sempre” defendido alterações nesta
matéria, fez questão de vincar que o tema da composição do CSMP nem foi
suscitado agora por si, mas que está na agenda política, porque a Ministra da
Justiça apresentou na Assembleia da República uma proposta de lei para alterar
o Estatuto do Ministério Público. Assim, sustentou:“Em Portugal há dois políticos iguais na vontade de controlar a justiça e a comunicação social: José Sócrates e Rui Rio. Nessa matéria, eles são verdadeiros irmãos siameses. […] Um e outro gostavam de poder dizer o que se investiga, como se investiga e quando se investiga.”.
***
Rui Rio, por seu turno, continua a defender que os conselhos superiores da
justiça devem ser compostos por uma maioria de membros independentes. Com
efeito, no dia em que a PGR sugeriu que se demitirá se os magistrados perderem
a maioria no CSMP e em que a Ministra da Justiça Francisca Van Dunem, que
introduziu a questão na agenda, deu o assunto por encerrado, o PSD deixou claro
que não se importa de ficar sozinho na defesa da ideia de que se deve evitar o
autogoverno das magistraturas.
“Ando
há mais de uma década a falar que os conselhos superiores da justiça devem ser
compostos por uma maioria de membros independentes, oriundos da sociedade
civil, em nome da transparência democrática e de uma fiscalização’
descorporativizada’. Tentar que se confunda isto com tutela política é um discurso
populista, que visa aproveitar-se do desconhecimento das pessoas.”.
Por
outro lado, assumiu a rutura com o ex-líder do partido e comentador Luís
Marques Mendes, que no seu espaço de opinião dominical na SIC-Notícias, afirmou
que Rio é igual a Sócrates no desejo de controlar a justiça.
Também,
em texto de opinião no Público, a
advogada Mónica Quintela, porta-voz do CEN (Conselho Estratégico
Nacional) do PSD
para a área da Justiça, também se insurge contra quem, como o presidente do
SMMP, vê na intenção de acabar com a maioria de magistrados escolhidos pelos
pares no CSMP uma tentativa de os controlar.
As
declarações de Rio e o artigo de Mónica Quintela foram produzidos ainda antes
de Lucília Gago ter abordado a questão, “com estrondo” e com uma ameaça de
demissão pouco subtil.
A
composição do CSMP entrou efetivamente para agenda política há cerca de duas
semanas. Com efeito, quando o Parlamento discutia a proposta de alteração ao
Estatuto do Ministério Público, apresentada, em nome do Governo, pela Ministra
da Justiça Francisca Van Dunen, o deputado do PS, Jorge Lacão, defendeu a
necessidade de alterar “os critérios de representação no CSMP, criticando a Ministra
por a proposta de estatuto apresentada manter o equilíbrio de forças vigentes
no CSMP: 12 procuradores e sete não magistrados. No entanto, Lacão foi desautorizado
pelo PS, pois o deputado Filipe Neto Brandão, vice-presidente da bancada, veio
a esclarecer a posição do partido, referindo que “os órgãos de gestão das
magistraturas não devem ter uma maioria de não magistrados”, pelo que “o grupo
parlamentar do PS nunca propôs (nem proporá ou secundará) qualquer proposta que vise colocar os magistrados em minoria no CSMP” e
acrescentando que “o princípio da
autonomia do MP é um princípio estruturante do Estado de Direito Democrático”.
A posição
dos socialistas acontece depois de o Presidente da República ter considerado
inoportuna qualquer alteração na composição do CSMP, posição que expressou no
final duma iniciativa sobre a Europa, na SGL (Sociedade de Geografia de Lisboa), declarando:
“A mera alteração da composição não exige
revisão constitucional, exige que o Presidente promulgue. E ficou patente eu
ter considerado inoportuna essa questão neste momento.”.
O PS
secundou, no passado dia 14, a posição do Presidente da República na defesa do
“princípio constitucional” da “autonomia do Ministério Público” e insistiu que
não aceita mudanças ao critério de garantia de uma maioria de magistrados no
Conselho Superior. Lê-se, a este respeito, num comunicado divulgado pela
bancada socialista:
“Não é propósito do grupo parlamentar do PS
alterar o critério de garantia de uma maioria de magistrados do MP [Ministério
Público] superior aos elementos eleitos ou designados fora dessa magistratura”.
Esta
clarificação do PS surgiu, coincidentemente, um dia depois de ter sido
convocada uma greve pelo SMMP, para fevereiro de 2019, contra a intenção do PS
e PSD de alteração na estrutura do CSMP, compondo-o maioritariamente por não
magistrados.
E, no dia
17, A Ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, garantiu que eventuais
alterações à composição do CSMP passaram a ser uma não questão e que
“está tudo esclarecido”. À tarde, na cerimónia de entrega dos prémios do
concurso “77 Palavras Contra a
Discriminação Racial”, em Lisboa, a Van Dunem reiterou que “não é intenção do Governo, nem faz parte do
programa do executivo, fazer qualquer alteração” ao CSMP, esclarecendo:
“A
partir do momento em que o Grupo Parlamentar do Partido Socialista esclareceu o
sentido da intervenção do deputado Jorge Lacão naquela interpelação
parlamentar, que basicamente foi um elencar de questões e não propriamente uma
lógica de avançar nesse sentido, nós temos aqui uma não questão”.
À noite, também
David Justino, um dos vice-presidentes do PSD, criticou duramente, na
SIC-Notícias, Marques Mendes e a posição assumida por Lucília Gago, acusando-a
de ter feito uma “pressão quase inqualificável sobre um órgão de soberania
eleito pelos portugueses, que é a Assembleia da República”. E recordou que
existe uma maioria de não magistrados no Conselho Superior de Magistratura e
noutros órgãos congéneres do CSMP na Europa.
Para David
Justino, a posição que o PS acabou por assumir obriga os sociais-democratas a
reavaliar com realismo se há condições para avançar com propostas sobre o CSMP,
que não prevalecerão, mas sublinhou que não será por estar sozinho que o PSD
alterará as suas convicções.
Entretanto,
reagindo à postura da PGR, Rui Rio acusa a
Procuradora-Geral da República, Lucília Gago, de fazer uma pressão inaceitável
sobre a Assembleia da República para impedir alterações na composição do CSMP,
escrevendo na sua conta da rede social Twitter:
“A pressão da Senhora Procuradora Geral da
República para tentar condicionar um Parlamento livre e democraticamente eleito
é inaceitável. O que, por aí, não se diria se fosse ao contrário: por exemplo,
o Presidente da AR a pressionar a PGR para arquivar um dado processo.”.
O líder
socialdemocrata comentava declarações de Lucília Gago, no dia 17, em Coimbra,
sobre eventual alteração da composição do CSMM preconizada pela direção do PSD,
designadamente o aumento do número de membros designados pelo Parlamento e pelo
Presidente da República.
***
Há ainda
um outro problema que ensombra a direção superior do MP por parte de Lucília
Gago, a eleição do novo diretor do DIAP (Departamento de
Investigação e Ação Penal)
de Lisboa.
Com
efeito, Amadeu
Guerra, atual diretor do DCIAP (Departamento
Central de Investigação e Ação Penal), foi eleito procurador distrital de
Lisboa, esta terça-feira, dia 18, sucedendo assim no cargo a Maria
José Morgado, que vai jubilar-se. O atual diretor do DCIAP, que termina o seu
mandato em março, foi eleito com 12 votos a favor e 7 contra, vencendo a lista proposta
pela Procuradora-Geral da República, uma lista que envolvia três nomes, entre
os quais estava Paula Peres, a atual procuradora-adjunta colocada nos
serviços de inspeção do Ministério Público e que seria o nome preferido de
Lucília Gago.
O procurador
eleito (e único nome
da lista vencedora) vai tomar
posse em janeiro, obrigando assim a PGR a escolher um novo diretor para o
DCIAP até essa altura – desafio acrescido para Lucília Gago, que enfrenta,
com esta mudança, o seu primeiro choque com o CSMP. Isto, porque o nome de
Amadeu Guerra foi proposto na reunião desta manhã, dia 18, por um grupo de
procuradores e de representantes do poder político que fazem parte do CSMP como
alternativa à lista de nomes proposta pela PGR.
Segundo o
Observador, a razão do diferendo prende-se com a recusa de Lucília Gago em propor
o nome de Amadeu Guerra, o preferido pela maioria do CSMP e que lhe foi
sugerido por diversos membros na auscultação informal prévia que a PGR fez a
diversos membros do CSMP – prática corrente que visa consensualizar um nome e
encontrar um equilíbrio entre o nome preferido do líder do MP e a sensibilidade
da maioria do órgão de gestão daquela magistratura.
Porém, esta
situação de confronto a propósito da escolha de um procurador-geral distrital
não é comum, visto que os nomes destes gestores do MP nos quatro distritos
judiciais do país (Lisboa, Porto, Coimbra e Évora) costumam ser escolhidos pelo PGR e ratificados pelo
CSMP, o órgão de gestão da magistratura do MP que tem o poder deliberativo de
escolher os procuradores distritais, os quais têm assento no CSMP por
inerência.
Assim, o
facto de se verificar este confronto indica que a Procuradora-Geral Lucília
Gago, ao contrário da antecessora, está a ter dificuldades na relação com a
magistratura que lidera.
***
Está
visto que ainda não foram ultrapassadas, no MP e nas forças políticas
envolvidas na questão, as mágoas decorrentes da não recondução de Joana Marques
Vidal como PGR, apesar de a atual manter a linha de continuidade da direção da
antecessora, obviamente com atenção às novidades que a realidade imponha. E
parece que os seus colaboradores estarão a aproveitar o conhecido lado fraco de
Lucília Gago, alegadamente a sua difícil relação com os pares.
Quanto ao
aspeto estritamente político, todo o MP está unido no ataque à desejável
supremacia do Parlamento: as declarações da PGR e da antecessora ou o anúncio
de greve do SMMP (não por motivos laborais, mas de opção
de políticas públicas),…,
com a prevalência da vertente corporativista.
É certo
que os deputados podem não ter preparação técnica, mas são eleitos por
escrutínio popular, ao passo que procuradores ou são nomeados ou são eleitos
por um universo muito reduzido. Concordo que os deputados deveriam frequentar
cursos de formação (como fizeram Muitos bispos que
participaram no Concilio Vaticano II),
que ultrapassem as universidades de verão e outras (mais
espaços de propaganda que de formação sobre questões de Estado), mas não se lhes pode tirar ou
diminuir o poder político na sua vertente legislativa e fiscalizadora.
Por
outro lado, dá-me a impressão de que se confunde autonomia com independência: a
primeira é prerrogativa do MP, ao passo que a segunda é dos tribunais. E não é
o facto de um órgão superior ter uma composição maioritária do exterior ou do
interior que a sua autonomia é condicionada, muito menos a dos que operam sob a
sua égide, como não é pelo facto de o Presidente da República nomear o PGR, as
chefias militares ou o Presidente do Tribunal de Contas, sob proposta do
Governo, ou o Governo nomear o Governador do Banco de Portugal, que estas entidades
ficam beliscadas na sua autonomia. Ao invés, mal vai a marcha das instituições
se não têm um escrutínio fora de si mesmas.
Ademais,
não se percebe como as magistraturas, a não ser por dualidade de critérios,
aceitam bem a composição e independência do Tribunal Constitucional cujos
juízes são, numa maioria superior a dois terços, eleitos pelo Parlamento, sem a
exigência de serem magistrados.
Portanto,
neste aspeto, Rio tem razão em criticar a PGR e o SMMP, no que Ferro Rodrigues
veio a secundar tacitamente esta posição ao clamar que o Parlamento não se
deixa condicionar.
Quanto
ao mais, guerrilhas institucionais são coisa de que o país não precisa.
2018.12.18 –
Louro de Carvalho
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