O Presidente chinês, Xi Jinping, esteve em visita de Estado a Portugal nos passados dias
4 e 5 deste mês de dezembro, tendo terminado com a assinatura de 17 acordos
bilaterais, dos quais 7 são de âmbito empresarial – uma visita que visou também antecipar o início
das comemorações do Ano da China em
Portugal e do Ano de Portugal na
China e recordar os 40 anos das relações diplomáticas entre os dois países e
que aconteceu na fase final dum périplo
por vários países. Em relação a este último aspeto, salientou o próprio Xi Jinping:
“Portugal é a minha última paragem desta
visita à Europa, América Latina e Caraíbas, e a participação na cimeira do G20
em Buenos Aires. Senti as aspirações e expectativas dos povos de todos os
países de paz, estabilidade e prosperidade mundiais.”.
E, no contexto
dum mundo a que são lançados grandes desafios, asseverou:
“Embora o mundo atual esteja a enfrentar diversos
desafios, a China vai aderir sempre ao princípio do respeito mútuo e vai
persistir no desenvolvimento pacífico. Vai conjugar esforços com Portugal e
todos os países para promover a paz e a estabilidade.”.
No primeiro
dia da visita, ao Presidente chinês, acompanhado do Presidente português Marcelo
Rebelo de Sousa, foram prestadas as usuais honras militares na Praça do Império
e o visitante depôs uma coroa de flores no túmulo de Luís de Camões no Mosteiro
dos Jerónimos, a que se seguiu a visita ao Mosteiro. Depois, foi recebido no
Palácio de Belém pelo Presidente da República a quem endereçou o convite para
visitar Pequim no próximo ano, convite que Marcelo aceitou, ficando previsto para
o próximo mês de abril.
“Acabei de realizar um encontro a sós [com Marcelo], onde
chegámos a vários consensos”, sublinhou Xi, que disse haver cada vez mais
pontos de convergência entre Portugal e China, existindo “confiança política e
cooperação pragmática” entre os dois países.
O resto do
primeiro dia em Lisboa decorreu no Palácio Nacional da Ajuda, em Lisboa, onde o
Presidente da República Portuguesa Marcelo Rebelo de Sousa ofereceu um jantar
em honra de Xi Jinping e da mulher, Peng Liyuan.
No segundo
dia, antes da reunião com António Costa em Queluz ao final da manhã, o Chefe de
Estado chinês foi recebido na Assembleia da República com honras militares e
esteve reunido com Eduardo Ferro Rodrigues, presidente do Parlamento
português.
Na reunião
em Queluz, horas antes da despedida do Presidente chinês, foram assinados 17
acordos bilaterais, incluindo o memorando de entendimento sobre cooperação no
quadro da iniciativa chinesa “Uma Faixa,
Uma Rota” e, ainda, um memorando sobre cooperação em matéria de comércio de
serviços, tendo o visitante prometido empenhar-se no reforço do
“multilateralismo e do livre comércio”.
Sete dos
entendimentos assinados inserem-se na área empresarial e incluem o acordo para
a implementação do STARLAB (um laboratório conjunto de
investigação e desenvolvimento tecnológico para o Espaço e para os oceanos que
vai ser criado por Portugal e a China), e ainda acordos na área agroindustrial, ou acordos entre a CGD (Caixa Geral
de Depósitos) e o Banco
da China, a EDP e a China Three Gorges, a State Grid e a REN, e ainda um acordo
entre o BCP (Banco Comercial Português) e a Union
Pay, e a MEO e a Huawei (empresa multinacional
de equipamentos para redes e telecomunicações sediada na cidade de Shenzhen,
localizada na província de Guangdong, na China. É a maior fornecedora de
equipamentos para redes e telecomunicações do mundo, tendo ultrapassado a
Ericsson em 2012).
Para lá
destes, foram rubricados entendimentos para a cooperação na programação de
festivais culturais, um entendimento entre a RTP e um grupo de media chinês para a produção conjunta de
documentários; e três acordos na área do Ensino Superior, nomeadamente para o
ensino do mandarim em Universidades, acordos no domínio da água e da exportação
de carne de porco, vinho e uva de mesa. Por fim, foi também assinado um
documento para a cooperação entre as câmaras municipais de Tianjin e de
Setúbal.
***
No final da
visita de Estado de Xi Jinping a Portugal, foram assinados, como se disse, 17
acordos entre os dois países (dos 19 previstos) que
preveem relações bilaterais em várias áreas, desde a cultura à ciência, à
indústria e comércio, com ênfase na educação, turismo, ciência, tecnologia e media. Em declarações aos jornalistas no
Palácio de Queluz, o Primeiro-Ministro português António Costa salientou os
“passos concretos” no estreitamento das relações sino-portuguesas (“Subimos
mais uns degraus na nossa relação”, disse), enquanto
o Presidente chinês prometeu preservar o “princípio de respeito mútuo” num
mundo cheio de desafios.
E Costa, na
declaração conjunta sem direito a perguntas por parte da comunicação social, assegurou
que, “no quadro bilateral e da União
Europeia, somos sempre um garante da relação de confiança com a República
Popular da China”.
O Chefe de
Governo português assinalou os “passos concretos” dados durante esta visita
para o “estreitamento de relações”, sublinhou a diversidade dos acordos
assinados, que “mobilizaram não só
entidades do Governo mas também universidades, empresas e municípios”, e observou
que “a relação entre Portugal e a China
não é só uma excelente relação bilateral, de Governo para Governo, mas no conjunto
da sociedade portuguesa”.
O Primeiro-Ministro
não deixou de fazer referência à “importância estratégica” de Portugal na
articulação da iniciativa “One Belt, One Road” (Uma Faixa,
Uma Rota), que prevê um avultado
investimento em infraestruturas na interligação entre a Europa e a Ásia. No
entanto, sustentou:
“A conectividade entre a Europa e a Ásia
deve traduzir-se não só ao nível da rota marítima, mas também se deve
desenvolver ao nível das ligações aéreas entre os dois países”.
Sem fazer
menções diretas, Costa lembrou a suspensão de voos diretos entre Lisboa e
Pequim pela companhia chinesa Capital Airlines. Mas, em relação às relações
comerciais com Pequim, destacou o “salto em frente” na abertura de vários
mercados, desde logo os da carne de porco e uva de mesa. Por outro lado, enfatizou
a importância do investimento chinês em Portugal, dando o exemplo concreto da
STARLAB, que prevê a elaboração conjunta de microssatélites e – vendo uma
relação de “confiança mútua” entre os dois países, fundada e reafirmada “ao
longo de 5 séculos de convivência” – lembrou que será assinalado em fevereiro
de 2019 o 40.º aniversário do estabelecimento de relações diplomáticas entre
Lisboa e Pequim, bem como o 20.º aniversário desde a transferência da soberania
de Macau.
Ora, se o
Primeiro-Ministro português vê um relacionamento bilateral “cada vez mais profícuo e cada vez mais
estreito” entre Lisboa e Pequim, o Presidente da República Popular da China
considerou que a reunião com António Costa foi “amistosa e proveitosa”, numa referência aos 17 documentos para a
cooperação que foram assinados e aos outros dois que serão assinados.
Com os
vários “consensos” em plano de fundo, Xi Jinping voltou a afirmar – à imagem do
que fizera no primeiro dia da visita a Portugal, ao lado do Presidente Marcelo
Rebelo de Sousa – que as relações entre os dois países “se encontram no seu
melhor momento histórico”.
No segundo e último dia da visita a Portugal, o líder chinês lembrou também o
40.º aniversário do estabelecimento das relações bilaterais e a importância de
expandir as áreas de colaboração entre os países. Palavras fortes de Xi
Jinping, que mostrou a vontade de “elevar incessantemente o nível de confiança
mútua” e fomentar “ganhos partilhados” entre os países.
Tudo isto consta
da Declaração Conjunta entre a
República Portuguesa e a República Popular da China sobre o Reforço da Parceria
Estratégica Global, em 23 pontos e em que se afirma:
“Os dirigentes dos
dois países avaliaram como muito positivos os desenvolvimentos crescentes no
relacionamento entre Portugal e a China, caraterizado por uma amizade
tradicional, e trocaram impressões sobre as relações bilaterais, as relações
China-União Europeia e os temas internacionais e regionais de interesse comum,
alcançando amplo consenso”.
(vdhttp://www.presidencia.pt/?idc=10&idi=157549).
***
Para os observadores, a visita oficial do Presidente
chinês a Portugal em dezembro é uma oportunidade para garantir investimento em
portos e na ferrovia, mas também em projetos tripartidos em África e América
Latina. Os portos de Leixões e de Sines, a modernização da linha ferroviária
que pode até passar pela privatização parcial ou total da CP, cooperação
tripartida entre a China, Portugal e países africanos ou da América Latina para
assegurar investimentos de grande escala, foram alguns dos exemplos dados por
docentes e investigadores numa antevisão da visita oficial do Presidente
chinês, Xi Jinping, a Lisboa. A este respeito, Arnaldo Gonçalves, presidente do
Fórum Luso-Asiático e professor de Ciência Política e Relações Internacionais
do Instituto Politécnico de Macau, frisou que “esta é uma oportunidade para se
passar das palavras aos atos, de dar uma expressão económica às boas relações
entre Portugal e a China”, lembrando que “Portugal, só entre 2010 e 2016, se
tornou no sétimo país europeu em que se registou mais investimento chinês”. E sustentou:
“Na área das infraestruturas, está em cima
da mesa a possibilidade de a China investir nos portos portugueses. O porto de
Roterdão está sobrecarregado. Se a China quer prosseguir o esforço no âmbito da
iniciativa ‘Uma Faixa, Uma Rota’ vai ter que ter um porto alternativo. Os
portos de Leixões e Sines podem ser alternativas interessantes.”.
Por outro lado, acrescenta que “Portugal precisa, mais tarde ou mais cedo, de modernizar a sua linha
ferroviária”, defendendo que o país necessita de adotar uma postura mais
proativa.
E o investigador adianta que, “além dos portos, a privatização total ou parcial da CP poderia ser uma
opção”, mas lembra que a aposta chinesa em vias de comunicação terrestres e
marítima “coloca problemas políticos delicados à União Europeia”, sobretudo
“num quadro de re-emergência do poder russo e da aproximação entre Xi e Putin”.
Ou seja, como explica, “Portugal tem que ter algum cuidado” e “acertar bem as
agulhas com a União Europeia para, no fundo, não ser uma ‘lebre’ posta a correr
por Pequim contra a própria política externa da UE”.
Em sintonia com o investigador, o Presidente do
Instituto de Estudos Europeus de Macau, José Sales Marques, acredita que ainda
há espaço “para reforçar de forma
significativa a cooperação” e que, também por isso, a visita de Xi Jinping
a Portugal “é de grande simbolismo”
porque “acontece num momento em que as
relações estão num ponto muito alto” e após uma década “de forte expressão económica”. E
expressa a convicção de que a assinatura dum “memorando de entendimento no
âmbito da iniciativa Uma Faixa, Uma Rota”
durante a visita de Xi Jinping, possibilitaria a verificação dum entendimento
conjunto “sobre projetos como o porto de Sines e a ligação ferroviária [de alta
velocidade] até Espanha”.
O docente e investigador alerta, também, que os
compromissos entre Portugal e a China não podem colidir com os interesses
europeus, devendo “estar sujeitos a
regras definidas pelo Tratado de Lisboa relativas a acordos sobre investimento
estrangeiro”.
O presidente do Instituto de Estudos Europeus de Macau
destaca a importância da “nova realidade ao nível das relações bilaterais entre
os dois países”, mas admite que será interessante verificar “até que ponto podem surgir, em concreto,
projetos de investimento trilateral entre Portugal, China e um país africano,
lusófono ou não” – opinião partilhada pelo presidente do Fórum
Luso-Asiático, Arnaldo Gonçalves, acima referido, que junta a possibilidade de
Lisboa e Pequim poderem acordar “investimentos tripartidos (…) não só em África,
como também na América Latina”. Com efeito, como exemplifica, “houve investimentos brutais chineses que
fizeram disparar a dívida interna brasileira e que aparentemente vão ser
congelados pelo Presidente Bolsonaro”, pelo que “Portugal pode limar, aí, algumas arestas”.
E José Sales Marques, que enumera as manifestações das
relações sino-portuguesas, como os ‘vistos gold’, aquisição da EDP, crescente
fluxo turístico e até as celebrações em Portugal do Dia da China e do Ano Novo
chinês como provas de que Lisboa “tem de
continuar a olhar sem preconceitos e com naturalidade para o investimento”
de Pequim.
Por sua vez, Arnaldo Gonçalves conclui que “a visita coloca
Portugal no mapa”, mas alerta para uma outra prioridade, a de que os responsáveis
políticos portugueses têm de acautelar situações como a entrada de empresas
lusas no mercado chinês.
***
A visita
de Xi Jinping terá sido um sucesso diplomático e com enormes possibilidades
económicas para os sois países, mas Portugal, enquanto país do dito mundo livre,
calou-se face ao tema dos direitos humanos, nomeadamente no atinente às condições
de vida e de trabalho e à participação política na China – aspetos em que tem
sido muito crítico em relação a países com défice nestas matérias. Marcelo, ao
ser questionado sobre o tema, respondeu que disse tido quanto devia ter dito, quando
afinal as suas intervenções se circunscreveram grosso modo aos aspetos históricos,
geográficos e diplomáticos. Ora, a política de não ingerência não é tudo!
Estaremos
na linha da submissão por causa da asfixia que a dívida soberana nos impõe ou acreditamos
mesmo na liberalização económica ou no alívio do controlo político dos cidadãos
e dos grupos na China? Mikhail Gorvatchov (na URSS)
lançou a Glasnost (transparência, participação e debate
franco), no campo político, e a Perestroika (abertura à iniciativa e propriedade privadas), no campo económico,
mas Xi Jinping não o fez
nem parece estar na disposição de o fazer. O regime é de partido único e a
transparência funciona a favor do Estado centralista, embora haja as províncias,
mas em que os chefes recebem ordens do centro, sem que este receba contributos da
base (a não ser “colaboração”). As câmaras de vigilância amplamente
disseminadas pelo território (lugares de ajuntamento, ruas de bairro e
de aldeamento) refletem
os comportamentos morais (ou
não) de cidadãos e grupos
segundo os ditames do Partido, que os sancionará. Economicamente, a pusilânime
iniciativa privada e a propalada abertura ao mercado livre são trunfo para a legitimação
da ação no exterior, pois, na realidade, é o Estado que manda. Assim,
privatizámos a EDP, a REN e seguradoras, que ficam telecomandadas pelo poder
político chinês através de companhias de rosto privado, ou seja, privatizámos
nacionalizando a favor de outro Estado soberano mas poderoso. Queremos fazer o
mesmo aos portos e à ferrovia “reprivatizando” a CP (parcial ou totalmente)? A visita deu luz verde às OPA
sobre a EDP e as energias renováveis? Terão razão os críticos que anunciavam a
visita de Xi como o novo “dono disto tudo”? Mudamos de dono por não nos sabermos
governar ou por estarmos com a corda ao pescoço. Pena!
2018.12.07 – Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário