sexta-feira, 7 de dezembro de 2018

A visita do Presidente chinês a Portugal


O Presidente chinês, Xi Jinping, esteve em visita de Estado a Portugal nos passados dias 4 e 5 deste mês de dezembro, tendo terminado com a assinatura de 17 acordos bilaterais, dos quais 7 são de âmbito empresarial – uma visita que visou também antecipar o início das comemorações do Ano da China em Portugal e do Ano de Portugal na China e recordar os 40 anos das relações diplomáticas entre os dois países e que aconteceu na fase final dum périplo por vários países. Em relação a este último aspeto, salientou o próprio Xi Jinping:
Portugal é a minha última paragem desta visita à Europa, América Latina e Caraíbas, e a participação na cimeira do G20 em Buenos Aires. Senti as aspirações e expectativas dos povos de todos os países de paz, estabilidade e prosperidade mundiais.”. 
E, no contexto dum mundo a que são lançados grandes desafios, asseverou:
“Embora o mundo atual esteja a enfrentar diversos desafios, a China vai aderir sempre ao princípio do respeito mútuo e vai persistir no desenvolvimento pacífico. Vai conjugar esforços com Portugal e todos os países para promover a paz e a estabilidade.”. 
No primeiro dia da visita, ao Presidente chinês, acompanhado do Presidente português Marcelo Rebelo de Sousa, foram prestadas as usuais honras militares na Praça do Império e o visitante depôs uma coroa de flores no túmulo de Luís de Camões no Mosteiro dos Jerónimos, a que se seguiu a visita ao Mosteiro. Depois, foi recebido no Palácio de Belém pelo Presidente da República a quem endereçou o convite para visitar Pequim no próximo ano, convite que Marcelo aceitou, ficando previsto para o próximo mês de abril. 
“Acabei de realizar um encontro a sós [com Marcelo], onde chegámos a vários consensos”, sublinhou Xi, que disse haver cada vez mais pontos de convergência entre Portugal e China, existindo “confiança política e cooperação pragmática” entre os dois países.
O resto do primeiro dia em Lisboa decorreu no Palácio Nacional da Ajuda, em Lisboa, onde o Presidente da República Portuguesa Marcelo Rebelo de Sousa ofereceu um jantar em honra de Xi Jinping e da mulher, Peng Liyuan. 
No segundo dia, antes da reunião com António Costa em Queluz ao final da manhã, o Chefe de Estado chinês foi recebido na Assembleia da República com honras militares e esteve reunido com Eduardo Ferro Rodrigues, presidente do Parlamento português. 
Na reunião em Queluz, horas antes da despedida do Presidente chinês, foram assinados 17 acordos bilaterais, incluindo o memorando de entendimento sobre cooperação no quadro da iniciativa chinesa “Uma Faixa, Uma Rota” e, ainda, um memorando sobre cooperação em matéria de comércio de serviços, tendo o visitante prometido empenhar-se no reforço do “multilateralismo e do livre comércio”.  
Sete dos entendimentos assinados inserem-se na área empresarial e incluem o acordo para a implementação do STARLAB (um laboratório conjunto de investigação e desenvolvimento tecnológico para o Espaço e para os oceanos que vai ser criado por Portugal e a China), e ainda acordos na área agroindustrial, ou acordos entre a CGD (Caixa Geral de Depósitos) e o Banco da China, a EDP e a China Three Gorges, a State Grid e a REN, e ainda um acordo entre o BCP (Banco Comercial Português) e a Union Pay, e a MEO e a Huawei (empresa multinacional de equipamentos para redes e telecomunicações sediada na cidade de Shenzhen, localizada na província de Guangdong, na China. É a maior fornecedora de equipamentos para redes e telecomunicações do mundo, tendo ultrapassado a Ericsson em 2012). 
Para lá destes, foram rubricados entendimentos para a cooperação na programação de festivais culturais, um entendimento entre a RTP e um grupo de media chinês para a produção conjunta de documentários; e três acordos na área do Ensino Superior, nomeadamente para o ensino do mandarim em Universidades, acordos no domínio da água e da exportação de carne de porco, vinho e uva de mesa. Por fim, foi também assinado um documento para a cooperação entre as câmaras municipais de Tianjin e de Setúbal. 
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No final da visita de Estado de Xi Jinping a Portugal, foram assinados, como se disse, 17 acordos entre os dois países (dos 19 previstos) que preveem relações bilaterais em várias áreas, desde a cultura à ciência, à indústria e comércio, com ênfase na educação, turismo, ciência, tecnologia e media. Em declarações aos jornalistas no Palácio de Queluz, o Primeiro-Ministro português António Costa salientou os “passos concretos” no estreitamento das relações sino-portuguesas (“Subimos mais uns degraus na nossa relação”, disse), enquanto o Presidente chinês prometeu preservar o “princípio de respeito mútuo” num mundo cheio de desafios.
E Costa, na declaração conjunta sem direito a perguntas por parte da comunicação social, assegurou que, “no quadro bilateral e da União Europeia, somos sempre um garante da relação de confiança com a República Popular da China”. 
O Chefe de Governo português assinalou os “passos concretos” dados durante esta visita para o “estreitamento de relações”, sublinhou a diversidade dos acordos assinados, que “mobilizaram não só entidades do Governo mas também universidades, empresas e municípios”, e observou que “a relação entre Portugal e a China não é só uma excelente relação bilateral, de Governo para Governo, mas no conjunto da sociedade portuguesa”. 
O Primeiro-Ministro não deixou de fazer referência à “importância estratégica” de Portugal na articulação da iniciativa “One Belt, One Road” (Uma Faixa, Uma Rota), que prevê um avultado investimento em infraestruturas na interligação entre a Europa e a Ásia. No entanto, sustentou:
A conectividade entre a Europa e a Ásia deve traduzir-se não só ao nível da rota marítima, mas também se deve desenvolver ao nível das ligações aéreas entre os dois países”.
Sem fazer menções diretas, Costa lembrou a suspensão de voos diretos entre Lisboa e Pequim pela companhia chinesa Capital Airlines. Mas, em relação às relações comerciais com Pequim, destacou o “salto em frente” na abertura de vários mercados, desde logo os da carne de porco e uva de mesa. Por outro lado, enfatizou a importância do investimento chinês em Portugal, dando o exemplo concreto da STARLAB, que prevê a elaboração conjunta de microssatélites e – vendo uma relação de “confiança mútua” entre os dois países, fundada e reafirmada “ao longo de 5 séculos de convivência” – lembrou que será assinalado em fevereiro de 2019 o 40.º aniversário do estabelecimento de relações diplomáticas entre Lisboa e Pequim, bem como o 20.º aniversário desde a transferência da soberania de Macau.
Ora, se o Primeiro-Ministro português vê um relacionamento bilateral “cada vez mais profícuo e cada vez mais estreito” entre Lisboa e Pequim, o Presidente da República Popular da China considerou que a reunião com António Costa foi “amistosa e proveitosa”, numa referência aos 17 documentos para a cooperação que foram assinados e aos outros dois que serão assinados.
Com os vários “consensos” em plano de fundo, Xi Jinping voltou a afirmar – à imagem do que fizera no primeiro dia da visita a Portugal, ao lado do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa – que as relações entre os dois países “se encontram no seu melhor momento histórico”.  
No segundo e último dia da visita a Portugal, o líder chinês lembrou também o 40.º aniversário do estabelecimento das relações bilaterais e a importância de expandir as áreas de colaboração entre os países. Palavras fortes de Xi Jinping, que mostrou a vontade de “elevar incessantemente o nível de confiança mútua” e fomentar “ganhos partilhados” entre os países.  

Tudo isto consta da Declaração Conjunta entre a República Portuguesa e a República Popular da China sobre o Reforço da Parceria Estratégica Global, em 23 pontos e em que se afirma:
Os dirigentes dos dois países avaliaram como muito positivos os desenvolvimentos crescentes no relacionamento entre Portugal e a China, caraterizado por uma amizade tradicional, e trocaram impressões sobre as relações bilaterais, as relações China-União Europeia e os temas internacionais e regionais de interesse comum, alcançando amplo consenso”.
(vdhttp://www.presidencia.pt/?idc=10&idi=157549).
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Para os observadores, a visita oficial do Presidente chinês a Portugal em dezembro é uma oportunidade para garantir investimento em portos e na ferrovia, mas também em projetos tripartidos em África e América Latina. Os portos de Leixões e de Sines, a modernização da linha ferroviária que pode até passar pela privatização parcial ou total da CP, cooperação tripartida entre a China, Portugal e países africanos ou da América Latina para assegurar investimentos de grande escala, foram alguns dos exemplos dados por docentes e investigadores numa antevisão da visita oficial do Presidente chinês, Xi Jinping, a Lisboa. A este respeito, Arnaldo Gonçalves, presidente do Fórum Luso-Asiático e professor de Ciência Política e Relações Internacionais do Instituto Politécnico de Macau, frisou que “esta é uma oportunidade para se passar das palavras aos atos, de dar uma expressão económica às boas relações entre Portugal e a China”, lembrando que “Portugal, só entre 2010 e 2016, se tornou no sétimo país europeu em que se registou mais investimento chinês”. E sustentou:
Na área das infraestruturas, está em cima da mesa a possibilidade de a China investir nos portos portugueses. O porto de Roterdão está sobrecarregado. Se a China quer prosseguir o esforço no âmbito da iniciativa ‘Uma Faixa, Uma Rota’ vai ter que ter um porto alternativo. Os portos de Leixões e Sines podem ser alternativas interessantes.”.
Por outro lado, acrescenta que “Portugal precisa, mais tarde ou mais cedo, de modernizar a sua linha ferroviária”, defendendo que o país necessita de adotar uma postura mais proativa.
E o investigador adianta que, “além dos portos, a privatização total ou parcial da CP poderia ser uma opção”, mas lembra que a aposta chinesa em vias de comunicação terrestres e marítima “coloca problemas políticos delicados à União Europeia”, sobretudo “num quadro de re-emergência do poder russo e da aproximação entre Xi e Putin”. Ou seja, como explica, “Portugal tem que ter algum cuidado” e “acertar bem as agulhas com a União Europeia para, no fundo, não ser uma ‘lebre’ posta a correr por Pequim contra a própria política externa da UE”.
Em sintonia com o investigador, o Presidente do Instituto de Estudos Europeus de Macau, José Sales Marques, acredita que ainda há espaço “para reforçar de forma significativa a cooperação” e que, também por isso, a visita de Xi Jinping a Portugal “é de grande simbolismo” porque “acontece num momento em que as relações estão num ponto muito alto” e após uma década “de forte expressão económica”. E expressa a convicção de que a assinatura dum “memorando de entendimento no âmbito da iniciativa Uma Faixa, Uma Rota” durante a visita de Xi Jinping, possibilitaria a verificação dum entendimento conjunto “sobre projetos como o porto de Sines e a ligação ferroviária [de alta velocidade] até Espanha”.
O docente e investigador alerta, também, que os compromissos entre Portugal e a China não podem colidir com os interesses europeus, devendo “estar sujeitos a regras definidas pelo Tratado de Lisboa relativas a acordos sobre investimento estrangeiro”.
O presidente do Instituto de Estudos Europeus de Macau destaca a importância da “nova realidade ao nível das relações bilaterais entre os dois países”, mas admite que será interessante verificar “até que ponto podem surgir, em concreto, projetos de investimento trilateral entre Portugal, China e um país africano, lusófono ou não” – opinião partilhada pelo presidente do Fórum Luso-Asiático, Arnaldo Gonçalves, acima referido, que junta a possibilidade de Lisboa e Pequim poderem acordar “investimentos tripartidos (…) não só em África, como também na América Latina”. Com efeito, como exemplifica, “houve investimentos brutais chineses que fizeram disparar a dívida interna brasileira e que aparentemente vão ser congelados pelo Presidente Bolsonaro”, pelo que “Portugal pode limar, aí, algumas arestas”.
E José Sales Marques, que enumera as manifestações das relações sino-portuguesas, como os ‘vistos gold’, aquisição da EDP, crescente fluxo turístico e até as celebrações em Portugal do Dia da China e do Ano Novo chinês como provas de que Lisboa “tem de continuar a olhar sem preconceitos e com naturalidade para o investimento” de Pequim.
Por sua vez, Arnaldo Gonçalves conclui que “a visita coloca Portugal no mapa”, mas alerta para uma outra prioridade, a de que os responsáveis políticos portugueses têm de acautelar situações como a entrada de empresas lusas no mercado chinês.
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A visita de Xi Jinping terá sido um sucesso diplomático e com enormes possibilidades económicas para os sois países, mas Portugal, enquanto país do dito mundo livre, calou-se face ao tema dos direitos humanos, nomeadamente no atinente às condições de vida e de trabalho e à participação política na China – aspetos em que tem sido muito crítico em relação a países com défice nestas matérias. Marcelo, ao ser questionado sobre o tema, respondeu que disse tido quanto devia ter dito, quando afinal as suas intervenções se circunscreveram grosso modo aos aspetos históricos, geográficos e diplomáticos. Ora, a política de não ingerência não é tudo!
Estaremos na linha da submissão por causa da asfixia que a dívida soberana nos impõe ou acreditamos mesmo na liberalização económica ou no alívio do controlo político dos cidadãos e dos grupos na China? Mikhail Gorvatchov (na URSS) lançou a Glasnost (transparência, participação e debate franco), no campo político, e a Perestroika (abertura à iniciativa e propriedade privadas), no campo económico, mas Xi Jinping não o fez nem parece estar na disposição de o fazer. O regime é de partido único e a transparência funciona a favor do Estado centralista, embora haja as províncias, mas em que os chefes recebem ordens do centro, sem que este receba contributos da base (a não ser “colaboração”). As câmaras de vigilância amplamente disseminadas pelo território (lugares de ajuntamento, ruas de bairro e de aldeamento) refletem os comportamentos morais (ou não) de cidadãos e grupos segundo os ditames do Partido, que os sancionará. Economicamente, a pusilânime iniciativa privada e a propalada abertura ao mercado livre são trunfo para a legitimação da ação no exterior, pois, na realidade, é o Estado que manda. Assim, privatizámos a EDP, a REN e seguradoras, que ficam telecomandadas pelo poder político chinês através de companhias de rosto privado, ou seja, privatizámos nacionalizando a favor de outro Estado soberano mas poderoso. Queremos fazer o mesmo aos portos e à ferrovia “reprivatizando” a CP (parcial ou totalmente)? A visita deu luz verde às OPA sobre a EDP e as energias renováveis? Terão razão os críticos que anunciavam a visita de Xi como o novo “dono disto tudo”? Mudamos de dono por não nos sabermos governar ou por estarmos com a corda ao pescoço. Pena!
2018.12.07 – Louro de Carvalho    

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