sábado, 8 de dezembro de 2018

Maria, a beleza luminosa no Advento/Natal


Na caminhada espiritual e pastoral do Advento/Natal do Senhor, a liturgia católica surpreende a Igreja crente, orante, discípula e apóstola com a Solenidade da Imaculada Conceição da Virgem Santa Maria. Esta surpreendente festividade, surgida na História da Igreja em termos do Santoral, colocou-se antes do Natal de modo que o Nascimento ou Natividade de Maria pudesse celebrar-se em tempo de colheitas dos frutos semeados na primavera e das sementeiras outonais para as colheitas primaveris.
No entanto, esta solenidade mariana da pureza virginal de maria ab initio torna-se cristológica e eclesiológica se atendermos à pedagogia de Gabriel e de Isabel e ao conteúdo das mensagens.
Antes de mais, Gabriel chega a Nazaré enviado por Deus e saúda a donzela Maria como a Cheia de Graça, Aquela com quem o Senhor está – um elogio ou um piropo gracioso pelo facto de a donzela de Nazaré possuir o Senhor e Ele a possuir porque Ela achou graça no Senhor e Ele se revê nela. E, depois, solicitando-Lhe que não tema, anuncia que Ela conceberá e dará à luz o Santo de Deus, Aquele a quem ela porá o nome de Jesus, o Filho do Altíssimo, que libertará o povo dos pecados. É a lógica graciosa de Deus: parte-se de Maria cheia de graça em todo o tempo e lugar por obra de Deus, para nos ser dado o Filho do Altíssimo tornado também filho de Maria, o Deus humanado. Nesta lógica, que Maria aceitou, porque escutou bem e guarda no coração, Maria voluntaria-se para serva do Senhor, deixando que em Si e por Si se cumprisse a Palavra de Deus. E, como a Palavra de Deus é o próprio Filho de Deus, que em Maria Se tornou carne humana, Ela é simultaneamente a morada da Palavra, a serva da Palavra e a oferente quase sempre silenciosa da Palavra ao Mundo. (cf Lc 1,26-38; Jo 1,1-14).
E Isabel, reconhecendo em Maria a mãe do Senhor, por Ela ter acreditado em tudo quanto Lhe foi dito da parte de Deus, bendi-la a Ela e ao fruto do Seu ventre (cf Lc 1,39-45). A mesma lógica de Deus assumida por Isabel: de Maria, a Mãe, para Jesus, o Filho. Nada acaba em Maria, porque também nada começa em Maria. Ela é cheia de graça porque Deus está com Ela e a cumulou da graça divina, a mesma graça que Jesus trouxe ao mundo dos homens. Por isso, o centro da graça visível no mundo é Jesus, que nos faz caminhar Consigo, no Espírito Santo, para o Pai. A missão de Maria é cristípeta: encaminha-nos para o Cristo de Deus.
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Porém, como é de entender, Maria não está sozinha com Jesus nem O fechou no seu mundo, como alguns querem fazer. Ela é lugar e testemunha do mistério da Encarnação e colabora na construção da economia da Redenção. E, depois, junta-se em oração e atividade ao núcleo dos apóstolos a quem incumbe implantar a Igreja no mundo como instrumento, espaço e encontro de salvação. E hoje continua a acompanhar a Igreja como seu protótipo, como sua mãe, como sua irmã, visto que os membros da Igreja são irmãos, filhos no Filho, a cabeça deste corpo orgânico. Por isso, os Padres da Igreja aplicam a Maria aquilo que das Escrituras se aplica à Igreja e vice-versa. Por tudo a mariologia integra a eclesiologia
Na verdade, como nova Eva, Maria pertence à descendência da mulher que esmagará a cabeça da Serpente (cf Gn 3,15) – descendência protagonizada e presidida por Jesus, que tudo o mereceu, mas que agrega a Si todos os crentes constituídos em Igreja e em sementeira do Reino de Deus.
Com efeito, Maria deu ao mundo o Autor da vida e Luz do mundo. Como diz o evangelista Lucas, “Maria deu à luz o Seu Filho primogénito, envolveu-O em panos e reclinou-O numa manjedoura”. Eis o primeiro altar da contemplação e da adoração familiares, mas logo aberto à contemplação adorante dos anjos e dos pastores. Como Maria, também a Igreja e, nela, todos os seus membros têm o condão e o dever de contemplar Jesus, adorá-Lo e mostrá-Lo ao mundo dos homens e encaminhá-los para Ele, patenteando as portas da libertação e da liberdade. É, pois, eclesiológica a missão de Maria, como é mariana, em certa medida, a missão da Igreja.
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Nos alvores da pregação do Reino, a Virgem surge como a humilde serva do Senhor, mas a quem a luz divina que lhe brilha no olhar virgíneo e maternal faz entoar o cântico do louvor e da imensa misericórdia, que testemunha que Deus tem predileção pelos simples e humildes:
A minha alma glorifica o Senhor e o meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador. Porque pôs os olhos na humildade da sua serva. De hoje em diante, todas as gerações chamar-me-ão bem-aventurada. O Todo-poderoso fez maravilhas em mim. Santo é o seu nome. A sua misericórdia se estende de geração em geração sobre aqueles que o temem… Acolheu a Israel, seu servo, lembrado da sua misericórdia, como tinha prometido a nossos pais, a Abraão e à sua descendência, para sempre.” (Lc 1,46-55).
É a assunção da alegria da Filha de Sião como enuncia o profeta Isaías:
Exulto de alegria no Senhor e o meu espírito exulta no meu Deus, porque me revestiu com as vestes da salvação e me envolveu num manto de triunfo. Como um noivo que cinge a fronte com o diadema e como uma noiva que se adorna com as suas joias. Porque, assim como a terra faz nascer as plantas e o jardim faz brotar as semen­tes, assim o Senhor Deus faz germinar a justiça e o louvor diante de todas as nações.” (Is, 61,10-11).  
E esta alegria e esta beleza da Filha de Sião ou da Jerusalém predileta do Senhor – Maria e a Igreja – inundam a Terra como proclama o convite do Senhor pela voz do Profeta:  
Levanta-te e resplandece, Jerusalém, que está a chegar a tua luz! A glória do Senhor amanhece sobre ti! Olha: as trevas cobrem a terra, e a escuridão, os povos, mas sobre ti amanhecerá o Se­nhor. A sua glória vai aparecer sobre ti. As nações caminharão à tua luz, e os reis ao esplendor da tua aurora. Levanta os olhos e vê à tua volta: todos esses se reuniram para vir ao teu encontro. Os teus filhos chegam de longe, e as tuas filhas são transportadas nos braços. Quando vires isto, ficarás radiante de alegria; o teu coração palpitará e se dilatará, porque para ti afluirão as riquezas do mar, e a ti virão os tesouros das nações.” (Is 60,1-5). 
Obviamente, Maria ou a Igreja não seriam a luz. A Luz é o Senhor. Ele o diz (Eu sou a luz do mundo – Jo 8,12), mas quem O segue torna-se luzeiro e luz (quem me segue não anda nas trevas, mas terá a luz da vida – Jo 8,12; vós sois a luz do mundo – Mt 5,14). Por isso, na linha da profecia, as nações caminharão à luz da Filha de Sião, porque a glória do Senhor se espargiu sobre ela. Maria deu ao mundo a Luz e a Igreja tem a missão iluminar o mundo com a luz de Cristo.
A mesma mulher – Maria e a Igreja – surge nos tempos apocalípticos como o grande sinal a brilhar no Céu:
Uma Mulher vestida de Sol, com a Lua debaixo dos pés e com uma coroa de doze estrelas na cabeça. Estava grávida e gritava com as dores de parto e o tormento de dar à luz. […] Ela deu à luz um filho varão. Ele é que há de governar todas as nações com cetro de ferro. Mas o filho foi-lhe arrebatado para junto de Deus e do seu trono. E a Mulher fugiu para o deserto onde Deus lhe preparou um lugar, de modo a não lhe faltar aí o alimento durante mil duzentos e sessenta dias. Travou-se uma batalha no céu: Miguel e seus anjos declararam guerra ao Dragão. O Dragão e os seus anjos combateram, mas não resistiram. O grande Dragão, a Serpente antiga – a que chamam também Diabo e Satanás – o sedutor de toda a humanidade, foi lançado à terra; e, com ele, foram lançados também os seus anjos. Então ouvi uma voz forte no céu que aclamava: Eis que chegou o tempo da salvação, da força e da realeza do nosso Deus e do poder do seu Cristo!” (Ap 12,1-2.5-7.8.9-10).
A Cheia de Graça, revestida da beleza de Deus – mas cujo coração foi trespassado por uma espada de dor, como profetizou o velho Simeão (cf Lc 2,35) – surge perto do Natal, na tradição eclesial, como Senhora do Ó ou Senhora da Expectação (que o povo justifica como sendo a Senhora grávida – e também o é), unida ao Povo de Deus (e dele emergente em lugar de relevo) que espera o Messias desejado e reza, de 17 a 24 de dezembro, invocando-O pelos seus títulos messiânicos antes do Evangelho da Missa e como antífona do “Magnificat” em Vésperas: Ó Sabedoria do Altíssimo (dia 17), Ó Chefe da Casa de Israel (dia 18), Ó Rebento da Raiz de Jessé (dia 19), Ó Chave da Casa de David (dia 20), Ó Sol Nascente, esplendor da luz eterna e sol de justiça (dia 21), Ó Rei das Nações e Pedra angular da Igreja (dia 22), Ó Emanuel, nosso rei e legislador (dia 23). E leem-se as seguintes passagens do Evangelho: dia 17, Genealogia de Jesus (Mt 1,1-17); dia 18, Modo como Jesus nascerá de Maria (Mt 1,18-25); dia 19, Anúncio do nascimento do Precursor (Lc 1,5-25); dia 20, Anúncio do nascimento de Jesus (Lc 1,26-38); dia 21, Visita de Maria a Isabel (Lc 1,39-45); dia 22, Magnificat, cântico de Maria (Lc 1,45-26), semelhante, na evocação do poder do Senhor, ao cântico de Ana (1Sm 2,1-10); dia 23, Nascimento do Precursor; e dia 24, Benedictus, cântico de Zacarias.
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Não é, pois, descabido o facto de G. M. Behler, no seu livro “Alabanza Biblica de la Virgen” (Narcea, SA de Ediciones, Madrid: 1972), baseado em referências bíblicas, textos litúrgicos e patrísticos, doutrina do magistério eclesial e escritos dos santos, chamar a Maria e, consequentemente à Igreja, a Cidade de Deus, na dupla dimensão: a cidade mãe e a cidade refúgio. Com efeito, Aquela que surge como a aurora do tempo novo e que emerge de forma especial no Advento e Natal em função de Cristo, e da Igreja qual fruto seu, fica alvorada no Calvário em mãe de todos os povos e não por uma maternidade limitada aos contornos da carne, mas com a largueza, amplidão e profundidade do Espírito – a mãe universal, a mãe espiritual. Por outro lado, a mulher fiel que escutava e tudo guardava em seu coração (cf Lc 2,19.51) é a nova Jerusalém, resplendente de luz e beleza feita baluarte inexpugnável de Deus e baluarte indestrutível do Reino. Por isso, nós rezamos “Sub tuum praesidium confugimos Sancta Dei Genitrix…”.
Mas essas prerrogativas altamente nobilitantes também as têm a Igreja no seu ser e missão e, com ela, todos os filhos de Maria (filii Mariae) e filhos da Igreja (filii Ecclesiae – fregueses). É esta a nossa alegria, é esta a nossa responsabilidade. Para tanto, como a Virgem Maria, teremos de estar abertos à graça e disponíveis para a missão! E, se Maria pôde entoar “Magnificat anima mea Dominum…”, nós como Igreja e como crentes, podemos cantar:
Deus é o meu Salvador,
Tenho confiança e nada temo.
O Senhor é a minha força e o meu louvor.
Ele é a minha salvação.
Convidarmo-nos reciprocamente:
Povo do Senhor, exulta e canta de alegria.
Povo do Senhor, exulta e canta de alegria.
E, por fim,
Santa Mãe do Redentor, Porta do Céu, Estrela do Mar,
Socorre o povo cristão que procura levantar-se do abismo da culpa.
Alegrai-Vos, ó Virgem gloriosa, a mais bela entre todas as mulheres,
Santa Mãe de Deus, intercedei por nós diante do vosso Filho.  
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Vem aí o Natal. É imperativo não fechar a porta a Deus nem ao Homem. Chamam: é preciso responder. Batem: é preciso abrir e permitir a entrada no nosso mundo para que se transforme.
2018.12.08 – Louro de Carvalho

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