quinta-feira, 27 de dezembro de 2018

Marcelo veta diploma de tempo de serviço dos professores


De acordo com uma nota da Presidência, o Presidente da República dirigiu ontem, dia 26, uma carta ao Primeiro-Ministro, do seguinte teor:
A Lei do Orçamento do Estado para 2019, que entra em vigor no dia 1 de janeiro, prevê, no seu artigo 17.º, que a matéria constante do presente diploma seja objeto de processo negocial sindical. Assim sendo, e porque anteriores passos negociais foram dados antes da aludida entrada em vigor, remeto, sem promulgação, nos termos do artigo 136.º, n.º 4 da Constituição, o diploma do Governo que mitiga os efeitos do congelamento ocorrido entre 2011 e 2017 na carreira docente, para que seja dado efetivo cumprimento ao disposto no citado artigo 17.º, a partir do próximo dia 1 de janeiro de 2019.”.
Isto quer dizer que Marcelo Rebelo de Sousa vetou o diploma que aprovava a contagem de 2 anos, 9 meses e 18 dias aos professores (contagem parcial) – contra os 9 anos, 4 meses e 2 dias defendidos pelas organizações sindicais do setor educativo (contagem total) – e obriga o Ministério da Educação a retomar negociações com os sindicatos, o que equivale a dizer que tirou o tapete ao Governo e o processo volta à estaca zero. Assim, a partir de 3 de janeiro, as organizações sindicais estão à porta da tutela.
A justificação do veto presidencial estriba-se, explicitamente, na norma incluída pelos deputados no Orçamento do Estado para 2019 no sentido de que o diploma “seja objeto de processo negocial” e, implicitamente, na farsa negocial, entretanto ensaiada pelo Governo. Mas é de registar que a nota da Presidência não menciona o tempo congelado desde 29 de agosto de 2015 a 31 de dezembro de 2017. Porque será?
É de recordar que em sede do OE 2019, PSD, CDS-PP, BE, PCP e Os Verdes aprovaram, com o voto contra do PS, um artigo que força o Governo a retomar as negociações. De fora desse documento, ficaram as propostas do BE e do PCP que defendiam uma calendarização para a recuperação integral do tempo de serviço dos professores. Mas, a 20 de dezembro, o Governo, em Conselho de Ministros, aprovou o decreto-lei que prevê a recuperação de 2 anos, 9 meses e 18 dias de tempo congelado aos professores. 
Agora, o Governo PS lamentou o veto e prometeu um “novo processo negocial” com os sindicatos. Assim, num comunicado do gabinete do Primeiro-Ministro, pode ler-se:
O Governo lamenta o facto de os educadores e os professores dos ensinos básico e secundário não poderem ver contabilizados já a partir de 1 de janeiro de 2019 os dois anos, nove meses e 18 dias”.
Que giro o Governo com pena dos professores! Mas, pela lei e pela grei, o executivo de Costa vai esperar a entrada em vigor do Orçamento do Estado para 2019 para iniciar um novo processo negocial com as estruturas sindicais.
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À sentida e hipócrita reação do Governo, obviamente seguiram-se as costumeiras reações sindicais e, neste caso, também as reações político-partidárias.
Assim, a FENPROF (Federação Nacional dos Professores) classifica a decisão presidencial de adequada e correta. Lembrou o seu secretário-geral, Mário Nogueira, à Lusa:
O Governo estava já isolado, uma vez que a Assembleia da República já tinha afirmado há dias que o Orçamento do Estado para 2018 não tinha sido cumprido nessa matéria e inclusivamente repetiu a norma no orçamento para 2019, obrigando o Governo a negociar todo o tempo”.
Por isso, a 3 de janeiro, os docentes estarão à porta do Ministério da Educação (ME) para dizer ao Governo que estão ali para iniciar a negociação. E diz Mário Nogueira:
Se o Governo estiver com seriedade nesta matéria e se, de facto, for respeitador da lei, a negociação pode até ser rápida, porque os sindicatos apresentaram uma proposta ao Governo no sentido de se poder uniformizar a situação da Madeira com o Continente e ter um processo igual ao da Madeira. Se o Governo insistir em apagar tempo de serviço ou até considerar que não vai contabilizar tempo nenhum, pois aí vai contar com uma forte e uma dura luta dos professores, agora ainda com mais convicção pois que a razão está do nosso lado, sempre esteve, porque ninguém tem o direito de eliminar tempo que as pessoas trabalharam.”. 
Também a FNE (Federação Nacional da Educação) se mostrou satisfeita com o veto presidencial, tendo o seu secretário-geral, João Dias da Silva, declarado à Lusa que “o Governo estava a tentar impor o que a lei não lhe permitia”. E sublinhou este dirigente sindical, criticando a “atitude intransigente” do Governo de “recusar a negociação:
O que o Governo pretendia fazer era impor uma solução de contabilização de uma parte do tempo de serviço congelado. […] Temos disponibilidade para encontrar uma solução, que entendemos que até deve ser convergente na totalidade do território nacional, podendo haver uma convergência com a opção que foi tomada na Região Autónoma da Madeira.”. 
Por seu turno, o SIPE (Sindicato Independente de Professores e Educadores) considera “uma vitória” a decisão do chefe de Estado e espera que o ME “se sente à mesa das negociações com disponibilidade para negociar efetivamente” com os sindicatos os nove anos, quatro meses e dois dias congelados aos professores. 
O ex-Ministro da Educação, Nuno Crato, não ficou em silêncio e reagiu com ironia: “Julgava que se tinha virado a página da austeridade” – declarou à Lusa, mas escusando-se a comentar de forma direta o veto presidencial.
E o PS refere que o veto do Presidente da República “só toca numa questão formal”, como referiu o deputado socialista e membro do secretariado nacional do PS, Porfírio Silva, em declarações à Lusa, lembrando que o chumbo presidencial impede que a reposição parcial do tempo de serviço se concretize de imediato. E referiu:
Sempre foi a via negocial entre Governo e sindicatos que nós defendemos para encontrar uma saída para a questão da recuperação do tempo de serviço. Aquilo que o senhor Presidente da República vem dizer, agora quando devolve o diploma ao Governo, no fundo só toca numa questão formal e que é: têm de negociar depois da entrada em vigor do Orçamento do Estado.”.
Já percebi: o Governo começou a trabalhar antes do tempo, pois só devia ter aplicado a norma do OE 2019 depois de este entrar em vigor. Será isso que Marcelo pensa? Palhaçada, não?!
Porém, isso não pode ser, por demasiado ridículo. Tanto assim é que o BE está a ver na decisão de Marcelo a confirmação do apelo a que o Governo se sente à mesa com os sindicatos. Disse Joana Mortágua à Lusa:
O que entendemos é que, se foi possível negociar nos Açores e na Madeira, não há razão para que não seja possível negociar também no Continente. […] O Governo tem a responsabilidade de negociar com os professores uma solução que garanta alguma recuperação imediata e o calendário para a restante recuperação.”. 
E o deputado do PCP António Filipe defendeu, em declarações à Lusa, que o veto confronta o Governo “com a exigência de dar cumprimento ao que dispõe o Orçamento do Estado, quer o de 2018, quer o de 2019”, pelo que “o Governo terá de voltar à mesa das negociações, como aliás ocorrerá também com outras carreiras especiais da administração pública, às quais se aplica o mesmo princípio”.
Do seu lado, O CDS-PP saudou o veto presidencial e considera que Marcelo pôs o Governo “na ordem”. A este respeito, afirmou a deputada centrista Ana Rita Bessa à Lusa:
Ainda que o Governo tenha procurado, com pouca seriedade, antecipar-se à própria lei do Orçamento, simulando uma negociação que, como veio a saber-se, foi só um ‘pro forma’ e não houve qualquer intenção real de chegar a uma convergência com os sindicatos”. 
Para o Partido Ecologista “Os Verdes”, a decisão presidencial mostra que o Governo tem que “alterar o seu posicionamento irredutível” e voltar às negociações. Disse à Lusa Luísa Apolónia:
Já são várias entidades e órgãos de soberania a ditar um descontentamento relativamente ao posicionamento do Governo e agora só tem uma alternativa, sentar-se à mesa com os sindicatos, mas com vontade de negociar o prazo e o modo da contagem do tempo de serviço. […] Compreendemos que não pode ser feito de um dia para o outro ou de um ano para o outro, mas vamos negociar o modo e prazo para a contabilizar todo esse tempo de serviço. O que se pede ao Governo é que altere o seu posicionamento irredutível, porque não quer sair dos dois anos e nove meses, mas tem de sair, porque está completamente isolado nesta matéria.”. 
Por sua vez, Rui Rio, presidente do PSD, em conferência de imprensa, no Porto, refere que o Governo tem obrigação de encontrar uma solução que reconheça a contagem integral do tempo de serviço dos professores. E afirmou:
Estou totalmente de acordo com o que Presidente da República determinou. Acho que determinou o mais lógico e se, por exemplo, na Madeira, onde o Governo regional é do PSD, ou nos Açores, onde o Governo regional é do PS, conseguiram fazer uma negociação a contento entre os professores e o Governo, aqui em Portugal [continental], o Governo da República também tem obrigação de o conseguir, contando o tempo todo, mas sempre respeitando a sustentabilidade das finanças públicas”. 
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As reações dos partidos ao veto presidencial são consentâneas com as formuladas aquando da aprovação do decreto-lei em Conselho de Ministros no passado dia 20,
O CDS acusava Governo de ter fechado a porta na cara dos professores; os “Verdes” estavam dispostos a “arregaçar mangas” para contar todo o tempo de serviço; o BE acusava Governo de “arrogância”; e o PSD acusava-o de “farsa” nas negociações.
Em declarações aos jornalistas no final da reunião do Conselho de Ministros, o Ministro Tiago Brandão Rodrigues sublinhava que tinha sido aprovada “a bonificação de 2 anos e 9 meses” depois de “longo e apurado processo negocial” em que o ME esteve “de boa-fé”, sendo que a aprovação do diploma era uma forma de “não prejudicar os docentes de um impasse” que vinha acontecendo devido à falta de acordo no processo negocial. E referia que o tempo que seria recuperado aos docentes era o possível e estava “no limite do esforço financeiro que o país pode fazer”, de forma a garantir “a sustentabilidade das contas públicas”, sendo que os docentes veriam reconhecido este tempo de serviço no momento em que subissem de escalão, encurtando o tempo de passagem ao escalão seguinte.
Em declarações aos jornalistas, na Assembleia da República, o deputado e dirigente do CDS-PP João Almeida manifestava-se preocupado com a possibilidade de se prolongar um clima de instabilidade nas escolas portuguesas. E criticava:
Há muito tempo que sabemos qual é a reivindicação dos professores e sabemos também quais foram as expectativas que o Governo deixou que se criassem. A partir de determinado momento, o Governo não foi coerente nem com aquilo que eram as reivindicações dos professores, nem foi coerente com a ideia que alimentou durante muito tempo.”.
Considerando que o Governo acabara de “fechar uma porta na cara dos professores, desrespeitando-os completamente e interrompendo um processo sem se prestar a uma negociação séria”, frisou:
Numa negociação visa-se chegar a um ponto comum. Aquilo que o Governo tem feito desde há algum tempo é ser totalmente intransigente com o seu ponto – e ontem provou-o. Isso tem uma consequência preocupante, que é prolongar nas escolas portuguesas um clima indesejável de instabilidade.”.
O deputado do CDS-PP lamentava também que os professores não tenham “um interlocutor sério para negociar da parte do Governo” e desafiou o executivo a apresentar de forma detalhada os cálculos sobre o impacto financeiro referente às diferentes opções em causa na contabilização do tempo congelado das carreiras dos professores. E acrescentava:
Se o Governo fosse sério, negociava a sério com os professores. E se fosse sério fornecia os números de cada uma das opções, permitindo aos partidos da oposição terem uma posição fundamentada, que neste momento é impossível terem. Nós não temos os dados do impacto financeiro, em termos de gradualidade, de cada uma das opções.”.
A líder parlamentar de “Os Verdes” assegurava:
Nós não temos um número suficiente para a apreciação parlamentar, mas vamos ver as propostas que aparecem. 'Os Verdes' estão dispostos, obviamente, a arregaçar as mangas em todas as frentes para levarmos a bom porto a contagem de todo o tempo de serviço. […] Temos encontrado um Governo completamente intransigente, numa teimosia perfeitamente absurda que não conseguimos compreender relativamente a esta matéria do tempo de serviço. O Governo está a comprar uma guerra com os sindicatos, os professores e outras carreiras exatamente na mesma situação que não se compreende.”.
O BE acusava o Governo de “arrogância e teimosia” por aprovar um decreto-lei que apenas recupera parte do tempo de serviço dos professores, prometendo uma apreciação parlamentar que altere o diploma para incluir o direito à recuperação integral. Afirmava a deputada do BE Joana Mortágua, em declarações aos jornalistas no Parlamento:
Este tempo que é agora contado, queremos que seja convertido no pagamento de uma primeira tranche do tempo de serviço e que o diploma passe a reconhecer isso: há uma primeira parte que é paga agora, e há a obrigação de negociar a recuperação do tempo integral de serviço.”.
Joana Mortágua alertava ainda para o facto de o decreto-lei aprovado poder não ter efeitos imediatos para professores que progrediram na carreira este ano, atirando o descongelamento do tempo de serviço nesses casos para “daqui a quatro anos ou mais”. Assim, se o diploma fosse promulgado, o BE confirmava que iria sujeitá-lo a uma apreciação parlamentar, não de revogação, mas de alteração, para que estes quase três anos sejam já um dado adquirido.
Também o PCP confirmava vir a pedir a apreciação parlamentar para introduzir alterações ao decreto-lei do Governo sobre o descongelamento do tempo de serviço dos professores, após o diploma ter sido aprovado em Conselho de Ministros.
E o PSD acusava o Governo de ter feito “uma farsa” negocial com os professores, mas escusava-se a adiantar que posição tomaria no Parlamento antes de conhecer a decisão do Presidente da República.
A vice-presidente da bancada do PSD Margarida Mano, em declarações aos jornalistas no Parlamento, em Lisboa, dizia que era “uma farsa esta pseudonegociação” e considerava que “não é numa reunião convocada em 24 horas” que se poderiam aproximar posições tão diferentes como as do Governo e dos professores.
Questionada sobre o que faria o PSD caso o diploma fosse promulgado, Margarida Mano recusava antecipar cenários antes de o Chefe de Estado se pronunciar, declarando:
A posição do PSD é que todo o tempo deve ser contado e a forma como tal acontece deve ser vista em sede de negociação. […] O passo seguinte é a decisão do senhor Presidente da República, nós não iremos antecipar nada sem esperar por essa decisão. […] Só decidiremos se fazemos ou não uma apreciação parlamentar depois da decisão do Presidente da República.”.
Margarida Mano lembrou que Marcelo disse que só tomaria uma decisão depois de conhecer o Orçamento do Estado e referiu que o Chefe de Estado “tem estado a auscultar todos os envolvidos”. E voltou a defender que, para o seu partido, “o processo de negociação é uma competência do Governo e não do Parlamento” e insistiu em que o executivo mostre os dados em que sustenta a sua recusa de contar o tempo integral de serviço dos professores.
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Vamos ver o que vai dar o processo que agora voltou à estaca zero. Mas será possível ultrapassar a teimosia do Governo? A solução da Madeira e dos Açores não fará luz na Avenida 24 de Julho?
2018.12.27 – Louro de Carvalho

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