De acordo com
uma nota da Presidência, o Presidente da República dirigiu ontem, dia 26, uma
carta ao Primeiro-Ministro, do seguinte teor:
“A Lei do Orçamento do Estado para 2019, que
entra em vigor no dia 1 de janeiro, prevê, no seu artigo 17.º, que a matéria
constante do presente diploma seja objeto de processo negocial sindical. Assim
sendo, e porque anteriores passos negociais foram dados antes da aludida
entrada em vigor, remeto, sem promulgação, nos termos do artigo 136.º, n.º 4 da
Constituição, o diploma do Governo que mitiga os efeitos do congelamento
ocorrido entre 2011 e 2017 na carreira docente, para que seja dado efetivo
cumprimento ao disposto no citado artigo 17.º, a partir do próximo dia 1 de
janeiro de 2019.”.
Isto
quer dizer que Marcelo
Rebelo de Sousa vetou o diploma que aprovava a contagem de 2 anos, 9 meses e 18
dias aos professores (contagem parcial) – contra os
9 anos, 4 meses e 2 dias defendidos pelas organizações sindicais do setor
educativo (contagem total) – e obriga
o Ministério da Educação a retomar negociações com os sindicatos, o que
equivale a dizer que tirou o tapete ao Governo e o processo volta à estaca
zero. Assim, a partir de 3 de janeiro, as organizações sindicais estão à porta
da tutela.
A justificação do veto presidencial estriba-se, explicitamente,
na norma incluída pelos deputados no Orçamento do Estado para 2019 no sentido
de que o diploma “seja objeto de processo negocial” e, implicitamente, na farsa
negocial, entretanto ensaiada pelo Governo. Mas é de registar que a nota
da Presidência não menciona o tempo congelado desde 29 de agosto de 2015 a 31
de dezembro de 2017. Porque será?
É de recordar que em sede do OE 2019, PSD, CDS-PP, BE,
PCP e Os Verdes aprovaram, com o voto contra do PS, um artigo que força o
Governo a retomar as negociações. De fora desse documento, ficaram as propostas
do BE e do PCP que defendiam uma calendarização para a recuperação integral do
tempo de serviço dos professores. Mas, a 20 de dezembro, o Governo, em Conselho
de Ministros, aprovou o decreto-lei que prevê a recuperação de 2 anos, 9 meses
e 18 dias de tempo congelado aos professores.
Agora, o Governo PS lamentou o veto e prometeu um “novo processo negocial” com os
sindicatos. Assim, num comunicado do gabinete do Primeiro-Ministro, pode
ler-se:
“O Governo lamenta o facto de os educadores
e os professores dos ensinos básico e secundário não poderem ver contabilizados
já a partir de 1 de janeiro de 2019 os dois anos, nove meses e 18 dias”.
Que giro o Governo com pena dos professores! Mas, pela
lei e pela grei, o executivo de Costa vai esperar a entrada em vigor do
Orçamento do Estado para 2019 para iniciar um novo processo negocial com as
estruturas sindicais.
***
À sentida e hipócrita reação do Governo, obviamente seguiram-se
as costumeiras reações sindicais e, neste caso, também as reações político-partidárias.
Assim, a FENPROF (Federação Nacional dos Professores) classifica a decisão presidencial de adequada e
correta. Lembrou o seu secretário-geral, Mário Nogueira, à Lusa:
“O Governo estava já isolado, uma vez que a
Assembleia da República já tinha afirmado há dias que o Orçamento do Estado
para 2018 não tinha sido cumprido nessa matéria e inclusivamente repetiu a
norma no orçamento para 2019, obrigando o Governo a negociar todo o tempo”.
Por isso, a 3 de janeiro, os docentes estarão à porta
do Ministério da Educação (ME) para dizer
ao Governo que estão ali para iniciar a negociação. E diz Mário Nogueira:
“Se o Governo estiver com seriedade nesta
matéria e se, de facto, for respeitador da lei, a negociação pode até ser
rápida, porque os sindicatos apresentaram uma proposta ao Governo no sentido de
se poder uniformizar a situação da Madeira com o Continente e ter um processo
igual ao da Madeira. Se o Governo insistir em apagar tempo de serviço ou até
considerar que não vai contabilizar tempo nenhum, pois aí vai contar com uma
forte e uma dura luta dos professores, agora ainda com mais convicção pois que
a razão está do nosso lado, sempre esteve, porque ninguém tem o direito de
eliminar tempo que as pessoas trabalharam.”.
Também a FNE (Federação Nacional da Educação) se mostrou satisfeita com o veto presidencial, tendo
o seu secretário-geral, João Dias da Silva, declarado à Lusa que “o Governo estava a tentar impor o que a lei não lhe
permitia”. E sublinhou este dirigente sindical, criticando a “atitude
intransigente” do Governo de “recusar a negociação:
“O que o Governo pretendia fazer era impor
uma solução de contabilização de uma parte do tempo de serviço congelado. […] Temos
disponibilidade para encontrar uma solução, que entendemos que até deve ser
convergente na totalidade do território nacional, podendo haver uma
convergência com a opção que foi tomada na Região Autónoma da Madeira.”.
Por seu turno, o SIPE (Sindicato Independente de Professores
e Educadores) considera
“uma vitória” a decisão do chefe de Estado e espera que o ME “se sente à mesa
das negociações com disponibilidade para negociar efetivamente” com os
sindicatos os nove anos, quatro meses e dois dias congelados aos
professores.
O ex-Ministro da Educação, Nuno Crato, não ficou em
silêncio e reagiu com ironia: “Julgava
que se tinha virado a página da austeridade” – declarou à Lusa, mas escusando-se a comentar de
forma direta o veto presidencial.
E o PS refere que o veto do Presidente da República
“só toca numa questão formal”, como referiu o deputado socialista e membro do
secretariado nacional do PS, Porfírio Silva, em declarações à Lusa, lembrando que o chumbo
presidencial impede que a reposição parcial do tempo de serviço se concretize
de imediato. E referiu:
“Sempre foi a via negocial entre Governo e
sindicatos que nós defendemos para encontrar uma saída para a questão da
recuperação do tempo de serviço. Aquilo que o senhor Presidente da República
vem dizer, agora quando devolve o diploma ao Governo, no fundo só toca numa
questão formal e que é: têm de negociar depois da entrada em vigor do Orçamento
do Estado.”.
Já percebi: o Governo começou a trabalhar antes do
tempo, pois só devia ter aplicado a norma do OE 2019 depois de este entrar em
vigor. Será isso que Marcelo pensa? Palhaçada, não?!
Porém, isso não pode ser, por demasiado ridículo. Tanto
assim é que o BE está a ver na decisão de Marcelo a confirmação do apelo a que
o Governo se sente à mesa com os sindicatos. Disse Joana Mortágua à Lusa:
“O que entendemos é que, se foi possível
negociar nos Açores e na Madeira, não há razão para que não seja possível
negociar também no Continente. […] O Governo tem a responsabilidade de negociar
com os professores uma solução que garanta alguma recuperação imediata e o
calendário para a restante recuperação.”.
E o deputado do PCP António Filipe defendeu, em
declarações à Lusa, que o veto confronta
o Governo “com a exigência de dar cumprimento ao que dispõe o Orçamento do
Estado, quer o de 2018, quer o de 2019”, pelo que “o Governo terá de voltar à
mesa das negociações, como aliás ocorrerá também com outras carreiras especiais
da administração pública, às quais se aplica o mesmo princípio”.
Do seu lado, O CDS-PP saudou o veto presidencial e
considera que Marcelo pôs o Governo “na ordem”. A este respeito, afirmou a
deputada centrista Ana Rita Bessa à Lusa:
“Ainda que o Governo tenha procurado, com
pouca seriedade, antecipar-se à própria lei do Orçamento, simulando uma
negociação que, como veio a saber-se, foi só um ‘pro forma’ e não houve
qualquer intenção real de chegar a uma convergência com os sindicatos”.
Para o Partido Ecologista “Os Verdes”, a decisão presidencial
mostra que o Governo tem que “alterar o seu posicionamento irredutível” e
voltar às negociações. Disse à Lusa
Luísa Apolónia:
“Já são várias entidades e órgãos de
soberania a ditar um descontentamento relativamente ao posicionamento do
Governo e agora só tem uma alternativa, sentar-se à mesa com os sindicatos, mas
com vontade de negociar o prazo e o modo da contagem do tempo de serviço. […] Compreendemos
que não pode ser feito de um dia para o outro ou de um ano para o outro, mas
vamos negociar o modo e prazo para a contabilizar todo esse tempo de serviço. O
que se pede ao Governo é que altere o seu posicionamento irredutível, porque
não quer sair dos dois anos e nove meses, mas tem de sair, porque está
completamente isolado nesta matéria.”.
Por sua vez, Rui Rio, presidente do PSD, em
conferência de imprensa, no Porto, refere que o Governo tem obrigação de
encontrar uma solução que reconheça a contagem integral do tempo de serviço dos
professores. E afirmou:
“Estou totalmente de acordo com o que
Presidente da República determinou. Acho que determinou o mais lógico e se, por
exemplo, na Madeira, onde o Governo regional é do PSD, ou nos Açores, onde o
Governo regional é do PS, conseguiram fazer uma negociação a contento entre os
professores e o Governo, aqui em Portugal [continental], o Governo da República
também tem obrigação de o conseguir, contando o tempo todo, mas sempre
respeitando a sustentabilidade das finanças públicas”.
***
As reações dos partidos ao veto presidencial são
consentâneas com as formuladas aquando da aprovação do decreto-lei em Conselho
de Ministros no passado dia 20,
O CDS acusava Governo de ter fechado a porta na cara dos
professores; os “Verdes” estavam dispostos a “arregaçar mangas” para contar
todo o tempo de serviço; o BE acusava Governo de “arrogância”; e o PSD acusava-o
de “farsa” nas negociações.
Em declarações aos jornalistas no final da reunião do
Conselho de Ministros, o Ministro Tiago Brandão Rodrigues sublinhava que tinha
sido aprovada “a bonificação de 2 anos e 9 meses” depois de “longo e apurado
processo negocial” em que o ME esteve “de boa-fé”, sendo que a aprovação do
diploma era uma forma de “não prejudicar os docentes de um impasse” que vinha
acontecendo devido à falta de acordo no processo negocial. E referia que o
tempo que seria recuperado aos docentes era o possível e estava “no limite do
esforço financeiro que o país pode fazer”, de forma a garantir “a sustentabilidade
das contas públicas”, sendo que os docentes veriam reconhecido este tempo de
serviço no momento em que subissem de escalão, encurtando o tempo de passagem
ao escalão seguinte.
Em declarações aos jornalistas, na Assembleia da
República, o deputado e dirigente do CDS-PP João Almeida manifestava-se
preocupado com a possibilidade de se prolongar um clima de instabilidade nas
escolas portuguesas. E criticava:
“Há muito tempo que sabemos qual é a
reivindicação dos professores e sabemos também quais foram as expectativas que
o Governo deixou que se criassem. A partir de determinado momento, o Governo
não foi coerente nem com aquilo que eram as reivindicações dos professores, nem
foi coerente com a ideia que alimentou durante muito tempo.”.
Considerando que o Governo acabara de “fechar uma
porta na cara dos professores, desrespeitando-os completamente e interrompendo
um processo sem se prestar a uma negociação séria”, frisou:
“Numa negociação visa-se chegar a um ponto
comum. Aquilo que o Governo tem feito desde há algum tempo é ser totalmente
intransigente com o seu ponto – e ontem provou-o. Isso tem uma consequência
preocupante, que é prolongar nas escolas portuguesas um clima indesejável de
instabilidade.”.
O deputado do CDS-PP lamentava também que os
professores não tenham “um interlocutor sério para negociar da parte do Governo”
e desafiou o executivo a apresentar de forma detalhada os cálculos sobre o
impacto financeiro referente às diferentes opções em causa na contabilização do
tempo congelado das carreiras dos professores. E acrescentava:
“Se o Governo fosse sério, negociava a sério
com os professores. E se fosse sério fornecia os números de cada uma das
opções, permitindo aos partidos da oposição terem uma posição fundamentada, que
neste momento é impossível terem. Nós não temos os dados do impacto financeiro,
em termos de gradualidade, de cada uma das opções.”.
A líder parlamentar de “Os Verdes” assegurava:
“Nós não temos um número suficiente para a
apreciação parlamentar, mas vamos ver as propostas que aparecem. 'Os Verdes'
estão dispostos, obviamente, a arregaçar as mangas em todas as frentes para
levarmos a bom porto a contagem de todo o tempo de serviço. […] Temos
encontrado um Governo completamente intransigente, numa teimosia perfeitamente
absurda que não conseguimos compreender relativamente a esta matéria do tempo
de serviço. O Governo está a comprar uma guerra com os sindicatos, os
professores e outras carreiras exatamente na mesma situação que não se
compreende.”.
O BE acusava o Governo de “arrogância e teimosia” por
aprovar um decreto-lei que apenas recupera parte do tempo de serviço dos
professores, prometendo uma apreciação parlamentar que altere o diploma para
incluir o direito à recuperação integral. Afirmava a deputada do BE Joana
Mortágua, em declarações aos jornalistas no Parlamento:
“Este tempo que é agora contado, queremos
que seja convertido no pagamento de uma primeira tranche do tempo de serviço e
que o diploma passe a reconhecer isso: há uma primeira parte que é paga agora,
e há a obrigação de negociar a recuperação do tempo integral de serviço.”.
Joana Mortágua alertava ainda para o facto de o
decreto-lei aprovado poder não ter efeitos imediatos para professores que
progrediram na carreira este ano, atirando o descongelamento do tempo de
serviço nesses casos para “daqui a quatro anos ou mais”. Assim, se o diploma
fosse promulgado, o BE confirmava que iria sujeitá-lo a uma apreciação
parlamentar, não de revogação, mas de alteração, para que estes quase três anos
sejam já um dado adquirido.
Também o PCP confirmava vir a pedir a apreciação
parlamentar para introduzir alterações ao decreto-lei do Governo sobre o
descongelamento do tempo de serviço dos professores, após o diploma ter sido
aprovado em Conselho de Ministros.
E o PSD acusava o Governo de ter feito “uma farsa”
negocial com os professores, mas escusava-se a adiantar que posição tomaria no
Parlamento antes de conhecer a decisão do Presidente da República.
A vice-presidente da bancada do PSD Margarida Mano, em
declarações aos jornalistas no Parlamento, em Lisboa, dizia que era “uma farsa esta pseudonegociação” e considerava
que “não é numa reunião convocada em 24 horas” que se poderiam aproximar
posições tão diferentes como as do Governo e dos professores.
Questionada sobre o que faria o PSD caso o diploma
fosse promulgado, Margarida Mano recusava antecipar cenários antes de o Chefe
de Estado se pronunciar, declarando:
“A posição do PSD é que todo o tempo deve
ser contado e a forma como tal acontece deve ser vista em sede de negociação. […]
O passo seguinte é a decisão do senhor Presidente da República, nós não iremos
antecipar nada sem esperar por essa decisão. […] Só decidiremos se fazemos ou
não uma apreciação parlamentar depois da decisão do Presidente da República.”.
Margarida Mano lembrou que Marcelo disse que só tomaria
uma decisão depois de conhecer o Orçamento do Estado e referiu que o Chefe de
Estado “tem estado a auscultar todos os envolvidos”. E voltou a defender que,
para o seu partido, “o processo de negociação é uma competência do Governo e
não do Parlamento” e insistiu em que o executivo mostre os dados em que
sustenta a sua recusa de contar o tempo integral de serviço dos professores.
***
Vamos ver o que vai dar o processo que agora voltou à
estaca zero. Mas será possível ultrapassar a teimosia do Governo? A solução da
Madeira e dos Açores não fará luz na Avenida 24 de Julho?
2018.12.27 – Louro de Carvalho
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