O TC (Tribunal
Constitucional) acordou no arquivamento
do processo contra Siza Vieira por incompatibilidade e impedimento do exercício
ministerial acumulado com a gerência de empresa por ter mudado de Pasta. Aquando do arquivamento do
caso, foi dada a justificação de que Vieira já nem mantinha o mesmo cargo, já
que passara do cargo de Ministro-Adjunto a Ministro-Adjunto e da Economia.O Expresso – oportunamente –
dá-nos conta de que o argumento da mudança de pasta ministerial, utilizado para
arquivar o processo, não é aceite por alguns constitucionalistas como suficiente
para ilibar o Ministro. O constitucionalista Jorge Miranda, professor
catedrático jubilado,
diz que não conhece outros precedentes e afirma
que isto “causa impressão” (também acho). Jorge Bacelar Gouveia, professor catedrático na Universidade Nova de
Lisboa, diz que se criou um precedente: “agora,
aparentemente, exonera-se o Ministro e pronto”. Ou muda-se de lugar. Por outro
lado, sustenta que a lei devia impor uma sanção mais pesada, mas que o Parlamento
até hoje não se preocupou em “estabelecer leis como deve ser”, em matéria de transparência.
E Paulo Otero, professor
catedrático da Universidade de Lisboa diz que isto só faria sentido se o
Ministro deixasse ao Governo. E rejeita ideia da “culpa ligeira”, já que Vieira é um jurista, pelo que tem a obrigação
de conhecer a lei.
***
Pedro Siza
Vieira acumulou, durante dois meses, o cargo de ministro com o de sócio-gerente
de uma empresa, a Prática Magenta. O então Ministro-Adjunto afirmou não ter
conhecimento de tal incompatibilidade e nunca ter exercido funções na
empresa e que, até renunciar, a empresa não teve atividade comercial.
Antes de
entrar no Governo, o que ocorreu em outubro de 2017, Siza Vieira criou, com a
mulher, uma sociedade do ramo imobiliário, a Prática Magenta. Era dono de 50%
do capital e, ao mesmo tempo, seu gerente. Permaneceu nessas funções quando
estava já no Executivo.
A acumulação
de cargos é incompatível com a função de Ministro, como deixa claro o regime de incompatibilidades e impedimentos
dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos. Ser um dos
visados pelo diploma é “incompatível com
quaisquer outras funções profissionais remuneradas ou não, bem como com a
integração em corpos sociais de quaisquer pessoas coletivas de fins lucrativos”,
como diz a lei.
Ao MP (Ministério
Público), Siza Vieira garantiu que
abdicou da Prática Magenta a 15 de dezembro, embora a renúncia do registo
comercial só tenha sido verificada em maio, atribuindo o governante a culpa a
uma advogada. Após ter deixado a gerência da empresa, Vieira disse:
“Quando tomei posse, … só posteriormente
tomei consciência de que não se pode ser gerente, ainda que não remunerado, de
uma sociedade familiar e, por isso, pedi a renúncia quando me foi chamada a
atenção para isso”.
Como o TC não
detetou a situação na declaração de incompatibilidades e de rendimentos do
então Ministro-Adjunto, o MP pediu a investigação.
O Regime
Jurídico de Incompatibilidades e Impedimentos dos Titulares de Cargos Políticos
e Altos Cargos Públicos – aprovado pela Lei n.º 64/93, de 26 de agosto, em que
foram introduzidas várias alterações de que a última é da Lei Orgânica n.º
1/2011, de 30 de novembro – estabelece no seu art.º 4.º que os titulares dos
cargos previstos nos artigos 1.º (titulares de órgãos de
soberania e por titulares de outros cargos políticos) e 2.º (titulares
de altos cargos públicos)
“exercem as suas funções em regime de exclusividade” e que a titularidade destes
cargos “é incompatível com quaisquer outras funções profissionais remuneradas
ou não, bem como com a integração em corpos sociais de quaisquer pessoas
coletivas de fins lucrativos”, a não ser “as funções ou atividades derivadas do
cargo e as que são exercidas por inerência”.
A infração
a esta norma implica, no caso dos “titulares de cargos de natureza não eletiva,
com a exceção do Primeiro-Ministro, a demissão” (vd art.º 10.º/3,
alínea b). A perda de mandato aplica-se
aos cargos de natureza eletiva, com a exceção do Presidente da República (vd
art.º 10.º/3, alínea a).
***
Entretanto,
a 7 de dezembro, o Jornal de Negócios adiantava
que a reformulação do Governo, em outubro,
é o motivo para que o TC tenha deixado cair o caso da alegada incompatibilidade
de Pedro Siza Vieira, que de Ministro-Adjunto passou a Ministro-Adjunto e da
Economia. A mudança de pastas faz com que caia o processo que averiguava
eventuais incompatibilidades por ter estado no Governo e ao mesmo tempo ter
sido gestor duma empresa, .
Foi a 15 de
outubro que António Costa decidiu fazer uma reformulação governamental. Siza
Vieira passou a acumular a pasta que já tinha com a de Manuel Caldeira Cabral.
Como acontece, é exonerado das primeiras funções para tomar posse novamente com
as novas responsabilidades. E é esse ato que retira força ao eventual problema
de incompatibilidade. E, segundo o Jornal Económico, o TC arquivou
o caso por “inutilidade superveniente da
lide”, a conclusão que faz com que o processo não tenha razões para
continuar, porque já terá sido solucionado ou não tem eficácia. Na prática,
porque Vieira, que acumulou por 7 meses as funções de gestor e de Ministro-Adjunto,
não pode ser sancionado com o afastamento do cargo de Ministro-Adjunto já que o
advogado já não o é; é agora Ministro-Adjunto e da Economia. Até mantém a pasta
anterior.
O Jornal de Negócios já confirmava que a
decisão era neste sentido, mas que a publicação do acórdão poderia não ocorrer
naquele dia 7 de dezembro.
***
Os Juízes do
TC consideram que, mesmo assim, o Ministro da Economia se “encontra “sujeito ao
dever de apresentação de nova declaração de inexistência de incompatibilidades
ou impedimentos”.
Porém, no âmbito
das incompatibilidades, o TC arquivou o processo contra o Ministro,
justificando a decisão com o facto de o cargo já não existir, como revela o
acórdão já publicado.
Em
apreciação estava o facto de Siza Vieira ter acumulado o cargo de Ministro-Adjunto,
em 2017, com as funções de sócio duma empresa de transação de bens
imobiliários que abriu com a mulher, um dia antes de tomar posse, o que
configuraria violação da lei das incompatibilidades, que obriga os membros do
Governo a um regime de exclusividade.
O acórdão já
publicado na página do TC na Internet justifica o arquivamento com a “inutilidade
superveniente da lide” do referido processo, visto que Siza Vieira já não é
titular do cargo que deu origem à incompatibilidade.
Com efeito, Siza
Vieira foi exonerado do cargo de Ministro-Adjunto na remodelação de outubro
pelo Primeiro-Ministro, tendo tomado posse, em seguida, de outro cargo, desta
vez como Ministro-Adjunto e da Economia. Como o cargo já não é o mesmo que deu
origem ao processo, o tribunal optou pelo arquivamento, embora recordando que
Siza Vieira, já no papel de Ministro-Adjunto e da Economia, se encontra “sujeito
ao dever de apresentação de nova declaração de inexistência de incompatibilidades
ou impedimentos”. E os juízes do Palácio Ratton justificam o arquivamento do processo
nestes termos:
“Tornou-se, assim, inútil o prosseguimento dos autos, na medida em que
qualquer consequência que pudesse ser associada a uma eventual situação de
incompatibilidade apenas poderia reportar-se ao cargo à data exercido”.
Segundo o
acórdão, quaisquer sanções a aplicar “pressupõem o exercício efetivo do
cargo em questão pelo titular respetivo”, o que já não acontece. E pode ler-se
no acórdão, quanto à obrigação declarativa de inexistência de incompatibilidades
ou impedimentos:
“As consequências estabelecidas na Lei n.º 64/93 para a infração do
regime de exclusividade aí contido estão necessariamente vinculadas ao
exercício do cargo cuja tomada de posse, nos termos do artigo 10.º, n.º 1, deu
origem ao dever de apresentação de declaração de inexistência de
incompatibilidades ou impedimentos. Não se reportam ao exercício do cargo de
ministro em abstrato.”.
Ou seja, o
processo não era contra o Ministro Siza Vieira, era contra o então Ministro-Adjunto,
Siza Vieira, cujo cargo desapareceu com a remodelação.
Na
fundamentação, os juízes do TC utilizam um parecer pedido ao MP concluindo que Vieira
“terá agido de boa-fé, quer ao apresentar
as suas declarações de inexistência de incompatibilidades e impedimentos, quer
ao procurar corrigir as situações de incompatibilidades com que se viu
confrontado, admite-se que por lapso ou errada pressuposição de inexistência de
tais incompatibilidades”. E o MP defendeu que as referidas situações de
incompatibilidade se encontram “todas elas já sanadas, não se vendo, por
isso, razão para a aplicação de qualquer sanção, designadamente a pesada sanção
constante do art.º 10.º, n.º 3, alínea b) da Lei n.º 64/93”, ou seja, a
demissão.
“Por último,
a ter-se verificado, nos autos, uma situação de dúvida como a prevista no art.º
112.º, n.º 3, da LTC (Lei do Tribunal Constitucional), ou seja, a cessação da situação de
incompatibilidade já se verificou, pelo que nada se oferece ordenar a este
respeito”, é igualmente referido no parecer do MP incluído no acórdão. Com efeito,
a norma citada refere: “O Tribunal, se
considerar fundada a existência de dúvida sobre a ocorrência de uma situação de
incompatibilidade, limitar-se-á a ordenar a sua cessação, fixando prazo para o
efeito”.
***
O Expresso do dia 29 enfatiza logo em
primeira página: “Juízes do TC arrasam MP no caso Siza Vieira” e diz: “Parecer
fala em ‘culpa ligeira’ e “lapso’. juízes não tinham outra
opção a não ser arquivar”.
A investigação
feita pelo MP à incompatibilidade do ministro foi considerada fraca.
Constitucional diz não haver outra opção que não arquivar.
Os juízes
do TC consideraram fraca a investigação do MP a Pedro Siza Vieira,
que acumulou o cargo de ministro com o de sócio-gerente numa empresa. O parecer
do MP refere que a incompatibilidade foi um “lapso” e encontrou apenas “culpa
ligeira”, levando o Tribunal arquivar o processo, com alguns juízes a declarar
no plenário que o MP estava a desculpabilizar o governante.
Segundo o Expresso,
foi criticado o facto de ninguém ter sugerido a demissão do Ministro – a
sanção prevista na lei para este caso de incompatibilidade. Segundo o parecer
do MP consultado pelo jornal, pode ler-se:
“Crê-se que o declarante terá agido de boa-fé,
quer ao apresentar as suas declarações de inexistência de incompatibilidades e
impedimentos quer ao procurar corrigir as situações de incompatibilidades com
que se viu confrontado, admite-se que por lapso ou errada pressuposição de
inexistência de tais incompatibilidades. Por outro lado, as referidas
situações de incompatibilidade encontram-se todas elas já sanadas, não se
vendo, por isso, razão para a aplicação de qualquer sanção, designadamente a
pesada sanção.”.
Não se percebe – seja o entendimento do
MP, seja dos juízes – como é que o respetivo regime jurídico não prescreve a
incompatibilidade e impedimento para o exercício dum cargo político independentemente
da pasta que se sobrace, logo que o cargo seja da mesma natureza, embora se perceba
que a obrigação declarativa seja reiterável porque as circunstâncias podem ter
mudado.
De resto, em relação à primeira questão, pergunto-me se um deputado eleito
por apresentação dum determinado partido e ferido de incompatibilidade ou impedimento
deixará o de o ser se, entretanto, se desligar do dito partido e ficar com independente
no hemiciclo. Será que um ministro incompatível deixa de o ser se passar a
deputado?Já temos a lei da limitação de mandatos, que é uma autêntica macacada. Porque
a lei não é clara e é limitativa de direitos, tem interpretação restrita. Vai
daí, um presidente de câmara candidata-se a outro município e já pode ser
eleito e reeleito mais duas vezes; um presidente de junta candidata-se a outra
freguesia ou à mesma que integra uma união de freguesias e já pode ser eleito e
reeleito mais duas vezes; um presidente câmara ou de junta vai em segundo na
lista e, passado um mandato, já pode ser eleito e reeleito mais duas vezes. Isto
é gozar com o povo, não?!
Totalmente de acordo com a posição dos juristas acima referidos,
até porque o Ministro entrou numa união de pastas, como alguns presidentes de junta
entraram em união de freguesias. É uma trapalhada. E vai durar até quando?
2018.12.29 –
Louro de Carvalho
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