O site “educare”, em texto de Sara R. Oliveira, de 4 de
dezembro, dá conta duma atividade inspetiva em torno do tema “os
desequilíbrios entre notas internas e externas”, levada a cabo pela IGEC (Inspeção-Geral
da Educação e Ciência), que esteve em 12 escolas, verificou discrepâncias entre
classificações dadas pelas escolas e resultados dos exames nacionais e fez
recomendações. Isto após denúncias que assinalavam fortes discrepâncias entre
as classificações atribuídas na avaliação interna nas diversas disciplinas e as
atribuídas em exame nacional (11.º e 12.º ano) e nas
provas finais nas disciplinas de Português e de Matemática no 9.º ano de
escolaridade.
As preditas denúncias
levaram a IGEC a processos de averiguações e inquéritos, há 3 anos, em 12
escolas públicas e do ensino particular e cooperativo do ensino básico e do
ensino secundário, tendo feito várias recomendações.
No ano passado, avaliou, pela primeira vez, as
aprendizagens dos alunos do ensino secundário e, este ano, tornou público o
resultado da ação desenvolvida nessas 12 escolas intervencionadas em 2016/2017
– sendo que para dois desses estabelecimentos de ensino, as intervenções não
estavam planeadas, pelo que decorreram depois do terceiro período letivo
daquele ano letivo.
Apesar de 80% das escolas analisadas pela IGEC terem
melhorado o valor do indicador do alinhamento das classificações internas,
estas classificações atribuídas aos alunos do ensino secundário e o seu
desempenho em exames nacionais têm vindo a suscitar reflexão, debate e até investigação,
pois, as habituais discrepâncias e os persistentes e crescentes afastamentos
entre essas classificações causam desconfiança e necessitam de análise. Com
efeito, é preciso chegar a conclusões sobre a compreensão ou não das razões de
tais diferenças, expressivas em algumas disciplinas, para que não sejam
colocadas em causa a qualidade e a equidade educativas.
***
A IGEC colocou uma bina de inspetores, durante
dois a três dias, nas 12 escolas, que fez, depois, uma intervenção sequencial,
de forma presencial e/ou documental, para verificar o cumprimento das
recomendações feitas no âmbito do processo inicial. Elaborou, para cada escola,
um relatório com os aspetos mais significativos e recomendações e,
posteriormente, procedeu à verificação do grau de execução das recomendações
feitas.
A Inspeção utilizou o indicador do alinhamento que
compara as classificações internas atribuídas pela escola com as classificações
internas atribuídas pelas outras escolas do país a alunos com resultados semelhantes
nos exames nacionais. Efetivamente, ao comparar alunos que obtêm classificações
semelhantes nos exames, o indicador mede possíveis desalinhamentos entre as
escolas e o grau de exigência na atribuição das classificações internas. Porém,
é um indicador que averigua se uma determinada escola está alinhada com as
restantes, mas a IGEC observa que não dá razão das discrepâncias, pois não fornece
“informação sobre a maior ou menor justeza das notas internas individuais, nem
sobre a pertinência pedagógica de uma escola ser mais ou menos exigente na
atribuição destas notas”.
Depois, confirmam-se práticas correntes – que se
afastam das melhores indicações de ordem pedagógica no atinente à prestação do serviço
de ensino-aprendizagem, posicionando-se na adequação à pressão social com vista
à cata de resultados que induzam um mais fácil e garantido acesso ao ensino
superior, sobretudo aos cursos socialmente mais apetecíveis – não eivadas pelos
critérios da diversidade, congruência e participação decorrentes do dinamismo
das aprendizagens e em consonância com os postulados do desenvolvimento pessoal
e social do aluno ou do cidadão in fieri.
Assim, os testes escritos são os principais
instrumentos de avaliação utilizados pelos professores para atribuir as
classificações aos alunos no final de cada período escolar. Predomina a prática
da avaliação formativa retroativa em detrimento duma avaliação contínua de
regulação interativa. Os critérios de avaliação definidos para as disciplinas
de Português, Língua Estrangeira, Biologia e Geologia e Física e Química A, nem
sempre contemplam momentos formais de avaliação da oralidade e da dimensão
prática e experimental. Os encarregados de educação e mesmos os alunos,
focados no valor e relevância dos testes (muitas vezes o único tipo de
instrumento de avaliação apreciável),
desvalorizam, nas aprendizagens em disciplinas de exame final ou de provas
finais exercícios como trabalhos de grupo, trabalhos de projeto, debates,
pesquisa pessoal sustentável, perceção do mundo atual. Pretendem que os
professores preparem para exame através de formulários e baterias de testes a
que dão incremento as editoras e, indiretamente, o próprio Ministério da
Educação.
Mesmo assim, todas as escolas públicas intervencionadas
pela IGEC melhoraram o valor médio do indicador de alinhamento das
classificações internas em 2017, comparativamente com o ano 2016. E, de 2016
para 2017, verificou-se uma melhoria no valor do indicador do alinhamento das classificações
internas das disciplinas de Matemática, Português, Biologia e Geologia e Física
e Química A, de forma que estas disciplinas deixaram de integrar a categoria
das mais desalinhadas para cima, nas mesmas escolas.
Em 90% desses estabelecimentos de ensino, verificou-se
uma melhoria do indicador do alinhamento das classificações internas, em, pelo
menos, uma ou mais disciplinas. É o caso de Matemática A, Português,
Biologia/Geologia e Física e Química A que melhoraram. Em 50% das escolas, o
valor do indicador do alinhamento das classificações internas passou de muito
desalinhado para cima e desalinhado para a categoria de alinhado na disciplina
de Matemática.
As recomendações, em geral, foram acolhidas e houve maior partilha de
informação nos conselhos de turma, mais momentos de reflexão sobre o processo
de avaliação dos alunos e maior responsabilização dos professores, órgãos e
estruturas intermédias; e aperfeiçoaram-se os processos de monitorização
interna relativamente à avaliação interna e à externa.
A IGEC não o diz, por não ser politicamente correto e
deslustrar o Estado, mas há pressões várias para o inflacionamento das
classificações internas; e as condições de perfil dos alunos e as vicissitudes
das aprendizagens costumam funcionar como a tábua de salvação para induzir a
transição ou a aprovação face à insuficiência do desempenho no decurso das
aprendizagens, sobretudo quando a carga horária semanal da disciplina é exígua
e o programa extenso.
***
Porém, há dificuldades reais que dificultam a
aproximação entre as classificações externas e as internas. Enquanto as
externas decorrem de um momento de duas horas em média e sobre a pressão do
tempo e da logística, as internas resultam duma diversidade de ponderações em
momentos diferentes a que procedem vários intervenientes que têm conhecimento
do aluno e, regra geral, vêm funcionando junto dele como catalisadores da
descoberta à boa maneira da maiêutica socrática. Pior, do meu ponto de vista
foi a introdução, na prova final ou na prova final, de um exercício áudio nas
disciplinas em que a oralidade é um dos pilares fundamentais e que os
professores vigilantes têm de acionar (com o risco de o sistema poder não
funcionar).
Por outro lado há escolas em que os conselhos
pedagógicos definem critérios de avaliação sumativa que, ao invés de
estabelecerem parâmetros que se coadunem com a especificidade de cada
disciplina, se concretizam em valores percentuais máximos a atribuir a
parâmetros iguais para todas as disciplinas agrupados dualisticamente em área
de conhecimentos e área de valores, atitudes e comportamentos. Depois, a ponderação
do domínio social e afetivo ou de atitudes dos alunos pode diferir de
disciplina para disciplina e entre escolas, chegando a atingir variações entre
os 5 e os 30%. Há casos em que o processo de avaliação apresenta fragilidades
que devem ser corrigidas. E, frequentemente, depois da análise e reflexão dos
resultados obtidos pelos alunos nos exames nacionais do secundário, nos órgãos
e estruturas intermédias, não há planos de melhoria ou ações estratégicas para
melhorar os resultados dos estudantes.
A IGEC frisa que os normativos em vigor sobre
avaliação dos alunos do ensino secundário, em alguns aspetos, nomeadamente na
ponderação dos critérios de avaliação, “são omissos e permitem interpretações
erróneas relativas à operacionalização do processo avaliativo dos alunos”. Assim,
a oralidade em Português (e mesmo em línguas estrangeiras), a prática experimental em Física e Química A e em
Biologia e Geologia, e a componente dos valores, atitudes e comportamentos
carecem de plena fundamentação, sendo que frequentemente são valorados com a
classificação máxima. Basta que o professor não tenha registado nada de
negativo ao logo do período escolar em relação ao aluno para, segundo alguns,
ter de atribuir o máximo do percentil atribuído.
***
Ora, a avaliação das aprendizagens é uma importante
ferramenta pedagógica para melhorar a qualidade do ensino-aprendizagem, o que
passa por diversificar técnicas e instrumentos avaliativos, colocar a avaliação
das aprendizagens como prioridade na formação contínua dos professores e
envolver na avaliação todos os intervenientes no processo de aquisição e
melhoria das aprendizagens. Nesse sentido, pode ler-se no relatório da IGEC:
“Avaliar os alunos é um processo inerente ao
próprio processo de ensino e da aprendizagem. É um processo difícil e complexo
onde intervêm múltiplas variáveis. No atual contexto normativo vigente e no
respeito pela sua autonomia, as escolas podem adotar processos avaliativos que
respondam às suas prioridades educativas. Estes processos deverão ser rigorosos
e credíveis. Mas rigor não significa
inflexibilidade ou intolerância, mas respeito por certos princípios que
devem nortear a ação educativa, nomeadamente o processo de avaliação dos
alunos.”.
A IGEC recomenda, pois, diretamente ao ME (Ministério
da Educação) uma intervenção
na formação contínua de professores, colocando a avaliação das aprendizagens
como uma prioridade ou criando um programa nacional com enfoque nesta temática.
Por outro lado, e na sua opinião, a DGE (Direção-Geral da Educação) deveria elaborar um documento de orientações para
efeitos de avaliação interna das aprendizagens no ensino secundário – uma
espécie de guia para o processo de avaliação interna a divulgar em todos os
estabelecimentos de ensino.
Por sua vez, entende a IGEC, o centro de formação e de
associação de escolas deve constituir-se como centro de pesquisa, inovação, mudança
e aperfeiçoamento das práticas, em prol da formação na área da avaliação das aprendizagens
a todos os docentes e em modalidades de formação centradas nos contextos reais
e nas práticas profissionais, nomeadamente oficinas de formação, círculos de
estudos, projetos e estágios. Mas, para tanto, penso eu – precisa de dispor de
recursos humanos inteiramente dedicados à formação contínua,
academicamente habilitados, conhecedores da realidade concreta e libertos da
sobrecarga de trabalhos que impende sobre os professores e os envolve numa teia
burocrática asfixiante.
Por seu turno, têm as escolas muito trabalho a fazer.
Devem, segundo a IGEC, por exemplo, na preparação do ano letivo, ter em conta
as conclusões da análise comparativa realizada entre os resultados obtidos
pelos alunos na avaliação sumativa interna e os obtidos nos exames nacionais e provas
finais; devem, no início de cada ano letivo, definir os critérios e
subcritérios de avaliação e respetiva ponderação, para haver referenciais comuns
a todas as disciplinas. E os conselhos pedagógicos devem aprovar os critérios
de avaliação no arranque do ano escolar. Isto para que, vinca, “as classificações internas atribuídas pelos
docentes aos alunos, se façam no respeito dos critérios de avaliação e
respetivas ponderações, devendo estar
expurgadas de qualquer fator de inflação, não fundamentado nos aludidos
critérios, no respeito escrupuloso dos
princípios da legalidade, da igualdade, da boa-fé, da imparcialidade e da
justiça”. E devem urgir a definição de momentos formais de
avaliação da oralidade em Português e da dimensão prática ou experimental nas
disciplinas de Físico-Química A e Biologia e Geologia, bem como “efetuar, ao
nível dos departamentos/subdepartamentos curriculares e dos grupos de
recrutamento, um diagnóstico rigoroso sobre as causas intrínsecas ao processo
de ensino e de aprendizagem que incrementam a diferença entre as classificações
internas e as externas para lá do admitido/expectável e, consequentemente,
proceder a eventuais (re)ajustamentos nas práticas pedagógicas, monitorizando,
de forma sistemática, a sua eficácia, em ordem à consolidação das aprendizagens
dos alunos e à melhoria do seu desempenho nas provas de avaliação externa”.
Recomenda-se, de modo especial, a análise da realidade
e a reflexão sobre ela, a planificação de tarefas de aprendizagem com as diferentes
modalidades de avaliação e o recurso a diferentes instrumentos e
técnicas de avaliação, evitando a prevalência dos que envolvem a simples memorização.
Defende-se ainda a utilização da avaliação diagnóstica sempre que oportuno de
forma a definir “planos didáticos”, bem como estratégias de “diferenciação
pedagógica, de superação de eventuais dificuldades dos alunos, de facilitação
da sua integração escolar e de apoio à orientação escolar e vocacional”, bem
como a adequação da avaliação, dentro da sala de aula, ao desenvolvimento
curricular.
E não se podem subvalorizar os pais/encarregados de
educação, pedindo-lhes informações pertinentes para a prestação do serviço de
aprendizagem e dando-lhes todas as informações necessárias, a começar pelo
conhecimento dos critérios de avaliação de todas as disciplinas, e o conveniente
incentivo para a sua participação no processo de avaliação das aprendizagens –
partilha, envolvimento e responsabilização que devem ser sistemáticos e não
pontuais.
***
Ora, a IGEC, salvo no atinente ao ME, DGE e Centros de
Formação, faz sua recomendação o que está estipulado nos normativos em vigor, quando
deveria, a meu ver, verificar in loco
o esforço de aproximação das práticas correntes ao estipulado nos normativos e travar
a deriva para o acorrentamento da escola, pública ou privada, à pressão social
sobre os resultados, bem como intervir pedagogicamente no sentido de as novas
práticas de promoção do sucesso escolar ou da flexibilização curricular não constituírem
mero e pesado trabalho burocrático ou regresso puro e simples a exercícios já
caducados, como os ditos estudo acompanhado, área escola ou até algumas áreas de
projeto (muito
folclore, retórica e exibicionismo).
Deveria estar menos peso nos diretores e haver mais
inspetores, pedagogicamente mais empenhados e a intervir em mais escolas. Importa
mudar e não deixar tudo na mesma!
2018.12.05 –
Louro de Carvalho
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