Após se ter discutido na praça pública a
legitimidade (ou não) das greves dos juízes – uns constitucionalistas de renome a defender o
direito dos magistrados judiciais à greve e outros a negá-lo –, dificilmente se
esperaria que a Ministra da Justiça dirimisse a questão, a não ser que
estivesse indevidamente disponível para mais uma polémica, como sucedeu com a
eclosão demasiado temporã da pretérita polémica sobre a pretensa unicidade do
mandato do Procurador-Geral da República. Com efeito, é ao Parlamento que
incumbe por via legislativa clarificar a divergência e, à face da lei vigente,
ao Tribunal Constitucional se a questão lhe for submetida por quem de direito.
Assim, em entrevista à RTP, considerando
que área da Justiça enfrenta uma série de greves realizadas e marcadas de forma
faseada, estendendo-se até 2019, Francisca
Van Dunem assegura que não questiona, “de todo, o direito à greve, mas apenas o
momento”.
Na predita entrevista, a Ministra esclarece a sua postura e a sua perceção
das coisas:
“Não me sinto cercada. Estamos no final do
ano até começar o ano eleitoral. É natural que as estruturas sindicais pensem
que é agora ou nunca.”.
Tomando em linha de conta que a presente legislatura constitui um tempo de
“recuperação de rendimentos dos portugueses” e tendo havido “um esforço
financeiro muito grande” nessa direção, explicou que, ante a perspetiva de uma
recuperação, as pessoas querem “muito rapidamente essa recuperação financeira”,
mas ela não pode ser feita de forma integral “nesta legislatura”. A titular da
pasta da Justiça não desvaloriza essas mesmas greves, mas considera que o
momento é esclarecedor e assegura:
“Neste caso, não questiono, de
todo, o direito à greve, mas apenas o momento”.
Admite que há determinadas profissões que têm de ter “um determinado grau de humanidade e compaixão”. E, tendo em mente a
greve dos guardas prisionais na altura do Natal, a Ministra referiu-se ao nosso
contexto prisional adiantando que “temos mais presos que noutros países” e que “o nível de reincidência também é muito elevado”.
No atingente à corrupção e face aos números que indicam um aumento de
número de investigações na área da criminalidade económico-financeira, a
governante disse que Portugal não é, de todo, um país de corruptos, estando no
29.º lugar do ranking e que “tivemos um grande avanço ao nível de
capacidade de esclarecimento do crime”. Também assegurou que o país “tem legislação de combate à corrupção muito
completa”. Mas admite que lhe causa “apreensão” a
divulgação de interrogatórios judiciais nos meios de comunicação social. E disse:
“Quem está a ser interrogado está num
momento de constrangimento e que é visto pelo público, não tem a mesma
interpretação. (…) Mesmo em processos em segredo de justiça deve haver
ponderação em tornar públicos os interrogatórios.”.
Em relação à greve dos juízes, a Ministra da Justiça entende que, “se não
se criar um mecanismo em que a dimensão laboral não se exprima nessa forma,
podemos correr o risco de ter elementos menos controlados”. A partir do momento
em que a CRP (Constituição da República Portuguesa) assume que
os magistrados judiciais são titulares de órgãos de soberania, “diria que teremos então de clarificar essa questão no futuro”. Não obstante, assumiu ser defensora de que os juízes têm direito à
greve. Ora, sem se pronunciar, pronunciou-se inequivocamente, o que, a meu ver,
não lhe competia, pois não é um membro do Governo competente para dirimir uma
dúvida sobre a extensão ou a restrição dos direitos protegidos constitucionalmente;
e a expressão duma opinião meramente pessoal dum membro do Governo só complica
o debate. E Ministra devia sabê-lo por experiência,
***
O ano de 2018 foi fértil em greves na área da Justiça, com juízes, funcionários judiciais, guardas prisionais e
trabalhadores dos registos e notariado em paralisações com níveis
de adesão elevados e afetando tribunais e outros serviços.
A mais recente e a acabar o ano, provém da ASFIC (Associação
Sindical dos Funcionários de Investigação Criminal) da Polícia Judiciária a anunciar dois dias de greve para janeiro, a pretexto da falta de
pessoal e de investimento na estrutura desta polícia que investiga a
criminalidade mais grave e sofisticada, no que se inclui a corrupção e crimes
conexos.
A aumentar a onda de contestação no setor, relacionada sobretudo com o
estatuto, progressão na carreira, remuneração e falta de pessoal, foi anunciada,
há dois dias, a possibilidade de o SMMP (Sindicato
dos Magistrados do Ministério Público) convocar uma greve, em protesto pela possibilidade de
PS e PSD aprovarem no Parlamento uma alteração à composição do CSMP (Conselho Superior
do Ministério Público) de forma
que venha a ter uma maioria de representantes do poder político.
E em “maré” de greve andaram, durante o princípio e o final deste ano, os
guardas prisionais a protestar contra o atraso na revisão do estatuto
profissional, exigindo que sejam retomadas as negociações com o Ministério da
Justiça, suspensas em agosto.
Assim, no âmbito da revisão do seu estatuto, o SNCGP (Sindicato
Nacional do Corpo da Guarda Prisional) reivindica a atualização da tabela remuneratória, a criação
de novas categorias (incluindo a categoria de chefe-coordenador), um novo subsídio de turno, a alteração dos horários
de trabalho, o descongelamento das carreiras e a admissão de novos guardas para
a quase meia centena de prisões do país. E o SICGP (Sindicato
Independente do Corpo da Guarda Prisional) marcou uma greve a decorrer entre 15 de dezembro e 6
de janeiro, coincidindo, em alguns dias, com a paralisação marcada pelo SNCGP.
A este respeito, a Ministra, na mencionada entrevista, explicou: “Precisamos de tempo para ver se o que os
guardas prisionais querem é fazível em termos financeiros”.
As greves já realizadas afetaram o transporte de reclusos para os tribunais
e outras diligências, mas o cancelamento de períodos de visita aos presos
causou um motim no Estabelecimento Prisional de Lisboa e, mais tarde,
distúrbios em Custoias, distrito do Porto.
Recorde-se que os juízes, não tendo feito greve há
mais duma década, optaram este ano por esta forma de luta em protesto nacional
contra a revisão do seu Estatuto, que
julgam “incompleta”, por não contemplar reivindicações remuneratórias e de carreira. E o primeiro dia da greve convocada pela ASJP (Associação
Sindical dos Juízes Portugueses) foi o 20 de novembro, com uma adesão a rondar os 90%,
num universo de cerca de 2.300 magistrados. Outras greves parciais foram já
cumpridas e até outubro de 2019 estão previstas mais paralisações, num total de
21 dias de protesto.
Também marcaram o ano de 2018 as greves dos funcionários
judiciais, por matérias ligadas à revisão estatutária, aposentação e contagem
de tempo de serviço, tendo os protestos, muitos deles à porta dos
tribunais, levado ao cancelamento de vários julgamentos e de outras
diligências. Em junho, a greve juntou os dois sindicatos do setor, mercê da
falta de resposta imputada ao Ministério da Justiça. E, no passado dia 10, o SNR (Sindicato Nacional dos Registos) entregou um
pré-aviso de greve dos seus trabalhadores para os dias 26, 27 e 28 de dezembro,
reivindicado, entre outros pontos, a promoção imediata dos escriturários a
escriturários superiores.
***
Reagindo a este panorama de greves, Alberto
João Jardim, antigo e longevo Presidente do Governo Regional da Madeira,
opinou: “É inadmissível que tenhamos mais
greves agora do que aquele desgraçado Governo de Passos Coelho”.
Alberto João criticou o Governo de António Costa
por ter apresentado a “geringonça” como solução para a paz social e, afinal, estar
perante um clima de contestação social.
Se é verdade que o Executivo de Costa não tem tido vida fácil, enfrentado
várias e sucessivas greves, o político reformado Alberto
João Jardim, em entrevista ao Observador,
classificou a situação como “inadmissível”, explicitando a sua crítica:
“É inadmissível que, tendo o Primeiro-Ministro
António Costa apresentado ao país a solução de ‘geringonça’ como uma
necessidade de pacificação político-social, agora tenhamos mais greves do que
tinha aquele desgraçado Governo de Passos Coelho”.
Sobre o atual cenário, Jardim deixou recado aos partidos, dizendo que é
preciso que “tomem juízo”. E opinou:
“Acho que os dois partidos totalitários, o
PCP e o BE, estão a aproveitar-se da situação para carregarem no
acelerador. E os partidos à direita desses dois partidos radicais, o PS, o PSD
e o CDS, parecem uns tontinhos a fazer burocracia política. Fazem rotina,
são partidos rotineiros.”.
Avançando que, “se estes partidos não tomarem juízo, pode ser preciso criar
um novo”, garantiu que o partido de Santana Lopes, o Aliança, não conta, pois Jardim, como referiu, não se revê nas
iniciativas do líder. Com efeito, segundo afirmou, “aquilo é mais do mesmo”,
sendo apenas mais um partido do regime. Com efeito, disse, “Nem a cara é nova. É tão nova como eu”.
Admitiu que os partidos do regime correm o risco de
perderem importância, justificando a sua visão das coisas neste setor:
“E perdem importância se o regime continuar
nesta rotina, em que o país cresce menos do que os outros países europeus e em
que a Europa não chuta para a frente (para o federalismo) nem chuta para trás.
Se a política continuar rotineira, com os seus profissionais que são os apparatchik dos
partidos, e se as greves e a instabilidade social continuarem, os partidos
perdem importância.”.
E, se Costa ganhar as próximas eleições e não tiver maioria absoluta, Jardim
opina que Rui Rio deve viabilizar-lhe o Governo, justificando-se com
o interesse nacional:
“Se o preço de fazer a reforma do país for
não estar no Governo, acho que se deve pagar esse preço, pensando em termos de
interesse nacional”.
O ex-Presidente do Governo Regional da Madeira criticou a “política rotineira”
dos partidos num momento em que vê os portugueses “muito preocupados com o
Trump, com o Bolsonaro e com o Putin”, não com o que se passa no próprio país. E
observa:
“Temos todos os dias greves, gente que morre
porque não foi operada, gente que definha porque não foi tratada a tempo, temos
a classe trabalhadora sujeita à chantagem dos sindicatos, vemos a justiça a
fazer greve, vemos as forças de segurança com indisciplina social”.
Para Jardim, o cenário está composto:
“[Os partidos] estão-se a pôr a jeito para
daqui a três ou quatro anos aparecer um Bolsonaro maluco em Portugal. Ou aparecer um Maduro. E olhem que isso não é tão
difícil assim de acontecer: Portugal é o país da Europa que tem mais votos nos
partidos comunistas.”.
***
Estava longe de vir a concordar com o dinossauro da Região Autónoma da Madeira
e, durante 37 anos, dono daquilo tudo. Mas a rotineira atividade dos partidos,
sem atenção suficiente à nossa realidade, não é plausível, antes bem censurável,
e a crítica de Jardim é bem certeira.
2018.12.13 –
Louro de Carvalho
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