O último relatório do “Estado da Educação”, produzido
pelo CNE (Conselho Nacional de Educação) e editado
no passado mês de novembro, refere-se ao ano de 2016/17 e, no decurso da
análise da realidade educativa, aponta vários caminhos. Dirigentes no sistema
educativo, diretores escolares e ex-ministros refletem sobre os dados,
recomendações, alertas, e defendem um plano curricular mais prático e mais próximo
dos novos conhecimentos e das novas tecnologias, bem como um pacto em nome da
estabilidade.
As conclusões do CNE
materializam-se no seguinte:
- Está
consagrada na lei, nos recursos de aprendizagem, a institucionalização do
empréstimo de manuais escolares, em conformidade com o Parecer n.º 8/2011 (do
CNE) e que é
recorrente em muitos países europeus, mas o equipamento informático está
envelhecido e tem vindo a aumentar o número médio de alunos por computador nos
últimos três anos (vd capítulo 6.3).
- É de
recomendar um estudo rigoroso da situação de apetrechamento tecnológico da
escola, da ligação à internet e das necessidades quer de equipamento, quer de
formação e apoios técnicos.
-
Considerando o envelhecimento da população docente e a redução na procura dos
cursos de formação de professores, urge fazer e divulgar um estudo da necessidade de novos professores para os
diversos grupos de recrutamento, bem como o estudo e planeamento para técnicos e outro pessoal não docente das
escolas; e, tendo em conta as elevadas percentagens de professores do quadro, importa
perceber as razões da mobilidade docente
(vd
cap. 6.1).
- É de
repensar a organização do ensino básico, designadamente a velha questão do 2.º
ciclo (um
ano para entrar outro para sair),
dadas as dificuldades assinaladas nos anos de transição;
- Urge
institucionalizar um corpo de profissionais de desenvolvimento curricular que
procedam a revisões regulares, periódicas e sistemáticas dos programas de todos
os níveis e disciplinas, para melhor adequação dos programas aos destinatários
e aos avanços da ciência.
- Ao
invés da ideia veiculada por alguns, as mudanças introduzidas no sistema
educativo retomam uma evolução positiva anterior, procuram maior adequação do
sistema aos públicos heterogéneos que o frequentam e maior flexibilidade capaz
de suscitar novas formas educativas mais adequadas às necessidades do presente.
E, enquanto a sociedade digital pede ao sistema formação profissional avançada
nas áreas tecnológicas, a situação política mundial (com
crescentes conflitos, divisões e recuos civilizacionais) postula mais e melhor à
educação: aprendizagens profundas, duradouras, significativas e sábias que
coloquem o ser humano e o bem comum no centro da sua atuação.
***
A este respeito, Sara R.
Oliveira, no “educare.pt” fez, a 10 de dezembro, sucinta referência ao
relatório sublinhando pontos relevantes como: a continuidade da concentração do insucesso nos filhos de famílias mais carenciadas e
com menos formação; a possibilidade de acabar com o 2.º Ciclo do Ensino Básico;
a criação duma estrutura que trate da avaliação e revisão dos programas de
todas as disciplinas de forma sistemática; e a verificação do envelhecimento
dos docentes.
Depois, dá voz aos diretores escolares desta última
análise feita pelo CNE.
Assim, diz que a ANDAEP (Associação
Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas) defende, há muitos anos, um pacto na Educação
relativamente a, pelo menos dois setores: o plano curricular, para que perdure,
pelo menos, duas legislaturas completas, por ser fundamental para alunos e professores
saber o que se ensina; e a avaliação externa dos alunos, para que se mantenha,
pelo menos, 8 anos sem sofrer alterações, pois a experiência mostra um governo
de esquerda a priorizar as provas de aferição e um governo de direita a privilegiar
os exames.
A isto, Filinto Lima, presidente da ANDAEP, professor
e diretor escolar, recorda a vontade e os benefícios do pacto, nomeadamente ao
nível da estabilidade, e insiste na necessidade dum forte investimento nesta
área, referindo:
“O Orçamento do Estado 2018 traduziu-se num
autêntico balde de água fria e num rude golpe desferido na Educação, e este
corre o risco de ir pelo mesmo caminho. […] Critiquei veementemente o modo como
a Educação e os seus profissionais foram (mal)tratados, num documento
orçamental que arrasou a dignidade docente, vilipendiando o sacrifício, por
congelamento da progressão na carreira de 9 anos, 4 meses e 2 dias, tempo
exercido em docência, com a pretensão de que, passando-lhe a borracha, não
tivesse existido. Atentando nos discursos políticos reiteradamente proferidos,
não se prognosticava tal crueldade.”.
O CNE revela que 2,5 milhões de portugueses só têm o
4.º ano de escolaridade e que cerca de 5% são de analfabetos – números que nos
envergonham e impõem medidas para diminuir tais valores escandalosos no século
XXI. E a ANDAEP insiste na necessidade da aposta na educação de adultos. O CNE
dá nota de que há menos computadores nas escolas, tendo em conta o número de
alunos, e que as condições da docência são precárias, sustentando:
“As escolas necessitam de renovar o seu
parque informático, já obsoleto, e ser dotadas de rede wifi fiável pois a atual
obriga à preparação pelos professores de dois planos para a mesma aula: plano A
com recurso à internet, usando computadores ou outros instrumentos
tecnológicos; e o plano B, aula ‘tradicional’ não planeada em primeira
instância pelo professor”.
Quanto ao envelhecimento da classe docente, aumento
dos atestados médicos e aumento de 88% do número de docentes a recorrer à
mobilidade por doença, Filinto Lima, falando numa profissão de desgaste rápido
e que, por isso, poderia haver a possibilidade de, a partir dos 60 anos e até à
reforma/aposentação, os professores terem a hipótese de optar pelo exercício de
funções não letivas, diz:
“Ao nível do pessoal docente tratou-se de um
ano em que, muito provavelmente, o número de baixas médicas por depressão
(efeito do implacável burnout) foi dos mais elevados, ao ponto de, no início do
ano, os visados ainda não se encontrarem aptos para regressar ao serviço,
aguardando a convocação para Junta Médica”.
E, frisando que a escola é cada vez mais o elevador
social, sobretudo das classes desfavorecidas e que “ainda há um longo caminho a percorrer, para atenuar tamanha disparidade”,
Filinto, que tem vindo a defender a revisão do modelo de acesso ao Ensino
Superior e que seja feito um debate sério e criterioso em torno do assunto,
recorda que o diretor para a Educação da OCDE (Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Económico) referiu
que o atual modelo está refém dos exames nacionais realizados num ciclo de estudos
“sem identidade própria”.
Também não desagrada à ANDE (Associação
Nacional de Dirigentes Escolares) a
possibilidade de acabar com o 2.º Ciclo. Mas tal mudança implicará uma revisão
profunda da LBSE (Lei de Bases do Sistema Educativo), o que poderá não ser muito fácil neste momento. Diz
Manuel Pereira, presidente da ANDE:
“De facto e não alterando a atual estrutura
dos outros ciclos, a existência de um 1.º Ciclo com 6 anos é um modelo
experimentado com sucesso em boa parte dos países europeus e pode ser resposta
a um dos problemas fulcrais usualmente identificados por professores e
encarregados de educação, como é o problema da dificuldade de transição, aos
9/10 anos de um modelo em que há um só professor titular, para um modelo em que
lecionam vários professores”.
Na opinião deste dirigente, que subscrevo e já foi
tentada, essa mudança será mais tranquila por volta dos 12 anos, período de
maior maturidade intelectual e física, mas talvez provocasse alguns problemas
em termos de adaptação da classe docente, obrigando, em contrapartida, a um
processo de adaptação proativo que poderia resultar muito positivamente. Porém,
muitos dos professores que lecionam o 2.º Ciclo são já, em termos de formação
inicial, professores de educação básica “com variantes diversas”.
Preconiza o CNE a criação duma instituição, órgão ou
departamento que se dedique a tempo inteiro ao desenvolvimento curricular em nome
da fulcralidade da estabilidade. Ora, para a ANDE, a revisão regular de algumas
áreas dos programas de várias disciplinas é atitude acertada, útil e necessária
para adaptar os currículos aos novos conhecimentos e às novas tecnologias, para
acabar com a repetição de conhecimentos redundantes que se cruzam ao longo da
escolaridade nas mais diversas áreas disciplinares, independentemente de muitos
desses conhecimentos estarem também desfasados dos “grupos etários dos alunos a
que se destinam”. É, pois, urgente redimensionar as cargas curriculares,
torná-las mais apetecíveis, racionais e adaptadas às idades dos alunos; e é
fundamental tornar os currículos mais práticos, mais experimentais, menos
teóricos (sem esquecer as humanidades) e menos extensos de modo a garantir o tempo
necessário para os apreender, assimilar e compreender. E Manuel Pereira realça:
“A criação de uma instituição que se
responsabilizasse por essas áreas talvez pudesse contribuir para uma maior
racionalização e modernização do sistema educativo”.
Além disso, o Presidente da
ANDE, salientando a responsabilidade e a relevância das famílias pelos comportamentos
sociais dos seus educandos, adverte:
“A escola que temos continua a reproduzir
socialmente os seus alunos. É incontornável. De facto e não obstante o grande
esforço dos diversos atores educativos, continua a haver uma enorme
incapacidade de intervenção a montante. As famílias continuam a ser as
principais responsáveis pelos diversos comportamentos sociais dos seus
educandos, seja em termos de aprendizagem, seja em termos de expectativas ou em
termos de definição de horizontes; e, por muito que a escola faça, é sempre
preciso encontrar outras soluções junto de algumas famílias que podem passar
por apoios sociais, criação de emprego ou acompanhamento técnico das mesmas.”.
Apesar dos esforços, tem sido difícil diluir as
diferenças e garantir a igualdade e a equidade que a Constituição exige. Muito
se conseguiu, mas muito há a fazer. E Manuel Pereira sustenta:
“Continuamos, contudo, a ser testemunhas de
crianças que chegam à escola pouco cuidadas, mal alimentadas ou mal vestidas.
Continuamos a assistir, nas escolas, à proverbial redução de meios humanos ou
outros e, sem dúvida, percebemos que esta situação, infelizmente, se irá manter
por muitos anos.”.
Registando que a Ação Social Escolar tem sido importante
apoio na redução das desigualdades, este dirigente associativo alerta:
“Temos consciência de que muito resta a
fazer até chegar o dia em que a proveniência social das crianças deixe de ser o
elemento mais marcante no processo de aprendizagem e concomitante sucesso
educativo dos mesmos. […] As escolas precisam de mais recursos humanos e
técnicos. Precisam de mais meios efetivos de forma a poder acompanhar os alunos
também junto das famílias. Precisam de ser mais valorizadas e socialmente mais
acreditadas. É pela Educação que vamos!”.
Finalmente, Manuel Pereira alerta para o grande problema
que a escola atravessa: a distância de idades entre alunos e professores. A
idade média dos educadores de infância aproxima-se dos 55 anos e a dos docentes
do 1.º Ciclo ultrapassa os 50. E o Presidente da ANDE discorre:
“Esta décalage afasta uns e outros
nomeadamente em termos psicológicos e em termos de relacionamento imediato. […]
De facto, neste momento, os alunos da educação pré-escolar e do 1.º Ciclo,
genericamente, olham os respetivos professores como estando, em termos etários,
próximos dos seus avós com toda a carga psicológica que tal acarreta
nomeadamente em termos comportamentais.”.
***
Os ex-ministros da Educação David Justino
e Maria de Lurdes Rodrigues defenderam em Viseu, no passado dia 6, como refere
o “educare.pt” no dia 7, a continuidade da formação ao longo da vida, com a
ex-governante socialista a valorizar os diplomas escolares e o socialdemocrata
a valorização social e pessoal.
O ex-ministro socialdemocrata vincou:
“Hoje as pessoas estão mais abertas, mais
interessadas em recorrer à educação, mas fundamentalmente à formação ao longo
da vida, precisamente porque começam a perceber que essa formação ao longo da
vida, em vida adulta, é importante para a sua valorização pessoal e social e
para a sua capacidade de se adaptar aos novos tempos”.
E, enaltecendo os “passos importantes” dados nesta
matéria, disse que o desafio de agora é o de “preparar pessoas para cenários de
desenvolvimento que não eram os de há 10, 15 anos”. Neste sentido, defendeu
a valorização de um “conjunto de
qualificações que tem a ver com a capacidade de adaptação, com a capacidade de
resolver problemas, tem a ver com a capacidade de poder encontrar soluções para
problemas não previstos” havendo, como acrescentou, “um conjunto de novos desafios que vão colocar também novas questões a
este mundo”. E, considerando estes desafios, lançou um desafio no
decorrer do painel “Aprendizagem ao longo
da vida: Balanço de uma estratégia”, na conferência sobre o tema organizada
pelo CES (Conselho Económico e Social), em Viseu.
E desafiou:
“Vamos traçar um conjunto de três, quatro
cenários fundamentais e vamo-nos entender sobre as necessidades de apostar em
determinados domínios, nomeadamente na educação e formação e, em torno desses
cenários, com parceiros sociais, com partidos políticos, com outros atores
definir: É isto que nós queremos? Então daqui a cinco, dez anos é para aqui que
queremos ir.”.
O ex-governante socialdemocrata lembrou o que ele próprio
também fez, mas que não assume:
“Se houver convergência e esse compromisso
torna-se mais fácil, mas, caso não haja, vai continuar a assistir-se eternamente
a esta ideia de que vem um novo governo e deita tudo abaixo, faz tudo ao
contrário do anterior, e isso é que não pode continuar”.
Os domínios de educação em que se deve apostar estão
bem definidos para a também ex-ministra da Educação do Partido Socialista, que
no mesmo painel defendeu a necessidade dos diplomas escolares na aprendizagem
ao longo da vida, declarando:
“Os diplomas que têm de facto valor no mercado
são os escolares. Ter o ensino básico, o secundário, uma licenciatura, um
mestrado, um doutoramento. Os diplomas profissionais que não conferem grau são
muito importantes, mas têm um valor menor no mercado.”.
Lurdes Rodrigues defendeu que, se o objetivo a
aprendizagem ao longo da vida, tem de se resolver o problema básico da
existência de milhares de portugueses que não têm um diploma escolar”, não têm
o 9.º ano, não têm o 12.º ano, não têm ainda uma licenciatura. E disse:
“É neste campo que penso que se deve
trabalhar, na articulação com o sistema de ensino profissional não esquecendo
nunca que a aprendizagem ao longo da vida não pode ser apenas uma aprendizagem
profissional tem que ter em atenção a certificação e a habilitação escolar de
todos os cidadãos”.
Um problema que na opinião da ex-governante não se
coloca nas gerações mais novas, “porque
já incorporaram a ideia da recorrência, a ideia de que o processo de formação é
inacabado e, por isso, voltam à universidade” para mestrados e pós-graduações,
pelo que importa “apostar nas gerações
mais velhas e incentivá-las a voltar a estudar”. E vincou:
“Para isso, o discurso é muito importante, o
discurso político valorizador da aquisição de competências e da formação. Há
muitas outras ações como a acessibilidade, permitir o acesso gratuito, dar
possibilidades no local de trabalho para que as pessoas possam estudar e, nesse
sentido, a articulação com os parceiros sociais, com os empregadores é muito importante.”.
***
O que
propõe o CNE, interpretado e assumido por Filinto Lima e Manuel Pereira,
implicará uma reforma profunda no sistema, que não sei se o poder político é
capaz de conseguir. Reformar a LBSE, reorganizar o sistema educativo, rever
periodicamente currículo e programas, repensar o mecanismo do ingresso no
ensino superior são ditames que têm como inimigos a inércia, o eleitoralismo e
os interesses instalados. Surja um reformador corajoso. Estabeleça-se o pacto de
estabilidade, mas não se hesite em mudar pontualmente o que estiver mal.
2018.12.12 –
Louro de Carvalho
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