É a
advertência de António Guterres, Secretário-Geral
da ONU, neste 70.º aniversário da Declaração
Universal dos Direitos Humanos, que foi proclamada pela Assembleia Geral
das Nações Unidas, em Paris, a 10 de dezembro de 1948, pelo que, a 10 de
dezembro, é celebrado em todo o mundo o Dia Internacional dos Direitos Humanos.
Esta data
visa reconhecer e homenagear o empenho e dedicação de todos os cidadãos
defensores e paladinos dos direitos humanos e colocar um ponto final a todos os
tipos de discriminação, promovendo a igualdade entre todos os cidadãos.
Neste
ano de 2018, em que celebramos o 70.º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Dia dos Direitos Humanos, arranca com uma campanha que durará um
ano e que pretende comemorar este 70.º aniversário da Declaração.
Na
sua mensagem para a efeméride, o Secretário-Geral, António Guterres, expressou a
grande preocupação com a atual situação dos Direitos Humanos, que
constituem os alicerces das sociedades pacíficas e do desenvolvimento
sustentável, e declarou:
“Hoje, vemos hostilidades perturbadoras
em relação aos direitos humanos em todas as regiões do mundo. É necessário
contrariar essas forças negativas. A Declaração Universal dos Direitos Humanos é
o documento mais traduzido do mundo. Juntos temos de garantir que as palavras
são traduzidas em ações.”.
Também
o Alto Comissário para os Direitos Humanos alerta para o facto de a
consciência da relevância dos diretos humanos estar a ficar muito esbatida e
aponta as causas:
“Hoje, à medida que a Segunda Guerra Mundial
e o Holocausto estão cada vez mais distantes, a consciência da importância dos
Direitos Humanos parece estar a desaparecer a um ritmo alarmante e o enorme
progresso alcançado através da promulgação progressiva dos princípios dos
direitos humanos, conforme estabelecido na Declaração Universal, está a ser
cada vez mais esquecido ou deliberadamente ignorado”.
Por
isso, foi lançado um site chamado Stand Up 4 Human Rights, para marcar a campanha de um ano para comemorar o 70.º aniversário
da Declaração Universal dos Direitos
Humanos, tentando reavivar a importância deste documento paradigmático, que
os Estados subscreveram, mas que está longe de ter suficiente realização. Vejam-se
os fenómenos da fome, da dificuldade em aceder a água potável, do
analfabetismo, da dificuldade no cumprimento da escolaridade obrigatória e no
acesso ao ensino superior, das deficiências do acesso à saúde, à habitação (pela
falta de habitação condigna em muitos lugares, pela especulação imobiliária e
pelos altos cultos das rendas)
e à segurança social, da falta de participação na vida política e cultural (mercê
dos regimes totalitários e da despolitização dos cidadãos), da degradação dos salários e
das demais condições de trabalho, da mutilação genital feminina (que
vai passando da legalidade à clandestinidade), dos atentados à vida e à integridade física e psicológica, dos casamentos
forçados, do regime de pagamento da desonra familiar com a morte, das desigualdades
sociais, das discriminações de vária ordem, da migração forçada, da rejeição de
migrantes e refugiados, da exploração das pessoas, do seu trabalho, do sexo, da
devassa resultante da deficiente proteção dos dados pessoais, da cultura do
descarte, da imposição austeritária como receita para os males socioeconómicos,
do custo gravoso dos bens essenciais, da prisão sem culpa formada, da
ineficácia e morosidade da justiça, da publicidade enganosa ao consumidor, da
falta de proteção de pessoas e bens, da mão humana m desastres ecológicos e,
ainda, das perseguições religiosas, que deveria ser ausente do surto
civilizacional e cultura vigente.
Enfim,
há muito que meditar e fazer: ver, julgar e agir.
***
Portugal, neste Dia Internacional dos Direitos Humanos, celebra as
conquistas alcançadas e reflete sobre o caminho que ainda
falta percorrer para garantir a universalidade destes direitos, como vem
divulgado num comunicado do MNE (Ministério dos Negócios Estrangeiros).
Segundo o
aludido comunicado, “o Dia Internacional
dos Direitos Humanos reveste-se, este ano, de especial importância por se
comemorar também o 40.º aniversário da adesão do nosso país à Convenção
Europeia dos Direitos Humanos”. Por outro lado, o documento refere que “o sistema de proteção dos Direitos Humanos
das Nações Unidas e do Conselho da Europa é uma das grandes conquistas do
século XX. A realização dos Direitos Humanos não é, contudo, um dado adquirido
– há riscos de estagnação e de retrocesso que devemos combater”.
De acordo com
o MNE, o 70.º aniversário da Declaração
Universal dos Direitos Humanos e o 40.º aniversário da adesão de Portugal à
Convenção Europeia dos Direitos Humanos
têm sido assinalados com um vasto programa de comemorações, que “visou conferir
maior visibilidade aos Direitos Humanos, promovendo uma cidadania ativa e uma
sensibilização para os direitos de todos, designadamente através da educação
para os direitos humanos”.
Portugal,
segundo o comunicado do MNE, renova hoje “o compromisso incondicional com a
Declaração Universal dos Direitos Humanos e a Convenção Europeia do Direitos
Humanos, com os seus valores e princípios intemporais – todos somos livres e
iguais em dignidade e em direitos”.
É pena que,
no 20.º aniversário a entrega do Nobel da Literatura a Saramago, não se tenha levantado
um movimento pela Carta dos Deveres, para, como propunha o escritor, o mundo
venha a ser um pouco melhor,
***
Por seu turno, o Papa Francisco proclama que
todos têm o direito de serem felizes.
Com efeito,
no âmbito da comemoração da adoção da Declaração Universal dos Direitos Humanos
pela Assembleia Geral da ONU, a 10 de dezembro de 1948, o Vatican News quer repropor algumas reflexões do Papa Francisco
sobre o tema.
Começa por
verificar a existência duma significativa relação entre a mensagem evangélica e
o reconhecimento dos direitos humanos, lidos no espírito dos compiladores da Declaração Universal dos Direitos Humanos”.
Foi o Papa quem o apontou no discurso ao Corpo Diplomático pronunciado no
início deste ano e dedicado ao 70.º aniversário deste importante documento
aprovado pela Assembleia Geral da ONU. Na verdade, o texto reconhece que a “dignidade inerente a todos os membros da
família humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis constitui o fundamento
da liberdade e da paz no mundo”.
Porém, sublinha-se que hoje a realidade
é bem mais complexa que a de há 70 anos. O Santo Padre reconhece que, “ao longo
dos anos – sobretudo depois das agitações sociais de 1968 –, se foi
progressivamente modificando a interpretação de alguns direitos, a ponto de se
incluir uma multiplicidade de ‘novos direitos’, não raro contrapondo-se
entre si”. Ora, como facilmente se pode verificar numa atitude atenta dos sintomas,
“isto nem sempre favoreceu a promoção de
relações amigas entre as nações, porque se afirmaram noções controversas dos
direitos humanos que contrastam com a cultura de muitos países, que, por isso
mesmo, não se sentem respeitados nas suas próprias tradições socioculturais,
antes se veem transcurados nas necessidades reais que têm de enfrentar”.
Uma consequência deste estado de coisas é a possibilidade de “haver o risco –
de certa forma paradoxal – de que, em nome dos próprios direitos humanos, se venham
a instaurar formas modernas de colonização ideológica dos mais fortes e dos
mais ricos em detrimento dos mais pobres e dos mais fracos”. Por outro
lado e ao mesmo tempo, “é bom ter presente que as tradições dos diversos povos
não podem ser invocadas como pretexto para descurar o devido respeito dos
direitos fundamentais enunciados pela
Declaração Universal dos Direitos Humanos” (cf Discurso ao Corpo Diplomático, 8 de janeiro de 2018).
O reino da
força e da prepotência continua a impor-se à força da razão e da nobreza da dignidade.
Neste cenário, sucede que muitos
direitos continuam a ser violados, seja porque se esquece o dever de todos os
respeitarem e de os Estados promoverem e exigirem o respeito pelo seu exercício
cabal. Mas acontece que, muitas vezes, são os próprios Estados a violá-los e a
fazer vista grossa em relação a quem os desrespeita ou contorna de forma mais
hábil e disfarçada ou de maneira mais deslavada e ostensiva.
A este
respeito, Francisco afirma:
“Setenta anos depois, faz pena assinalar como muitos direitos fundamentais
são violados ainda hoje. E, primeiro dentre eles, o direito à vida, à liberdade
e à inviolabilidade de cada pessoa humana. A lesá-los, não são apenas a guerra
ou a violência. No nosso tempo, há formas mais subtis: penso, antes de mais
nada, nas crianças inocentes, descartadas ainda antes de nascer; às vezes não
queridas, apenas porque doentes ou malformadas ou pelo egoísmo dos adultos.
Penso nos idosos, também eles muitas vezes descartados, sobretudo se estão
doentes, porque são considerados um peso. Penso nas mulheres, que muitas vezes
sofrem violências e prepotências, mesmo no seio das suas famílias. Penso depois
em todos aqueles que são vítimas do tráfico de pessoas, no que viola a
proibição de toda e qualquer forma de escravatura. Quantas pessoas, especialmente
em fuga da pobreza e da guerra, acabam objeto de tal traficância perpetrada por
sujeitos sem escrúpulos!” (Discurso
ao Corpo Diplomático, 8 de janeiro de 2018).
Para o Papa
Francisco o primeiro direito fundamental é o da vida. Assim, a Igreja defende
os direitos de cada pessoa, mas em particular sente-se chamada a defender os
direitos dos mais fracos, dos que não podem defender-se e tem de vergastar
aqueles que promovem ou deixam campear a fome no mundo como se as bocas dos
outros não tivessem direito ao alimento. E o Pontífice aponta a ausência dos
deveres no discurso e na ação de muitos formadores de opinião:
“Hoje fala-se muito de direitos, esquecendo com muita frequência os
deveres; talvez nos tenhamos preocupado demasiado pouco por quantos sofrem a
fome. Além disso é doloroso constatar que a luta contra a fome e a desnutrição
é obstada pela ‘prioridade de mercado’, e pela ‘primazia do lucro’, que
reduziram os alimentos a uma mercadoria qualquer, sujeita a especulações, até
financeiras. E quando se fala de novos direitos, o faminto está ali, na esquina
da rua, e pede o direito de cidadania, pede para ser considerado na sua
condição, para receber uma alimentação básica sadia. Pede-nos dignidade, não
esmola” (Discurso à FAO, 20 de
novembro de 2014).
Por fim, o Papa Bergoglio proclama o direito de ser feliz. Para Francisco há um direito entre todos que é uma
aspiração comum: “O ser humano é uma
criatura deste mundo, que tem direito de viver e ser feliz” (Laudato si’,
44). E sustenta que os cristãos
desejam realizar este direito à felicidade levando a todos a alegria do
Evangelho. Com efeito, como refere,
“Deus deseja a felicidade dos seus filhos também nesta terra, embora
estejam chamados à plenitude eterna, porque Ele criou todas as coisas ‘para
nosso usufruto’, para que todos possam usufruir delas (…). Pode ser missionário
apenas quem se sente bem em buscar o bem do próximo, quem deseja a felicidade
dos outros (…). Por isso, se consigo ajudar uma só pessoa a viver melhor, isso
já é suficiente para justificar o dom da minha vida.” (Evangelii gaudium, 182).
***
Festejemos a
efeméride, congratulemo-nos com as conquistas alcançadas, mas reflitamos sobre
o muito que é preciso fazer. Talvez o Natal que se está a viver seja uma boa
oportunidade para a reflexão nesta matéria e para a tomada de decisão solidaria,
em frente do presépio, em proveito dos que se veem arredados do exercício dos
seus direitos. Talvez a consciência mais apurada dos deveres constitua uma boa
ajuda.
2018.12.10 – Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário