quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

Também em Portugal os coletes amarelos protestam


Assumem-se como “movimento pacífico e apartidário” e pretendem ser “a voz da insatisfação” dos portugueses a formular reivindicações que passam pela exigência do salário mínimo de 700 euros e da pensão mínima de 500 euros, bem como pela reforma do SNS (Serviço Nacional de Saúde), baixa de impostos, redução do número de deputados para metade e medidas para acabar com os privilégios da classe política.  
Em vésperas do que anunciam como o momento de “Parar Portugal” – 21 de dezembro –, o autodenominado MCAP (Movimento dos Coletes Amarelos portugueses) divulgou, no dia 19, pelo Facebook, o seu manifesto e respetivo caderno reivindicativo para o protesto que está a ser organizado nas redes sociais. Segundo o Expresso, a PSP já recebeu comunicação de 74 ações de manifestação previstas para várias localidades e organizadas por 16 grupos, abrangendo pelo menos 20 cidades. O manifesto, inspirado no congénere movimento de França, tenta congregar vontades para uma manifestação de desagrado e pretende a “união e apoio de todos os grupos e indivíduos, vulgo “coletes amarelos”, insatisfeitos com os variados problemas da atualidade no país e que se encontram dispostos a protestar. Gizado por um “Movimento pacífico, apartidário, sem fins lucrativos”, o manifesto tem como principal objetivo “acordar e informar toda a população” e “mobilizar e unir a voz e interesses comuns” das diversas iniciativas que estão a ser convocadas para o protesto. Porém, não tolera “qualquer tipo de violência, vandalismo ou danos”, pois a “principal intenção” é “dar voz aos portugueses de forma unânime e organizada”.
O caderno reivindicativo é vasto e transversal, surgindo à cabeça a redução de impostos e taxas e, desde logo, com a redução do IVA e IRC e a concessão de incentivos fiscais e outros às micro e pequenas empresas”, para elas poderem pagar, “com a correspondente taxação às grandes empresas e multinacionais, com base na sua margem de lucro. Vem, logo a seguir, o fim do ISP (imposto sobre os produtos petrolíferos) e a redução para metade do IVA dos combustíveis e gás natural. E a matéria fiscal fica concluída com a redução das taxas sobre a eletricidade, com incidência nas “taxas de audiovisual e de emissão de dióxido de carbono”.
Em segundo lugar, surge o aumento de rendimentos: salário mínimo para 700 euros, bastando cortar nas pensões acima de 2 mil euros; pensão mínima para 500 euros; aumento imediato do subsídio de desemprego, com contrapartida do corte das pensões acima dos cinco mil euros.
A idade da reforma dos políticos deve passar para os 66 anos como a dos restantes portugueses e deve ser imediato o fim ou o corte das subvenções vitalícias para os políticos. Deve reduzir-se para metade o número de deputados no Parlamento, proceder-se à imediata averiguação das suas falsas moradas com a obrigação de reembolso pelos que mentiram ou omitiram e, em geral, o fim “das mordomias de toda a classe política”.
Por fim, exige-se a reforma do SNS, a revitalização do setor primário e do secundário, destruídos “pela incompetência de sucessivos governos”, o respeito pelo direito à habitação e o fim da crise imobiliária. Neste último ponto, pretende-se a reversão dos “imóveis penhorados pela banca a famílias com rendimentos abaixo dos 10 mil euros por ano”.
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Os coletes amarelos saem pacificamente às ruas para darem a conhecer as suas reivindicações, prometendo parar Portugal a partir das 7 horas da manhã deste dia 21. Os pontos de encontro estão definidos e as reivindicações circulam através dum manifesto no Facebook. À TSF Ana Vieira, a porta-voz do MCAP, declarou que o objetivo do grupo é fazer com que o Governo tome medidas e desencadeie ações conducentes à aplicação das mesmas:
Queremos que os nossos governantes nos ouçam e tomem medidas face ao que tem sido exposto há alguns anos e que tem feito o comum mortal ficar com as condições de vida que neste momento tem. Não são boas a nível geral e por isso é que temos a adesão que temos tido”.
Embora inspirado nos protestos e reivindicações dos “gillets jaunes” franceses, diz-se “pacífico, apartidário, sem fins lucrativos, e de união”, garantindo que a inspiração nos franceses não diz respeito às reivindicações, mas ao “simbolismo do colete e à união que isso representou”.
Sabendo que existem outros movimentos, que alguns prometem causar desacatos – grupos esses que não serão apoiados por este movimento –, e que podem juntar-se questões políticas, algo que não deverá ter lugar neste protesto, declara:
Queremos que tudo seja pacífico, não somos adeptos nem vamos apoiar os grupos de desacato que irão lá estar com certeza […] Vamos tentar dissuadir qualquer atitude dessas. Relativamente às questões políticas de direita e de esquerda, aquilo que tenho a dizer é isto: se há motivo forte o suficiente para que o povo português se levante, nada tem a ver com a cor da camisola.”.
Minutos depois das 18 horas do dia em que foi divulgado o manifesto, surgiu uma sua nova versão em que se reiteram as reivindicações, mas se clarificam as intenções, como por exemplo, “é preciso que a exploração das massas acabe”, pois “existem fortunas à conta da exploração de terceiros”, havendo centenas de pontos de crítica como este. Reitera-se a intenção são de “dar voz aos portugueses de forma unânime e organizada” e exige-se um “Estado com mais rigor e uma democracia mais transparente na qual possamos confiar e melhores condições”, mas sem tolerar qualquer tipo de violência e vandalismo ou quaisquer danos pessoais ou a terceiros.
Os problemas identificados vão da forma de organização do Governo à quantidade de impostos cobrados, passando pelo valor do salário mínimo. No entanto, o assunto mais revoltante é expresso numa palavra, escrita e lida vezes sem conta: “corrupção”.
Como para uns as reivindicações são 18, outros que são 12 e outros que são 8 – talvez por serem diferentes formas de arrumar os pontos do caderno reivindicativo, dá-se voz à versão da TSF  
São 8 as reivindicações apresentadas pelo MCAP no manifesto que faz circular pelas redes.
A primeira atinge, como foi dito, a “redução de taxas e impostos” e a “concessão de incentivos fiscais e outros, para as micro e pequenas empresas.
Junta-se-lhe a vontade de “acabar com as comissões bancárias” e de não só pôr fim à “injeção de capital em bancos privados” como também “exigir que seja reposto o que foi retirado”.
O salário mínimo é o ponto central da reivindicação seguinte: o MCAP pede o aumento imediato para os 700 euros, indicando que basta “proceder ao corte nas pensões acima de 2.000 euros” (na versão final do documento, não se indica valor para o salário mínimo nem se sugere qualquer corte). Na senda dos aumentos, vem o subsídio de desemprego, sendo pedido o aumento do valor e da vigência, bastando “proceder ao corte nas pensões milionárias acima de 5.000 euros”. Porém, na versão final, não se indica um valor, pedindo-se a “revisão dos valores de subsídio de desemprego, rendimento mínimo e rendimento de reinserção, passando pela discussão com representantes próximos das populações” e “uma análise rigorosa das necessidades e rendimentos reais”. Também as pensões e reformas devem ter aumentos: a pensão para os 500 euros, referindo que, para possibilitar esse aumento, basta “proceder aos cortes/medidas acima referidos”. Porém, no documento final, é eliminado o valor de 500 euros, apenas sendo pedida a diminuição das “disparidades nas pensões de reforma”, especialmente nas mais baixas, que têm de “permitir o acesso com dignidade aos bens essenciais e recompensar justamente quem trabalhou e se sacrificou pelo país”.
A estes cortes, junta-se a intenção de impor aos políticos a reforma aos 66 anos de idade, isto porque “a política não é uma carreira” e todas as mordomias da classe política.
É no quinto ponto que surge a palavra “corrupção” (custa “18 mil milhões de euros aos contribuintes”) e as medidas propostas para o seu combate. O MCAP quer a “adoção imediata de medidas visíveis e expressas de combate contra a corrupção no Governo, na Administração Pública, nos serviços públicos” e nos setores empresarial e bancário. Para tanto, propõe a criação dum Código Penal “mais rigoroso” e o investimento na criação de “unidades especializadas independentes na prevenção e combate à corrupção”, sendo aqui esmiuçadas outras das questões que MCAP associa ao problema, entre eles, o das falsas presenças. Para o resolver, propõe a “redução para metade do número de deputados” no Parlamento e a “adoção de sistemas biométricos/leitura ótica/etc., para registo de assiduidade/presença no Parlamento”. São mencionadas as “falsas moradas”. E o MCAP quer ver o caso “sob escrutínio público” e com “obrigação de reembolso” e, numa espécie de síntese, pede o fim das “mordomias de toda a classe política portuguesa”. E, na versão final do documento, o MCAP acrescenta a “averiguação e comunicação imediatas às populações dos gastos de toda a classe política portuguesa”. Quanto Código Penal, além da criação de unidades especiais de combate à corrupção, entende como necessária a investigação e punição efetivas de “todos os crimes de corrupção, passados e futuros”, bem como a “responsabilização criminal dos atos de gestão danosa e corrupção”, acrescentando que deve ser vedado a pessoas “julgadas e condenadas por corrupção o acesso a cargos políticos e públicos”. Também a Lei Eleitoral é alvo de alterações. Em relação à 1.ª versão do documento, mantém-se a redução do número de deputados para metade e acrescenta-se a intenção de a eleição ser feita por voto direto. Fora do Parlamento, há mais alterações: o MCAP pretende “reduzir do número de Ministros e Secretários de Estado” e a criação de “regras explícitas e transparentes acerca dos direitos e deveres”, não só dos membros do Governo e da Assembleia da República, mas de todos os elementos pertencentes às classes políticas. No respeitante à apresentação de contas, o MCAP acrescenta querer a revelação das despesas com os órgãos do Estado, parcerias público-privadas, instituições e organismos que duma forma ou outra dependem das contribuições dos cidadãos. Neste ponto, mantém a intenção de impor a reforma aos 66 anos para os políticos e o fim imediato/corte das subvenções vitalícias. Na versão finalizada, o MCAP abre novo ponto, ver aplicados a toda a população portuguesa os seguintes itens: recompensar com justiça todos os trabalhadores que prestam auxílio às populações; descentralizar e dotar de infraestruturas adequadas as populações menos favorecidas e que vivem longe dos centros urbanos; e garantir o fornecimento de “serviços de saúde e de educação gratuitos e de qualidade”.
Também no SNS urge a mudança, porque não consegue prestar um serviço de qualidade. Sendo o SNS controlado pelos lóbis “da indústria farmacêutica e da clínica privada”, pede-se o fim da prática existente entre as necessidades do doente e os lucros da indústria farmacêutica e entre o valor de uso e o valor de troca de medicamentos, face ao poder de compra dos Portugueses (para contribuir para impedir o enriquecimento pessoal de políticos que servem os interesses da indústria farmacêutica).
Abordam-se, em seguida, os setores primário e secundário, “destruídos por sucessivos governos incompetentes”. Propõe-se o movimento que o setor primário veja criadas condições “para que a produção e exportação das matérias-primas passem a ter um valor agregado”, tomando como exemplo os produtos industrializados, “com o devido controlo da qualidade de produção, através da exploração de verdadeiros recursos da natureza”. No atinente ao setor secundário, o MCAP lembra a importância económica do mesmo, principalmente “do lucro obtido na comercialização, que poderá ser significativo para o nosso País”.
O último ponto reivindicativo prende-se com o setor imobiliário e o direito à habitação, sendo as duas questões prioritárias acabar com a especulação imobiliária e reverter a penhora de imóveis, por parte da banca, a famílias com rendimentos abaixo dos 10.000 euros por ano .
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Segundo o Expresso, os 16 grupos identificados com a organização dos protestos dos coletes amarelos para o dia 21 reuniram-se com a PSP nos últimos dias. Assim, a PSP recebeu a informação de 74 ações de protesto um pouco por todo o país, sendo que Lisboa e Porto lideram o número de protestos agendados, seguindo-se-lhes Aveiro e Braga. No total, 12 câmaras municipais foram já alertadas com antecedência para os protestos: Lisboa, Porto, Aveiro, Braga, Castelo Branco, Coimbra, Faro, Guarda, Leiria, Santarém, Viana do Castelo, Viseu. Também os Açores e a Madeira têm informação formal das manifestações.
A PSP não vai tolerar cortes de estrada, mas garante que os agentes vão agir com “bom senso”. E, descartando a colagem destes movimentos às ações violentas em França, promete que “todas as ações de potencial criminoso serão levadas a tribunal”. Uma fonte da PSP garante que não se toleram cortes de estradas, mas que se agirá “com bom senso” em episódios mais extremos:
Qualquer colagem ao que aconteceu em França é um exagero. Nada aponta nesse sentido. Mas todas as ações de potencial criminoso serão levadas a tribunal”.
Quanto a elementos ligados aos episódios que ocorreram nos últimos sábados em França terem viajar para Portugal para participar no evento, PSP resposta diz não ter informações que colem iniciativas às nossas. Também não foi preciso as autoridades portuguesas irem a França para terem algum know-how sobre os tumultos nas ruas.
Os autores dos protestos queixam-se nas redes sociais da existência de infiltrados das forças das autoridades nestes movimentos. Algo que a PSP nega taxativamente:
Teremos indivíduos à civil a monitorizar as ações, mas não infiltrados. Será um acompanhamento selecionado e já trabalhado, com base em intelligence.”.
No caso de a violência chegar às ruas, a PSP tem o Corpo de Intervenção de reserva “para qualquer eventualidade de desordem pública”. Mas a mesma fonte é taxativa:
Nunca confundiremos uma parte com o todo. Estamos preparados operacionalmente. Temos todo o efetivo operacional no terreno à exceção dos que estão de férias.”.
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Protestos destes não inéditos em Portugal. Há 10 anos, o MUSP (Movimento dos Utentes dos Serviços Públicos) organizou um buzinão na Ponte 25 de Abril contra o aumento dos combustíveis e do custo de vida, que se estendeu a outras cidades. Passavam 14 anos do grande bloqueio da Ponte pelos camionistas, em 1994, contra o aumento das portagens de 100 para 150 escudos. A 12 de março de 2011, as manifestações da “Geração à Rasca” mobilizaram mais de 100 mil pessoas em Lisboa contra a precariedade. Um ano depois, a 15 de setembro, o movimento “Que se Lixe a Troika” punha nas ruas um milhão de pessoas contra a austeridade.
Para quem organizou tais manifestações, a este protesto falta “clareza”, “objetivos concretos” e rostos. É aí que reside o risco. E penso que o caderno reivindicativo é muito extenso e, nalguns casos, implica a revisão da Constituição (vg redução do numero de deputados para metade). Esperemos.
2018,12.20 Louro de Carvalho

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