Assumem-se
como “movimento pacífico e apartidário” e pretendem ser “a voz da insatisfação” dos portugueses a formular reivindicações que
passam pela exigência do salário mínimo de 700 euros e da pensão mínima de 500
euros, bem como pela reforma do SNS (Serviço Nacional de Saúde), baixa de impostos, redução do número de deputados para
metade e medidas para acabar com os privilégios da classe política.
Em vésperas do que anunciam como o momento de “Parar Portugal” – 21 de dezembro –, o autodenominado MCAP (Movimento dos
Coletes Amarelos portugueses) divulgou, no
dia 19, pelo Facebook, o seu
manifesto e respetivo caderno reivindicativo para o protesto que está a ser
organizado nas redes sociais. Segundo o
Expresso, a PSP já recebeu comunicação de 74 ações de manifestação
previstas para várias localidades e organizadas por 16 grupos, abrangendo pelo
menos 20 cidades. O manifesto, inspirado no congénere movimento de França, tenta
congregar vontades para uma manifestação de desagrado e pretende a “união e
apoio de todos os grupos e indivíduos, vulgo “coletes amarelos”, insatisfeitos com os variados problemas da
atualidade no país e que se encontram dispostos a protestar. Gizado por um “Movimento pacífico, apartidário, sem fins
lucrativos”, o manifesto tem como principal objetivo “acordar e informar
toda a população” e “mobilizar e unir a voz e interesses comuns” das diversas
iniciativas que estão a ser convocadas para o protesto. Porém, não tolera “qualquer
tipo de violência, vandalismo ou danos”, pois a “principal intenção” é “dar voz
aos portugueses de forma unânime e organizada”.
O caderno reivindicativo é vasto e transversal, surgindo à cabeça a redução
de impostos e taxas e, desde logo, com a redução do IVA e IRC e a concessão de
incentivos fiscais e outros às micro e pequenas empresas”, para elas
poderem pagar, “com a correspondente
taxação às grandes empresas e multinacionais, com base na sua margem de lucro”. Vem, logo a seguir, o fim do ISP (imposto
sobre os produtos petrolíferos) e a
redução para metade do IVA dos combustíveis e gás natural. E a matéria fiscal
fica concluída com a redução das taxas sobre a eletricidade, com incidência nas
“taxas de audiovisual e de emissão de dióxido de carbono”.
Em segundo lugar, surge o aumento de rendimentos: salário mínimo para 700
euros, bastando cortar nas pensões acima de 2 mil euros; pensão mínima para 500
euros; aumento imediato do subsídio de desemprego, com contrapartida do corte
das pensões acima dos cinco mil euros.
A idade da reforma dos políticos deve passar para os 66 anos como a dos
restantes portugueses e deve ser imediato o fim ou o corte das subvenções
vitalícias para os políticos. Deve reduzir-se para metade o número de deputados
no Parlamento, proceder-se à imediata averiguação das suas falsas moradas com a
obrigação de reembolso pelos que mentiram ou omitiram e, em geral, o fim “das
mordomias de toda a classe política”.
Por fim, exige-se a reforma do SNS, a revitalização do setor primário e do secundário,
destruídos “pela incompetência de sucessivos governos”, o respeito pelo direito
à habitação e o fim da crise imobiliária. Neste último ponto, pretende-se a
reversão dos “imóveis penhorados pela banca a famílias com rendimentos abaixo
dos 10 mil euros por ano”.
***
Os coletes
amarelos saem pacificamente às ruas para darem a conhecer as suas
reivindicações, prometendo parar Portugal a partir das 7 horas da manhã
deste dia 21. Os pontos de encontro estão definidos e as reivindicações circulam
através dum manifesto no Facebook. À TSF Ana Vieira, a porta-voz do MCAP,
declarou que o objetivo do grupo é fazer com que o Governo tome medidas e
desencadeie ações conducentes à aplicação das mesmas:
“Queremos
que os nossos governantes nos ouçam e tomem medidas face ao que tem sido
exposto há alguns anos e que tem feito o comum mortal ficar com as condições de
vida que neste momento tem. Não são boas a nível geral e por isso é que temos a
adesão que temos tido”.
Embora inspirado nos protestos e reivindicações dos “gillets jaunes”
franceses, diz-se “pacífico, apartidário, sem fins lucrativos, e de união”, garantindo
que a inspiração nos franceses não diz respeito às reivindicações, mas ao “simbolismo
do colete e à união que isso representou”.
Sabendo que existem outros movimentos, que alguns prometem causar
desacatos – grupos esses que não serão apoiados por este movimento –, e que
podem juntar-se questões políticas, algo que não deverá ter lugar neste
protesto, declara:
“Queremos
que tudo seja pacífico, não somos adeptos nem vamos apoiar os grupos de
desacato que irão lá estar com certeza […] Vamos tentar
dissuadir qualquer atitude dessas. Relativamente às questões políticas de
direita e de esquerda, aquilo que tenho a dizer é isto: se há motivo forte o
suficiente para que o povo português se levante, nada tem a ver com a cor da
camisola.”.
Minutos depois das 18 horas do dia em que foi divulgado o manifesto,
surgiu uma sua nova versão em que se reiteram as reivindicações, mas se
clarificam as intenções, como por exemplo, “é preciso que a exploração das
massas acabe”, pois “existem fortunas à conta da exploração de terceiros”,
havendo centenas de pontos de crítica como este. Reitera-se a intenção são de “dar
voz aos portugueses de forma unânime e organizada” e exige-se um “Estado com
mais rigor e uma democracia mais transparente na qual possamos confiar e melhores
condições”, mas sem tolerar qualquer tipo de violência e vandalismo ou quaisquer
danos pessoais ou a terceiros.
Os problemas identificados vão da forma de organização
do Governo à quantidade de impostos cobrados, passando pelo valor do salário
mínimo. No entanto, o
assunto mais revoltante é expresso numa palavra, escrita e lida vezes sem conta:
“corrupção”.
Como para uns as reivindicações são 18, outros que são 12 e outros que
são 8 – talvez por serem diferentes formas de arrumar os pontos do caderno
reivindicativo, dá-se voz à versão da TSF
São 8 as reivindicações apresentadas pelo MCAP no manifesto que faz
circular pelas redes.
A primeira atinge, como foi dito, a “redução de taxas e impostos” e a “concessão
de incentivos fiscais e outros, para as micro e pequenas empresas.
Junta-se-lhe a vontade de “acabar com as comissões bancárias” e de não
só pôr fim à “injeção de capital em bancos privados” como também “exigir que
seja reposto o que foi retirado”.
O salário mínimo é o ponto central da reivindicação seguinte: o
MCAP pede o aumento imediato para os 700 euros, indicando que basta
“proceder ao corte nas pensões acima de 2.000 euros” (na versão final
do documento, não se indica valor para o salário mínimo nem se sugere qualquer
corte). Na senda dos aumentos, vem
o subsídio de desemprego, sendo pedido o aumento do valor e da vigência, bastando
“proceder ao corte nas pensões milionárias acima de 5.000 euros”. Porém, na
versão final, não se indica um valor, pedindo-se a “revisão dos valores de
subsídio de desemprego, rendimento mínimo e rendimento de reinserção, passando
pela discussão com representantes próximos das populações” e “uma análise
rigorosa das necessidades e rendimentos reais”. Também as pensões e
reformas devem ter aumentos: a pensão para os 500 euros,
referindo que, para possibilitar esse aumento, basta “proceder aos
cortes/medidas acima referidos”. Porém, no documento final, é eliminado o valor
de 500 euros, apenas sendo pedida a diminuição das “disparidades nas
pensões de reforma”, especialmente nas mais baixas, que têm de “permitir o
acesso com dignidade aos bens essenciais e recompensar justamente quem
trabalhou e se sacrificou pelo país”.
A estes cortes, junta-se a intenção de impor aos políticos
a reforma aos 66 anos de idade, isto porque “a política não é uma carreira” e todas as mordomias da
classe política.
É no quinto ponto que surge a palavra “corrupção” (custa “18 mil
milhões de euros aos contribuintes”) e as medidas propostas para o seu
combate. O MCAP quer a “adoção imediata de medidas visíveis e expressas
de combate contra a corrupção no Governo, na Administração Pública, nos
serviços públicos” e nos setores empresarial e bancário. Para
tanto, propõe a criação dum Código Penal “mais rigoroso” e o investimento na
criação de “unidades especializadas independentes na prevenção e combate à
corrupção”, sendo aqui esmiuçadas outras das questões que MCAP associa
ao problema, entre eles, o das falsas presenças. Para o resolver, propõe a “redução
para metade do número de deputados” no Parlamento e a “adoção
de sistemas biométricos/leitura ótica/etc., para registo de
assiduidade/presença no Parlamento”. São mencionadas as
“falsas moradas”. E o MCAP quer ver o caso “sob escrutínio público” e
com “obrigação de reembolso” e, numa espécie de síntese, pede o fim das “mordomias
de toda a classe política portuguesa”. E, na versão final do documento,
o MCAP acrescenta a “averiguação e comunicação imediatas às populações dos
gastos de toda a classe política portuguesa”. Quanto Código Penal, além da
criação de unidades especiais de combate à corrupção, entende como necessária a
investigação e punição efetivas de “todos os crimes de corrupção, passados e
futuros”, bem como a “responsabilização criminal dos atos de gestão
danosa e corrupção”, acrescentando que deve ser vedado a pessoas “julgadas
e condenadas por corrupção o acesso a cargos políticos e públicos”. Também
a Lei Eleitoral é alvo de alterações. Em relação à 1.ª versão do documento,
mantém-se a redução do número de deputados para metade e acrescenta-se a intenção
de a eleição ser feita por voto direto. Fora do
Parlamento, há mais alterações: o MCAP pretende “reduzir do número de Ministros
e Secretários de Estado” e a criação de “regras explícitas e transparentes
acerca dos direitos e deveres”, não só dos membros do Governo e da Assembleia
da República, mas de todos os elementos pertencentes às classes políticas. No
respeitante à apresentação de contas, o MCAP acrescenta querer a revelação das despesas
com os órgãos do Estado, parcerias público-privadas, instituições e organismos que duma
forma ou outra dependem das contribuições dos cidadãos. Neste ponto, mantém
a intenção de impor a reforma aos 66 anos para os políticos e o fim imediato/corte
das subvenções vitalícias. Na versão finalizada, o MCAP abre novo ponto, ver
aplicados a toda a população portuguesa os seguintes itens: recompensar com
justiça todos os trabalhadores que prestam auxílio às populações; descentralizar
e dotar de infraestruturas adequadas as populações menos favorecidas e que vivem
longe dos centros urbanos; e garantir o fornecimento de “serviços de saúde e de
educação gratuitos e de qualidade”.
Também no SNS urge a
mudança, porque não
consegue prestar um serviço de qualidade. Sendo o SNS controlado
pelos lóbis “da indústria farmacêutica e da clínica privada”, pede-se o
fim da prática existente entre as necessidades do doente e os lucros da
indústria farmacêutica e entre o valor de uso e o valor de troca de
medicamentos, face ao poder de compra dos Portugueses (para contribuir
para impedir o enriquecimento pessoal de políticos que servem os interesses da
indústria farmacêutica).
Abordam-se, em seguida, os setores primário e secundário, “destruídos
por sucessivos governos incompetentes”. Propõe-se o movimento que
o setor primário veja criadas condições “para que a produção e exportação das matérias-primas
passem a ter um valor agregado”, tomando como exemplo os produtos
industrializados, “com o devido controlo da qualidade de produção, através da
exploração de verdadeiros recursos da natureza”. No atinente ao setor
secundário, o MCAP lembra a importância económica do mesmo, principalmente “do
lucro obtido na comercialização, que poderá ser significativo para o nosso País”.
O último ponto reivindicativo prende-se com o setor imobiliário e o
direito à habitação, sendo as duas questões prioritárias acabar com a
especulação imobiliária e reverter a penhora de
imóveis, por parte da banca, a famílias com rendimentos abaixo dos 10.000 euros
por ano .
***
Segundo o Expresso, os 16 grupos
identificados com a organização dos protestos dos coletes amarelos para o dia
21 reuniram-se com a PSP nos últimos dias. Assim, a PSP recebeu a informação de
74 ações de protesto um pouco por todo o país, sendo que Lisboa e Porto lideram
o número de protestos agendados, seguindo-se-lhes Aveiro e Braga. No total, 12
câmaras municipais foram já alertadas com antecedência para os protestos:
Lisboa, Porto, Aveiro, Braga, Castelo Branco, Coimbra, Faro, Guarda, Leiria,
Santarém, Viana do Castelo, Viseu. Também os Açores e a Madeira têm informação
formal das manifestações.
A PSP não vai tolerar cortes de estrada, mas garante que os agentes vão
agir com “bom senso”. E, descartando a colagem destes movimentos às ações
violentas em França, promete que “todas as ações de potencial criminoso serão
levadas a tribunal”. Uma fonte da PSP garante que não se toleram cortes de
estradas, mas que se agirá “com bom senso” em episódios mais extremos:
“Qualquer colagem ao que aconteceu em França
é um exagero. Nada aponta nesse sentido. Mas todas as ações de potencial
criminoso serão levadas a tribunal”.
Quanto a elementos ligados aos episódios que ocorreram nos últimos sábados em
França terem viajar para Portugal para participar no evento, PSP resposta diz
não ter informações que colem iniciativas às nossas. Também não foi preciso as
autoridades portuguesas irem a França para terem algum know-how sobre os tumultos nas ruas.
Os autores dos protestos queixam-se nas redes sociais da existência de
infiltrados das forças das autoridades nestes movimentos. Algo que a PSP nega
taxativamente:
“Teremos indivíduos à civil a monitorizar as
ações, mas não infiltrados. Será um acompanhamento selecionado e já trabalhado,
com base em intelligence.”.
No caso de a violência chegar às ruas, a PSP tem o Corpo de Intervenção de
reserva “para qualquer eventualidade de desordem pública”. Mas a mesma fonte é
taxativa:
“Nunca confundiremos uma parte com o todo.
Estamos preparados operacionalmente. Temos todo o efetivo operacional no
terreno à exceção dos que estão de férias.”.
***
Protestos destes não inéditos em Portugal.
Há 10 anos, o MUSP (Movimento dos Utentes dos Serviços Públicos) organizou um buzinão na Ponte 25 de Abril contra o
aumento dos combustíveis e do custo de vida, que se estendeu a outras cidades. Passavam
14 anos do grande bloqueio da Ponte pelos camionistas, em 1994, contra o
aumento das portagens de 100 para 150 escudos. A 12 de março de 2011, as manifestações
da “Geração à Rasca” mobilizaram mais
de 100 mil pessoas em Lisboa contra a precariedade. Um ano depois, a 15 de
setembro, o movimento “Que se Lixe a
Troika” punha nas ruas um milhão de pessoas contra a austeridade.
Para quem organizou tais manifestações, a este protesto falta “clareza”,
“objetivos concretos” e rostos. É aí que reside o risco. E penso que o caderno reivindicativo
é muito extenso e, nalguns casos, implica a revisão da Constituição (vg redução
do numero de deputados para metade). Esperemos.
2018,12.20
Louro de Carvalho
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