O presidente do Eurogrupo, Mário Centeno, acreditava que haveria uma
resposta económica à pandemia e o acordo possível firmou-se no dia 9 de abril, após
16 horas de negociação, com a criação de três proteções ou redes de segurança,
para os trabalhadores (SURE), as
empresas (BEI) e os Estados (MEE). E os ministros aplaudiram o acordo que aprovaram.
Criado na sequência da crise das dívidas soberanas, o MEE (Mecanismo
Europeu de Estabilidade) será agora usado.
Todos os ministros das Finanças concordavam com o seu uso, mas divergiam nas
condições em que esses empréstimos podem ser dados. Agora o acordo passa pelo
uso da linha de crédito de precaução (ECCL, na sigla inglesa) “ajustada à luz deste particular desafio”, com juros
baixos, como proteção para os Estados-membros da Zona Euro afetados por este
choque.
Tanto no comunicado como na conferência de imprensa, o presidente do
Eurogrupo repetiu:
“O único requisito para ter acesso a esta
linha de crédito é que os Estados-membros da Zona Euro que peçam este apoio têm
de comprometer-se a usar esta linha de crédito para financiar, a nível
nacional, os custos diretos e indiretos relacionados com os
cuidados de saúde, a cura e a prevenção relacionada com a crise Covid-19”.
Segundo Mário Centeno, esta “não é uma definição apertada”, antes a porta a
diferentes interpretações sobre para que fins poderá ir este dinheiro. Porém, os
Governos têm de “reforçar” as suas condições económicas e financeiras em linha com
as regras europeias, embora com a “flexibilidade aplicada” pela Comissão
Europeia – condição que Mário Centeno desvalorizou, aduzindo que, se os países
estão sustentáveis antes da crise, também o estarão quando a pandemia passar. Efetivamente
como referiu, “todos os países devem fazer todos os esforços para recuperar o caminho
da sustentabilidade”.
O apoio da linha de crédito tem de ser aprovado pelo MEE com base na
avaliação feita pelos técnicos da Comissão Europeia, em conjunto com o BCE (Banco
Central Europeu). Todavia,
não há referência a linha de crédito para o apoio económico que os Estados têm
de dar, como por exemplo em lay-off. E o Ministro das Finanças holandês, Wopke
Hoekstra, esclareceu que as linhas de crédito do MEE ajudarão os países “sem
condições para as despesas de saúde”, mas o apoio económico terá condições,
faltando saber quais são elas.
O dinheiro disponível do MEE será até 2% do PIB de cada Estado-membro, num
total de 240 mil milhões de euros, devendo o apoio estar pronto “dentro de duas
semanas” e disponível enquanto durar a crise pandémica. De facto, o objetivo é evitar a crise das dívidas soberanas quando
a dívida pública dos países começar a disparar face à queda do PIB e ao aumento
do défice. Contudo, vários economistas olham este valor emprestado pelo MEE a
juros baixos como um valor pequeno para o possível impacto económico da
pandemia na Zona Euro.
A proteção criada pela Comissão Europeia é SURE e é uma camada adicional de proteção ao emprego
que os Estados terão à sua disposição. São 100 mil milhões de euros que este
programa disponibilizará aos países também através de empréstimos, sendo que o
processo legislativo para que este instrumento fique operacional o mais
rapidamente possível começará em breve.
A outra proteção, dedicada às empresas, vem do BEI (Banco
Europeu de Investimento), iniciativa
que passa pela criação dum fundo pan-europeu de garantias de 25 mil milhões de
euros que alavancará, logo que possível, 200 mil milhões de euros de
financiamento para as empresas europeias, com um especial foco nas PME, através
de bancos de fomento nacionais.
***
Não foi descartada de vez a mutualização da
dívida. Os países favoráveis
mantiveram essa possibilidade em cima da mesa e os países contrários também
impuseram uma referência a outras possibilidades de financiamento. Como
sintetizou Centeno, “alguns Estados-membros querem uma emissão conjunta de
dívida” enquanto outros querem que se encontrem “formas alternativas” de
financiar o plano económico de recuperação da Zona Euro. O Ministro das Finanças italiano garantiu que “os eurobonds foram colocados em cima da
mesa”, mas o Ministro das Finanças holandês continua contra os eurobonds por este conceito não ajudar a
Europa ou a Holanda no longo prazo. Por isso, a bola passará de novo para o Conselho
Europeu.
Sendo certo que haverá um Plano Marshall ou Von
der Leyen, ainda não tem uma definição. Sobre isto, Centeno, sustentando que “temos de crescer em conjunto e
não separados”, explicou que o “próximo orçamental europeu será essencial”
para esta recuperação, pois será dentro do orçamento plurianual da UE que vai
ser criado um “fundo de recuperação” temporário para financiar investimentos a
prazos longos para uma “economia melhor” no futuro.
Paolo Gentiloni, comissário europeu para a economia defende “mais financiamento via orçamento comunitário” e assegura
que existe apoio amplo dos Estados para este fundo de recuperação. Faltando decidir o seu tamanho e ‘timing’,
aguardam-se as linhas de orientação do Conselho Europeu, para o que que
há “diferentes opções”. Porém, este fundo tem de estar preparado para quando a
recuperação começar.
É obviamente relevante o MFF (orçamental plurianual da UE) na recuperação económica, mas são de relembrar as
dificuldades da negociação do orçamento dos próximos anos com vários países a
bloquear o aumento da sua dotação e a pedir a redução do seu tamanho, bem como
o das contribuições nacionais. Assim, a Comissão deverá adaptar a proposta de
orçamento plurianual aos novos desafios e construir o plano de recuperação e o
plano de ação para o pós-pandemia.
***
Ora, como dizem os especialistas, o acordo do
Eurogrupo deixa mais dúvidas que certezas.
Os coronabonds estão fora do acordo, mas
ainda estão em cima da mesa. Os empréstimos não têm condições prévias, mas não
podem ajudar a economia. São 500 mil milhões de euros que não deixam nenhum
governo contente, a não ser o alemão.
As
principais decisões são as que já estavam em cima da mesa há duas semanas: a
linha de crédito do MEE, disponível dentro de duas semanas; o aumento da
capacidade de empréstimo do BEI; e o novo regime de seguro de desemprego de 100
mil milhões de euros proposto pela Comissão Europeia. E os ministros acordaram em
criar um fundo de recuperação “temporário e específico” para ajuda à
recuperação económica pós-crise do novo coronavírus, mas ainda não se sabe a
dimensão e as fontes de financiamento desse fundo.
O economista Ricardo Paes Mamede entende que “é um grande salto para a
zona euro, mas um pequeno salto na resolução dos problemas que enfrentamos”, ao
passo que Ricardo Cabral, economista e professor no ISEG,
recomenda que Portugal não recorra a nenhum destes instrumentos, por várias
razões, mas sobretudo porque a condicionalidade será demasiado arriscada,
quando o país pode recorrer aos mercados para se financiar (com o BCE a
garantir a compra de dívida pública). E este
economista, alertando para o alto risco de a Europa se desintegrar, conclui que
“as respostas à crise continuam a ser nacionais, e o risco também é nacional”.
O
eurodeputado comunista João Ferreira retém da reunião do Eurogrupo “as
profundas contradições no seio da UE, a ausência gritante de solidariedade e de
medidas adequadas à dimensão dos problemas e uma tão cínica como indisfarçável
cedência aos interesses das principais potências europeias e dos grandes grupos
económico-financeiros”.
Por sua vez, o analista de política internacional Bernardo Pires de Lima
salienta a importância do acordo, que lhe parece “um bom acordo político numa
situação de tensão in extremis”, pois “a história da integração europeia é feita disso”, sendo
que “provavelmente o acordo tem um alcance técnico e económico aquém da
depressão que aí vem”. E regista a rapidez
deste acordo em comparação com os anos de impasse que se viveram durante a
crise da dívida.
Portugal
poderia receber, graças às medidas aprovadas pelo Eurogrupo, um empréstimo de
quatro mil milhões de euros do MEE, mas Ricardo Cabral duvida que esse apoio condicionado,
possa ser útil, pois “dará para um ou dois meses”. Além disso, persistem
dúvidas sobre como pode o dinheiro dessa linha de crédito ser aplicado, por
exemplo, na economia.
O “The
New York Times” refere, em
editorial:
“A questão a colocar é a de saber qual é o sentido de qualquer união se
não consegue encontrar a unidade quando é mais necessária, quando o que faz, ou
não faz, irá moldar a sua identidade durante muito tempo e, possivelmente, o
seu destino”.
Nestes termos, pergunta-se o que aplaudiram os ministros. A maioria dos
participantes na reunião (13 em 19) sentiu que o acordo não
chega ao necessário. Portugal, Bélgica, França, Itália, Luxemburgo,
Espanha, Grécia, Eslovénia e Irlanda (a que se juntaram, no Conselho de
chefes de Estado e de Governo, Lituânia, Eslováquia, Malta e Chipre) têm derrota clara. Estes países, em carta
conjunta de 26 de março, exigiam que a UE “trabalhe num instrumento de dívida
comum emitido por uma instituição europeia para angariar fundos no mercado na
mesma base e para o benefício de todos os Estados membros”. Porém, o acordo não
prevê qualquer dívida comum. Mas também os países que se opõem a coronabonds (dívida europeia para financiar a crise), exceto a Alemanha, não venceram. Com efeito, Holanda, Áustria e Finlândia foram a minoria
de bloqueio a qualquer plano ambicioso, rejeitando o plano dos coronabonds e qualquer mecanismo de
empréstimo de dinheiro comunitário sem condições férreas que obrigassem os
países devedores a planos de ajustamento (austeridade). Assim, o acordo dá-lhes meia vitória: não há dívida
comum e os empréstimos do MEE são destinados à saúde, mas não valeu o argumento
da austeridade.
Na Holanda, a posição do Ministro das Finanças
não é consensual. A
coligação de Governo chefiada por Mark Rutte tem 4 partidos (liberais,
democratas-cristãos, de centro e de direita) e nem todos defendem o mesmo que o ex-executivo da petrolífera Shell
defende no Eurogrupo. Quando Hoekstra sugeriu que a Comissão investigasse porque não
foram os países mais atingidos pelo novo coronavírus (Itália e
Espanha) capazes de ter sistemas de saúde
eficazes – o que António Costa considerou “repugnante” – trovejaram os protestos
em Haia. Rob
Jetten, o líder do grupo parlamentar do D66 (um dos partidos da coligação), escreveu um texto muito crítico e pediu que fosse
publicado em vários jornais do sul da Europa.
“Enquanto hospitais alemães admitiram holandeses e quase todos os outros
países europeus trocaram pacientes e equipamentos de proteção uns com os
outros, a Holanda mostrou o seu lado mais mesquinho. (...) Wopke Hoekstra, do
CDA [partido da coligação de governo, democrata-cristão] aproveita este momento
de crise humanitária para dar lições de disciplina orçamental aos europeus do
sul gravemente afetados. É o dedo dum contabilista no meio dum sofrimento
humano desolador.”.
E Jetten
lança a farpa cheia de sarcasmo: “Tal
como este governo, apesar da boa vontade, não consegue acabar de uma vez com a
reputação holandesa de ser um paraíso fiscal”.
Além do conflito na coligação, vários economistas, professores
universitários e banqueiros holandeses escreveram em carta aberta muito crítica:
“A posição holandesa sobre o financiamento conjunto de uma abordagem
europeia à crise do coronavírus causou incompreensão e frustração sem
precedentes nas últimas semanas. Como economistas holandeses, também nós
consideramos a posição holandesa injustificável. Exortamos o governo holandês a
mudar de rumo agora e a apoiar uma abordagem europeia.”.
O resultado
não apazigua estas divergências na Holanda, nem permite aos duros clamar
vitória junto das suas bases: o MEE poderá emprestar dinheiro sem memorandos de
austeridade.
Sobra o mais
importante dos membros do Eurogrupo: a Alemanha. Em Berlim, a vitória é clara.
O Governo defendeu, desde o início das negociações, que este não era o momento
para criação duma dívida comum, mas nunca fechou essa porta, nem se opôs à
primeira das reivindicações italianas, que era a de não haver qualquer condição
específica, acordada individualmente com os países, para os empréstimos do MEE.
Se esse crédito europeu fosse acompanhado, como defendia a Holanda, por
condições de ajustamento económico específicas e prévias, o Governo de Roma
rejeitaria a proposta e alimentaria o discurso da oposição populista da Liga de
Salvini.
A Alemanha jogou toda a sua força diplomática para que o Eurogrupo
decidisse como acabou por decidir: um plano moderado capaz de convencer
holandeses e italianos. E foi por isso que a reunião do dia 9 se atrasou, para os
representantes da Alemanha, França, Itália e Holanda, negociarem um
compromisso.
Para
Hoekstra, a Holanda manifestou forte desejo de ajudar nos cuidados de saúde que
estejam relacionados com o coronavírus,
mas com a condição de por cada euro gasto na economia se aplicarem “as regras
normais”. E Roberto
Gualtieri, Ministro das Finanças italiano, afirmou “que a condicionalidade está
fora de questão quanto à utilização do financiamento do MEE”.
No extenso
relatório do Eurogrupo, lê-se que, embora não haja condições prévias
específicas para cada país atinentes aos empréstimos do MEE, os Estados que a
eles recorram têm de se comprometer a seguir as orientações económicas da UE
logo que a crise acabe – o que já estava previsto na proposta alemã.
Assim, além
dos empréstimos do MEE, há outros pontos consensuais no acordo, como a criação
pelo BEI dum fundo de garantia de 25 mil milhões de euros, que pode apoiar um
financiamento de 200 mil milhões de euros para as pequenas e médias empresas, e
o plano da Comissão Europeia para criar
empréstimos temporários destinados à proteção do emprego, conhecido como SURE. Contudo, apesar dos esforços, públicos
de entendimento entre Merkel e Macron, restam várias dúvidas para o futuro.
Por exemplo, Berlim
e Paris não estão perto de nenhum acordo para a criação de dívida comum. E,
embora Centeno tenha dito que os coronabonds
não estão afastados da discussão e que “precisamos de pensar no futuro e
preparar as nossas economias para uma estratégia de saída desta crise, um plano
para a recuperação”, deixou claro que não deixa de ser verdade que, enquanto alguns
Estados opinaram que a forma de recuperar a economia deveria ser feita através
de instrumentos de dívida comuns, outros disseram que devem ser encontradas
formas alternativas.
Salva-se a
tímida menção a este debate no relatório do Eurogrupo, que admite a possibilidade
da criação de “instrumentos financeiros inovadores, coerentes com os Tratados
da UE” para financiar a recuperação económica.
***
Em suma, este acordo é melhor que nada, mas é de perguntar para onde vai
o projeto europeu e de responsabilizar os líderes por estas medidas assaz
frouxas. A Europa merece mais e melhor!
2020.04.11
– Louro de Carvalho
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